O mundo acadêmico está vivendo uma revolução sem precedentes. Foi-se o tempo em que pesquisadores submetiam um artigo científico para uma revista científica de forma gratuita, e os editores da revista cuidadosamente selecionavam apenas o material que julgassem ser de maior qualidade para publicação, já que a revista arcaria com custos de produção e impressão. Nesse modelo antigo, a qualidade do material publicado e a “tradição” da revista eram essenciais para que editoras pudessem vender assinaturas e recuperar seu investimento na produção do material publicado. O efeito colateral negativo desse sistema é que ele restringe o acesso aos artigos científicos (e, portanto, ao conhecimento) para aqueles que pagam as assinaturas, sejam eles os próprios pesquisadores ou as bibliotecas das universidades. No Brasil, a Capes paga anualmente às grandes editoras científicas para que as instituições acadêmicas do País possam acessar publicações científicas pelo portal Periódicos Capes.

Hoje, com o elogiável avanço do modelo open access (acesso aberto), a necessidade de assinatura foi removida e uma parcela cada vez maior dos artigos científicos está gratuitamente disponível na internet para qualquer pessoa ler. No entanto, revistas ainda incorrem em custos pela produção e disseminação de artigos científicos, e esse custo hoje migrou do leitor para o autor do artigo. Cientistas ao redor do mundo pagam valores que podem chegar a astronômicos US$ 10 mil para cada artigo que publicam, nos chamados Article Processing Charges (APCs). Entretanto, o pagamento de APCs para publicação de artigos tem efeitos colaterais nefastos, que foram completamente subdimensionados na concepção desse novo sistema. Um desses efeitos é que cada artigo rejeitado pela revista é uma oportunidade perdida de recolher APC dos autores e cada artigo aceito é lucro para a editora, independente de quantas pessoas se interessam por ler esse material posteriormente. Portanto, a revista científica passou a ter menor responsabilidade pela qualidade do material que publica, disparando o mercado de publicações científicas no mundo todo.

Algumas editoras menos escrupulosas foram rápidas em identificar o potencial econômico dessa mudança e turbinaram a produção de novas revistas científicas, claramente com interesses comerciais. Infraestruturas digitais foram criadas para facilitar e acelerar os procedimentos de submissão, revisão e aceite de artigos, desprezando parcial ou totalmente a crucial etapa de revisão por pares. Por exemplo, algumas revistas científicas (mesmo em editoras tradicionais) criaram capacidade para publicar mais de 10 mil artigos científicos de acesso aberto por ano, gerando lucros fantásticos para as editoras. Com práticas editoriais pouco éticas e visando ao lucro pela publicação de artigos científicos em quantidade, essas editoras e revistas, conhecidas pelo termo “predatórias”, desqualificam todo o sistema de publicações científicas. Vale ressaltar que esse lucro é gerado às custas de editores e revisores geralmente não remunerados, e que pesquisadores muitas vezes são instrumentalizados para recrutar novos artigos para as revistas na forma de editores convidados para edições especiais sobre um tema específico. Apesar de edições especiais legítimas terem um valor acadêmico importante, seu superdimensionamento recente demonstra o sucesso comercial dessa estratégia.

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