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Cogumelos da Amazônia que produzem a própria luz e só brilham no escuro começam a ser desvendados pela ciência

Leia matéria de Ana Lúcia Azevedo para O Globo, publicada em 21/04:

O brilho da biodiversidade ilumina a noite da Amazônia. Novas espécies de cogumelos bioluminescentes, que produzem a própria luz e só brilham na escuridão, têm sido descobertas por cientistas, num trabalho pioneiro. São criaturas ainda pouco conhecidas, que podem revelar alguns dos mecanismos que produzem a variedade das formas de vida amazônica e fazer avançar a tecnologia desenvolvida a partir desta riqueza natural.

De dia, eles passam quase despercebidos. É à noite que se revelam e transformam o chão da mata em céu de estrelas. Vários desses fungos já eram conhecidos pelos povos da floresta. Na região de São Gabriel da Cachoeira, município na fronteira do Amazonas com a Colômbia e a Venezuela, eles são os “iluminadores” das trilhas usadas pelo povo Baniwa nas noites sem luar.

— Os fungos são o princípio e o fim da vida na floresta — afirma a micologista (especialista em fungos) Noemia Ishikawa, líder do Grupo de Pesquisas Cogumelos da Amazônia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). [Ela foi membra afiliada da Academia Brasileira de Ciências no período 2009-2014].

Maioria feminina

O grupo liderado por Ishikawa descobriu cerca de 30 espécies (com e sem bioluminescência) nos últimos 12 anos. A mais recente, chamada Mycena lamprocephala, acaba de ser descrita na revista científica Phytotaxa, num estudo que teve como principal autora a micologista Célia Soares, outra integrante do grupo, composto quase que só por mulheres.

São elas que se embrenham pelas trilhas à noite em busca das chamadas “luzes vivas”. O cogumelo descrito por Soares não se mostra com facilidade de dia e levou três anos para ser classificado.

A pesquisadora Noemia Ishikawa com cogumelo de forma insólita; esporos são tão abundantes que formam nuvens. | Foto: Michael Dantas

É uma minúscula criatura (o “chapeuzinho” mede menos de 10 mm) marrom, sem charme aparente, que se multiplica em folhas e galhos mortos. Mas à noite, ele emite luz verde, em pulsos, como uma pequena estrela. Como esses cogumelos se aglomeram em grande número, formam tapetes de luz.

(…)
 
Ishikawa começou a investigar os cogumelos que brilham fascinada pelo que lhe mostraram os povos originários da Amazônia. Para várias culturas, os cogumelos e suas luzes da noite tanto são aliados nas trilhas quanto suscitam mistérios espirituais. A ciência também se deparou com enigmas.

— Não sabemos, por exemplo, por que brilham. Pode ser para se defender ou para atrair alguma outra criatura que os beneficiem. Estamos começando a arranhar a superfície de mistérios tão grandes quanto a própria floresta — diz Ishikawa.

Micoturismo

Ela e seu grupo têm realizado ainda um outro tipo de trabalho com os fungos, o micoturismo, para gerar renda para comunidades amazônicas. O nome alude à micologia, o estudo dos fungos. E tem funcionado.

Os visitantes aprendem, por exemplo, a conhecer os fungos comestíveis. A riqueza de formas, aromas e sabores de fungos da Amazônia impressiona quem pensa que prato com cogumelo se resume a shitake e três ou quatro espécies encontradas em supermercados.

Também são levados a ver fungos que “explodem” ao ser tocados, lançando nuvens de esporos no ar.

Ishikawa diz que por trás do micoturismo e da identificação de espécies há também o esforço de formar cientistas especializados altamente qualificados na própria Amazônia.

— Nosso grupo faz desde análises moleculares à taxonomia (classificação de organismos). Também temos um forte trabalho de campo, quase todo feito por mulheres. São expedições pesadas, de muitos dias de caminhada pela selva, como a feita na Cabeça do Cachorro (Amazonas). Mostramos que é possível — frisa Ishikawa.

Leia a matéria na íntegra no site de O Globo

Acadêmica Niède Guidon é contemplada com o Prêmio Almirante Álvaro Alberto 2024

Diretora presidente Emérita da Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM), a arqueóloga [e Acadêmica]  Niède Guidon será a laureada da edição 2024 do Prêmio Almirante Álvaro Alberto para a Ciência e Tecnologia, concedido pelo CNPq em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e com apoio da Marinha do Brasil. A cerimônia de premiação será na Escola Naval do Rio de Janeiro, no dia 8 de maio de 2024, [em cerimônia que também dará posse aos novos membros da Academia Brasileira de Ciências].

Graduada em História Natural pela Universidade de São Paulo, em 1959, e com doutorado em Pré-História, realizado na Université Paris 1 Pantheon-Sorbonne (1975), Guidon foi diretora presidente da FUMDHAM de 1986 a 2019 e é membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Ao longo de sua carreira, ela identificou mais de 700 sítios pré-históricos, entre os quais 426 paredes de pinturas antigas e evidências de habitações humanas antigas no Parque Nacional Serra de Capivara, no Piauí.

Responsável pela preservação, desenvolvimento e gestão desse parque, bem como pela proteção da flora e fauna ameaçadas de extinção, Guidon criou no parque um centro cultural e museu, além da FUMDHAM, no município piauiense de São Raimundo Nonato.

Reconhecendo a importância da participação local para o desenvolvimento social, a pesquisadora criou núcleos de apoio comunitário que prestam serviços sociais e cuidados de saúde e educação às comunidades locais, bem como treinam pessoal local em ecologia, restauro e pré-história.

Com seus estudos, Guidon gravou mais de 35 mil imagens, publicou mais de 100 artigos e formou número relevante de alunos de pós-graduação. Ela também foi premiada diversas vezes. Em 2005, recebeu a Ordem do Mérito Científico, Grã-Cruz, do MCTI; o Green Prize, Paliber; e o Prêmio Príncipe Klaus, esse último concedido pelo governo holandês. Em 2013 recebeu o Prêmio Fundação Conrado Wessel de Cultura. Em 2014, Guidon foi agraciada com o prêmio Cientista do Ano, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), e com o Prêmio Chevalier de La Légion d’Honneur, do governo francês. Por sua defesa à sustentabilidade, a pesquisadora recebeu, ainda, homenagem em 2010, no 5º Fórum Mundial de Meio Ambiente. Ela é bolsista de Produtividade em Pesquisa Sênior do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Sobre o prêmio

O Prêmio Álvaro Alberto constitui um reconhecimento aos cientistas brasileiros que contribuíram de forma significativa para a ciência e tecnologia do país e é concedido em caráter individual e indivisível, de forma anual, em sistema de rodízio, a uma das três grandes áreas do conhecimento: Ciências da Vida; Ciências da Terra e Engenharias; e Ciências Humanas e Sociais, Letras e Artes, área contemplada na edição de 2024.

Na mesma cerimônia de entrega do Prêmio Álvaro Alberto também ocorrerá a premiação dos contemplados este ano com a Menção Especial de Agradecimento e com o título de Pesquisador Emérito do CNPq. Instituída em 2005, a Menção Especial de Agradecimentos constitui reconhecimento a pessoas físicas ou jurídicas pelos serviços significativos prestados ao crescimento, desenvolvimento, aprimoramento e divulgação do CNPq no ano anterior à entrega da Menção. O título de Pesquisador Emérito, por seu turno, é outorgado aos pesquisadores brasileiros ou estrangeiros radicados no Brasil como reconhecimento do conjunto das respectivas obras científico-tecnológicas e do renome junto à comunidade científica.

Em 2024, recebem a Menção Especial de Agradecimentos a deputada federal pelo estado do Rio Grande do Sul e autora do Requerimento n° 428/2024, para instituição de Frente Parlamentar em defesa das universidades públicas, Maria do Rosário Nunes; a senadora pelo estado de Pernambuco e membro titular da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e Informática, Maria Teresa Leitão de Melo; a bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, professora da Universidade de Brasília (UnB) e ex-presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), [a Acadêmica] Mercedes Bustamante; e uma pessoa jurídica, o Ministério da Igualdade Racial.

Entre os contemplados com o título de Pesquisador Emérito estão dois estudiosos que serão agraciados de forma póstuma: Antônio Ricardo Droher Rodrigues, pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), e Clóvis Caesar Gonzaga, que era professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Os demais agraciados com o título são o ex-presidente do CNPq, membro da Academia Brasileira de Ciência Agronômica (ABCA) e dad Academia Brasileira de Ciências, Evaldo Ferreira Vilela; Josefa Salete Barbosa Cavalcanti, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Pedro Alberto Morettin, da Universidade de São Paulo (USP/IME); e Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses, também da USP.

A memória é a consciência inserida no tempo

A Acadêmica Marcia Castro, membro correspondente da ABC e professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da da Escola de Saúde Pública de Harvard, publicou o seguinte artigo na Folha de S. Paulo em 7 de abril, no qual destaca que é relembrando, entendendo e aprendendo com o passado que se constrói um futuro melhor.

Para o título da coluna de hoje, pego emprestadas as palavras de Fernando Pessoa.

Este ano marca os 60 anos do golpe militar. A decisão do governo de não relembrar o golpe é lamentável. É relembrando, entendendo e aprendendo com o passado que se constrói um futuro melhor.

Foi durante a ditadura militar que a Amazônia começou a sofrer uma destruição ambiental sem precedentes. Ancoradas em ideais de integração regional e segurança nacional, as então chamadas políticas de desenvolvimento promoviam a exploração de recursos naturais ignorando por completo as demandas e cultura locais.

Isso fica claro no lema “homens sem terra para terra sem homens” promovido pelo presidente Médici que, em 1970, criou o Programa de Integração Nacional (PIN). O presidente via a Amazônia como a solução para problemas fundiários no Nordeste.

Abertura de rodovias, construção de barragens, subsídios fiscais para a agroindústria e a promoção de assentamentos agrícolas, que atraíram milhões de migrantes, transformaram a Amazônia.

Essas mudanças tiveram consequências ambientais devastadoras e impactaram a saúde pública. Entre 1964 e 1990, o número de casos de malária aumentou 412%. Em meados dos anos 80, Rondônia era considerada a capital da malária no Brasil.

A retomada da exploração desenfreada da Amazônia durante o governo Bolsonaro deixou um rastro de destruição cujas consequências ainda são sentidas. Considerando o garimpo em áreas indígenas (o que é ilegal), 62% da área garimpada desde 1985 foi aberta entre 2018 e 2022!

O resultado é semelhante ao visto durante a ditadura: malária, desnutrição, contaminação por mercúrio, violência etc. Problemas ainda não resolvidos dada a dificuldade em unir diferentes setores no efetivo restabelecimento dos serviços destruídos durante o governo anterior. Um trabalho recentemente divulgado pela Fiocruz revela as condições sanitárias precárias que yanomamis vivendo na região do alto rio Mucajaí (em Roraima) enfrentavam em outubro de 2022.

Cerca de 15% apresentavam anemia, com maior prevalência entre menores de 5 anos (27%). Com relação a medidas antropométricas, 47% apresentavam baixo peso. Entre os menores de 12 anos, 92% apresentavam baixo peso.

(…)

Somente 15,5% dos menores de 12 anos que possuíam caderneta de saúde estavam com a vacinação em dia. Além disso, anemia e deficiências na capacidade cognitiva estavam associadas a contaminação por mercúrio.

É provável que outros povos indígenas estejam enfrentando desafios semelhantes. Especialmente os Kayapó e Mundukuru que, junto com o povo Yanomami, são os mais atingidos pelo garimpo predatório. Digo “provável” pois não há dados nem monitoramento detalhados.

Esse problema foi ressaltado no plano de aperfeiçoamento da saúde indígena preparado pela Secretaria de Saúde Indígena do Ministério da Saúde. A solução precisa ser rápida!

Entretanto, apesar da contaminação por mercúrio ser algo amplamente discutido, a necessidade de monitorar a presença de mercúrio na água e em alimentos consumidos pelos indígenas não foi incluída no plano de aperfeiçoamento, conforme eu já havia destacado em fevereiro.

O legado da ditadura militar para a Amazônia e os indígenas persiste. Não o relembrar é uma via para repeti-lo no futuro.


Leia a coluna íntegra na Folha de S. Paulo

Prêmio Marta Vanucci para Mulheres na Ciência do Oceano está com inscrições abertas

O Prêmio Marta Vannucci para Mulheres na Ciência do Oceano busca destacar e reconhecer o trabalho de mulheres que atuam na produção de conhecimento sobre o mar no Brasil e para o fortalecimento da participação de mulheres na ciência, inspirado na trajetória e pioneirismo da bióloga Marta Vannucci (1921 – 2021), membra da Academia Brasileira de Ciências e pioneira nos estudos oceanográficos brasileiros.

Idealizado pela Cátedra UNESCO para Sustentabilidade do Oceano, ligada ao Instituto Oceanográfico e Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, pela Liga das Mulheres pelo Oceano e pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) o prêmio incentiva a equidade de gênero no avanço de uma ciência justa, equilibrada, criativa e produtiva.

O prêmio se divide em duas categorias: Cientista Inspiração Sênior, para pesquisadoras consolidadas, com mais de 20 anos de carreira científica na área; e Jovem Cientista, para pesquisadoras com menos de 35 anos e que concluíram doutorado há, no máximo, seis anos. Inscrições vão até o dia 15 de abril.

Para mais informações e inscrições, acesse.

 

 

 

Morreu a Acadêmica Anita Dolly Panek

Anita Dolly Panek nasceu na Cracóvia, na Polônia, filha de asquenazitas, em 1º de setembro de 1930, mudou-se com a família para o Brasil, em 1940, depois da invasão nazista na Polônia.

No final dos anos 1940, ingressou no curso de química, pela Escola de Química da então Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Diplomou-se em 1954 em Química Industrial e em 1955 tornou-se instrutora de ensino na cadeira de Microbiologia Industrial e Tecnologia das Fermentações da mesma instituição. Esta disciplina foi a precursora do Instituto de Química da UFRJ.

Em 1962 obteve seu doutorado em ciências pela Universidade do Brasil, seguido da livre-docência em Microbiologia Industrial. Em 1976 ingressou como professora titular da UFRJ e em 1995 foi proclamada Professora Emérita da mesma universidade.

Dedicou a vida ao ensino e pesquisa, orientando 49 alunos de pós-graduação. Sua pesquisa era direcionada ao metabolismo energético, utilizando a célula de levedura. Seus estudos sobre o metabolismo de trealose ampliaram as especificações deste composto, antes considerado apenas uma fonte energética e agora também uma substância protetora de membranas e de proteínas, quando a célula é submetida a estresses ambientais. A trealose tem amplas e variadas utilizações, como a preservação de materiais biológicos desidratados ou liofilizados.

Foi autora de mais de 170 artigos publicados em periódicos nacionais e internacionais, com três registros de patentes. Membra da Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular e da Academia Brasileira de Ciências (ABC), membro também da American Society for Biochemistry and Molecular Biology, a Academia de Ciências da América Latina (Acal) e a Academia Mundial de Ciências (TWAS). Recebeu, em 1996, a medalha da Ordem Nacional do Mérito Científico da Presidência da República.

Depoimento de um orientando e admirador científico

 José João Cavalcante Mansure Brasil possui especialização em Computação Científica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestrado e doutorado em Bioquímica pela UFRJ, onde hoje é professor e pesquisador. Atua também como professor titular no Instituto Metodista Bennett.

É com o coração pesado que reflito sobre o falecimento da ilustríssima Professora Drª Anita Dolly Panek, uma fonte de conhecimento, resiliência e inspiração – não apenas na minha vida, mas nas vidas de inúmeros estudantes que ela impactou profundamente ao longo de sua distinta carreira.

Como minha mentora durante o mestrado e o doutorado, Drª Anita, como prefiro sempre carinhosamente chamá-la, estabeleceu as bases para minha carreira científica, incutindo em mim os princípios do pensamento crítico e da forma meticulosa em elaborar e analisar os experimentos.

Essas lições não apenas moldaram meu caminho para me tornar um cientista sênior no Instituto de Pesquisa da Universidade McGill, em Montreal, Canadá, mas também foram e são transmitidas aos meus próprios alunos, perpetuando a extraordinária influência dela em minha vida profissional.

Sua história de triunfo, chegando ao Brasil como imigrante, fugindo da guerra e ascendendo a uma posição de professora em uma das universidades mais renomadas do país, numa época em que tais conquistas eram raras para as mulheres, serve como testemunho de sua força, determinação e intelecto sem igual.

Minha admiração por ela transcende os domínios da pedagogia e da ciência, profundamente enraizada na excepcional pessoa que ela foi. O legado da Drª Anita, sem dúvida, perdurará por meio das muitas pessoas afortunadas o suficiente por terem sido orientadas por ela. À medida que continuo minha pesquisa, levo um pedaço dela comigo, aspirando honrar sua memória em cada descoberta e lição.

Drª Anita, sua contribuição para a ciência e educação no Brasil deixou uma marca indelével, e, embora você faça muita falta, seu espírito nos inspirará para sempre.

Obrigado, Drª Anita Dolly Panek, por tudo.”

Nota Pública de Apoio à Ministra da Saúde, Nísia Trindade

NOTA PÚBLICA DE APOIO À MINISTRA DA SAÚDE, NÍSIA TRINDADE

As reitoras e vice-reitoras, que abaixo assinam, vêm manifestar apoio à Ministra da Saúde, Nísia Trindade.

É inadmissível, no século XXI, que mulheres ainda sejam julgadas e tenham que justificar seu modo de agir e de se comportar por características estereotipadas de gênero.

Frequentemente, mulheres em cargos de gestão são rotuladas com adjetivos que descrevem sua personalidade de forma pejorativa e preconceituosa. Como consequência, as ações realizadas com competência, assertividade, resultados positivos e seriedade sofrem com um apagamento cruel. Ainda somos poucas a assumir cargos de liderança e o machismo estrutural nos espaços de privilégio de gênero segue a nos oprimir.

Apoiamos a Ministra Nísia Trindade à frente do Ministério da Saúde! Apoiamos por ser ela representante daqueles que acreditam na ciência e na saúde pública como direito. Mas também por ser mulher e representar a todas nós em espaços de liderança ainda tão masculinos. Confiamos em seu trabalho que, a despeito dos desafios que precisa enfrentar, após os anos de desvalorização do sistema de saúde no país, tem tido papel fundamental para o fortalecimento da ciência e saúde no Brasil.

Em 23 de março de 2024.

Assinam a nota:

Alana Flávia Romani, vice-reitora da Universidade Federal de Jataí (UFJ)
Aldenize Xavier, reitora da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa)
Ana Beatriz de Oliveira, reitora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
Ana Cristina Soares, vice-reitora da Universidade Federal do Amapá (Unifap)
Ana Paula Giraux Leitão, reitora do Colégio Pedro II (RJ)
Ana Paula Palheta, reitora do Instituto Federal do Pará (IFPA)
Analy Castilho Polizel de Souza, reitora da Universidade Federal de Rondonópolis (UFR)
Bruna S. do Nascimento, vice-reitora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio)
Camila Celeste Brandão Ferreira Ítavo, vice-reitora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)
Carla Simone Chamon, reitora do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG)
Cássia Curan Turci, vice-reitora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Célia Regina Diniz, reitora da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)
Cláudia Aparecida Marliére de Lima, reitora da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)
Cláudia Gonçalves de Lima, vice-reitora da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD/MS)
Cláudia Ramos Carioca, vice-reitora da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab)
Diana Araujo Pereira, reitora da Universidade Federal da Integração Latino-Americana(Unila)
Diana Cristina Silva de Azevedo, vice-reitora da Universidade Federal do Ceará (UFC)
Elaine Cassiano, reitora do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS)
Eliane Aparecida Holanda Cavalcanti, vice-reitora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL)
Flaviana Tavares Vieira, vice-reitora da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM)
Francéli Brizolla, vice-reitora da Universidade Federal do Pampa (Unipampa, RS)
Georgina Gonçalves dos Santos, reitora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)
Girlene Alves da Silva, vice reitora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
Gulnar Azevedo e Silva, reitora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)
Herdjania Veras de Lima, reitora da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA)
Isabela Fernandes Andrade, reitora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e presidente do Fórum de Reitores das Universidades Públicas e dos Institutos Federais do Rio Grande do Sul (Foripes-RS)
Jenifer Saffi, vice-reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA)
Joana Angélica Guimarães da Luz, reitora da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB)
Joana Célia dos Passos, vice-reitora da Universidade Federal de Santa Ctarina (UFSC)
Joaquina Aparecida Nobre da Silva, reitora do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG)
Lia Rita Azeredo Bittencourt, vice-reitora daUniversidade Federal de São Paulo (Unifesp)
Liana Filgueira, vice-reitora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
Lucelia Cardoso Cavalcante, vice-reitora da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa)
Lucia Pellanda, reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e vice-presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes)
Ludimilla Carvalho Serafim de Oliveira, reitora da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa)
Luzia Mota, reitora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA)
Márcia Abrahão Moura, reitora da Universidade de Brasília (UnB) e presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes)
Margarida de Aquino Cunha, reitora da Universidade Federal do Acre (UFAC)
Maria de Jesus Dutra dos Reis, vice-reitora da Universidade Federal de São  Carlos (UFSCar)
Marília Pimentel, reitora da Universidade Federal de Rondônia (UNIR)
Marinalva Vieira Barbosa, reitora da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM)
Martha Adaime, vice-reitora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
Mary Roberta Meira Marinho, reitora do Instituto Federal de Educação da Paraíba (IFPB)
Meire Soares de Ataíde, vice-reitora da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM)
Nilra Jane, reitora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Roraima (IFRR)
Oneida Cristina Gomes Barcelos Irigon, reitora do Instituto Federal de Goiás (IFG)
Nídia Heringer, reitora do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia Farroupilha (IFFAR)
Raiane Patricia Severino Assumpção, reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
Rosana Cavalcante dos Santos, reitora do Instituto Federal do Acre (Ifac)
Rosana Rodrigues, reitora da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF)
Ruth Sales, reitora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe (IFS)
Sandra Goulart Almeida, reitora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Sandra Simone Hopner Pierozan, vice-reitora Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS)
Solange Ximenes, vice-reitora Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa)
Therezinha Pinto Fraxe, vice-reitora da Universidade Federal do Amazonas (UFAM)
Ursula Rosa da Silva, vice-reitora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel)
Veruska Ribeiro Machado, reitora do Instituto Federal de Brasília (IFB)

Inscrições abertas para a 19ª edição do programa Para Mulheres na Ciência

Rio de Janeiro, 8 de março de 2024 – Estão abertas as inscrições para a 19° edição do Para Mulheres na Ciência no Brasil. Realizado pelo Grupo L’Oréal no Brasil, em parceria com a Academia Brasileira de Ciências e a Unesco no Brasil, todos os anos o programa premia sete pesquisadoras com uma bolsa-auxílio de R$ 50 mil reais nas áreas de Ciências da Vida, Ciências Físicas, Ciências Químicas e Matemática. O objetivo é promover e reconhecer a participação da mulher na ciência, favorecendo o equilíbrio dos gêneros no cenário brasileiro.

De acordo com a Unesco, as mulheres representam apenas 30% da população mundial. No Brasil, o cenário é mais favorável: segundo a Capes, 54,2% dos alunos matriculados no stricto sensu são do gênero feminino. Apesar disso, o equilíbrio não se estende para os cargos de liderança acadêmica. Um estudo feito pelo Laboratório de Estudos sobre Educação Superior (LEES) da Unicamp mostra que o número de mulheres docentes nas universidades cresceu apenas 1% em 18 anos. Dentre os principais problemas enfrentados na carreira estão barreiras invisíveis do gênero como a falta de financiamento dos estudos e a maternidade.

Para Helena Nader, primeira presidente mulher da Academia Brasileira de Ciências, a inclusão de mulheres na ciência é fundamental para promover diversidade e avanço nas pesquisas, mas para isso, é necessário garantir ferramentas e ambientes seguros para que elas possam desenvolver as suas carreiras. “Existem barreiras que estão relacionadas ao papel social da mulher, como a maternidade e a responsabilidade do cuidar, que impactam diretamente no crescimento profissional dessas cientistas e precisam ser contemplados para garantir a equidade na ciência”, ressalta.

Pensando nisso, desde 2020, o Grupo L’Oréal no Brasil estendeu o prazo de conclusão do doutorado do programa para cientistas que passaram pela gestação. Há uma janela de um ano a mais para as mães tiveram um filho e de dois anos paras as que tiveram dois ou mais filhos. Hoje, de todas as inscritas no Para Mulheres na Ciência, mais de 50% são mães, um aumento de 5% desde a implementação da iniciativa.

“Nesses anos em que tenho acompanhado de perto o prêmio, sendo parte do júri, e as suas laureadas, tenho visto o quanto a visibilidade que ele dá a essas cientistas pode dar um impulso em suas carreiras cientificas.” diz Cristina Garcia, diretora de Pesquisa Avançada e Comunicação Cientifica da L’Oréal Pesquisa e Inovação América Latina.

Desde o seu lançamento no Brasil, o Para Mulheres na Ciência já premiou 124 mulheres cientistas, somando mais de R$6 milhões de reais. Para participar do programa e concorrer ao prêmio é preciso ter concluído o doutorado a partir de 2016, caso a candidata não tenha filho, e o prazo se estende para as mães de acordo com o número de filhos. O projeto submetido deve estar inserido em uma das categorias do programa: ciências da vida, ciências físicas, ciências químicas ou ciências matemáticas, e é preciso ter o Currículo Lattes atualizado.

 

Sobre o Grupo L’Oréal

A L’Oréal se dedica à beleza há mais de 100 anos. Com seu portfólio internacional único de 37 marcas diversas e complementares, o Grupo gerou vendas no valor de 38.36 bilhões de euros em 2022 e conta com 87.400 colaboradores em todo o mundo. Como líder mundial em beleza, a empresa está presente em todas as redes de distribuição: mercados, lojas de departamento, farmácias e drogarias, cabeleireiros, varejo de viagens, varejo de marca e e-commerce. Pesquisa & Inovação, e uma equipe de pesquisa dedicada de 4.000 pessoas, estão no centro da estratégia da L’Oréal, trabalhando para atender as aspirações de beleza em todo o mundo. Reforçando seu compromisso de sustentabilidade, a L’Oréal anunciou o programa L’Oréal Para o Futuro e estabeleceu metas ambiciosas de desenvolvimento sustentável em todo o Grupo para 2030, visando capacitar seu ecossistema para uma sociedade mais inclusiva e sustentável.

No Brasil, quarto maior mercado de beleza do mundo, a companhia completou 60 anos em 2019 e é uma das líderes entre as empresas de beleza, com um portfólio de 21 marcas no país, como L’Oréal Paris, Maybelline, Garnier, Niely, Colorama, Kérastase, L’Oréal Professionnel, RedKen, La Roche-Posay, Vichy, SkinCeuticals, CeraVe, Lancôme, Giorgio Armani, Yves Saint Laurent, Ralph Lauren, Cacharel, Prada, Azzaro, Mugler e Aesop.

“Estamos ousando mais”, diz primeira mulher presidente da Academia Nacional de Medicina

No dia 7 de março, véspera do Dia Internacional da Mulher, a membra titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) Eliete Bouskela foi empossada como presidente da Academia Nacional de Medicina (ANM), se tornando a primeira mulher a ocupar o cargo em 195 anos. A cerimônia, entretanto, foi apenas simbólica, pois a Acadêmica já ocupa o cargo desde o 1º de janeiro. Para ela, a experiência está sendo interessante, e menos complicada do que esperava.

Mas além de sua liderança na área médica, Eliete Bouskela também é uma pesquisadora de destaque na ciência brasileira. Graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde seguiu até o doutorado, Eliete acumulou experiências internacionais nos Estados Unidos e na Suécia. Hoje, é professora titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e suas pesquisas se concentram nas áreas de fisiologia cardíaca e obesidade.

Como gestora de ciência, Eliete Bouskela atua como diretora científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), tendo sido uma das responsáveis pela criação de editais específicos para mulheres, algo raro no Brasil. A iniciativa vem dando resultados positivos, e ela espera ver outras financiadoras se interessando pelo tema.

A professora foi convidada pela ABC para uma entrevista para marcar o Dia Internacional da Mulher. Entre os muitos assuntos, ela abordou as dificuldades que as mulheres enfrentam para se tornarem cientistas no mundo todo, e que iniciativas podem ser pensadas para melhorar esse cenário. Confira:

A senhora é a primeira mulher presidente da ANM. Na ABC, tivemos Helena Nader assumindo em 2022, também a primeira mulher presidente. No MCTI temos a ministra Luciana Santos, primeira mulher a ocupar a pasta de forma titular. Você considera isso um sinal dos tempo?
Acho que estamos ousando mais. Antes a gente não tinha essa ousadia, digamos assim, de desafiar o “teto de vidro”. Agora, não é que ele não exista, mas a gente empurrou ele um pouco mais pra cima.

 

O “teto de vidro” é uma expressão que utilizamos para dizer que existem certos pontos no decorrer da carreira científica em que a proporção de mulheres vai diminuindo. Na sua carreira, você sentiu esse teto de vidro em algum momento?
Acho que depende muito da sua atitude. Eu nunca tive uma atitude subserviente. Nunca me coloquei como a “menininha”, digamos assim, mesmo quando eu era muito jovem. Mas é claro que eu percebi o número de mulheres diminuindo à medida que fui galgando postos maiores.

Mas esse não é um problema brasileiro, é mundial. A grande revolução do último século foi a mulher ter saído pra trabalhar. Tudo isso é muito novo. Até a geração da minha mãe, as mulheres não trabalhavam fora, trabalhavam em casa. Até então o homem sustentava a casa, era sua obrigação. Quando a mulher saiu para trabalhar, ela passou a dividir essa obrigação com o homem, mas não se desligou das outras obrigações. Isso tornou a vida da mulher muito difícil.

Há 20 anos atrás, saíram três artigos na Science, mostrando que a mulher só fazia carreira em países que tinham empregadas. O que significa claramente que a mulher foi trabalhar fora mas o trabalho de casa não foi dividido e, por isso, precisamos de outra mulher para que possamos fazer carreira. Em países onde não existem empregadas é muito mais difícil, as mulheres precisam desistir de casar e ter filhos. Ainda temos que avançar muito.

 

Você é uma das sete mulheres entre os 94 membros atuais da ANM. Em toda a história, são 10 mulheres em um universo de mais de 700 membros…
Isso porque elegemos três só no último ano. A ANM foi fundada em 1829 e a primeira mulher entrou em 1985.

 

Na ANM você precisa se candidatar, não é indicação. Numa carreira que, de umas décadas para cá, se tornou predominantemente feminina, você acha que mulheres são menos propensas a se candidatarem?
Tenho certeza disso. Até porque, à exceção de uma que desistiu, todas as mulheres que já se candidataram foram eleitas. Temos que levar em consideração que não é uma candidatura barata, pois você precisa visitar todos os membros da Academia. É uma tradição que tem uma razão de ser, os membros tem muito interesse de saber quem é você. É um ponto considerado muito importante, uma obrigação do novo Acadêmico.

 

E você acredita que essa visita pode ser algo que desestimule mulheres a se candidatar?
Não sei se desestimula, mas é preciso ter tempo para isso, e é algo custoso. Além do fato de que você olha no quadro de membros e quase não vê mulheres. Então esse conjunto de fatores talvez desestimule muitas a se candidatarem.

 

Mudando de assunto. Você é medica e também cientista. Na ciência é bastante recente a ideia da licença maternidade para bolsas de pesquisa e a extensão de prazos por conta da maternidade. Você tem dois filhos, na época em que você se tornou mãe, sentiu dificuldades adicionais na sua pesquisa?
É quase impossível você ser produtiva no primeiro ano da criança, ou então você não vai cuidar da criança. Porque no primeiro ano ser mãe é um trabalho em tempo integral, com muitas tarefas, como amamentação, que você simplesmente não pode delegar.

Na realidade, e isso é uma tecla que eu bato a anos, é muito ruim para o Brasil ter como base tratar diferentes como iguais. Temos que tratar diferentes de forma diferente. As obrigações de um médico são diferentes das de um geógrafo ou de um historiador. Assim como mulheres são diferentes dos homens.

Nas graduações, por exemplo, temos um problema de empregabilidade dos nossos egressos. Levando em consideração que apenas as universidades públicas – e algumas filantrópicas – fazem pesquisa, o resultado disso é confinar as possibilidades de seguir para a pós-graduação aos estudantes das universidades públicas

Isso desestimula o ingresso na carreira científica, porque você não vê a possibilidade de ter emprego. As bolsas são muito baixas e, no mestrado ou doutorado, já temos compromissos familiares que dificultam se manter apenas de bolsas para, ao final, ainda não ter emprego.

 

Recentemente saiu um número de que 77% dos alunos de ensino superior do Brasil estão em instituições privadas, enquanto 99% da pesquisa é feita nas públicas. Você acha que precisamos levar a pesquisa aos outros setores?
Não só devemos como é mandatório, senão não aumentaremos o número de pesquisadores. Em todos os países ditos desenvolvidos, a maioria dos doutores está nas indústrias, não na universidade. Você pode ser inventor na universidade, mas fazer inovação, colocar aquele produto na prateleira, não vai ser um pesquisador que vai fazer. Você precisa de uma indústria por trás da sua invenção para que ela vire efetivamente o que chamamos de inovação. As indústria brasileiras não empregam nossos doutores.

O serviço público, de uma maneira geral, está muito pouco preocupado com prazos. Quando você ganha um edital numa agência de fomento, o prazo é quase inexistente, pois você pode aumentar quase ao seu bel-prazer…

 

Mas não é infinito…
Não é, mas é muito mais elástico do que o necessário para a indústria. O prazo é fundamental para o setor privado. A gente ainda se preocupa muito em separar recursos de custeio e de capital. Isso não existe no setor privado, você aprova um orçamento e a partir daí você vai usar esse orçamento para o que for necessário. Mas o prazo precisa ser respeitado.

Agora, por alguma razão que não compreendo, nossas indústrias tem muito pouco interesse nos mestrandos e doutorandos que formamos. Eu morei sete anos na Suécia e vi que a maioria das indústrias por lá se estabelecem em cidades onde tem universidade, pois elas captam os egressos para seus quadros de pesquisa, muitas vezes sem nem doutorado. E a indústria brasileira infelizmente parece ter muito pouco interesse nesses egressos.

 

Esse é um dos grandes dilemas da ciência brasileira, essa falta de diálogo entre universidade e indústria. Até existem polos de tecnologia, incubadoras de empresas, mas a falta de interesse em inovação é palpável. Os dois lados tem culpa nisso?
Eu acho que nossas universidades tem pouco interesse em buscar a indústria, e a indústria tem menos ainda em buscar a universidade. Eu conheci alguns empresários brasileiros que quando queriam fazer P&D eles criavam hubs nos EUA, ao invés do Brasil. Isso é uma pena, isso leva à queda na procura e na qualidade das pós-graduações. É algo que precisamos pensar.

 

O desenho de incentivos para mudar esse cenário precisa partir das financiadoras. A senhora é diretora científica da Faperj, tem algum exemplo que gostaria de citar?
Nós lançamos recentemente essa bolsa para doutores nas indústrias, mas ainda é algo muito incipiente. Nós damos a bolsa para a pessoa fazer doutorado na empresa e ela precisa ter um orientador dentro da empresa. Pode ser um co-orientador, mas precisa ter essa pessoa.

 

A senhora recentemente esteve na ABC para divulgar os resultados do edital “Jovem Cientista Mulher”. Mas esse tipo de edital ainda é específico da Faperj, não se vê isso em outras Fundações ou em agências federais. É o tipo de coisa que precisamos expandir?
Claro que temos que expandir. Precisamos mostrar que a diversidade no laboratório é importante. Isso melhora inclusive a qualidade da pesquisa. Agora, precisamos sempre dar o primeiro passo. No momento em que você dá o primeiro passo outras agencias podem copiar. Tivemos uma grande procura, foi uma experiência muito boa. Os projetos eram excelentes e nós lamentamos muito não selecionar outros, mas financiamos mais do que estava previsto.

 

Outro ponto bastante sensível é o assédio. Ano passado um trabalho de membros afiliados da ABC traçou o perfil do jovem cientista brasileiro e um dos resultados, que chamou muita atenção, foi de que uma em cada duas mulheres na pesquisa sofreu algum tipo de assédio sexual. Você acha que a academia ainda fala pouco sobre isso?
Acho que fala pouco, assim como a sociedade fala pouco. E fala pouco porque, até pouco tempo atrás, se você era assediada a culpa era sua, da sua roupa, de você ter provocado. E também porque existe no Brasil uma ideia de que o “não” na realidade pode significar “talvez”. Ou seja, existe essencialmente uma falta de respeito. “Não” é “não”, e acabou.

O problema é que as mulheres não tinham coragem de denunciar. Já soube de vários casos de assédio por pesquisadores antigos e que nunca foram denunciados, porque eram pessoas muito poderosas e que poderiam retaliar. Se você pensar bem, a grande barreira é a primeira denunciar, quando uma denuncia, outras se sentem encorajadas.

 

Nas universidades já existem redes de apoio entre as alunas, mas ainda falta algo mais institucional?
Falta uma ouvidoria onde elas possam denunciar, mas uma ouvidoria onde elas sejam respeitadas. Ninguém deve tentar convencê-la de que aquilo não é real, de que é exagero. Muitas vezes as mulheres são colocadas nessa posição desconfortável. Geralmente a primeira que denuncia passa pela situação de tentarem convencê-la de que não é bem assim.

 

Como está sendo ser a primeira mulher presidente da ANM?
Está sendo interessante. A ANM tem um corpo de funcionários excelente, então está sendo menos complicado do que eu tinha pensado.

 

Você pretende atacar essa questão da desigualdade de gênero na ANM?
Eu gostaria muito. Eu tenho a posição de que, em igualdade de condições curriculares, devemos sempre optar pela mulher. É quase uma reparação histórica.

Mas o que me interessa mesmo hoje é que a ANM assessore o governo em matéria de saúde. Estou muito preocupada com o ensino médico no Brasil. Temos o maior número de escolas médicas no mundo, à frente de China e Índia, cuja população é dez vezes maior. Mas cuidamos pouco da qualidade dessas escolas e também da qualidade da residência médica.

 

O problema do surgimento de novas instituições de ensino sem o devido controle é notório, não só na medicina. Mas qual a sua preocupação com a residência médica?
Faltam bons locais para os egressos fazerem residência. A maioria dessas novas universidades não tem hospital próprio. Isso é ruim, se você está se formando em medicina clínica você precisa ter um hospital bem aparelhado e com preceptores, e não estamos vendo isso. É muito preocupante, esses jovens tomarão conta de nós no futuro.

 

Durante a pandemia, se por um lado tivemos uma atuação heroica dos profissionais de saúde na linha de frente, por outro tivemos posicionamentos duvidosos de entidades médicas e conselhos regionais. Como presidente de um órgão que é o representante máximo da classe médica no Brasil, qual sua posição sobre isso?
É uma tragédia. É o acúmulo de muitos problemas. Eu faço parte da Academia Francesa de Medicina e um dos seus membros mais admirados, um cientista responsável por descrever o vírus da AIDS, se aposentou aos 65 anos, se mudou para os EUA e hoje é um líder antivax. Você pode conceber uma coisa dessas?

Então, nem sempre a boa formação, a inteligência das pessoas, é o suficiente. A gente consegue explicar esse fenômeno entre leigos, mas entre médicos, é difícil explicar.

 

Você acredita em punição nesses casos?
Acho que sim. Acho que precisamos ter mais punição para erros médicos de forma geral. Se você levou a população a uma conclusão errada, você precisa ser punido. Mas no Brasil ainda punimos muito pouco, mesmo erros médicos crassos. Existe toda uma rede de impunidade muito triste em nosso país. Mas precisamos nos preocupar, sobretudo, para que os mais jovens não embarquem nessa, mudar a cabeça de uma pessoa mais velha é muito mais difícil.

 

Professora, estamos chegando ao final da entrevista, alguma consideração final ou alguma mensagem para as mulheres que estão entrando agora na carreira científica?
Minha mensagem é: tentem porque vale a pena. Vale muito a pena. A carreira científica é uma das mais legais que uma pessoa pode seguir, eu sou muito feliz com ela. Agora, os obstáculos estão aí pra gente superar, não são intransponíveis.

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