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Acadêmico conquista o “grand slam” das palestras sobre ciência dos materiais vítreos

O Acadêmico Edgar Dutra Zanotto, professor sênior do Departamento de Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e coordenador do Lab de Materiais Vítreos (LaMaV), foi agraciado com a Frontiers of Glass Science Lecture, um dos prêmios mundiais mais importantes da área de ciência dos materiais vítreos, concedido pela American Ceramic Society (ACerS).

Essa distinção é concedida anualmente a um cientista que tenha feito contribuições excepcionais para o avanço da ciência dos materiais vítreos. A lista de palestrantes anteriores desde 2013 inclui nomes de destaque dos Estados Unidos, Canadá, França, Alemanha e Japão.

A Frontiers of Glass Science Lecture se junta a outras três palestras de prestígio que o Professor já ministrou:

Willian E.S. Turner Memorial Lecture 2014 (Society of Glass Technology, Reino Unido)
Alfred Cooper Distinguished Speaker 2016 Lecture (ACerS, USA) e
Samuel Scholes Memorial Lecture 2019 (Alfred University, USA).

Com este prêmio, Zanotto é o primeiro pesquisador a completar o “grand slam” das palestras em sua área de expertise, um feito que consolida a posição do LaMaV como um dos principais grupos do planeta sobre materiais vítreos.

A palestra, intitulada “Desvendando a Nucleação de Cristais em Líquidos Super-resfriados e Vidros”, será ministrada em maio, em Las Vegas, nos Estados Unidos. Nela, o  Acadêmico compartilhará suas pesquisas sobre a cristalização de vidros, um tema fundamental para o entendimento e desenvolvimento de novos materiais.

Zanotto se mostrou surpreso e honrado com a premiação. “Ainda estou tentando descobrir quem me indicou secretamente, mas me sinto motivado a apresentar uma palestra que inspire a próxima geração de cientistas de materiais. É sempre prazeroso e motivador ver a ciência nacional brilhar no exterior”, comentou. “Aproveito a oportunidade para agradecer aos meus inúmeros estudantes e colaboradores, assim como ao apoio contínuo da Fapesp, Capes e CNPq durante quase cinco décadas décadas.”

Acadêmica Niède Guidon é contemplada com o Prêmio Almirante Álvaro Alberto 2024

Diretora presidente Emérita da Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM), a arqueóloga [e Acadêmica]  Niède Guidon será a laureada da edição 2024 do Prêmio Almirante Álvaro Alberto para a Ciência e Tecnologia, concedido pelo CNPq em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e com apoio da Marinha do Brasil. A cerimônia de premiação será na Escola Naval do Rio de Janeiro, no dia 8 de maio de 2024, [em cerimônia que também dará posse aos novos membros da Academia Brasileira de Ciências].

Graduada em História Natural pela Universidade de São Paulo, em 1959, e com doutorado em Pré-História, realizado na Université Paris 1 Pantheon-Sorbonne (1975), Guidon foi diretora presidente da FUMDHAM de 1986 a 2019 e é membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Ao longo de sua carreira, ela identificou mais de 700 sítios pré-históricos, entre os quais 426 paredes de pinturas antigas e evidências de habitações humanas antigas no Parque Nacional Serra de Capivara, no Piauí.

Responsável pela preservação, desenvolvimento e gestão desse parque, bem como pela proteção da flora e fauna ameaçadas de extinção, Guidon criou no parque um centro cultural e museu, além da FUMDHAM, no município piauiense de São Raimundo Nonato.

Reconhecendo a importância da participação local para o desenvolvimento social, a pesquisadora criou núcleos de apoio comunitário que prestam serviços sociais e cuidados de saúde e educação às comunidades locais, bem como treinam pessoal local em ecologia, restauro e pré-história.

Com seus estudos, Guidon gravou mais de 35 mil imagens, publicou mais de 100 artigos e formou número relevante de alunos de pós-graduação. Ela também foi premiada diversas vezes. Em 2005, recebeu a Ordem do Mérito Científico, Grã-Cruz, do MCTI; o Green Prize, Paliber; e o Prêmio Príncipe Klaus, esse último concedido pelo governo holandês. Em 2013 recebeu o Prêmio Fundação Conrado Wessel de Cultura. Em 2014, Guidon foi agraciada com o prêmio Cientista do Ano, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), e com o Prêmio Chevalier de La Légion d’Honneur, do governo francês. Por sua defesa à sustentabilidade, a pesquisadora recebeu, ainda, homenagem em 2010, no 5º Fórum Mundial de Meio Ambiente. Ela é bolsista de Produtividade em Pesquisa Sênior do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Sobre o prêmio

O Prêmio Álvaro Alberto constitui um reconhecimento aos cientistas brasileiros que contribuíram de forma significativa para a ciência e tecnologia do país e é concedido em caráter individual e indivisível, de forma anual, em sistema de rodízio, a uma das três grandes áreas do conhecimento: Ciências da Vida; Ciências da Terra e Engenharias; e Ciências Humanas e Sociais, Letras e Artes, área contemplada na edição de 2024.

Na mesma cerimônia de entrega do Prêmio Álvaro Alberto também ocorrerá a premiação dos contemplados este ano com a Menção Especial de Agradecimento e com o título de Pesquisador Emérito do CNPq. Instituída em 2005, a Menção Especial de Agradecimentos constitui reconhecimento a pessoas físicas ou jurídicas pelos serviços significativos prestados ao crescimento, desenvolvimento, aprimoramento e divulgação do CNPq no ano anterior à entrega da Menção. O título de Pesquisador Emérito, por seu turno, é outorgado aos pesquisadores brasileiros ou estrangeiros radicados no Brasil como reconhecimento do conjunto das respectivas obras científico-tecnológicas e do renome junto à comunidade científica.

Em 2024, recebem a Menção Especial de Agradecimentos a deputada federal pelo estado do Rio Grande do Sul e autora do Requerimento n° 428/2024, para instituição de Frente Parlamentar em defesa das universidades públicas, Maria do Rosário Nunes; a senadora pelo estado de Pernambuco e membro titular da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e Informática, Maria Teresa Leitão de Melo; a bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, professora da Universidade de Brasília (UnB) e ex-presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), [a Acadêmica] Mercedes Bustamante; e uma pessoa jurídica, o Ministério da Igualdade Racial.

Entre os contemplados com o título de Pesquisador Emérito estão dois estudiosos que serão agraciados de forma póstuma: Antônio Ricardo Droher Rodrigues, pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), e Clóvis Caesar Gonzaga, que era professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Os demais agraciados com o título são o ex-presidente do CNPq, membro da Academia Brasileira de Ciência Agronômica (ABCA) e dad Academia Brasileira de Ciências, Evaldo Ferreira Vilela; Josefa Salete Barbosa Cavalcanti, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Pedro Alberto Morettin, da Universidade de São Paulo (USP/IME); e Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses, também da USP.

ABC participa de reunião preparatória para a 5ª Conferência Nacional de CT&I

“O Brasil tem uma riqueza institucional fantástica, mas falta uma cooperação entre instituições e agentes que promovem a inovação no país”, ressaltou o vice-presidente da Fundação Getulio Vargas (FGV), Marcos Cintra, durante a abertura da Conferência Livre de CT&I: Políticas para Ciência, Tecnologia e Inovação com Base em Evidências, que ocorreu no dia 3 de abril em São Paulo. O evento reuniu membros do Sistema Nacional de CT&I com o objetivo de propor contribuições, com base em evidências, para a nova política do setor.

As propostas apresentadas durante esta Conferência Livre representam uma contribuição para elaborar uma Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI) no Brasil, e fazem parte da preparação para 5ª Conferência Nacional de CT&I, que ocorre de 4 a 6 de junho, em Brasília (DF).

Proposições para a governança das iniciativas na área de CT&I

O primeiro painel da Conferência debateu a Governança do Sistema de CT&I e a coordenação das iniciativas dos órgãos de fomento e agências de financiamento que atuam no setor. De acordo com o diretor da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Alvaro Prata, a ciência deve nortear todas as decisões nacionais na esfera executiva, apoiando ações nos diversos ministérios.

“Não dá para tomar uma decisão seja no meio ambiente, saúde, infraestrutura ou segurança pública, sem tomar como base a ciência”, disse Prata. O professor e ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) propôs uma reestruturação dos ministérios de forma a gerar mais centralidade às ações de Ciência, Tecnologia e Inovação com base no livro Ciência para Prosperidade, uma publicação da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii).

Alvaro Prata propôs ainda a criação de uma nova função – os Conselheiros Estratégicos em CT&I – para participar nos diferentes setores do Legislativo, Judiciário e, principalmente, Executivo. Neste sistema, cada Ministério teria a figura de um conselheiro estratégico em CT&I para atuar conjuntamente com o MCTI, garantindo que as decisões tomadas em diversos âmbitos sejam baseadas em evidências científicas.

Na sequência, a presidente da Academia Nacional de Medicina (ANM), Eliete Bouskela, alertou para a necessidade de as indústrias absorverem mestres e doutores, destacando a realidade de outros países. “Na Suécia, por exemplo, as indústrias costumam estar localizadas próximas às universidades para que possa haver um maior diálogo entre a universidade e a indústria”, destacou Bouskela, a primeira presidente mulher em 195 anos da ANM.

O professor emérito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Jorge Guimarães, acredita que é preciso reformular o modelo de ensino médio e superior no país a fim de ampliar a oferta de profissionais mais qualificados no mercado: “Também é preciso reorientar a missão dos Institutos Federais para atuar no ensino secundário e pós-secundário, além de articular parcerias com o sistema SENAI/SENAC com foco na formação complementar, e promover uma Reforma Universitária, talvez o desafio mais profundo”.

Guimarães foi seguido pelo presidente do Conselho Superior da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Marco Antonio Zago, que foi categórico ao afirmar que falta governança de CT&I no país. Zago defendeu que incrementar sistemas de CT&I estaduais e regionais pode melhorar esta situação e ressaltou a importância de conferências como essa organizada pela FGV para discutir esses temas.

“Esperamos que ao final desse ciclo que culminará na 5ª Conferência Nacional de CT&I, tenhamos novamente um plano estratégico para o país, com linhas prioritárias de ação, metas definidas e recursos reservados para sua execução. Este plano deve levar em conta a enorme diversidade regional de um país continental, para isso é essencial fortalecer as agendas estaduais e regionais de pesquisa para o desenvolvimento científico e tecnológico, com participação da comunidade acadêmica e empresas locais, com recursos federais e do estado combinados”, discursou o presidente da Fapesp.

Quem encerrou o painel foi o secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do estado de São Paulo, Vahan Agopyan, reiterando a necessidade de fortalecer ambientes de inovação e o apoio a empresas inovadoras, principalmente startups.

É possível assistir aos painéis desta Conferência, na íntegra, através deste link.

Para conferir as apresentações realizadas, e as respectivas proposições para a nova política de CT&I, basta clicar aqui.

Alvaro Prata, diretor da ABC (Foto: Divulgação FGV)

Centenário do Professor Aziz Nacib Ab’saber

Há cem anos, em 24 de outubro de 1924, nascia o professor Aziz Nacib Ab’Saber. Dono de uma importante trajetória intelectual associada à Geografia, às Geociências e à sociedade em geral, ao longo de mais de seis décadas, produziu e consolidou vasta obra científica, além de ter se dedicado a um público mais amplo, abordando diversos campos do conhecimento, sempre objetivando compreender o mundo na sua totalidade. Sua produção acadêmica tem grande relevância para a ciência brasileira e mundial, em especial para as questões associadas à dinâmica da natureza e sua relação com a sociedade. 

O centenário de seu nascimento, a ser celebrado em 2024, marca a vida de um profissional que ultrapassou os limites do ensino e da pesquisa, tendo atuado em várias lutas sociais e ambientais do país. Por isso foi reconhecido tanto por criar teorias quanto por seu engajamento político e institucional, participando em importantes debates nacionais, como, por exemplo, a Assembleia Constituinte, a defesa do patrimônio público, as questões relacionadas à Amazônia, com destaque para a elaboração do visionário Projeto FLORAM, nos anos 1980 e 1990, e outros biomas brasileiros.

O professor Aziz Ab’Saber foi dirigente de importantes associações e sociedades científicas, e pertencia a um grupo de expoentes intelectuais que via a universidade como um lugar de saberes e produção de conhecimento destinada a cumprir o seu papel social. Conscientes da importância de divulgar e valorizar seu legado intelectual, nós, as entidades que assinam este documento, nos unimos para propor o “Centenário Aziz Ab’Saber – 1924–2024”.

Este convite é dirigido a todos os interessados em celebrar o legado do Professor Aziz Ab’Saber. Convidamos docentes, pesquisadores e demais lideranças a organizarem atividades com o intuito de chamar a atenção da sociedade para as contribuições desse grande geógrafo brasileiro. Palestras, debates, edições especiais em revistas acadêmicas e exposições são algumas das iniciativas que podem ser consideradas.

Nosso objetivo é, ao final de 2024, elaborar um documento que compile todas as ações realizadas ao longo deste ano. Para facilitar o acompanhamento das atividades planejadas e executadas, solicitamos gentilmente que estas sejam registradas no formulário disponível neste link. Desta forma, ao término das comemorações, teremos uma visão abrangente das celebrações realizadas.

O selo comemorativo

O selo comemorativo, proposto abaixo, tem como finalidade acompanhar a divulgação de todas as atividades vinculadas a esta iniciativa, para o qual também foi elaborado um pequeno texto para segui-lo:

 

 

“Este selo comemorativo pelo centenário do professor Aziz Nacib Ab’Saber representa nossa homenagem àquele que, além de professor e pesquisador, foi atuante e protagonista em grandes debates ambientais e sociais do Brasil. Desejamos que o professor Aziz Ab’Saber, através de sua produção intelectual e ensinamentos, possa servir de exemplo e estímulo às presentes e futuras gerações.”

 

 

Brasil, 22 de março de 2024.

União da Geomorfologia Brasileira (UGB)
Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB)
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia (Anpege)
Associação Brasileira de Climatologia (ABClima)
Revista Brasileira de Geomorfologia (RBG)
Serviço Geológico do Brasil (SGB/CPRM)
Associação Brasileira de Biogeografia (ABBIOGEO)
Sistema Brasileiro de Classificação do Relevo (SBCR)
Sociedade Brasileira de Geologia (SBG)

Faleceu o Acadêmico Eliezer Barreiro

O Acadêmico Eliezer Jesus de Lacerda Barreiro nos deixou, aos 76 anos, nesta segunda-feira, 8 de abril. Sua carreira e suas contribuições científicas são facilmente buscadas e localizadas na internet. O que não está em seu currículo é a grandeza de caráter desse pesquisador singular, sempre à frente de seus tempos, com uma visão nacionalista para a ciência brasileira, pela qual sempre lutou, com uma plêiade de amigos e colaboradores de diferentes idades e regiões do nosso país.

A Diretoria da Academia Brasileira de Ciências se despede de você querido amigo, com esse texto de Mario Quintana, “O confidente sumido”:

“Quando um amigo morre, uma coisa não lhe perdoamos: como nos deixou assim sem mais nem menos, assim no ar, em meio de algo que lhe queríamos dizer ou — pior ainda — em meio do silêncio a dois no bar costumeiro? Que outros hábitos, que outras relações terá ele arranjado? Que novas aventuras ou desventuras de que não nos conta nada?

A nós, que sempre fomos tão bons confidentes…

Que poderemos fazer?”

Helena Nader, em nome da Diretoria da ABC


O velório será às 10h do dia 11 de abril, 5a feira, no cemitério São João Batista.

 


A Reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde o Acadêmico desenvolveu sua carreira, publicou um obituário, intitulado “Adeus a Eliezer Barreiro“. Leia aqui


Assista o vídeo realizado pela Sociedade Brasileira de Química (SBQ) na ocasião dos 70 anos do Prof. Eliezer Barreiro. 

A memória é a consciência inserida no tempo

A Acadêmica Marcia Castro, membro correspondente da ABC e professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da da Escola de Saúde Pública de Harvard, publicou o seguinte artigo na Folha de S. Paulo em 7 de abril, no qual destaca que é relembrando, entendendo e aprendendo com o passado que se constrói um futuro melhor.

Para o título da coluna de hoje, pego emprestadas as palavras de Fernando Pessoa.

Este ano marca os 60 anos do golpe militar. A decisão do governo de não relembrar o golpe é lamentável. É relembrando, entendendo e aprendendo com o passado que se constrói um futuro melhor.

Foi durante a ditadura militar que a Amazônia começou a sofrer uma destruição ambiental sem precedentes. Ancoradas em ideais de integração regional e segurança nacional, as então chamadas políticas de desenvolvimento promoviam a exploração de recursos naturais ignorando por completo as demandas e cultura locais.

Isso fica claro no lema “homens sem terra para terra sem homens” promovido pelo presidente Médici que, em 1970, criou o Programa de Integração Nacional (PIN). O presidente via a Amazônia como a solução para problemas fundiários no Nordeste.

Abertura de rodovias, construção de barragens, subsídios fiscais para a agroindústria e a promoção de assentamentos agrícolas, que atraíram milhões de migrantes, transformaram a Amazônia.

Essas mudanças tiveram consequências ambientais devastadoras e impactaram a saúde pública. Entre 1964 e 1990, o número de casos de malária aumentou 412%. Em meados dos anos 80, Rondônia era considerada a capital da malária no Brasil.

A retomada da exploração desenfreada da Amazônia durante o governo Bolsonaro deixou um rastro de destruição cujas consequências ainda são sentidas. Considerando o garimpo em áreas indígenas (o que é ilegal), 62% da área garimpada desde 1985 foi aberta entre 2018 e 2022!

O resultado é semelhante ao visto durante a ditadura: malária, desnutrição, contaminação por mercúrio, violência etc. Problemas ainda não resolvidos dada a dificuldade em unir diferentes setores no efetivo restabelecimento dos serviços destruídos durante o governo anterior. Um trabalho recentemente divulgado pela Fiocruz revela as condições sanitárias precárias que yanomamis vivendo na região do alto rio Mucajaí (em Roraima) enfrentavam em outubro de 2022.

Cerca de 15% apresentavam anemia, com maior prevalência entre menores de 5 anos (27%). Com relação a medidas antropométricas, 47% apresentavam baixo peso. Entre os menores de 12 anos, 92% apresentavam baixo peso.

(…)

Somente 15,5% dos menores de 12 anos que possuíam caderneta de saúde estavam com a vacinação em dia. Além disso, anemia e deficiências na capacidade cognitiva estavam associadas a contaminação por mercúrio.

É provável que outros povos indígenas estejam enfrentando desafios semelhantes. Especialmente os Kayapó e Mundukuru que, junto com o povo Yanomami, são os mais atingidos pelo garimpo predatório. Digo “provável” pois não há dados nem monitoramento detalhados.

Esse problema foi ressaltado no plano de aperfeiçoamento da saúde indígena preparado pela Secretaria de Saúde Indígena do Ministério da Saúde. A solução precisa ser rápida!

Entretanto, apesar da contaminação por mercúrio ser algo amplamente discutido, a necessidade de monitorar a presença de mercúrio na água e em alimentos consumidos pelos indígenas não foi incluída no plano de aperfeiçoamento, conforme eu já havia destacado em fevereiro.

O legado da ditadura militar para a Amazônia e os indígenas persiste. Não o relembrar é uma via para repeti-lo no futuro.


Leia a coluna íntegra na Folha de S. Paulo

Morreu o Acadêmico David John Randall

David Randall era professor distinguido do Departamento de Ciências Atmosféricas da Universidade Estadual do Colorado. Obteve seu doutorado em Ciências Atmosféricas, pela Universidade da Califórnia, Los Angeles. O mestrado e a graduação ele cursou na Universidade Estadual de Ohio, Columbus em Engenharia Aeronáutica e Astronáutica.

O Professor Randall ingressou no Departamento de Ciências Atmosféricas da CSU em 1988. Antes de sua chegada, ele ocupou cargos no Instituto de Tecnologia de Massachusetts e na NASA.

Como professor, Randall gostava de ministrar disciplinas relacionadas a modelagem numérica da atmosfera, dinâmica atmosférica, camada limite atmosférica, convecção e clima. Como pesquisador, tinha interesse no estudo de nuvens e clima, dinâmica climática, parametrização de nuvens e métodos numéricos. Seus projetos em andamento incluíam o desenvolvimento de métodos de parametrização de nuvens aprimorados, experimentos numéricos para determinar o papel das nuvens na manutenção do clima atual e uma investigação sobre o papel das nuvens na dinâmica climática.

O porf. Adalberto Val, vice-presidente da ABC para a região Norte comentou sobre essa perda: “Um homem excepcional, um cientista singular, um professor atento. Contribuiu como ninguém com a fisiologia comparada. Chefiou a expedição Alpha Helix à Amazônia em 1976. Minha vida profissional representa muito do que aprendi com Dave.”

Dave Randall fazendo uma palestra a bordo de um barco em Manaus, na ocasião em que recebeu o diploma de membro correspondente da ABC. Observem a projeção ao fundo.

 

Conhecimento Tradicional indígena e Conhecimento Científico: Diálogos Possíveis

“O universo científico insiste em formar pesquisadores indígenas deslocando-os de seus modos específicos e de seus modelos de conhecimento. Se a ciência quer de fato diálogo entre os diferentes modelos de conhecimento (modelos de conhecimentos sobre as plantas, sobre a água, sobre o cosmo… precisa entender nossos pensamentos, nosso jeito de ser, de pensar e de viver… nós construímos nosso conhecimento pela oralidade. A ciência precisa fazer uma experiência de mergulhar nos nossos modelos de conhecimento. Nós, com todo esforço, nós fazemos essa experiência de mergulhar no conhecimento da ciência…”

João Paulo Barreto

A fala do doutor João Paulo Barreto, indígena do povo Tukano, resume a perspectiva dos indígenas em relação à aproximação de conhecimentos com a academia, expressa na Conferência Livre Preparatória para 5ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia (5ª CNCTI, que será em junho) realizada no dia 21 de março, no auditório da ciência do INPA, intitulada “Sistemas de Conhecimentos: Conhecimento Tradicional indígena e Conhecimento Científico: Diálogos Possíveis”.

A comissão organizadora do evento foi composta pelo diretor do Inpa, Henrique Pereira, os pesquisadores Adalberto Val, que representa a Academia Brasileira de Ciências – ABC Norte, Ana Carla Bruno (que foi membra afiliada da ABC em 2011-2015) e Noemia Ishikawa (que foi membra afiliada da ABC em 2009-2014), e dois indígenas: o doutorando em Botânica do Inpa, Gildo Feitoza (Makuxi), e o pesquisador membro do Núcleo de Estudos da Amazônia Indígena da Universidade Federal do Amazonas (Neai/Ufam), Silvio Sanches Barreto (Bará), atualmente bolsista do Instituto Serrapilheira. 

Adalberto Val e Henrique Pereira, diretor do INPA

Compareceram fisicamente em torno de 100 pessoas ao evento, representando diversas instituições de ensino, como a Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Instituto Federal do Amazonas (IFAM), Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, entre outras.

Também se fizeram representar organizações, associações e grupos indígenas de diversos povos, como por exemplo, Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas (MEIAM), Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (APIAM), Centro de Medicina Indígena Bahserikowi; Colegiado dos Alunos de Pós-graduação Indígena do Programa de Pós Graduação em Antropologia da UFAM, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e Rede de Mulheres Indígenas do Estado do Amazonas (Makira Eta). Estavam presentes os povos Bará, Makuxi, Tukano, Munduruku, Baré, Dessano, Sateré Mawé, Borari e Waikahna.

Nos últimos 20 anos, vemos uma presença de pesquisadores e intelectuais indígenas nas instituições de ensino, nas universidades, mas ainda percebemos que a presença de pesquisadores indígenas, como produtores de conhecimentos, nas instituições de pesquisas do MCTI e seus laboratórios é quase inexistente.

De acordo com a relatora Ana Carla Bruno, a história da ciência apresenta uma série de hierarquias de sistemas de conhecimentos e campos de saberes que subordina e relega outras formas de conhecimento como secundárias ou menos importante. “O próprio tratamento que damos aos conhecimentos indígenas quando o denominamos, classificamos e reconhecemos como ‘saberes’ é uma forma de hierarquização. A relação de pesquisa entre indígenas e não indígenas, por muito tempo, foi permeada pela condição onde os indígenas eram temas, objetos, auxiliares e ‘informantes’ das pesquisas.”

“Nada para nós sem nós!”

Este lema, que vemos sendo acionado pelo Grupo de Trabalho (GT) Indígena da América Latina e Caribe da Década das Línguas Indígenas (2022-2032),  foi dito de diferentes formas e por diferentes vozes, recorrentemente, pelos estudantes e pesquisadores indígenas e suas organizações.

No evento e discussões realizados, ficou claro que, assim como em diferentes pautas, como educação, cultura e saúde, no universo da ciência e tecnologia os povos indígenas também querem espaços e instituições de CT&I que respeitem, dialoguem e reconheçam suas epistemologias, técnicas, métodos e formas de conceber e observar o mundo.

“Nas últimas duas décadas estamos observando uma importante e significativa presença de indígenas nas universidades, tornando-se produtores de conhecimentos neste universo. Mas ainda uma quase inexistente presença indígena nos institutos de pesquisas produzindo, realizando pesquisas e coordenando projetos”, apontou Ana Carla Bruno.

A Conferência foi organizada pelo INPA com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC). 

O Inpa e as comunidades indígenas

Nos seus 70 anos de existência, o INPA produziu e desenvolveu projetos de pesquisas e trabalhos em comunidades indígenas, mas apenas nos últimos dois anos começou-se a ver a presença de estudantes indígenas nos cursos de pós-graduação.

Esta conferência livre situada no eixo 3 “Amazônia, Ciência e os Saberes Tradicional” realizada no INPA buscou refletir e debater sobre qual o lugar dos conhecimentos, dos modelos de conhecimento indígena na constituição do conhecimento científico ocidental e de que forma podemos manter diálogos mais simétricos no universo da ciência e tecnologia do nosso país.

“Penso que este diálogo pode estimular, suscitar e fazer-nos olhar este processo de construção de conhecimento e formas de categorizar e classificar o mundo a partir, com e através de outras perspectivas. Mas também será necessário, como diversas vezes ressaltados nas intervenções dos indígenas participantes do encontro, que estes espaços sejam acolhedores e que respeitem a diversidade e a diferença dos povos indígenas do Brasil”, destacou a relatora.

Propostas e soluções

Para que o objetivo de todos os participantes do encontro de fato se realize, alguns tópicos fundamentais foram levantados. São eles:

Ambientes institucionais que estejam dispostos a respeitar as diferenças é o primeiro passo para que seja efetivado o diálogo. Neste sentido, é necessário compreender que cada pesquisador indígena pode ter trajetórias acadêmicas muito distintas, histórias de vidas e situações sociolinguísticas muito diferenciadas (povo, língua, vivência na aldeia/comunidade ou na cidade);

  • Que os editais da pós-graduação sejam elaborados em conjunto com pesquisadores indígenas;
  • Que sejam elaborados editais específicos para pesquisadores indígenas, onde pudessem concorrer entre si.
  • Laboratórios indígenas de pesquisa e inovação dentro das instituições de pesquisas do MCTI, para que os indígenas desenvolvam pesquisas a partir de suas epistemologias e técnicas de observação.
  • Bolsas de pesquisas para anciãos e jovens cientistas indígenas, dentro de suas comunidades, para que mantenham suas formas próprias de transmissão de conhecimentos.
  • Que os indígenas possam ter uma inserção mais efetiva nos debates de ciência e tecnologia do país, a partir do estímulo de projetos e bolsas de iniciação científica indígena, disciplinas de pós-graduação ministradas por pesquisadores indígenas em parceria com não indígenas, feiras nacionais de ciência indígena e outras iniciativas afins.
  • Que as instituições do MCTI possam conceder título de “Notório Saber” para indígenas que não possuem formação acadêmica, mas desenvolvem pesquisas em parcerias com os cientistas indígenas e não indígenas.

Ao final do relatório, Ana Carla Bruno destacou que a colaboração e parceria de doutores e doutorandos indígenas se deu desde o início da preparação do evento. “Pensamos juntos as palestras, os palestrantes e os temas que gostaríamos de debater e a inserção de parceiros indígenas na comissão do evento foi essencial para o sucesso dela”, comentou Ana Carla Bruno.

Ela destacou ter ficado intrigada pelo evento ter sido, até então, a única conferência livre do eixo 3 “Amazônia, Ciência e os Saberes Tradicionais” que se propôs a debater, refletir e pensar qual o lugar do conhecimento indígena no universo da ciência e inovação do nosso país – e como os indígenas querem participar deste debate. “ E, enfim, ressaltamos a necessidade de um diálogo maior entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e o Ministério dos Povos Indígenas”, concluiu a antropóloga.


ASSISTA AO EVENTO NA ÍNTEGRA PELO YOUTUBE DO INPA

 

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