pt_BR

Um bom ano para os Anais da ABC!

O ano que está se encerrado foi muito bom para os Anais da Academia Brasileira de Ciências (AABC) – a única revista multidisciplinar editada no Brasil! O fato mais importante que sustenta essa afirmação é que conseguimos, depois de muito trabalho, zerar a fila de artigos que aguardavam publicação. Esse “backlog” de manuscritos aceitos, mas que demoravam a sair, se devia não apenas a questões orçamentárias, mas estava, também, atrelado à falta de recursos humanos. Porém, agora estamos com tudo resolvido e empenhados em conseguir publicar artigos com mais agilidade.

Entre os maiores desafios da revista, a questão financeira continua sendo o principal. Recebemos um apoio para 2025 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que aportou recursos para a edição da revista. No que pese que foi um dos maiores valores aportados para revistas cientificas, o montante está bem mais baixo do que a revista recebeu em outros anos. Desta forma, para que não tenhamos que diminuir o número de artigos publicados, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) terá que custear a maior parte das despesas. Nestes últimos anos publicamos anualmente sete fascículos, o que deverá se repetir em 2025.

Falando nos fascículos, gostaria de chamar a atenção para o terceiro volume publicado sobre a pesquisa antártica (96 Suplemento 2) – está muito interessante! Para o ano que entra, novos fascículos especiais estão sendo planejados com temáticas variadas. Um destes é dedicado a contribuições dos membros afiliados da ABC, e será o segundo do gênero. Com certeza, teremos um bom retorno, como foi o primeiro, publicado em 2019 (91 Suplemento 1).

Outro ponto de atenção é a mudança de avaliação da produção científica que será implementada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) – agência do governo que avalia os programas de pós-graduação do país. Como tem sido divulgado, haverá uma maior ênfase nos artigos em si e menos nas revistas nos quais estes são publicados. Com certeza haverá a necessidade de adaptação e mudanças nas diretrizes e ações em diversos periódicos científicos brasileiros. Não será diferente para os AABC, que terão que se adaptar a uma nova realidade. Importante destacar que a maior parcela de submissões de manuscritos na nossa revista é proveniente de pesquisadores que atuam nas universidades brasileiras, para os quais a avaliação da CAPES é fundamental.

Ainda sobre 2024, ficamos com sentimentos divididos com relação a aposentadoria da nossa querida assistente editorial, Maria Lucia Paixão, que por décadas atuou na revista. Se por um lado estamos tristes de perder o convívio com uma pessoa muito bacana, sempre disposta a ajudar e orientar a todos que passaram pelo periódico, por outro, ficamos felizes em saber que Maria Lucia vai poder descansar um pouco e fazer outras atividades com a família.

Também vale a pena registrar a contratação de Maria Eduarda Caffaro como nova assistente editorial que, juntamente com Daniel e os estagiários Yasmim e Fellipe, se une à equipe que toca a edição da revista.

Outro ponto importante são as conversas com a diretoria da ABC sobre melhorias para o primeiro centenário dos AABC, a ser completado em 2029. Nunca é demais relembrar que estamos falando do periódico científico de circulação contínua mais antigo do Brasil, uma marca que merece destaque.

Neste final de ano gostaria de agradecer a todos – estagiários, assistentes editoriais, editores (somos 91 – devendo chegar a 100 muito em breve!), revisores e, sobretudo, aos autores por enviarem os seus artigos. Almejamos receber ainda mais manuscritos com estudos relevantes em 2025 e contamos com a comunidade acadêmica para tal!

Boas festas!

STF reúne representantes da comunidade científica para debater o Marco Temporal

No dia 16 de dezembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) realizou uma audiência de conciliação com representantes de sociedades científicas, entre elas a Academia Brasileira de Ciências (ABC), para debater a tese do Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas. De acordo com essa interpretação, os povos indígenas brasileiros só teriam direito às terras que ocupavam na data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, ignorando processos históricos de exclusão e expulsão infligidos a esses povos pré-1988.

Em setembro de 2023, o STF declarou, por maioria, a inconstitucionalidade da tese. Mesmo assim, em outubro daquele ano, foi aprovada uma lei sobre a demarcação de terras indígenas, a Lei nº 14.701, com a adoção do Marco Temporal. Os artigos que introduzem o marco chegaram a ser vetados pelo presidente da República, mas os vetos foram derrubados e a lei entrou em vigor. Após a aprovação, alguns senadores foram além e tentaram emplacar uma Proposta de Emenda à Constituição, a PEC 48/2023, para incluir o marco temporal ao artigo 231 da própria Carta Magna, uma cláusula pétrea que reconhece os direitos originários dos povos indígenas às terras e estabelece a demarcação como um dever do Estado.

Desde então, partidos e organizações apoiadoras da causa indígenas apresentaram quatro ações diretas de inconstitucionalidade no STF – ADIs 7582, 7583, 7586 e ADO 86 – contra a Lei 14.701/2023. Em meio a todo esse imbróglio, o ministro Gilmar Mendes determinou as audiências de conciliação com representantes de todas as partes envolvidas. A audiência em questão faz parte dessas discussões.

Três membros titulares da ABC participaram da reunião. Os antropólogos Maria Manuela Ligeti Carneiro e Ruben George Oliven, ambos ex-presidentes da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e, este último, vice-presidente da ABC para a região Sul; e a ecóloga Mercedes Maria da Cunha Bustamante.

Os participantes da audiência. Da esquerda para a direita: Paulo José Brando Santilli (Unesp); Bruna Franchetto (UFRJ); Ruben Oliven (ABC); Andréa Luisa Laschefski (ABA); Mercedes Bustamante (ABC); Fernanda Sobral (SBPC); Manuela Carneiro (ABC) e Maria Janete Albuquerque (Funai)

Em defesa dos antropólogos brasileiros

Em suas falas, Ruben Oliven e Maria Manuela Carneiro defenderam o papel dos antropólogos no assessoramento científico ao judiciário em questões indígenas. Esse movimento é importante pois parte da estratégia de setores favoráveis ao Marco Temporal tem sido tentar descredibilizar esses cientistas, sob o argumento de que o convívio com os indígenas nos trabalhos de campo tira a imparcialidade necessária para cumprir o papel.

“A antropologia moderna, nascida no final do século 19 na Alemanha, se baseia no contato direto. A novidade trazida por essas primeiras gerações foi justamente o trabalho de campo, já que anteriormente os antropólogos trabalhavam a partir de relatos de viajantes não especializados. Foi a Escola de Göttingen que colocou a pesquisa de campo como método”, explicou a Acadêmica Manuela Carneiro. “O Marco Temporal se tornou uma queda de braço e um pretexto para que o Congresso atual desafie o STF. O ataque aos antropólogos foi incorporado à própria Lei 14.701. A situação toda é péssima”, resumiu.

Ruben Oliven lembrou que durante sua gestão na ABA foi assinado um convênio com a Procuradoria-Geral da União estipulando que, sempre que o órgão precisasse de laudos técnicos, a ABA indicaria os especialistas. “Os laudos são elaborados com base em critérios estritamente científicos e já tivemos diversos marcos importantes que atestam isso. Nos anos 2000, a Carta de Ponta das Canas trouxe recomendações e parâmetros para balizar a elaboração de laudos. Em 2015, o Protocolo de Brasília da ABA aprofundou ainda mais as orientações para o trabalho do antropólogo em perícias. Tudo isso para que possamos fornecer laudos técnicos que permitam ao Judiciário tomar decisões com base em evidências”, explicou Oliven.

“O que está acontecendo agora – e isso apareceu na fala do senador autor da PEC 48/2023 – é que os ruralistas estão questionando a isenção dos antropólogos por terem trabalhado junto aos indígenas. Isso é uma grande bobagem, é como questionar a capacidade de um médico para tratar de uma doença pelo fato de ele ter estudado a vida inteira sobre ela”, argumentou o Acadêmico.

Maria Manuela Carneiro e Ruben Oliven

Territórios indígenas são os que mais preservam a Amazônia

Em sua fala, a ecóloga Mercedes Bustamante lembrou da estreita relação entre os territórios indígenas e a conservação, chamando atenção para a crescente literatura científica, nacional e internacional, que atesta a significativa diminuição do desmatamento dentro das regiões legalmente reconhecidas. Segundo a pesquisadora, portanto, a demarcação de terras indígenas é uma forma eficiente, barata e justa de o país avançar em direção ao cumprimento de suas metas ambientais e climáticas.

“Entre 2001 e 2021, áreas da Amazônia administradas por povos indígenas removeram um total líquido de 340 milhões de toneladas métricas de CO2 da atmosfera – equivalente às emissões anuais de combustíveis fósseis do Reino Unido. Esses territórios também mostraram um crescimento 23% maior na restauração do que terras adjacentes. Outro estudo inovador mostrou que 80% das lavouras e pastagens no Brasil dependem das chuvas geradas pelas florestas mantidas de pé nas terras indígenas da Amazônia”, exemplificou a Acadêmica.

Bustamante lembrou também da conexão fundamental entre a preservação do território e da cultura desses povos, cujos conhecimentos guardam aplicações preciosas da biodiversidade.

“Um trabalho recente mapeou os usos de plantas medicinais e as línguas indígenas em três regiões: América do Norte, noroeste da Amazônia e Nova Guiné. O estudo encontrou cerca de 12 mil usos medicinais para mais de 3 mil plantas, conhecidos por pessoas que falam 230 idiomas indígenas nessas regiões. Porém, mais de 75% desse conhecimento está em apenas um desses idiomas. Ou seja, a maior parte desse conhecimento é única. Idiomas indígenas e seus territórios são inseparáveis e, por esse motivo, é importante que o aprendizado e a transmissão ocorram no território, na comunidade de origem”, defendeu a pesquisadora.

Próximos passos

Originalmente previstas para terminar em dezembro, as audiências de conciliação no STF foram prorrogadas até fevereiro. Considerada a mais importante representação indígena do país, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) se retirou da mesa de negociações em agosto, alegando não haver conciliação possível que colocasse em cheque direitos estabelecidos pela Constituição. Em resposta, o Ministério dos Povos Indígenas indicou outros representantes para ocupar o lugar, o que não foi bem recebido pela Apib. A expectativa é de que as discussões sirvam de base para que o STF tome uma decisão final sobre o tema em 2025.

ABC e Academias Médicas de Brasil e Reino Unido organizam workshop em pesquisa clínica

A Academia de Ciências Médicas do Reino Unido (AMS-UK), em parceria com a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Academia Nacional de Medicina (ANM), organizou, nos dias 10 e 11 de dezembro, a etapa latino-americana do workshop “Global Clinical Research Pathways”, que tem como objetivo reunir dados e experiências sobre a progressão de carreira de cientistas na área clínica e trazer recomendações de boas-práticas em financiamento à esse tipo de pesquisa.

A sessão de abertura, moderada pelos titulares da ABC Marcello Barcinski, coordenador do workshop, e Eliete Bouskela, presidente da ANM, trouxe um panorama geral do ecossistema latino-americano de pesquisas clínicas. Segundo a professora da Escola de Saúde Pública da Universidad Peruana Cayetano Heredia, Patricia Garcia, ex-ministra da Saúde do Peru, a pesquisa clínica vem sendo escanteada nos países em desenvolvimento. “Tive a oportunidade de participar da edição africana deste workshop e pude perceber que temos muitos problemas parecidos na América Latina. Nem tudo é sobre financiamento, mas financiamento é crucial”

Segundo o pesquisador do Instituto de Pesquisa Nutricional do Peru Claudio Lanata de las Casas, Brasil e México são exemplos regionais de financiamento governamental continuado. “Fora desses dois países, é muito difícil fazer pesquisa clínica de ponta na América Latina. A maior parte dos institutos se financia a partir de grants, a maioria de instituições estrangeiras. É muito difícil atrair pessoas com um financiamento cuja continuidade não é garantida e que, em sua maioria, não oferecem verbas específicas para mentoria de alunos ou mesmo encargos administrativos. Precisamos de políticas que permitam uma base de seguridade para os pesquisadores e incentivos a dedicação exclusiva à pesquisa”, resumiu os desafios.

Esses problemas são particularmente graves quando consideramos que pesquisas locais têm mais valor para o estabelecimento de políticas e diretrizes em saúde do que pesquisas feitas em outros lugares. Segundo o professor Francisco Becerra-Posada, ex-diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), os orçamentos nacionais voltados para pesquisas clínicas vêm caindo, ao mesmo tempo em que a região se tornou mais atraente para trials clínicos das grandes indústrias farmacêuticas internacionais. Portanto, a colaboração se tornou mais fundamental do que nunca. “A pesquisa em câncer no Brasil cresceu significativamente nas últimas décadas justamente pela entrada de atores privados. É um bom exemplo de como a cooperação internacional pode induzir o desenvolvimento nesses campos”, afirmou.

Após delimitarem os problemas na queda do financiamento público e na falta de incentivos e estruturação de carreira para pesquisadores clínicos que sejam competitivos com a carreira na atuação médica, os participantes foram divididos em quatro grupos que se aprofundaram nos aspectos de infraestrutura; treinamento e oportunidades; financiamento e estruturação da carreira; e governança de pesquisa. Os quatro grupos tiveram a oportunidade de discutir suas áreas em separados e trazer sugestões para o plenário no segundo dia.

Os coordenadores do workshop: Jimmy Whitworth (London School of Hygiene & Tropical Medicine) e o Acadêmico Marcello Barcinski (UFRJ)

O grupo de infraestrutura destacou, além da falta de recursos e condições materiais precárias, a falta de digitalização e de bancos de dados integrados que auxiliem nas pesquisas, a falta de suporte administrativo e operacional das instituições, excessiva burocratização dos processos e uma falta de padronização regulatória entre os países da região, o que dificulta colaborações em redes. Segundo apontam, intervenções exitosas devem atacar esses problemas, facilitando ao máximo a colaboração entre os países e a continuidade do know-how adquirido por grupos de pesquisa existentes.

O grupo sobre treinamento lembrou que a pesquisa não está inclusa na maioria dos currículos de treinamento clínico e nem existe a ideia de um tempo separado para que os profissionais se dediquem a ela. Dessa forma, não há incentivos para a mentoria e acompanhamento de alunos em investigação ou um caminho profissional estruturado para o pesquisador clínico. Por isso, o grupo sugere que as instituições de ensino médico solidifiquem a carreira e ofereçam mapeamentos de programas e grants existentes específicos para a pesquisa, pede também o estabelecimento de departamentos voltados à pesquisa dentro das instituições médicas, que otimizem o tempo dos cientistas e possuam métricas de avaliação qualitativa, para além da quantidade de papers.

No grupo sobre financiamento as conclusões foram de que as agências públicas de fomento na América Latina convivem com instabilidades políticas que, em períodos de restrições, precisam ser suplantadas por instituições privadas, em sua maioria dos países ricos. Nesse quesito, Brasil, México e, em menor grau, Argentina concentram o financiamento público na região, mas mesmo dentro desses países existem distorções regionais significativas. O grupo sugeriu a criação de fundos regionais administrados coletivamente, de forma a tornar a região mais soberana em fomento. Para garantir financiamento público continuado, o grupo argumenta que é preciso comunicação com a sociedade e a política, levando os números e os impactos da ciência para que estes sejam receptivos, e não hostis, ao financiamento de ciência.

O grupo sobre governança, por sua vez, alertou para a fragmentação do ecossistema de pesquisa entre as muitas instituições e órgãos, sejam eles públicos ou privados. Muitos desses organismos convivem com burocracias inefetivas e impeditivas que prejudicam o avanço e continuidade das pesquisas. O grupo alerta que o papel principal das instituições deve ser gerar um ambiente amigável à pesquisa, estimulando integração entre os pesquisadores e respostas às urgências da sociedade. Para os cientistas, o orçamento dessas organizações deve ser elaborado em moedas estáveis, como o dólar, para evitar que flutuações no poder de compra afetem as pesquisas. Estas devem prover treinamento não só no currículo base, mas em networking e comunicação de resultados, e também incentivar seus alunos a buscarem intercâmbio com outros setores e países.

Um relatório completo sobre as discussões deverá ser disponibilizado em meados de 2025, e as soluções pensadas em conjunto deverão ser integradas aos trabalhos finais dos workshops, que buscarão trazer um panorama global.

ABC entrega medalha Henrique Morize ao Almirante Othon Pinheiro

Em 22 de agosto de 2024, a diretoria da Academia Brasileira de Ciências (ABC) decidiu, por unanimidade conceder ao engenheiro Othon Luiz Pinheiro da Silva a Medalha Henrique Morize “em reconhecimento aos inestimáveis serviços prestados à Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil, especialmente no campo da energia nuclear”. Othon Luiz Pinheiro da Silva, engenheiro naval e nuclear formado pelo MIT, teve um papel crucial no desenvolvimento da tecnologia nuclear brasileira, desde coordenar projetos de construção naval até liderar inovações em propulsão e ciclo de combustível nuclear.

Othon é reconhecido por suas contribuições significativas à ciência e tecnologia do Brasil, o que levou à sua recente homenagem com a Medalha Henrique Morize pela Academia Brasileira de Ciências, entregue em homenagem realizada no dia 12 de dezembro de 2024. Durante sua carreira, ele trabalhou sobretudo na independência tecnológica do Brasil no setor nuclear, inclusive através da construção do primeiro reator nuclear projetado no país e o avanço no enriquecimento de urânio usando tecnologia nacional. Além disso, como presidente da Eletronuclear, Othon teve um impacto positivo na performance da central de Angra e apoiou a retomada da construção de Angra 3. Sua carreira é marcada por uma forte defesa do setor nuclear na matriz energética brasileira e colaborações valiosas no estabelecimento de uma política nuclear.

A medalha, que leva o nome do primeiro presidente da ABC, foi entregue pelas mãos da atual mandatária, Helena Bonciani Nader, que enalteceu o legado do premiado.

“Graças ao trabalho do Almirante Othon em acreditar que a ciência muda um país, o Brasil hoje domina toda a cadeia de enriquecimento de urânio. Conseguir isso sempre dependeu de materiais cuja venda é restrita, mas sua equipe conseguiu desenvolver aqui. Estamos falando de uma tecnologia cujo impacto vai muito além da área militar, contribuindo para geração de energia e para tratamentos de saúde. Gostaria de registrar aqui o meu agradecimento”, disse Nader.

Em seguida, foi dada a palavra a Joana Domingues Vargas, filha do ex-presidente da ABC José Israel Vargas, que falou em nome de seu pai.

“O vice-almirante e engenheiro Othon Pinheiro desenvolveu o enriquecimento isotópico do urânio para a centrifugação, uma contribuição extraordinariamente valiosa que ensejou a independência nuclear do Brasil. Ainda com base nas ligas magnéticas especiais utilizadas na ultracentrifugação, ele projetou uma mini turbina a fio d’água capaz de permitir a autonomia energética de pequenas comunidades. Trata-se de um método muito original e proveitoso que permite, por exemplo, gerar energia elétrica nos leitos dos cursos d’água da Amazônia, onde as pequenas cidades são dependentes de diesel”, explicou Vargas, “Registro que me detive apenas nas suas maiores contribuições à ciência e à tecnologia brasileira. Haveria muito mais o que falar em sua homenagem”.

Visivelmente emocionado, o homenageado compartilhou a honra com a equipe que comandou no programa nuclear.

“Os cientistas são os faróis, eles alargam as fronteiras do conhecimento. Depois vêm os engenheiros, os físicos, os técnicos, que, iluminados pelos cientistas, transformam esse conhecimento em tecnologia. Naquele programa, tive a honra de ter sido designado pelo grande Almirante Márcio Vianna da Fonseca. Costumo dizer que os almirantados são como vinhos, algumas safras são melhores que as outras, e esta era, sem dúvida, uma excelente safra. Na vida, eu nada mais fui do que um dedicado cumpridor de missões, que deu a sorte de conseguir juntar uma equipe fantástica de engenheiros, físicos, técnicos, que, iluminados pelos cientistas que estavam no sistema universitário, fizeram com que nós caminhássemos com as próprias pernas por caminhos que muitos países do mundo não conseguem caminhar. Muitos daquela equipe já se foram e eu me lembro deles com saudade, foram anos de muito trabalho mas, quando o ambiente é bom, isso traz grande satisfação. Sozinho ninguém faz nada, portanto, posso dizer que fui iluminado pelos cientistas com quem tive o prazer de conviver e agora recebo mais esta dádiva por eles”, agradeceu o Almirante Othon Pinheiro.

Estiveram presentes na cerimônia os membros da diretoria da ABC e os Acadêmicos Aldo Zarbin, Débora Foguel, Jorge Almeida Guimarães, e Renato Cotta. O atual comandante da Marinha, Almirante Marcos Olsen, o presidente do Clube de Engenharia, Francis Bogossian e a vice-presidente, Olga Simbalista, também participaram.

Os presentes na cerimônia. Ao centro, de máscara, o Almirante Othon Pinheiro

CLUBE DE ENGENHARIA, 30/11/2023
Depoimento do Almirante Othon ao Memória Oral lança luzes sobre episódios da vida científica e política do país

CLUBE DE ENGENHARIA, 10/10/2023
Almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva revê sua trajetória no Memória Oral

PÁTRIA LATINA, 14/12/2024

Almirante Othon recebe principal comenda da Academia Brasileiras de Ciências

DEFESANET, 9/12/2024

Academia Brasileira de Ciências entregará a maior comenda ao Almirante Othon

IPEN, 9/12/2024

Academia Brasileira de Ciências entregará a maior comenda ao Almirante Othon

Sobre a Medalha Henrique Morize

A Medalha Henrique Morize foi criada em 2014 com o propósito de homenagear indivíduos ou instituições que realizem ou tenham realizado contribuições expressivas para a Academia Brasileira de Ciências, bem como para o desenvolvimento da ciência brasileira. Os agraciados são selecionados pela Diretoria da ABC.

Até então, receberam a medalha Jorge Almeida Guimarães (2014), Américo Fialdini Jr. (2016), Helena Nader (2017), Jacob Palis Jr., (2018), Ildeu de Castro Moreira (2021), Eduardo Moacyr Krieger (2023), José israel Vargas (2023) e Luiz Davidovich (2023).

Saiba mais sobre o prêmio e sobre os recipientes da homenagem aqui.

Saudação de Ano Novo

Como presidente e em nome da Diretoria da Academia Brasileira de Ciências, desejo a todos boas festas. Que o ano de 2025 reforce ainda mais a esperança de alcançarmos o Brasil que desejamos: justo, que reconheça as diferenças e trate a todos com equidade, e igualitário, que garanta que todos tenham as mesmas oportunidades e direitos.

Desejamos a todos Esperança, nas palavras de Mário Quintana:

“Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
– Ó delicioso voo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança…

E em torno dela indagará o povo:
– Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
– O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA…”

Helena Bonciani Nader


A ABC estará em recesso entre os dias 21 de dezembro e 5 de janeiro. Voltamos no dia 6. 

Lagoa Feia, no Rio de Janeiro, ganha homenagem em lago da maior lua de Saturno, Titã

Leia matéria de Bela Lobo para Superinteressante, publicada em 7/12:

Em 2004, após sete anos de viagem interestelar, a missão Cassini-Huygens chegou na órbita de Saturno. O projeto, comandado pela Nasa, pela ESA (Agência Espacial Europeia) e pela ASI (Agência Espacial Italiana), ficou em operação até o fim de 2017. 

A missão Cassini foi uma das mais ambiciosas de seu tempo, com uma nave do tamanho de um ônibus de dois andares e equipamentos de ponta para realizar diversas medições. Ela carregava quase 33 quilos de combustível nuclear, principalmente dióxido de plutônio.

Quem conta essa história é a astrofísica Rosaly Mutel Crocce Lopes, que trabalhou na Missão Cassini a partir de 2002. No dia 27 de novembro, ela apresentou uma palestra chamada “Luas geladas e criovulcanismo: Descobertas da missão Cassini” na sede da Academia Brasileira de Ciências. 

A missão Cassini forneceu dados importantes para o estudo de Saturno e de suas luas. O planeta tem 146 satélites naturais, o maior deles é Titã. Em 2005, a nave Cassini soltou a sonda Huygens, que passou duas horas e meia caindo em direção ao solo de Titã.

Leia a matéria na íntegra, com vídeo,  no site da Super

Vencedora do Prêmio Leibniz veio ao Brasil para discutir a importância da ciência básica

Nos dias 28 e 29 de novembro, a Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Sociedade Alemã de Amparo à Pesquisa (DFG) e o Instituto de Tecnologia de Karlsruhe (KIT) trouxeram ao Brasil a pesquisadora Stefanie Dehnen, vencedora do Prêmio Gottfried Wilhelm Leibniz, considerado a mais importante premiação científica da Alemanha. Os eventos contaram com o apoio do Centro Alemão de Ciência e Inovação – São Paulo (DWIH) e foram realizados no Research Centre for Greenhouse Gas Innovation da Universidade de São Paulo (RCGI-USP), no dia 28, e no Laboratório de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ladetec-UFRJ), no dia 29.

Dehnen ministrou a palestra “Multinary Clusters: Materiais atomicamente precisos com propriedades incomuns”, onde demonstrou como novos aglomerados de átomos, com entre 0,5 e 3 nanômetros de tamanho, foram preparados e utilizados no desenvolvimento de novos materiais emissores de luz branca.  Em sua fala, destacou a importância da pesquisa científica para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas e como tanto a ciência básica como a aplicada podem contribuir significativamente para os desafios globais. “Pesquisas motivadas por curiosidade intelectual sempre podem virar algo de concreto no futuro. Muitos cientistas hoje tentam explicar o próprio trabalho a partir da aplicação, mas, sem a pesquisa básica, eles nem teriam começado”, resumiu.

Em São Paulo, a mesa de abertura contou com a Acadêmica Marie-Anne Van Sluys, pela ABC; Daniela Andrade Damasceno, pelo RCGI, e Cintia Toth, pela DFG. Após a palestra, juntaram-se a mesa de discussão o Acadêmico Paulo Artaxo, representando a USP, e a pesquisadora Kavita Hamza, representando a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). “Discutiu-se a importância da ciência fundamental no desenvolvimento humano como um todo. Durante o debate, foram abordados os 17 ODS e sua relação com as ciências básicas, foi uma interação bastante aberta com intervenções valiosas do público”, resumiu Artaxo.

Palestra de Stefanie Dehnen no Rio de Janeiro (Foto: Jéssica Bayer)

No Rio de Janeiro, abriram o evento a vice-reitora da UFRJ, Cássia Turci, e o Acadêmico Vitor Ferreira. Após a palestra de Dehnen, o professor do Instituto de Química da UFRJ (IQ-UFRJ) Marcelo Maciel Pereira colocou em perspectiva o trabalho da palestrante com a ideia de economia circular para promover a sustentabilidade. “O desenvolvimento de projetos bilaterais entre os países também faz parte da ideia de uma econômica circular e integrada”, argumentou.

Em seguida, Stefanie Dehnen e Marcelo Maciel Pereira se juntaram aos professores Pierre Mothé Esteves (IQ-UFRJ, ex-afiliado ABC 2008-2012) e Edson Watanabe (Coppe-UFRJ, titular ABC), para um debate. “A participação de Prof. Dehnen proporcionou uma oportunidade única para estudantes e pesquisadores locais se engajarem em discussões de alto nível sobre os desafios e oportunidades na ciência contemporânea. Este tipo de evento não só enriquece o ambiente acadêmico, mas também inspira a próxima geração de cientistas a contribuir para um futuro mais sustentável e inovador. Ele serve também para aproximar a ABC da comunidade científica”, refletiu Pierre Mothé.

Oportunidades de financiamento científico

Ao final dos debates, foi reservado um tempo para que a Sociedade Alemã de Amparo à Pesquisa (DFG) apresentasse seus programas de financiamento aos pesquisadores na plateia. Saiba mais no site da instituição.

A herança de Johanna Döbereiner para a ciência agrícola brasileira e mundial

No dia 28 de novembro de 2024, data em que Johanna Döbereiner completaria 100 anos, a Academia Brasileira de Ciências (ABC), em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), organizou um workshop em sua homenagem, intitulado “A herança de Johanna Döbereiner para a ciência agrícola brasileira e mundial”, com participação de cientistas que tiveram a oportunidade de conviver e trabalhar junto à Acadêmica.

Johanna Döbereiner foi a cientista responsável por revolucionar a agricultura brasileira ao pesquisar bactérias capazes de realizar a fixação biológica do nitrogênio (FBN) atmosférico – um processo que permite a captação de nitrogênio do ar pelas bactérias, que depois o disponibilizam para as plantas, transformando-o em um composto assimilável pelas plantas. Seus estudos foram fundamentais para o avanço do etanol no país e para colocar o Brasil como o maior produtor e exportador de soja do planeta. Estima-se que o fruto de seus trabalhos permita ao Brasil economizar em torno de U$ 15 bilhões por ano, só com a cultura de soja.

As organizadoras do encontro foram a Acadêmicas Mariangela Hungria (ABC, Embrapa), Maria Vargas (ABC) e Ana Tereza de Vasconcellos (ABC, SBPC), junto com a chefe geral da Embrapa, Cristhiane Amâncio.

“Johanna, presente!”

A presidente da Academia Brasileira de Ciências, Helena Nader, agradeceu a presença de todos e às organizadoras pela produção do evento comemorativo da vida de Johanna Döbereiner.  “Se há alguém que está presente na vida da ciência brasileira é ela, assim como César Lattes, também comemorando o centenário este ano. Obrigada, Johanna, você foi uma brasileira de verdade. “

A diretora da ABC Maria Vargas demonstrou seu apreço pela grande cientista que foi Johanna Döbereiner, a primeira mulher a ser vice-presidente da ABC.  Participou de três diretorias e pavimentou o caminho para a primeira presidente mulher da ABC, Helena Nader.

Ildeu Moreira representou a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) na abertura e contou que conheceu Johanna na Reunião Anual da SBPC de 1977, que teve cinco mil pessoas na abertura. “Johanna era a homenageada do ano e fez um discurso empolgante e contundente”.

A chefe geral da Embrapa, Cristhiane Amâncio, representou a presidente Silvia Massruhá. Ela contou que a Embrapa foi onde Johanna desenvolveu toda a sua carreira e a sua vida. “Ao longo deste ano, tivemos diversas comemorações e todas têm como objetivo promover o legado de Johanna Döbereiner, divulgar seu trabalho em microbiologia do solo, tema tão atual até hoje. Queremos popularizar a imagem dela para as mulheres e jovens. Seu legado mostra o quanto a ciência é fundamental à frente do desenvolvimento de produtos que beneficiem a sociedade.”

Uma pessoa rara

O Acadêmico Avílio A. Franco (Embrapa) falou sobre a carreira impecável de uma cientista brilhante e seu impacto na ABC, SBPC e Embrapa, com apresentação elaborada em parceria com o Acadêmico Diogenes Campos (ABC, DNPM) e o físico e historiador da ciência Ildeu Moreira (UFRJ).  Contou que ela nasceu na Checoslováquia, em 1950, e naturali zou-se brasileira em 1956. Destacou a importância de Joanna Döbereiner para a inoculação de leguminosas, relatando que ela integrou a Comissão Nacional da Soja em 1963 e convenceu a comissão a usar a inoculação com rizóbio em vez de adubo nitrogenado.

“Sua maior contribuição na fronteira do conhecimento foi a fixação biológica de nitrogênio em plantas leguminosas, como milho e trigo, com uma tecnologia usada até hoje, com grande resultado. Sua fama estendeu-se mundo a fora: em 1995, Joanna Döbereiner era a cientista mulher brasileira mais citada pela comunidade internacional em 1995 e a quinta mais citada entre homens e mulheres no mundo.

Uma característica fundamental de Döbereiner era a dedicação à identificação e formação de competências.  Seus orientandos hoje estão espalhados, sendo que cinco deles são membros da Academia Brasileira de Ciências (ABC), três são da Academia Brasileira de Ciências Agronômicas (ABCA) e dois são membros da Academia Mundial de Ciências (TWAS). “Nenhum departamento da Embrapa tem ou teve esse nível de pesquisadores”, destacou Avílio.

Eleita membro titular da Academia Brasileira de Ciências em 1977, ela ganhou o Premio México de Ciencia y Tecnología 1992 por indicação da ABC e serviu à Academia como membro da Diretoria e como vice-presidente (1995-97). Contribuiu enormemente par aa criação da área de Ciências Agrárias na ABC e no Programa Aristides Pacheco Leão de Vocações Científicas, em que atuou desde 1994. Representando a Academia, ela participou de diversas comissões e eventos, no Brasil e no exterior, como na Índia, no Chile e na Nigéria.

“Johanna foi exemplar. Em honestidade, dedicação, resiliência, inteligência, entusiasmo, disciplina, argúcia, coragem, empatia, otimismo e intuição”. Uma pessoa rara.

Visão sistêmica

Também pesquisadora da Embrapa e membro da Diretoria da ABC, Mariangela Hungria relatou como a crença de Johanna Döbereiner na fixação biológica de nitrogênio com a cultura da soja mudou o cenário agrícola brasileiro. Sua apresentação foi feita em parceria com Iêda Mendes, pesquisadora da Embrapa Cerrados.

Ela explicou que o que fez Johanna única foi a sua enorme curiosidade científica, a capacidade de formular hipóteses e trabalhar incansavelmente na sua validação, aliadas ao espírito agronômico e à preocupação com o agricultor, buscando ajudá-lo a aumentar a produção agrícola. “Além disso, tinha uma enorme visão sistêmica do processo de FBN, com a clareza de que bons resultados somente seriam alcançados considerando a simbiose planta hospedeira, bactéria e ambiente”, apontou a diretora da ABC.

O trabalho de Johanna Döbereiner envolveu também a busca incansável por estirpes extraordinárias de soja. “Ela encontrou algumas bactérias, como a 29W e a SEMIA 587, que são utilizadas em inoculantes comerciais há 45 anos.”

Hungria relatou que Johanna dizia que “não podemos trabalhar com a ciência feita no exterior, temos que ter a nossa”.

Melhoria do feijão

O pesquisador Enderson Ferreira, da Embrapa Arroz e Feijão, falou sobre as contribuições de Döbereiner para a melhoria da FBN na leguminosa de maior importância alimentar no Brasil, o feijão-comum, quando associado ao Rhizobium, explicou Enderson, contando que Johanna Döbereiner estudou o tema em seu mestrado na Universidade de Wisconsin, com o pesquisador Oscar N. Allen.

Na década de 80, Döbereiner formou pesquisadores como Pedro Arraes, que foi presidente da Embrapa, e Ricardo Araújo. Na época, ambos foram para a Embrapa Arroz e Feijão. Trabalharam com seleção de estirpes de rizóbio e fizeram avaliação da FBN em diferentes genótipos de feijão-comum, desenvolvendo o trabalho de Döbereiner na Embrapa Arroz e Feijão.

FBN para reflorestamento

Um olhar especial para a FBN com árvores leguminosas em ambientes naturais e reflorestamento foi dado pelo pesquisador Sergio Miana de Faria, da Embrapa Agrobiologia. Sua apresentação foi elaborada em conjunto com a Acadêmica Fátima Moreira, da Universidade Federal de Lavras (UFLA).

Ele explicou que a Leguminosae é a família com maior diversidade e número de espécies na flora brasileira, compreendendo mais de 253 gêneros e estando entre as três famílias mais diversas em todos os domínios fitogeográficos do Brasil. “Os biomas brasileiros com mais espécies da família são a Amazônia, a Mata Atlântica e nas maiores altitude do Cerrado, daí o imenso impacto do trabalho de Johanna na região”, destacou Faria.

O pesquisador mostrou a imagem desolada de um tanque de depósito do lavado da bauxita, minério avermelhado que é a matéria-prima do alumínio. Leguminosas florestais foram utilizadas para recuperar solos de regiões mineradas e em um ano já havia grande cobertura do solo.

Campo de mineração de bauxita antes e depois de tratamento com FBN

O famoso km 47 

Já a grande descoberta científica de Johanna Döbereiner sobre a contribuição da FBN em gramíneas foi relatada pelo pesquisador da Embrapa Agrobiologia José Ivo Baldani, que apresentou trabalho realizado com Fábio Bueno dos Reis Junior, da Embrapa Cerrados.

Os gramados do km 47 da antiga rodovia Rio-SP, atual BR 465, onde fica hoje a Fazendnha Agroecológica, criada em parceria da Embrapa Agrobiologia com a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (FRRJ), chamaram a atenção de Johanna Döbereiner na década de 60 e despertaram seu interesse pela FBN em gramíneas. Na foto se pode ver a planta verde, com a bactéria colonizando os tecidos da rizosfera, e a planta seca, na qual não há colonização. Nessa pesquisa foi redescoberta a Spirillum Lipoferum (Azospirillum spp.)

Os gramados do km 47

Baldani contou que quatro bactérias foram batizadas em homenagem à Johanna: a Azospirillum doebereinerae, Gluconacetobacter johannae, Azorhizobium doebereinerae e a Beijerinckia doebereinerae.

Contou também que a prioridade de Johanna era que a bactéria fosse do laboratório ao campo. “Não adianta pesquisa se não chegar no campo,”, ressaltou Baldani

Hoje, com gramíneas, os agricultores obtêm 30 a 40% de aumento no rendimento nas plantas inoculadas.  “O trabalho iniciado pela dra. Johanna continuará a render frutos por muitas gerações”, pontuou Baldani.

Apoio ao Pró-Álcool

Verônica Massena Reis, da Embrapa Agrobiologia, abordou a contribuição do trabalho de Johanna para a produção de cana de açúcar. Ela trabalha com Gluconacetobacter diazotriphicus, bactéria comumente encontrada na cana de açúcar. A inovação foi utilizar o meio de cultivo enriquecido com caldo de cana, Os primeiros estudos mostraram que diferentes variedades de cana eram beneficiadas pelas bactérias, que aumentaram o lucro dos canaviais.

“A produtividade dos alimentos era o foco de Johanna porque realmente se preocupava com a população. Ela dizia que o maior desafio da humanidade era vencer a fome”, destacou Veronica.

Sacola de bactérias

O entusiasmo de Johanna Döbereiner ao longo da vida pela bioquímica da FBN foi o foco do Acadêmico Fabio O. Pedrosa, da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Ele contou que Johanna Döbereiner o encaminhou para fazer o doutorado na Inglaterra e conseguiu para ele uma bolsa do CNPq. “No momento da viagem, a bolsa foi cancelada. Mas consegui ir no ano seguinte, com bolsa da Universidade de Cornell”, disse Pedrosa. Ele trabalha com a bactéria Sp7 de Azospirillum brasilense, que Johanna deu a ele, tirando de sua famosa sacola, sempre cheia de bactérias.

Em 1975, o então ministro João Paulo Reis Veloso ofereceu à Johanna Döbereiner o que ela pedisse de recursos. “Então um dos projetos foi o de FBN e nesse processo ela deu muito apoio à carreira de seus orientandos, inclusive a minha. Ela atraiu pesquisadores de grande renome internacional para um simpósio, em 1977”.

Pedrosa deu continuidade às pesquisas de Johanna envolvendo biologia molecular da FBN. “A doutora Johanna tinha uma seriedade em planejar, conduzir e analisar um experimento se refletia no cuidado e aplicação rigorosa do método científico. Suas mais notáveis e admiráveis características eram sua inteligência, sua tremenda intuição sobre fenômenos biológicos, sua enorme capacidade de trabalho, ousadia e persistência, além de sua elevada cultura e conhecimento científico. Ela dizia que preferia ‘ser cabeça de sardinha do que rabo de baleia’”, completou Pedrosa.

Impacto na vida dos agricultores

O Acadêmico Segundo Sacramento Urquiaga Caballero, da Embrapa Agrobiologia, explicou a importância da quantificação da FBN com leguminosas e gramíneas. O trabalho apresentado foi elaborado por ele, em parceria com Bruno Alves, Claudia Jantalia e Robert M Boddey, todos da Embrapa Agrobiologia.

Urquiaga comentou que Döbereiner sempre valorizou o resultado das pesquisas, especialmente no sentido do impacto no ambiente, nos agricultores e, nos últimos anos, no clima. Ele falou sobre o trabalho deles aplicado à cana, com o conceito de interação planta-bactéria.

“Trabalhamos em condições controladas com quatro variedades de bactéria e as plantas que cresciam mais eram as que tinham as quatro bactérias”, destacou. Ele explicou que a descobriram uma determinada variedade de cana que cresce muito bem em solo muito pobre em nitrogênio, em função da FBN. Essa contribuição fez diferença em plantações de diversas regiões do país.

Ciência e inspiração

As percepções da Dra. Johanna Döbereiner sobre a regulação genética na associação entre gramíneas e bactérias diazotróficas foram apresentadas pela professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Adriana Hemerly.

Ela considera a plasticidade das plantas fascinante e intrigante: como elas percebem os sinais ambientais e modulam seu desenvolvimento para se adaptarem às mudanças no ambiente?

Para desvendar o desenvolvimento das plantas, Adriana estuda os mecanismos envolvidos na interação planta-bactéria, com foco na cana de açúcar. A meta era entender os mecanismos genéticos e epigenéticos da associação.

“Fizemos a análise molecular do conjunto, considerando que o ambiente influi. Usando a biotecnologia, buscamos modular os controles da planta e usamos a melhor combinação planta-bactéria-ambiente na agricultura, agricultura urbana, agrofloresta e restauração vegetal, de forma que todas essas sejam sustentáveis e regenerativas”, relatou a pesquisadora.

Formação científica e humana

Da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), o professor Fábio Olivares falou sobre o impacto das ideias e do treinamento de Johanna Döbereiner na ciência na Europa.

Ele apresentou trabalho realizado junto com Anton Hartmann, do Helmholtz Center Munchen, um grande parceiro científico da doutora Johanna. “A Embrapa era um ambiente internacional, uma internacionalização em casa, que propiciava, também, uma formação humana”, observou Olivares.

Johanna Dobereiner, de acordo com todos os presentes, inspirou muita gente. “Mas quem a inspirou? Ela foi formada no pós-guerra, pelas ideias e pesquisas do dr. Lorenz Hiltner, pioneiro na microbiologia da rizosfera e bacteriologia do solo. Ele morreu 25 anos antes dela começar a estudar, em Munique”, contou o pesquisador. Ao longo de sua formação, Döbereiner interagiu muito com pesquisadores do norte da Escócia, Bélgica, Hungria, França, mas principalmente da Alemanha.

“Hoje, ouvindo a todos, conseguimos compor um quebra-cabeça. Temos em comum Seropédica, a Universidade Federal Rural e a Embrapa.  Um ambiente superexigente cientificamente, mas unido e acolhedor. Os grupos de estudo e discussão eram harmônicos, dava prazer de estarmos juntos, ali” declarou o palestrante

E relatou que Johanna sempre dizia que “só vamos mudar o Brasil por meio do conhecimento. E para isso precisamos divulgar a ciência como uma coisa ordinária e não como algo extraordinário”, concluiu.

Legado em cada um dos descendentes científicos

A contribuição de Johanna Döbereiner para a indústria de inoculantes foi o tema do pesquisador da Associação Nacional dos Produtores e Importadores de Inoculantes (ANPII) Solon Araújo.

Ele contou que foi com Johanna que aprendeu o processo da pesquisa, como se trabalha numa pesquisa. “Ela está viva em cada um dos que estão aqui. O legado é isso, deixar uma continuidade, um processo que se multiplica cada vez mais. Ela sabia como nos incentivar, apostando na nossa capacidade”, afirmou.

Solon contou que, em certo momento, decidiu sair da área da pesquisa e optar pelo setor privado. “Esperava que a doutora Joanna se aborrecesse, mas não foi o que aconteceu. Ela me apoiou, dizendo que ‘não adianta ter pesquisa se o inoculante não chegar ao campo’. Então vá e produza, ela me disse”.

Leveza do ser

Christiane Amâncio tratou do legado de uma mulher à frente de seu tempo no ensino, na formação e na construção de uma nova geração de microbiologistas do solo no Brasil.

Cristhiane contou que conviver com a Johanna cientista no laboratório e na família era muito recompensador. “Ela estimulava a intuição, a paixão pelo que faz, a preocupação com a ponta do camponês, do agricultor. Respeitava os seus alunos e, por isso mesmo cobrava deles o máximo que eles podiam dar.  Seus alunos permearam as áreas mais diversas, levando seu legado para toda parte. Ela tratava tudo cientificamente, com rigor, mas se preocupava com a leveza do ser, tinha o entendimento de que as pessoas não se resumem ao trabalho que fazem”, disse a chefe da Embrapa.

Olhar de família

Um dos netos de Johanna, Daniel Döbereiner, conhecia vários dos pesquisadores palestrantes, porque convivia com eles nas férias escolares, quando passava as férias com os avós em Seropédica. A avó, que não parava de trabalhar , o levava para o laboratório.

“A parte científica eu já conhecia, convivi com ela até os 19 anos. Mas eu não tinha noção da importância que ela tinha, não sabia direito o que ela fazia. Só fui me dar conta de quem ela era aos 24 anos. Isso me fez ver as mulheres com outros olhos, ver o poder que a mulher tem. Fico emocionado de ver o que ela fez para o mundo”, confessou Daniel, emocionado.

Ciência para a sociedade

O físico Ildeu Moreira, ex-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e especialista em história da ciência e divulgação científica, comentou que as apresentações mostraram a força que tem a pesquisa da Johanna, que tem continuidade até agora, inspirando tantos descendentes e evoluindo cientificamente. “Ela contribuiu muito para a economia do país. Precisamos difundir esse conhecimento, sobre os cientistas brasileiros, sobre a ciência brasileira, mostrar que existe uma ciência forte, com gente que faz e que faz bem, para que na hora dos cortes de recursos a sociedade nos ajude a impedir que a ciência e a educação sejam tratadas como temas de menor importância. Precisamos inserir no cotidiano da escola, do ensino médio. A história da ciência no Brasil. Essa discussão tem que permear o ensino médio e a universidade”, ressaltou Moreira.

Maria Vargas encerrou o evento, agradecendo a todos por tudo que aprendeu no evento, apontando que esse trabalho e seu desenvolvimento mostrar como a ciência pode levar o país a um desenvolvimento sustentável.


Assista ao evento na íntegra no canal do YouTube da ABC

teste