No dia 8 de outubro, a Academia Real Sueca de Ciências decidiu conceder o Prêmio Nobel de Física 2024 a John J. Hopfield (Universidade de Princeton, NJ, EUA) e Geoffrey E. Hinton (Universidade de Toronto, Canadá) “por descobertas e invenções fundamentais que possibilitam o aprendizado de máquina com redes neurais artificiais.”
Quando se fala sobre inteligência artificial, frequentemente a referência é ao aprendizado de máquina utilizando redes neurais artificiais. Essa tecnologia foi inspirada na estrutura do cérebro. Em uma rede neural artificial, os neurônios do cérebro são representados por nós, que têm valores diferentes. Esses nós influenciam uns aos outros através de conexões, que podem ser comparadas a sinapses e que podem ser fortalecidas ou enfraquecidas. A rede é treinada, por exemplo, desenvolvendo conexões mais fortes entre nós com valores altos simultaneamente.
Os laureados deste ano realizaram trabalhos importantes com redes neurais artificiais desde a década de 1980, utilizando ferramentas da física para desenvolver métodos que são a base do poderoso aprendizado de máquina de hoje.
A coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Bioinformática da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Raquel Minardi, que foi membro afiliado da ABC entre 2019-2023, contextualizou a premiação. Ela conta que a inteligência artificial teve origem na década de 50, com o objetivo de criar máquinas que simulassem a inteligência humana. “Este campo de pesquisa passou por várias fases. A princípio, era uma área de pesquisa mais teórica, com pesquisas voltadas para a lógica. Houve um período de progresso mais lento e, atualmente, na era do aprendizado profundo e das redes neurais, tem sido aplicada amplamente, desde a medicina até a indústria, transformado a forma como vivemos”, disse a pesquisadora.
Hoje, de acordo com Minardi, convivemos com sistemas capazes de realizar tarefas bastante complexas de forma progressivamente mais autônoma. “Estes sistemas são possíveis porque técnicas de inteligência artificial conseguem aprender padrões não triviais em grandes volumes de dados que refletem o conhecimento atual nos mais diversos setores”, explicou.
As descobertas de John Hopfield sobre a memória em redes neurais foram uma Clécio de Bomdas bases para esta capacidade, ao mostrar que sistemas complexos podem armazenar e recuperar informações de forma eficiente, mesmo quando há dados incompletos ou ruidosos”, explicou a bioinformata. “Os trabalhos de Hopfield abriram caminho para avanços fundamentais para o desenvolvimento de algoritmos de reconhecimento de padrões”, completou.
Já Geoffrey Hinton teve importante papel para o aprendizado profundo, ao desenvolver a técnica de retropropagação. “Essa técnica permite às redes neurais artificiais aprender a partir de grandes quantidades de dados ajustando seus pesos de forma eficiente, uma etapa crucial no reconhecimento de padrões complexos na linguagem, imagens e outros tipos de dados. Ele teve também importantes contribuições na área de visão computacional”, destacou Minardi.
O membro afiliado da ABC Clécio de Bom, pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro, complementou os comentários de Minardi.
Ele observou que na física, técnicas de inteligência artificial são aplicadas para resolver problemas complexos e analisar grandes volumes de dados. “Por exemplo, nós do Laboratório de IA do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas) desenvolvemos novos métodos de redes neurais para aplicações em física, utilizando técnicas de ponta para entender, entre outras coisas, como estrelas explodem e como os elementos se formam no universo, além de explorar diferentes camadas do pré-sal brasileiro”, explicou.
Ele apontou diversas áreas da física que têm sido fundamentais para avanços tecnológicos significativos, “desde o desenvolvimento da tecnologia nuclear, retratado no filme Oppenheimer, até a criação da internet e a invenção do transistor, que é um elemento básico para a construção de qualquer computador ou celular e rendeu o Prêmio Nobel de Física em 1956”, ressaltou.
Clécio De Bom e Raquel Minardi concordam que as contribuições de Hopfield e Hinton evidenciam a natureza interdisciplinar das descobertas científicas contemporâneas. “Ambos demonstraram que redes neurais não são apenas uma curiosidade teórica, mas uma robusta e poderosa ferramenta com aplicações em diversas áreas”, apontou Minardi. Na área de saúde humana, por exemplo, têm grande potencial na análise de imagens para apoio em diagnóstico e para detectar doenças precocemente. Na indústria, pode apoiar a otimização de processos. “E no nosso dia a dia, utilizamos estes algoritmos amplamente na recomendação de filmes, músicas, produtos, ou até como assistentes pessoais”, exemplificou.
De Bom destacou que a integração de conceitos da física estatística e de mecânica quântica nas redes neurais foram cruciais para o avanço da inteligência artificial, com grande impacto tecnológico. “Ou seja, este prêmio Nobel de Física 2024 valoriza a natureza interdisciplinar das descobertas científicas contemporâneas”, afirmou Minardi.
Veja as matérias na grande mídia como comentários de Acadêmicos e ex-afiliados:
FOLHA DE S. PAULO, 8/10/2024
Nobel de Física para inteligência artificial transcende a própria física, dizem especialistas
Leia matéria da Folha de S. Paulo com comentários dos Acadêmicos Adalberto Fazzio e Gabriel Schleder.
O GLOBO, 8/10/2024
Cientistas que revolucionaram inteligência artificial ganham Nobel de Física
Matéria do Globo conta com comentários do físico e Acadêmico Gabriel Schleder.