A presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Bonciani Nader, ministrou no dia 3 de outubro a Haddad Distinguished Lectureno David Rockefeller Center for Latin American Studies em Harvard. Ao lado da também Acadêmica Marcia Caldas de Castro, que coordenou o evento, Nader trouxe um histórico do desenvolvimento científico nacional para abordar o tema “Por que o Brasil deve priorizar investimentos estratégicos em ciência, tecnologia e inovação para um futuro sustentável”.
O Brasil começou atrasado a desenvolver sua ciência. Mesmo na América Latina, no México e no Peru, universidades já existiam no século 16. Por aqui, as primeiras instituições de pesquisa foram surgir no século 19, e as primeiras universidades só no século 20. As primeiras agências de fomento, Capes e CNPq, surgiram em 1951, e só no fim da década de 60 e início de 70 começaram a surgir com mais força os programas de pós-graduação.
Esse sistema se consolidou até o fim do século 20. Até que, no século 21, passou por uma expansão, tanto territorial quanto no conjunto da população que passou a alcançar. “A expansão dos programas de pós-graduação de qualidade nesse novo século é real e deveria ser mais comentada, pela mídia e por todos nós”, defendeu a presidente da ABC.
Mas o Brasil ainda tem muito a avançar. Apesar de ser o 13º maior produtor de artigos científicos do mundo, o país é apenas o 49º no Índice Global de Inovação, mostrando que a pesquisa de ponta feita nas universidades ainda não chega na sociedade. Nos últimos anos, o país viu a sua produção científica e o seu número de graduandos e pós-graduandos encolher. “Precisamos urgentemente entender o que está acontecendo”, alertou Nader.
O número de jovens que não estudam nem trabalham cresce cada vez mais, enquanto os que ainda procuram o ensino superior são, em maioria, absorvidos por um sistema privado no qual o país tem muito pouco controle sobre sua qualidade. Esse fenômeno se intensificou durante a pandemia, com essas instituições adotando em peso o modelo de ensino à distância (EaD). “O EaD é importante, veio para ficar, mas é preciso existir algum tipo de contato presencial que a maioria desses cursos não oferece”, defendeu Nader.
Para além da ciência, ainda ocupamos apenas o 89º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e temos uma economia que cresce aos solavancos, incapaz de atingir todo seu potencial. Esse cenário é agravado quando consideramos que o crescimento populacional caiu muito, fazendo com que o país esteja no fim de sua janela demográfica. Isso quer dizer que teremos uma população envelhecida, menos capaz de desenvolver, mais cedo do que gostaríamos. “Temos um grande caminho a percorrer”, sumarizou a presidente da ABC.
Para avançar, o país precisará alavancar seu investimento em ciência. Hoje o Brasil investe cerca de 1,3% de seu Produto Interno Bruto (PIB) no setor, enquanto países desenvolvidos, em média, ultrapassam os 2%. A 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5ª CNCTI) estabeleceu como meta chegar a 1,6% em 2028 e 2,5% em 2035, resta saber se seremos capazes de cumprir. “A China nos anos 2000 investia menos do que nós e hoje está em torno de 2,4%. No Brasil temos o Fundo Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) que é excelente, mas virou uma tábua de salvação. O FNDCT sozinho não será capaz de investir o tanto que precisamos”, afirmou.
Para isso, será preciso alavancar o investimento privado, cuja ausência é uma das principais razões da disparidade entre produção cientifica e inovação no país. “Estou cansada de citar a Petrobras e a Embraer, temos exemplos de qualidade mais recentes, como a WEG e a Natura, duas líderes mundiais que investem muito em pesquisa e desenvolvimento. Temos também a Embrapii, cujo modelo de investimento conjunto entre Estado, instituições de pesquisa e setor privado já é um grande sucesso”, listou.
A presidente da ABC lembrou também que o país já é uma liderança no desenvolvimento de tecnologias sustentáveis para a agricultura e tem todas as vantagens comparativas para ser um exemplo global em energia renovável e biocombustíveis. “Temos áreas em que fazemos muito, mas em outras fazemos muito pouco. Na saúde temos uma dependência de empresas estrangeiras que geram zero inovação no país. A ideia do Ministério da Saúde de fortalecer o complexo econômico e industrial da saúde visa melhorar isso. Não beneficiaria só o Brasil, mas todo o Sul Global, que ficou de mãos atadas na pandemia”, exemplificou.
Por fim, Nader defendeu uma maior colaboração com o exterior, fazendo um apelo à plateia, onde estavam pesquisadores brasileiros que deixaram o país para seguir suas carreiras. “O que peço é que vocês colaborem com o Brasil e com os pesquisadores que lá estão. Não é preciso voltar, claro que seria ótimo, mas há muito que vocês podem fazer pelo país estando no exterior”, defendeu.
Os indígenas brasileiros, antes da colonização portuguesa, apresentavam uma desigualdade social diferente da sociedade moderna. Essas desigualdades estavam relacionadas a fatores como prestígio, poder e acesso a recursos naturais, e não à acumulação de riqueza material.
Em muitas sociedades indígenas, a liderança e o prestígio eram conquistados por meio de habilidades específicas, como a capacidade de caça, conhecimento medicinal ou habilidades de liderança. Esses líderes, conhecidos como caciques ou pajés, tinham um status elevado dentro da comunidade, mas isso não significava necessariamente uma grande diferença em termos de riqueza material, já que a maioria dos recursos era compartilhada coletivamente.
Além disso, a organização social variava bastante entre as diferentes tribos e etnias, com algumas sendo mais igualitárias e outras apresentando hierarquias mais definidas. No entanto, a chegada dos colonizadores europeus e a subsequente imposição de um sistema econômico e social diferente exacerbaram as desigualdades e trouxeram novos desafios para as comunidades indígenas.
O Simpósio e Diplomação dos Membros Afiliados da ABC 2024-2028 da Região SP foi realizado no dia 1o de outubro, na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, em Piracicaba, no interior do estado de São Paulo.
O vice-presidente da ABC para a Região SP, Glaucius Oliva, que compôs a mesa com a diretora da Esalq, professora Thais Vieira, apresentou os cinco pesquisadores de excelência diplomados na ocasião, eleitos para a ABC no final de 2023 por cinco anos. Ele destacou o contexto em que os novos membros da ABC estão assumindo esse novo compromisso com a ciência: um período marcado por sucessivos cortes no financiamento da educação e da ciência, um tempo de negacionismo científico, com desinformação numa dimensão nunca concebida.
“É um tempo de ideias nefastas e estapafúrdias como o terraplanismo, a negação da evolução darwiniana, a negação das mudanças climáticas geradas por ação humana, a negação do impacto positivo das vacinas como forma de imunização no combate a epidemias mortais, enfim… esses são apenas alguns exemplos de ideias que hoje correm soltas pela sociedade, fundamentalmente difundidas através das redes sociais, alimentadas por ‘blogueiros’, ‘influenciadores’, que usam da desinformação como forma de atrair o seu público”, apontou Oliva, acrescentando que são movidos por motores econômicos e de poder.
Para lidar com essa circunstância, a ABC montou dois grupos de trabalho, compostos por Acadêmicos e especialistas convidados: um para estudar a desinformação científica e outro para debater a evolução darwiniana da forma mais ampla possível.
O trabalho resultou em duas publicações: “Desafios e estratégiasna luta contra a desinformação científica” e “Evolução é Fato”, que busca explicar o processo de adaptabilidade das espécies como diferença para a seleção natural com muitos exemplos brasileiros. “O livro tem capítulos sobre aspectos bem variados da evolução e é muito significativo nesse momento”, ressaltou o bioquímico.
Oliva ressaltou que esse momento requer um esforço redobrado de todos que trabalham no âmbito da ciência “pelo restabelecimento da razão e dos marcos civilizatórios que delineiam o mundo moderno, através da forte comunicação com a sociedade sobre a importância e o valor da ciência na vida humana em todas as suas dimensões”. Para o vice-presidente da ABC para a região SP, o conjunto de apresentações dos novos membros afiliados da ABC “é uma prova de que a ciência brasileira está viva e pujante, assim como o fato deste evento estar sendo realizado na USP, a maior universidade do Brasil, considerada entre as 100 melhores do mundo. A ciência brasileira mostra sua força, prova que sobreviveu aos ataques do governo anterior, tendo hoje qualidade e escala para responder às demandas do Brasil em busca de um país socialmente justo”, disse Glaucius Oliva.
Por fim, o Acadêmico destacou que foi a excelência do trabalho científico deles que os levou até ali. “Sua eleição para a ABC os coloca agora na dianteira na luta pela ciência e pela educação no Brasil. Além do trabalho brilhante que vocês têm realizado em seus laboratórios e sala de aula, vocês agora assumem novas responsabilidades com a luta pela ciência, sua divulgação e popularização. Sejam muito bem-vindos e mãos à obra”, concluiu.
Foram diplomados cinco pesquisadores de excelência, eleitos para a ABC por cinco anos.
Para saudar os novos membros afiliados foi convidado o professor do Departamento de Ciência do Solo da Esalq/USP, Maurício Roberto Cherubin, eleito para o período 2023-2027 na ABC. Ele destacou o compromisso da ABC com a excelência científica e com o desenvolvimento do país, reforçando a ideia de que o momento exige colaboração, que é mais importante do que nunca. “Na ABC vocês encontrarão um ambiente propício para o diálogo. Desejo que aproveitem ao máximo as oportunidades de aprendizado e as redes de colaborações que a Academia oferece. Juntos, temos a chance de enfrentar os desafios atuais e moldar o futuro da ciência no Brasil”, concluiu.
Larissa Dias da Cunha agradeceu em nome dos diplomados e destacou o papel dos jovens cientistas no desenvolvimento sustentável e inclusivo do Brasil. “Na Cúpula do S20 Brasil, cinco temas científicos estratégicos foram destacados para a transformação mundial: inteligência artificial, bioeconomia, transição energética, desafios de saúde e justiça social. Esses temas dialogam diretamente com os desafios que estamos enfrentando como nação: o enfrentamento da disseminação massiva e metódica de desinformação, secas, queimadas, alagamentos devastadores, assim como a necessidade urgente de criar e compartilhar conjuntos de dados científicos grandes e bem-organizados, respeitando a sua governança”, apontou Larissa.
Além disso, a Acadêmica ressaltou o desafio enfrentados pelas universidades e centros de pesquisa públicos de promover maior equidade e diversidade, “tanto em suas composições quanto na orientação de suas atividades para a sociedade, felizmente em um cenário de crescente conscientização e que exige tomada de ações práticas para sanar as nossas injustiças sociais”, avaliou. Por outro lado, Larissa da Cunha evidenciou o problema crônico do financiamento de grupos de pesquisa já estabelecidos, “que convivem há quase uma década com restrições nos aportes financeiros após um período de crescimento sem precedentes na virada do século. Como jovens pesquisadores, em diversas áreas, devemos nos engajar ativamente na construção de soluções para esses desafios.”
Ela resgatou as palavras inspiradoras da Acadêmica Elisa Reis em recente evento da ABC: “’O pessimismo é um luxo moral – a ciência que se rende ao pessimismo e ao fatalismo se nega’. Como membros afiliados da Academia Brasileira de Ciências, manter o otimismo será fundamental para que possamos agir de forma proativa diante do chamamento da sociedade, e para que nos mantenhamos firmes no propósito da ciência como uma vocação comprometida a derrubar certezas, quando essas já não refletem a realidade.”
Por fim, a pesquisadora exaltou o chamado da ABC. “A Academia Brasileira de Ciências nos convoca a participar de maneira proativa nos seus diversos grupos de trabalho, somos chamados a promover o conhecimento e a inovação em um país que necessita da ciência para superar crises e prosperar. Como diz a professora Helena Nader, educação e ciência são investimentos, e não despesas. Essa visão nos guia e esperamos vê-la cada vez mais presente nas decisões da sociedade e dos gestores públicos, apontou.
Em nome dos novos afiliados, agradeceu a eleição para fazer daquela prestigiada comunidade. “Estamos prontos para colaborar com todos os membros desta Academia, enfrentar os desafios futuros e contribuir para um Brasil mais promissor e sustentável”, concluiu.
Transição energética, meio ambiente e sustentabilidade
Este foi o tema da aula magna proferida pelo Acadêmico Julio Meneghini (USP), que é diretor científico do Centro de Pesquisa para a Inovação em Gases de Efeito Estufa da Universidade de São Paulo (RCGI/USP). Ele é físico, engenheiro civil e doutor em engenharia aeronáutica.
“Estamos há anos discutindo sobre as mudanças climáticas. Hoje, no entanto, a questão já evoluiu para uma emergência climática”, alertou o cientista. “Não vai ser uma área sozinha que vai dar uma solução. É um desafio a ser enfrentado com transdisciplinaridade”, apontou o Acadêmico.
Os números são alarmantes e nenhum objetivo do desenvolvimento sustentável será alcançado – como acabar com a fome – sem que antes se enfrente a questão climática. “Ela perpassa tudo”, afirmou o pesquisador.
“Temos potencial de liderança na transição energética”, disse Meneghini. “As emissões de maior peso do Brasil dizem respeito ao uso da terra, o desmatamento, as queimadas. Nos outros países, em geral, a questão é de matriz energética. De acordo com o especialista, o Brasil tem boas perspectivas em termos de matrizes energéticas sustentáveis, embora hoje ainda esteja longe disso. As oportunidades são muitas, por conta da biodiversidade e da abundância de recursos naturais. “Temos potencial em bioenergia, hidrogênio verde e energia eólica offshore. Temos capacidade de inovação em tecnologias limpas. Podemos desenvolver agricultura sustentável e soluções baseadas na natureza”, pontuou.
Ele apresentou diversas linhas de pesquisa que desenvolve em seu laboratório, como a produção de eletricidade limpa a partir de etanol. Ele é transformado em energia limpa, eficiente e como baixas emissões, por meio de células a combustível de óxido sólido (SOFCs). Outro exemplo que apresentou foi de um trabalho que está sendo desenvolvido em São Carlos e no CNPEM, de tecnologias fotocatalíticas para produção de hidrogênio verde. “Na Esalq estão buscando soluções baseadas na natureza, como a captura de carbono pelas florestas e pela agricultura sustentável, com iniciativas de reflorestamento e manejo sustentável no Brasil. Como benefícios adicionais, se faz a proteção da biodiversidade e apoio à economia rural”, apontou o pesquisador.
A questão de terras degradadas no Brasil, segundo Meneghini, tem um potencial enorme. Se elas forem recuperadas, se pode reflorestar parte e usar outra parte para gado e agricultura. “Temos ciência para juntar a floresta com a agricultura e as pastagens, é possível conciliar o crescimento econômico e a preservação ambiental. Temos potencial para colaboração internacional em projetos de grande impacto. E é por aí o papel dos jovens cientistas em moldar o futuro energético do país”, disse o palestrante.
No entanto, entre o potencial do país e sua realização há um processo, que requer investimento em pesquisa, assim como colaboração entre ciência, indústria e governo para maximizar seu impacto. “Precisamos recuperar o que foi perdido nos últimos anos e avançar no financiamento para evitar uma tragédia climática. Mas isso só vai se realizar se o Brasil não perder as oportunidades”, finalizou.
No dia 2 de outubro, a presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Bonciani Nader, foi convidada pela Universidade de Harvard, EUA, para uma conversa sobre como alavancar a participação feminina na ciência. A moderadora foi a também Acadêmica Marcia Caldas de Castro, professora da Harvard T. H. Chan School of Public Health e diretora do Programa de Estudos Brasileiros do David Rockefeller Center for Latin American Studies, ambos departamentos de Harvard que organizaram o encontro.
Nader lembrou que a primeira mulher eleita como titular da ABC foi a bióloga Marta Vannucci no ano de 1966, quando a Academia já completava 50 anos de existência. No ano de 2007 as mulheres eram apenas 7% dos membros ativos, número que aumentou para 28% nos dias atuais. “O que eu defendi quando assumi o cargo de vice-presidente na gestão Luiz Davidovich foi a busca ativa por mulheres com potencial de ingresso. Nós descobrimos que as mulheres ainda se inscreviam em uma proporção muito menor do que os homens para se tornarem membros. Sabemos que ainda não é o número ideal, ainda não representa a participação feminina na ciência brasileira, mas estamos avançando”, explicou Nader.
A presidente da ABC também reconheceu que a Academia ainda está atrás na representatividade étnica brasileira. “Ainda temos muito poucos representantes negros, que são mais da metade da população brasileira, e temos apenas um indígena, Davi Kopenawa, como membro correspondente”.
Segundo ela, o problema da representatividade vem sendo atacado na graduação graças às ações afirmativas, que permitiram às universidades públicas se tornarem mais plurais. Entretanto, ainda é preciso garantir a permanência de alunos pertencentes a minorias sociais nesse ambiente. “As pessoas precisam se sustentar na graduação e infelizmente os valores das bolsas ainda não são suficientes”.
Em outro ponto, Márcia Castro questionou sobre como lideranças científicas podem lidar com a desinformação crescente. Para Nader, essa é uma questão não trivial sobre como é possível falar, de forma simples e direta, com a população. “A seca histórica que o Brasil vive, as enchentes que afetaram o sul brasileiro e que hoje afetam o estado da Georgia nos EUA, tudo isso aconteceu enquanto alguns negam as mudanças climáticas. É por isso que precisamos criar um canal de diálogo com as pessoas. Quando perguntamos ao público sobre o que é a ciência ou o nome de um cientista, muitos não sabem responder. Precisamos mostrar que seus celulares, seus remédios e quase tudo que usam é fruto da ciência”, respondeu.
Castro perguntou também sobre como foi liderar o S20, o grupo que reúne as academias nacionais de ciência do G20, para produzir recomendações aos chefes de Estado. “Em setembro, a Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou o Pacto para o Futuro, um acordo para que os países membros voltassem a cumprir um acordo anterior, a Agenda 2030. Estou cansada de acordos não cumpridos, o que você espera da Cúpula do G20 em novembro para que este não seja mais um?”, indagou.
Nader explicou que o S20 foi organizado em torno de cinco grupos de trabalho com os temas Inteligência Artificial, Bioeconomia, Transição Energética, Saúde e Justiça Social. O documento final foi aprovado por 19 dos 20 países do bloco.
“Espero que levem a justiça social em consideração, senão não iremos sobreviver. Quando falo em justiça social, há diversas ‘justiças’ para levar em consideração, como a climática. Se não fizermos nada com relação à temperatura, teremos migrações em massa e mais guerras surgirão. Nossos governos não estão prestando atenção no que a ciência diz”, lamentou a presidente da ABC.
A bióloga Larissa Dias da Cunha, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto e nova afiliada da Academia Brasileira de Ciências (ABC), sempre cultivou o gosto pela leitura e pelo aprendizado, e hoje é entusiasta da ideia de fazer ciência no Brasil, mesmo com todos os percalços e a gangorra no financiamento.
Nascida e criada em Brasília, Larissa é a mais velha das três filhas de Alice e Fernando. Apesar de adorar atividades ao ar livre, ela própria se descreve como uma “rata de biblioteca”, ambiente onde adquiriu o amor pelos livros que só cresce. A origem na capital federal é simbólico para alguém cuja família é composta por pessoas do norte ao sul do país, diversidade cultural que ela muito se orgulha e faz questão de destacar.
Mas apesar de ser bióloga, suas matérias favoritas na escola eram as que envolviam matemática, e não tinha aptidão especial pelas ciências da vida. Isso mudou apenas no ano do vestibular, graças às excursões que fazia com o colégio à Universidade de Brasília. “O pouco do que eu havia visto do Instituto de Ciências Biológicas e do trabalho dos pesquisadores me fascinou. Lembro-me particularmente de uma visita ao laboratório de Biologia Molecular e do entusiasmo ao sair de lá”, conta.
Após essa experiência, a jovem não teve dúvida e optou por ingressar no curso de Ciências Biológicas da UnB. Lá ela começou a fazer iniciação científica ainda no primeiro período, no Laboratório de Microscopia Eletrônica, após explorar as complexidades das células num microscópio de transmissão. “Uma simples estratégia didática, que era usada para estimular o interesse dos alunos ingressantes, despertou minha vontade de integrar o laboratório e explorar essa ferramenta incrível”, lembra.
Foi no laboratório onde Larissa conheceu sua primeira orientadora, a professora Sônia Nair Báo, a quem tem como referência. “O seu engajamento em manter um laboratório produtivo, seu suporte para que os alunos se envolvessem com a comunidade científica e seu comprometimento com o fortalecimento do setor acadêmico como política pública para o país influenciam até hoje a minha vontade de fazer ciência no Brasil”, afirma a cientista.
Sua trajetória na graduação a levou direto para o doutorado na Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, onde hoje é professora. Foi quando conheceu seu segundo orientador e outra referência na carreira, o professor Dario Zamboni. “O professor Zamboni sempre se preocupou em estimular seus orientandos a buscarem perguntas relevantes, e se dedicarem a encontrar respostas da melhor forma possível, sempre questionando nossos achados e não se contentando com conclusões parciais. Também me marcou seu comprometimento em nos oferecer as melhores oportunidades e seu entusiasmo por fazer pesquisa no Brasil”, descreve.
Após o doutorado, Larissa acumulou duas experiências de pós-doutorado, na USP e no St. Jude Children’s Research Hospital, nos Estados Unidos. Ao retornar para o Brasil, ingressou como professora na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, onde trabalha com os mecanismos de regulação e sinalização dos “fagócitos profissionais”, como macrófagos e células dendríticas, componentes do nosso sistema imunológico que reconhecem e capturam patógenos.
“Particularmente, o meu maior interesse é entender como os diferentes compartimentos intracelulares se comunicam no processo de montagem de uma resposta adequada por esses fagócitos profissionais. Uma aplicação dessa ciência é descobrir novos alvos farmacológicos para controlar o processo inflamatório, ou entender se alvos farmacológicos estabelecidos são de fato adequados”, explica.
Para a nova Acadêmica, nós somos o que pensamos e, por isso, o crescimento proporcionado por uma vida dedicada ao aprendizado e ao amadurecimento de ideias é o que a motiva todos os dias. “Na minha área, me encanta enxergar os fenômenos com técnicas incríveis, e compreender como a interação constante com diferentes organismos molda o que definimos biologicamente como ser humano”.
Ela segue apaixonada pela leitura, sobretudo de ficção contemporânea, e tomou gosto por pegar estrada para conhecer a diversidade enorme do Brasil, hábito que herdou dos pais. “Me sinto honrada com a titulação na ABC e espero participar das discussões para elaborar novas estratégias de atração de talentos para a ciência brasileira”, finaliza.
As disciplinas de ciências exatas do colégio exerceram grande influência em Igor Jurberg. “Tinha um bom desempenho e na época de escolher que carreira seguir, pareceu uma decisão natural continuar estudando algo relacionado a essas disciplinas”, relatou. “Me lembro de um professor de química do ensino médio que me perguntou ‘você vai fazer química, né?’, sem que eu nunca tivesse me pronunciado sobre o assunto. Mas acabei escutando como uma sugestão”, contou o pesquisador.
Nascido no Rio de Janeiro, em 1984, Igor morou na Tijuca com a mãe, arquiteta, e o pai, que era professor universitário na área da biologia. Ele tem um irmão gêmeo, Arnon, que é biólogo e professor universitário. Sua infância e juventude lhe trazem ótimas lembranças, especialmente de quando praticava vários esportes, principalmente polo aquático e handball. Ele reconhece que ter uma boa estrutura familiar e todo apoio foi muito importante ao longo dos anos. “Minha mãe, em particular, sempre me incentivou e me deu muitos exemplos de determinação e integridade. Ela faleceu em 2021 e eu lhe serei eternamente grato”, pontuou.
Sobre a escolha da profissão, Igor acha que foi um processo natural. Cursou dois anos de engenharia química na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFR)J e fez iniciação científica nesse período. “Foi uma experiência interessante, mas sinceramente, não foi algo que achei incrível, nem me inclinou à química naquele momento”, relatou.
Neste breve início na universidade, Igor ficou sabendo da possibilidade de se fazer um programa de duplo diploma entre a UFRJ e a École Polytechnique, em Paris, o que lhe pareceu uma oportunidade incrível. Ele realizou o processo de admissão que consistiu na redação de uma carta de motivação, a realização de duas provas orais de física e matemática, e uma entrevista com professores franceses que vieram ao Brasil especialmente para avaliar os candidatos brasileiros. Foi aprovado e se mudou para Paris em 2004
Na École Polytechnique, Igor conheceu o professor Samir Zard, quem contribuiu muito positivamente para seu interesse em pesquisa. Começou a frequentar um laboratório de química orgânica e a se fascinar pelo assunto, tanto pela teoria quanto pela parte experimental. Gradou-se em engenharia pela École Polytechnique, onde obteve depois o mestrado em química molecular e o doutorado em química orgânica. “Tenho muito respeito e admiração pelo professor Zard, que para mim foi um exemplo de gentileza e conhecimento científico. Foi quem me inspirou a fazer a pós-graduação em síntese orgânica”, disse Jurberg.
Em 2010 realizou um estágio no setor de pesquisa e desenvolvimento da Sanofi-Aventis (Paris, França) trabalhando no estudo de um medicamento anticancerígeno. Em seguida, efetuou estágios de pós-doutoramento no Instituto Max-Planck para Pesquisa do Carbono, em Mülheim an der Ruhr, na Alemanha, e no Instituto Catalão de Investigação Química (ICIQ), em Tarragona, na Espanha.
Durante os dois estágios de pós-doutoramento que fez, seus mentores foram os professores Nuno Maulide, no Max- Planck, e Paolo Melchiorre, no ICIQ. “São outros grandes profissionais que me ensinaram muito em termos de química orgânica e mentalidade de trabalho. Sou muito grato a eles”, afirmou.
O cientista voltou para seu país de origem em 2013, iniciando seu grupo de pesquisa na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo. Jurberg obteve a livre-docência em 2019 e foi promovido a professor associado no Instituto de Química da Unicamp em 2022, onde foi vice-chefe do Departamento de Química Orgânica durante o biênio 2018-2020. Leciona na graduação e na pós-graduação.
Ele é um dos fundadores da Seção da Sociedade Americana de Química no Brasil, tendo sido secretário no período 2016-2019 e presidente entre 2019 e 2021.
Igor Jurberg aplica seu conhecimento diretamente na área de química medicinal, visando o desenvolvimento de fármacos contra doenças parasitárias. Seu grupo tem alguns interesses distintos em síntese orgânica, focados em três linhas de pesquisa principais, que são flexíveis, dependendo do financiamento disponível: catálise assimétrica, fotoquímica e química de heterociclos. “Trabalho com fotoquímica orgânica, desenvolvendo novos métodos, empregando luz visível como agente promotor das reações químicas. A substituição da luz ultravioleta pela luz visível permite o desenvolvimento de métodos mais suaves e seletivos, assim possibilitando a invenção de uma grande variedade de novos procedimentos em síntese orgânica que não eram possíveis antes. Esses métodos podem ser empregados potencialmente em programas de química medicinal e na produção de materiais, incluindo polímeros. Visamos, quando possível, a transferência de tecnologia para a indústria, causando assim um impacto mais direto na sociedade”, explicou Jurberg.
O Acadêmico avalia que, na vida cotidiana, muitas pessoas tentam convencer outras de seus pontos de vistas, deformando os fatos. “Um pensamento mais científico, racional e menos emocional seria muito bem-vindo. Já na ciência, o certo e o errado são geralmente bem claros, não dependem do cargo ou do poder do interlocutor”, afirmou.
Por isso ele diz que, na ABC, gostaria de participar de discussões envolvendo a política de promoção e financiamento à ciência. “É preciso que ela tenha um maior reconhecimento da sua importância na vida da população brasileira. Gostaria de atuar na Academia, a qual agradeço muito a eleição, participando das discussões que visem uma maior promoção da ciência no país, estimulando o interesse dos mais jovens, assim como a criação de novas empresas baseadas em ciência e que empreguem PhDs”, afirmou.
Ele enfatizou sua gratidão a todos os colegas e mentores ao longo dos anos, destacando o Acadêmico Ronaldo A. Pilli, do Instituto de Química da Universidade de Campinas (Unicamp), pela atenção e pelas palavras sempre gentis.
Sobre seus interesses fora da ciência, Igor Jurberg é sintético: “Antes de me casar, meu interesse fora do trabalho era poder trabalhar mais. Depois, meu interesse além do trabalho passou a ser minha esposa. Atualmente temos uma filha e dedico todo o meu tempo livre a elas, com muita alegria.”
O pai de Gabriel Schleder era atleta olímpico e foi um dos primeiros grandes maratonistas do Brasil. Tanto ele quanto a mãe trabalhavam como professores de educação física, majoritariamente na rede pública, no estado de São Paulo. Tiveram o filho Rafael e três anos depois, em 1992, em Santo André, veio Gabriel. Quando ele tinha sete anos, a família mudou-se para Bragança Paulista. Nosso protagonista considera que teve uma ótima infância, sempre junto com o irmão. Faziam diversos esportes e outras atividades físicas, além do videogame, que os ajudou a aprender inglês sem ter aulas. Gabriel chegou a se destacar no hipismo, tendo sido campeão regional das categorias iniciais.
Na infância, já no interior, em Bragança Paulista, com família paterna de origem sulista, tiveram vivências típicas de fazenda. “Num final de ano, nosso presente foi poder escolher qualquer coisa de uma loja de R$1,99. Escolhemos facões para cortar plantas e árvores, que usamos muito no sítio, também no Sul, participávamos da desossa e corte de carnes diversas, o que naquele contexto era comum”, contou o Acadêmico.
Além disso, sua escola em Bragança Paulista, tinha uma proposta interdisciplinar e ecológica, num enorme espaço com um ribeirão, muitas árvores, animais, construções ecológicas e atividades muito variadas. “Essa vivência acabou imprimindo fortemente em mim valores ecológicos e interdisciplinares, que impactaram no resto da minha vida”. Gostava de quase todas as disciplinas, muito de educação física e artes, mas com destaque para as da área de exatas. Gabriel conta que nessa época, os anos 2000, ocorreu a democratização do acesso à internet e o acesso a computadores se tornou comum. Antes dos 15 anos ele já fazia versões nacionais de jogos de futebol customizadas e sua equipe de edição chegou a ter o terceiro maior jogo em vendas não-oficiais em alguns locais.
Ainda na infância, interessou-se também pela música e escolheu o contrabaixo elétrico. Poucos anos depois, passou a trabalhar como músico profissional em uma banda de casamentos, onde ficou por mais de dez anos. “Minha primeira carteira de trabalho, tirada na adolescência, foi da Ordem dos Músicos do Brasil”. Por conta dessa atividade, desenvolvida então já há quase cinco anos, no momento de escolha da faculdade Gabriel tinha dúvida entre seguir na música ou fazer algum curso ligado à ciência e tecnologia. Envolveu-se num processo de orientação vocacional, no qual ficou claro que um ponto central para ele era a criatividade expressada na solução de problemas. Então decidiu pela ciência e ingressou no bacharelado em Ciência e Tecnologia da Universidade Federal do ABC (UFABC), um curso altamente interdisciplinar e inovador, com ampla exposição à áreas diversas e uma base formativa sólida.
Até o meio da graduação, Gabriel avalia que era um aluno bastante mediano. Os fatores de virada foram o hábito da leitura de não-ficção e o treino da musculação. As dezenas de leituras anuais e os treinos resultaram em uma intencionalidade e comprometimento nas atividades qualitativamente diferente, permitindo então considerar que o caminho científico seria possível. Quando cursou uma disciplina de introdução à pesquisa científica, entendeu o que era pesquisa de verdade e realizou o que é a ciência de fronteira. Uma das atividades da disciplina era conversar com professores para orientação sobre possíveis projetos. Achou a nanotecnologia interessante e fez uma iniciação científica (IC) com o professor Carlos Scuracchio na área experimental de nanocompósitos poliméricos.
No ano seguinte, quis explorar outras áreas dentro da nanotecnologia e fez uma IC com o professor Wendel Alves, também na área experimental, de síntese e caracterização de nanotubos e nanopartículas de metais e óxidos. Já ao final da graduação em engenharia de materiais, fez seu trabalho de conclusão de curso (TCC) na área de caracterização avançada de materiais, num projeto com o professor Demétrio dos Santos, que deu origem ao seu primeiro artigo científico, em 2016, sobre desenvolvimento de poliuretanos de origem vegetal partindo de lignina e óleo de mamona, trabalho que recebeu mais de 100 citações.
Ainda durante a execução do TCC, cursou a disciplina de Tópicos Computacionais em Materiais com o professor Jeverson Arantes. “Foi quase uma revelação pessoal descobrir esse universo das simulações computacionais e suas possibilidades, e logo soube que queria seguir nessa área”, contou o Acadêmico. Fez então o mestrado com Arantes, com quem diz que aprendeu a fazer pesquisa de excelência na área de simulações quânticas de nanomateriais e o salvou, em suas palavras “de ser um cientista experimental medíocre”.
Durante o mestrado, participou de um workshop sobre publicações científicas internacionais com o professor Gilson Volpato, à época livre-docente da Unesp Botucatu. Gabriel relata que lá aprendeu sobre a importância do planejamento e estratégia antes de iniciar qualquer ação em pesquisa ou escrita científica. Nesse período passou a integrar uma rede de pesquisadores mais ampla, com quem aprendeu muito, direta e indiretamente. Conheceu então o orientador do seu orientador, o Acadêmico Adalberto Fazzio, que já havia sido reitor da UFABC e estava temporariamente na universidade como professor visitante sênior – o que abriu o próximo capítulo da sua vida acadêmica, o doutorado.
Logo no início do doutorado de Schleder, em 2017, o professor Fazzio foi convidado para dirigir o Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano), que é parte do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas, local que abriga o maior e único laboratório de luz síncrotron da América do Sul. Como Gabriel já havia cursado todas as disciplinas do doutorado durante o mestrado, mudou-se para Campinas também.
“Foi um período excepcional de crescimento pessoal e profissional. Tive o ônus e bônus da liberdade de ter um supervisor muito ocupado, assim como da autonomia e responsabilidade da escolha e gestão dos meus projetos científicos, onde ganhei muita experiência com os erros e acertos”, contou o cientista. Colaborou e publicou com quase todos os grupos experimentais do LNNano, tendo publicado 26 artigos que entraram na tese, finalizada em 2021, que venceu tanto o Prêmio Capes de Tese como o Prêmio José Leite Lopes da Sociedade Brasileira de Física (SBF). Posteriormente, com o vínculo criado durante o doutorado, Schleder foi para a Universidade de Harvard para um estágio de pós-doutorado a convite do professor Efthimios Kaxiras, então diretor do Departamento de Física, e passou lá todo o período da pandemia fazendo pesquisa, co-supervisionando alunos e também lecionando disciplinas na graduação.
Desde 2023, Gabriel Schleder é pesquisador no LNNano-CNPEM, liderando a área de Teoria e Ciência de Dados. Trabalha com inteligência artificial aliada à simulação computacional de nanomateriais, física de materiais e ciência de dados de maneira geral. “Um dos meus interesses é em como essas ferramentas nos permitem descobrir informações que não são possíveis de ver com os métodos tradicionais, em particular para descobrir e fazer o design de novos materiais com propriedades melhores do que os que já existem, para aplicações em áreas de energia, saúde, ambiental, e tecnologias quânticas”, explicou.
Para Schleder, a ciência é a maior conquista humana. “É o único processo criado até hoje que nos permite evoluir sistematicamente à medida que o tempo passa. O ato de criticar e comparar empiricamente as ideias com a realidade é poderosíssimo. Na minha área, é muito interessante ver que as máquinas aprendem ‘apenas’ a tarefa que nós propomos e os desafios principais são pensar em como definir e formular esses problemas. Nesse processo, lidamos com os limites de complexidade que são possíveis de se alcançar por meio de operações simples, repetidas muitas vezes”, avaliou.
Ele considera o título de membro afiliado da ABC como uma celebração, um reconhecimento pelas realizações do passado e um convite aos desafios futuros. Diz que gostaria de poder contribuir na ABC no contínuo trabalho de planejamento estratégico, pensando sobre formas de valorização da ciência e do cientista para o benefício da própria sociedade.
Ciência à parte, Schleder tem muitos interesses, como já mostrava na infância. As atividades físicas, a leitura e a música sempre estiveram em sua vida, e vivendo hoje com a esposa e duas cadelas pastoras mantém um apreço pelo conceito de slow life, sendo um grande apreciador do mundo do café especial.
Ao passar o durante e pós-pandemia em Harvard, conta que desenvolver grande gosto pelo hiking urbano, histórico e arquitetônico na região Boston, algo que hoje ele e a mulher, Carol, exploram bastante em São Paulo e em viagens, além de gastronomia, shows e espetáculos.
Para finalizar, Gabriel lembrou-se de uma bela frase do físico Freeman Dyson: “O público tem uma visão distorcida da ciência porque as crianças são ensinadas na escola, falsamente, que a ciência é uma coleção de verdades firmemente estabelecidas. Na verdade, a ciência não é uma coleção de verdades. É uma exploração contínua de mistérios.”
Leia nota da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), assinada por seu presidente, Renato Janine Ribeiro, e pela coordenadora do grupo de trabalho de meio ambiente, Mercedes Bustamante. Ambos são membros titulares da Academia Brasileira de Ciências (ABC):
NOTA TÉCNICA DO GT MEIO AMBIENTE DA SBPC: IMPACTOS AMBIENTAIS E NA SAÚDE CAUSADOS PELAS QUEIMADAS NO BRASIL
Contexto
As queimadas descontroladas e incêndios florestais que ocorrem no Brasil nesta segunda metade do ano, especialmente em regiões de biomas sensíveis, têm gerado impactos ambientais severos e consequências preocupantes para a saúde pública. A fumaça resultante desses eventos carrega uma mistura de poluentes particulados e gases, que comprometem a qualidade do ar e expõem a população e o ambiente a riscos substanciais.
A fumaça oriunda da queima de biomassa é composta por material particulado fino (MP2.5), monóxido de carbono (CO), ozônio (O3), e uma série de compostos orgânicos voláteis (COVs), que, quando inalados, são capazes de penetrar nos pulmões e na circulação e podem provocar problemas respiratórios, cardiovasculares e outros efeitos adversos à saúde.
Evidências e Dados Relevantes
Somente em agosto de 2024, mais de 5,5 milhões de hectares foram queimados no Brasil, contemplando áreas nativas de diferentes biomas, áreas agrícolas e urbanas. A seca prolongada, associada à baixa umidade e ondas de calor, criou um ambiente favorável para a propagação do fogo, o que tem mudado a paisagem de centenas de municípios do Brasil. No campo da saúde, os efeitos estão sendo percebidos no dia a dia de brasileiros e brasileiras de vários estados do Norte, Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Em São Paulo, há registros de óbitos acima do esperado por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), em consequência da intensificação dos incêndios recentes. Outras capitais brasileiras registram aumento de internações por problemas respiratórios nas unidades de emergência. Este cenário é indicativo do impacto que a poluição do ar está exercendo, principalmente sobre as populações mais vulneráveis, como crianças, idosos e indivíduos com condições respiratórias pré-existentes.
Análise Crítica das Ações Governamentais
Apesar das ações implementadas recentemente, como a Política Nacional da Qualidade do Ar (PNQAr), o painel VigiAr e o fortalecimento das operações de combate às queimadas descontroladas, esses esforços têm sido insuficientes frente à magnitude dos desafios impostos. Em um evento recente organizado pelo Ministério do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas sobre episódios críticos de poluição do ar, foi destacado que, apesar dessas iniciativas, os parâmetros para a definição de tais episódios permanecem desatualizados há mais de 35 anos. Isso coloca o Brasil em descompasso com as recomendações internacionais sobre os impactos da poluição na saúde humana e agrava os danos à saúde pública. A ausência de uma estratégia coordenada e a falta de clareza nas diretrizes de proteção à saúde da população expõem a necessidade urgente de uma revisão e intensificação das políticas públicas.
Recomendações Técnicas
Fortalecimento da Legislação e Fiscalização Ambiental: É crucial intensificar as medidas legislativas e de fiscalização para prevenir a ocorrência de queimadas descontroladas e criminosas e mitigar seus impactos, priorizando ações preventivas e de controle.
Monitoramento Contínuo da Qualidade do Ar: A implementação de um sistema de monitoramento contínuo da qualidade do ar, com ampla cobertura geográfica e temporal, é fundamental para a identificação precoce dos riscos e para a tomada de decisões rápidas e informadas.
Campanhas de Conscientização e Orientação à População: Devem ser desenvolvidas campanhas educativas que orientem a população sobre os riscos da exposição à fumaça de eventos de fogo, incluindo a divulgação de alertas e diretrizes claras para a redução da exposição durante os episódios críticos.
Articulação com o Setor de Saúde e Preparação do Sistema de Saúde: É imprescindível que o setor de saúde seja integrado de forma mais eficaz na resposta aos impactos das queimadas descontroladas e da poluição decorrente. Isso inclui o fortalecimento da capacidade de atendimento em unidades de saúde, especialmente nas regiões mais afetadas, e estabelecimento de protocolos de emergência para o manejo de surtos de internações durante períodos de queimadas intensas.
Investimento em Ciência e Tecnologia: É extremamente importante o investimento em pesquisa científica e inovação tecnológica voltada para o monitoramento, previsão e mitigação dos impactos das queimadas descontroladas e incêndios florestais, além do desenvolvimento de alternativas sustentáveis para a gestão.
Conclusão
A crise das queimadas descontroladas e incêndios florestais no Brasil demanda uma resposta imediata, robusta e coordenada entre todos os setores da sociedade e diferentes níveis de governo. Somente com ações integradas, envolvendo a prevenção ambiental e o fortalecimento da saúde pública, será possível mitigar os impactos desses eventos atuais e de episódios futuros, com vistas a proteger a saúde da população e garantir a preservação dos nossos biomas. A preparação e o alinhamento entre políticas ambientais e de saúde são essenciais para enfrentar os desafios impostos, prevenindo maiores danos e promovendo o bem-estar coletivo.
São Paulo, 16 de setembro de 2024.
RENATO JANINE RIBEIRO
Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
MERCEDES BUSTAMANTE
Coordenadora do GT Meio Ambiente da SBPC