pt_BR

Criosfera 2 embarca rumo à Antártica

Confira matéria da UFRGS sobre o início da operação que levará o módulo Criosfera 2 ao interior do continente Antártico. O membro titular da ABC Jefferson Cardia Simões cordena a expedição.

Nesta quarta-feira, dia 28, tem início a maior operação brasileira no interior do continente antártico, com o embarque do Laboratório Automatizado e Sustentável “Criosfera 2”, que parte da Base Aérea de Canoas para a base de Punta Arenas, no Chile, de onde seguirá para a Antártica.

O laboratório foi montado pela equipe do Centro Polar e Climático da UFRGS, integrando o Programa Antártico Brasileiro (Proantar), e desenvolvido com tecnologia gaúcha, com a estrutura principal fabricada por empresa local. O transporte será realizado pela nova aeronave Embraer KC-390 da Força Aérea Brasileira.

O módulo ficará em Punta Arenas por aproximadamente 30 dias, para, então, ser enviado em outro avião através do continente gelado até o paralelo 80º Sul, local onde será instalado. A missão irá durar cerca de um mês e meio, do final de novembro ao início de janeiro, dependendo da situação meteorológica. No total, irão participar oito pesquisadores da UFRGS, sendo que quatro serão responsáveis por acompanhar, testar e instalar o Criosfera 2, retornando logo em seguida. O restante do grupo, liderado pelo pesquisador Jefferson Cardia Simões, integrante do Comitê Nacional de Pesquisas Antárticas (Conapa/(MCT) viajará pelo continente em missão avançada a fim de fazer perfurações de gelo e coletar dados geofísicos. Além do laboratório, foi embarcada a carga de manutenção do Criosfera 1.

Em junho de 2022, o Acadêmico Jefferson Simões apresentou os módulos Criosfera em webinário ABC/CNPQ

Objetivos

Em relação ao Criosfera 1, o módulo 2 prioriza tecnologia nacional, desenvolvida totalmente no Brasil e com equipamentos nacionais, excetuando alguns itens importados, como sensores. O módulo está dedicado à pesquisa sobre mudanças do clima, climatologia e glaciologia. “Ele é diferenciado, porque nós estamos olhando outro setor geográfico da Antártica – a região do Mar de Weddell e da plataforma de gelo onde vai estar localizada – que está mais relacionada à variabilidade do clima do Atlântico Sul, e, principalmente, do Cone Sul, Sul do Brasil, Argentina e Uruguai”, explica o professor Jefferson, também vice-pró-reitor de Pesquisa da UFRGS.

De acordo com o docente, “nossa grande meta é melhorar o entendimento da variabilidade climática da Antártica e como ela afeta a formação de frentes frias, a geração de ciclones extratropicais e os eventos extremos do clima. Também se pretende apoiar a pesquisa de investigação glaciológica de uma área geográfica maior”.

Simões explica como se estrutura a operação sob sua coordenação-geral, a maior expedição brasileira já realizada no interior do manto de gelo antártico, avançando por mais de dois mil quilômetros além da Estação Comandante Ferraz: “São três grupos diferentes: o do Criosfera 2, composto unicamente por pesquisadores da UFRGS, liderados pelo pesquisador do PPG em Geografia Francisco Eliseu Aquino; o grupo da Geleira Payne, um acampamento chefiado pelo próprio Jefferson, do qual participam outros três pesquisadores ligados à UFRGS e mais dois  geofísicos da Universidade Federal do Pará; e, finalmente, três pesquisadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que irão fazer a manutenção do Criosfera 1”.

Financiamento e envolvimento discente

A ação do Programa Antártico Brasileiro (Proantar) é apoiada pela Secretaria Interministerial para os Recursos do Mar e envolve a cooperação entre UFRGS, Marinha do Brasil e Força Aérea Brasileira (FAB), com recursos oriundos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). A construção do módulo custou R$ 250 mil, financiados meio a meio por Fapergs e CNPq/MCTI. O transporte e a logística até a Antártica sairão por cerca de R$ 3,5 milhões e ficarão totalmente a cargo do Ministério, com recursos repassados à UFRGS pela Finep.

O pró-reitor frisa que a ação de transporte e instalação do Criosfera 2 é exclusiva da UFRGS, por meio do Instituto Nacional de Ciência e Tecnológica da Criosfera, gerido pelos pesquisadores da Universidade; enquanto a direção logística, a liderança científica e a execução ficam a cargo do Centro Polar e Climático da UFRGS.

Em relação à participação de estudantes, o docente afirma que “o Centro Polar e Climático envolve o trabalho de mais de 60 pessoas, oriundas de diferentes programas de pós-graduação, incluindo alunos de iniciação científica, mestrandos, doutorandos e pós-doutorandos. Um grupo técnico, que é nosso sustentáculo, principalmente na parte analítica”.

Simões finaliza ressaltando que o Proantar não é um projeto de governo, mas do Estado brasileiro, financiado por meio de recursos públicos do MCTI. E comemora: “Essa iniciativa toda demonstra a liderança gaúcha, pois hoje cerca de 60% dos projetos de pesquisa do Programa Antártico estão ancorados nas cinco universidades do Rio Grande do Sul”. O transporte e a logística até a Antártica sairão por cerca de R$ 3,5 milhões e ficarão totalmente a cargo do ministério, esses recursos foram repassados à UFRGS pela Finep.

Desmatamento é maior preocupação ambiental entre brasileiros

Matéria de Rafael Garcia publicada em O Globo, em 25/9, mostra que poluição das águas, queimadas e lixo estão entre os primeiros colocados:

Para 60% dos brasileiros, o desmatamento é o principal problema ambiental do país, seguido da poluição das águas (51%) e das queimadas (42%), revela pesquisa encomendada pelo GLOBO ao Ipec, que entrevistou 2 mil internautas com 16 anos ou mais, das classes A, B e C. Parcelas menores de entrevistados citaram problemas como geração de resíduos (41%), poluição do ar (28%), assoreamento dos rios (21%), mudança climática (18%) e degradação do solo (14%). Apenas 4% disseram não saber indicar os maiores problemas ambientais.

Um sinal de que o nível de escolaridade influencia na consciência sobre os temas mais complexos é que pessoas com ensino superior listaram a mudança climática com mais frequência entre as preocupações (20%), quando comparadas com quem tem apenas ensino fundamental (14%).

O GLOBO pediu a três organizações da área ambiental que comentassem o resultado à luz de suas experiências. Foram procuradas a Coalizão Ciência e Sociedade, que reúne 76 cientistas atuantes nas áreas de ambiente e saúde, a Coalizão Brasil Florestas, Clima e Agricultura, que faz uma ponte entre o setor produtivo e a sociedade civil e o Observatório do Clima (OC), maior coalizão de ONGs ambientalistas do país.

(…)

Para a ecóloga Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília e coordenadora da Coalizão Ciência e Sociedade, o resultado da pesquisa traz embutida uma percepção de que os assuntos não fazem parte de um todo.

— Apesar da preocupação com o desmatamento, queimadas e poluição da água, não há uma conexão com a preocupação com a mudança do clima, por exemplo — diz.

A mudança climática é o hoje um problema ambiental que perpassa todas as preocupações do setor, apesar de não ter sido muito mencionada como uma das principais questões da área para o Brasil. O desmatamento se conecta com o tema porque é hoje a principal fonte de gases de efeito estufa no Brasil.

— É preciso deixar mais claro que a mudança climática é até uma questão de saúde humana — afirma a cientista.

— O mesmo vale para ações de mitigação que reduzam poluentes com enormes benefícios para a saúde e economia. Há um esforço importante a ser feito na área de educação para que as pessoas possam conectar os pontos das influências do ambiente em várias áreas.

(…)

Leia a matéria na íntegra em O Globo

Painel Científico para a Amazônia na Assembleia Geral da ONU

Como parte das atividades da 77ª Assembleia Geral das Nações Unidas, o Painel Científico para a Amazônia (SPA, da sigla em inglês) organizou dois debates em Nova York, nos dias 15 e 16 de setembro, para discutir a situação atual da floresta. Em 2021, o grupo lançou seu primeiro relatório de avaliação, o mais abrangente estudo científico sobre a região e considerado uma “enciclopédia da Amazônia”. O vice-presidente da ABC para a Região Norte, Adalberto Luis Val, e o membro titular Carlos Nobre integram o painel, e estiveram presentes nos dois dias.

Cenário atual de destruição

O economista Jeffrey Sachs, co-presidente do SPA ao lado de Nobre e da cientista Andrea Encalada, abriu as discussões lembrando que o Brasil vem batendo recorde atrás de recorde em queimadas criminosas. Ele classificou a decisão do governo brasileiro de demitir o então presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Galvão, como uma “estupidez”. “O atual governo brasileiro deixa claro que não entende nada sobre a Amazônia, e acredita que combater o mensageiro fará a informação deixar de correr”, criticou.

O estado atual do bioma é preocupante, e se aproxima de um ponto de não-retorno. Lar de 13% de toda a biodiversidade do planeta e responsável por 15% de toda a água doce despejada nos oceanos, a bacia amazônica já está com 18% de seu território totalmente desmatado e outros 17% degradado, ou seja, com menor cobertura vegetal e, consequentemente, menor capacidade de absorver e armazenar carbono.

Esse é um dos fatores de maior risco para o combate às mudanças climáticas em todo o planeta. Estima-se que a floresta em pé armazene de 150 a 200 bilhões de toneladas de carbono em sua biomassa, e retire da atmosfera cerca de 1 bilhão de toneladas todos os anos. “Sem a Amazônia, mesmo as metas de contenção do aquecimento em 2°C se tornam completamente inalcançáveis”, alertou Nobre.

Além do estoque de carbono, a floresta tem papel crucial no ciclo hidrológico de todo o cone sul. Cerca de 70% da pluviosidade na bacia do Prata é resultado direto da evaporação amazônica. As estações secas no centro-sul estão ficando cada vez mais longas e mais intensas, o que os especialistas garantem ser diretamente relacionado à destruição da floresta. “Nós já estamos vendo as mudanças acontecendo, não são mais projeções. O sul da Amazônia brasileira corre sério risco de savanização”, alertou Marina Hirota, cientista do painel.

Cerca de dois terços da floresta está em território brasileiro, então é natural que o país seja o maior responsável pelos seus rumos. No entanto, o Brasil atualmente permite que uma série de ilegalidades proliferem na região, cujos custos serão sentidos por muitos anos. Uma vez degradado, são necessários trinta anos para que o bioma recupere sua condição inicial. “Atualmente o Brasil desmata quinze vezes mais que os demais países amazônicos. É muito grave”, destacou a pesquisadora colombiana Dolores Armenteras.

Uma nova economia amazônica

Para reverter esse cenário é preciso repensar toda a economia da região, garantindo que o desenvolvimento ande lado a lado com a preservação. “Uma nova bioeconomia com a floresta em pé e os rios fluindo”, salientou Adalberto Luis Val. Atualmente, uma visão ultrapassada de progresso defende a derrubada das matas para dar lugar à agropecuária e ao extrativismo mineral, que oferecem baixos retornos comparados ao que a Amazônia tem para oferecer, além de serem insustentáveis no longo prazo.

Exemplos não faltam de espécies nativas que podem ser cultivadas sem agredir o ambiente e com retornos robustos. O açaí no Brasil e a baunilha no Equador são casos de sucesso que vêm se tornando alternativas viáveis para populações locais. São inúmeras as espécies com potencial alimentício, farmacêutico, cosmético, entre outras aplicações. Nas águas não é diferente. Tambaquis e pirarucus são alguns dos peixes muito consumidos na região e cuja criação é mais rentável que a pecuária de desmatamento.

Além desses produtos, outro ativo pode ser o ecoturismo. A palestrante Belén Paez trouxe alguns exemplos de povoados no Equador que geram uma receita adicional considerável com a atividade. Ela salienta que, com a anuência dos povos tradicionais, a capacitação necessária e o respeito às boas práticas ambientais e às culturas indígenas, o turismo pode ser um importante pilar do desenvolvimento regional.

Mas para essas transformações acontecerem, é necessário investimento robusto em capacitação. Carlos Nobre defendeu a criação de um instituto tecnológico da Amazônia, como forma de mitigar a desigualdade orçamentária que o norte do Brasil sofre em relação ao sudeste e sul. “Dos parcos investimentos em ciência brasileiros, menos de 5% é direcionado à Amazônia”, afirmou, “precisamos aliar o conhecimento tradicional ao científico”.

O Acadêmico defendeu também que o potencial de transporte hidroviário da bacia amazônica ainda é subutilizado. “Nos anos 70 o Brasil estimulou uma ideia de que o progresso chegaria ao norte pela abertura de estradas, mas isso é um contrassenso, temos que usar as rotas hidrográficas que são abundantes”, defendeu. Por último, Nobre lembrou do projeto Arco de Reflorestamento, um megaprojeto de restauração ambiental que pode ser a chave para recuperar a resiliência do bioma.

Arco do Reflorestamento. Em roxo estão as áreas já desmatadas. Os contornos vermelhos representam os arcos para restauração

Mensagens principais do painel

O Painel Científico para a Amazônia traz algumas mensagens principais para aplacar as questões mais urgentes da bacia amazônica:

Primeiro, defende uma moratória urgente no desmatamento, que permita aos países, sobretudo ao Brasil, realizar o objetivo desenhado na COP-26 de zerar a derrubada até 2030. Uma vez estancada a destruição, é preciso focar em restauração, e o Arco do Reflorestamento pode servir de norte para esses esforços. Mas para que tudo isso se sustente com o passar dos anos, urge repensar o desenvolvimento econômico da região, que deve ser feito de forma a manter o bioma saudável, utilizando de forma consciente seus recursos e promovendo o bem-estar das populações locais sem agredir a floresta.

A Organização das Nações Unidas (ONU) declarou 2022 como o Ano Internacional da Ciência Básica pelo Desenvolvimento Sustentável. O SPA reflete esses dois pilares do futuro do planeta, trazendo o estado da arte do conhecimento científico sobre a bacia amazônica para promover transformações urgentes, cuja influência vai muito além de seus limites territoriais.

Assista aos dois dias de debate:

15/09 – Caminhos Baseados em Ciência para uma Amazônia Sustentável, Inclusiva e Resiliente

16/09 – A Amazônia como uma Potência Bioeconômica: Investindo em Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Sustentável

Desmatamento aqueceu Cerrado em 0,9°C, aponta Mercedes Bustamante

Leia a introdução de reportagem que ouviu a membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) Mercedes Bustamante, publicada em 8 de setembro pelo Jornal O Globo.

 

O desmatamento do Cerrado, bioma que já perdeu quase metade de sua área de vegetação nativa, fez seu território aquecer cerca de 1°C no início do milênio, aponta um novo estudo que mapeou mudanças climáticas na região. Esse desmatamento também reduziu em 10% a capacidade das plantas da região lançarem umidade no ar, o que afeta o ciclo de chuvas do qual a agricultura da região depende.

A conclusão está descrita em um artigo liderado pelas ecólogas Ariane Rodrigues e Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília (UnB), que combinou estimativas de temperatura medida por satélites com mapas de cobertura terrestre do cerrado. O trabalho, que envolveu dez cientistas ao todo, detalhou o que aconteceu entre 2006 e 2019 com a temperatura em cada tipo de transição de uso do solo no bioma, que possui diversos tipos diferentes de fisionomia vegetal, incluindo florestas e campos naturais. A partir desses dados, fizeram uma projeção para entender qual o dano total ao clima causado pela devastação do bioma ao longo da história.

Leia a reportagem completa n’O Globo.

Carlos Nobre é entrevistado pela GloboNews

A Amazônia teve o maior número de focos de incêndio em um único dia dos últimos 15 anos. O recorde negativo ocorreu em 22 de agosto e foi registrado pelo Programa de Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Para falar desse assunto, o membro titular da Academia Brasileira de Ciëncias (ABC) e pesquisador do Inpe Carlos Nobre foi entrevistado pelo GloboNews Especial de Domingo, que foi ao ar em 4 de setembro.

Nobre alertou que a floresta está perto de um ponto de não-retorno. “Se não zerarmos o desmatamento, a degradação e o fogo em no máximo 20 anos, a floresta se tornará um ecossistema degradado, aberto e deixará de armazenar toneladas de carbono, tornando impossível cumprir os objetivos do Acordo de Paris”, disse.

O Acadêmico falou também sobre o aumento na frequência dos eventos climáticos extremos e os efeitos desse processo na economia brasileira. “Quando juntamos as mudanças climáticas com a degradação dos biomas, estamos ameaçando a posição do Brasil como grande produtor de alimentos”, afirmou, “É muito importante reverter essa tendência, o Brasil tem um dos maiores potenciais de armazenamento de carbono do mundo”.

O Painel Científico para a Amazônia (SPA), do qual Nobre é co-presidente, planeja lançar um megaprojeto de recuperação florestal durante a COP27, a ser realizada este ano no Egito. A iniciativa visa criar um arco de restauração no sul da Amazônia com mais de um milhão de quilômetros quadrados. “Precisaremos de investimentos dos países ricos e colaboração dos países amazônicos. As primeiras estimativas prevêem um custo de 30 bilhões de dólares, então será crucial uma forte colaboração internacional”, finalizou.

Carlos Nobre com os jornalistas Fernando Gabeira e Leila Sterenberg

Na Amazônia, Brasil irá escolher, em 20 anos, o seu futuro e do mundo

Leia matéria de Miriam Leitão sobre a Amazônia, com depoimento do Acadêmico Carlos Nobre, publicada no jornal O Globo, em 28 de agosto:0

O cientista Carlos Nobre parece um viajante no tempo, mas seus pés ficam bem fincados na Amazônia, esteja onde estiver. Naquele momento, o carro atravessava pela Via Dutra a distância entre São Paulo e São José dos Campos, no começo de uma noite de agosto. Mas, na nossa conversa, estávamos na floresta. Do passado e do futuro.

— Antes de falar dos próximos 20 anos da Amazônia, vamos fazer um breve olhar para trás e pensar nos últimos 200 anos. Poderia ter sido tudo diferente. José Bonifácio era contra o desmatamento, a favor de incorporar o conhecimento dos povos indígenas, preservar as línguas indígenas e queria que o Brasil fosse o primeiro país a abolir a escravatura. Defendia um modelo de agricultura diferente daquele expansionista que estava destruindo a Mata Atlântica — diz Carlos Nobre.

Um breve lamento sobre o que o Brasil poderia ter sido e que não foi e, em seguida, pulou, ágil, para os próximos anos, pauta que eu havia proposto para a nossa conversa. Para um climatologista, 20 anos não é nada, porque os tempos dilatados, as projeções de décadas, chegam facilmente a meados ou ao fim do século.

Nesse tempo curtíssimo, de duas décadas, o Brasil escolherá seu futuro. E o do mundo. Sim, é grave assim. Temos errado tanto, por tão longos anos, que chegamos aqui, na porta dessa escolha fatal entre vida e morte. Os caminhos se estreitaram. Estamos na encruzilhada.

— Vinte anos é um tempo marcante. Estamos tão próximos do ponto de não retorno que, se a gente não conseguir zerar o desmatamento, a degradação e o fogo a jato, o mais rápido possível, não conseguiremos deter o processo. Temos de dar uma oportunidade para todo o Sul da Amazônia. O que eu falo agora não é previsão ou projeção, como eu fiz em vários artigos científicos. São observações. A estação seca está cinco semanas mais longa se comparada à de 1979. Aumentou uma semana por década. Então a estação seca está agora com quatro ou cinco meses. Se aumentar mais duas semanas, ela chega a seis meses. Aí não tem mais volta. Já é clima de savana tropical. Mas uma savana pobre, e não rica como o nosso cerrado. Vários estudos mostram que entre 30 e 50 anos a floresta pode desaparecer, porque as árvores da Amazônia não evoluíram milhões e milhões de anos para a estação seca longa. As árvores vão morrendo. E isso começa no Sul da Amazônia.

(…)

Há uma relação direta entre o que fala o cientista Carlos Nobre sobre os sinais de mudança climática e o que todas as pessoas da agricultura familiar com quem eu conversei relatam do seu cotidiano. O próprio Edro e sua família, e o casal Joaquim e Helenira. Eles viram a mudança do tempo, sobre a qual o cientista alerta.

— A gente lembra quando mudou para cá, era mata até a beira do rio. Hoje, você olha, não vê mais isso, e tá muito calor — me contou Helenira, na sua varanda espaçosa que nascia na cozinha e era voltada para as áreas de plantio e mata.

— Quando eu vim para cá, do São Felix aqui você não via dois alqueires de abertura. Hoje você não vê dois alqueires de mata, para você ficar na sombra — me disse Edro.

— A região aqui mudou muito, de quando eu mudei pra cá. Eu morava em Xinguara e, quando a gente mudou pra cá, aqui chovia demais. Aqui era semanas e semanas chovendo sem parar e hoje a gente vê ai, né, teve essa mudança no clima. Tá totalmente diferente. Você anda nessas estradas aí, você vê só poeira — disse Maria Helena, uma jovem produtora e integrante de um movimento de agricultoras do sistema agroflorestal.

(…)

Um MIT na Amazônia

Uma encruzilhada tem o caminho alternativo. E é para ele que Carlos Nobre gosta mais de olhar com seus projetos concretos que ligam floresta, economia, ciência. Ele tem muitas ideias e as coloca em prática, com sua mente treinada no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e no MIT. Por isso, um dos seus sonhos é fazer um MIT na Amazônia. O estudo ainda preliminar foi lançado na USP em julho.

— É o meu sonho. Demos o nome de AMIT, Instituto de Tecnologia da Amazônia. Mas em italiano podemos falar como se fosse amigo, “amicci” da Amazônia. Estamos buscando apoio, mas a ideia é transformá-lo em realidade nos próximos anos. Não seria universidade, mas cursos de graduação, mestrado e doutorado específicos voltados para a bioeconomia — diz Nobre.

Há outros institutos, organizações e movimentos trabalhando por um futuro sustentável da Amazônia. Todos precisam de reforços porque o crime avançou muito.

— Há duas trajetórias. O desmatamento, a degradação e o fogo continuarem a aumentar. Aí a gente chegaria ao fim dos 20 anos tendo já passado do ponto de não retorno. Outro cenário oposto é o da redução rápida do desmatamento e da degradação. Como 95% de todo o desmatamento é ilegal, é preciso haver uma ação muito efetiva dos governos para acabar com o crime. E crime ambiental, hoje, o satélite vê a árvore cortada. Os satélites avançaram muito, não são aqueles de 20 anos atrás — diz Carlos Nobre.

Vinte anos atrás, acabava o governo Fernando Henrique numa escalada de aumento do desmatamento. Durante seu primeiro mandato, ele enfrentara o recorde histórico de destruição, elevando a reserva legal e aprovando a lei de crimes ambientais. No começo do governo Lula, os criminosos voltaram a testar os limites. Em 2004, o Brasil teve o segundo pior número de desmatamento da história, 27 mil km2. Dali em diante, medidas fortes de combate ao crime reduziram em mais de 80% a taxa de desmatamento, até 2012. Depois a taxa começou a subir nos governos Dilma e Temer e, agora, nos anos Bolsonaro, a alta já foi de 73%. As previsões de 2022 não são boas. Mas, reverter é possível.

— É tão fácil, o satélite vê, você vai e destrói tudo, começa a dar prejuízo tão grande para o crime que os financiadores fogem. Foi o que aconteceu quando a gente derrubou o desmatamento — diz Nobre.

(…) 

Carlos Nobre conta que na COP 27, no Egito, o Painel Científico da Amazônia vai lançar um Policy Brief, um estudo propondo o “arco da restauração florestal”.

— Para combater o arco do desmatamento, nós vamos propor um projeto global que precisa de muito apoio internacional para restaurar mais de um milhão de km² na Amazônia, principalmente no sul da Amazônia — diz Nobre.

“Gurijuba, não vi mais”: falta de peixe afeta alimentação de comunidades amazônicas

Confira a entrevista com o vice-presidente da ABC para Região Norte Adalberto Luis Val para a Agência Pública, divulgada no dia 24/8. Na reportagem, Val comenta o impacto das ações humanas — incluindo desmatamento, poluição e construção de hidrelétricas — na Amazônia.

“Duzentos quilos de peixe era na hora. Hoje em dia você leva 2 mil metros de rede, e você não arranja pra comer. Tem caboclo que não traz 3 quilos para pagar a gasolina”, desabafa o pescador Antônio Bispo do Rosário, morador da comunidade do Tamatateua — uma das 43 comunidades que constituem a Reserva Extrativista (Resex) Marítima Caeté-Taperaçu, no nordeste paraense.

A pesca é uma atividade central na região, uma Amazônia marítima cuja paisagem de manguezais, igarapés e praias de água salgada não é exatamente a imagem que se tem em mente quando se pensa na floresta. “Fala-se na Amazônia como se fosse só uma floresta de terra firme”, diz Célia Regina Nunes das Neves. Ela é pescadora, marisqueira, líder comunitária e uma importante articuladora nacional na defesa das práticas tradicionais das comunidades pesqueiras. Célia é moradora da comunidade Umarizal, situada na Resex Marinha Mãe Grande de Curuçá — junto à Resex Marítima Caeté-Taperaçu, os dois territórios fazem parte das 12 reservas extrativistas marinhas do Pará, divididas entre a região do Salgado paraense e Caetés.

A explicação para a falta de peixe, segundo os moradores, é a pesca industrial, que impediria a tradicional de ser desenvolvida como antes. Os pescadores relatam que os barcos de maior porte praticam a pesca de arrasto, com redes de até 30 quilômetros de comprimento que impedem que os peixes cheguem mais próximos à costa. 

“A causa disso são esses arrastões, porque eles pescam só lá no criador do peixe. Só em abril que eles param porque o Ibama cancela o arrastão. Aí começou de novo em maio e vai até não ter mais nada”, conta Antônio. “Aqueles peixinhos miúdos, assim, morrem tudo. Eles levam só os peixes que servem mesmo para as firmas. O que não serve, eles jogam fora. Isso aí era pra ser proibido, proibido!”, diz. Ou seja, peixes menores ou de espécies com baixo valor comercial, que poderiam servir à alimentação das populações locais, ou mesmo filhotes em fase de crescimento, são simplesmente descartados mortos no mar.

(…)

Mudanças climáticas e alimentação

Adalberto Luís Val é biólogo e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Ele é coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Centro de Estudos de Adaptações Aquáticas da Amazônia (INCT-Adapta), com enfoque nas mudanças ambientais e climáticas e a sua relação com importantes aspectos sociais, tais como saúde e segurança alimentar. Não poderia ser diferente, já que, segundo estimativas do pesquisador, “90% da população [amazônica] tem o peixe como fonte de proteína nessa região”.

Val explica o modo como ações do homem na Amazônia (desmatamento, poluição e construção de hidrelétricas) interagem com os efeitos globais das mudanças climáticas devido à emissão de gases como o dióxido de carbono (CO2).

Por conta das movimentações atmosféricas mundiais, o dióxido de carbono lançado em determinado local “é socializado no mundo”, impedindo a dissipação de calor e aumentando a temperatura da superfície terrestre”, afirma o cientista.

“A gente tem um segundo efeito que é o efeito local […] a abertura de estrada, ações antrópicas [humanas] de uma maneira geral, construção de barragens, enfim. Uma série de ações que são locais que acabam ampliando os efeitos já constatados dessas mudanças globais.”

Para investigar o que se espera de impacto em termos de mudanças climáticas, Val e a equipe do INCT-Adapta construíram salas climáticas que reproduzem distintos cenários ambientais de 2100. Peixes, tartarugas, plantas, insetos, fungos e outros seres são ali incubados. O objetivo é simular o que acontece, principalmente com a população de peixes, diante destes três cenários de mudança climática: o cenário brando (aumento de temperatura por volta de um 1,5 grau centígrado); o cenário intermediário (aumento de temperatura por volta de 2,8 graus); e o cenário drástico (aumento de temperatura em até 3,4 graus).

Nesses experimentos em laboratório, Val e sua equipe entenderam que, para enfrentarem os desafios impostos pelas mudanças climáticas, os peixes amazônicos fazem uma tentativa de se adaptar: “Uma parte perece. Tem uma alta taxa de mortalidade. Tem mudanças muito profundas no esqueleto, principalmente nos cenários mais drásticos”.

No caso específico dos tambaquis, um dos peixes mais apreciados e consumidos na Amazônia, “até 40% dos animais apresentam alguma deformação esquelética quando expostos aos cenários mais drásticos”, de aumento de 3,4 graus, afirma Val. Em paper publicado na revista Ecology and Evolution, o estudo aponta que as principais deformações esqueléticas foram escoliose, cifose e mudanças na mandíbula, entre outras. O que significa que “esses animais no ambiente natural não conseguem enfrentar os seus predadores; portanto, essa parcela da população vai desaparecer”.

Na floresta, fora do ambiente controlado de cenários de mudança climática, os efeitos de mudanças climáticas observados por Val e sua equipe são também alarmantes: aumento da temperatura, diminuição do pH da água e diminuição do percentual de oxigênio impõem desafios consideráveis para as espécies. Entre as mais suscetíveis estão aquelas da ordem Characiformes, na qual se encontram as principais espécies utilizadas na alimentação amazônica, como o tambaqui: “Essas espécies já estão vivendo muito próximas dos seus limites máximos de temperatura”, afirma Val.

O pesquisador cita como exemplo algumas espécies da ordem Characiformes do rio Negro, que corta a parte noroeste do estado do Amazonas. Alguns desses peixes têm como temperatura crítica máxima 31 e 32oC. “Se você pegar a média das máximas do rio Negro, a média é 33oC. Ou seja, se a gente tiver um pequeno aumento de temperatura do sistema como um todo hoje, essas espécies estarão enfrentando um problema extremamente sério com adaptação ao aumento da temperatura.”

Em paralelo ao aumento da temperatura, está a diminuição dos pHs da água — ou seja, algumas águas ácidas da Amazônia, como o rio Negro, tendem a ficar ainda mais ácidas, já que o aumento do CO2 na atmosfera se dilui na água, formando ácido carbônico. “Você vai trazer um desafio monumental pras espécies que vivem nessas regiões.”

Por fim, Val diz que as mudanças climáticas tendem a acarretar águas com menos oxigênio: “Toda vez que você dissolver um gás novo na água, você desloca os outros. E o que mais é propício para se deslocar rapidamente é o oxigênio”.  

O cientista salienta ainda que nenhuma dessas alterações ocorre isoladamente, havendo certa interação entre essas mudanças nas características dos rios, com os efeitos das ações humanas locais, como construção de hidrelétricas e desmatamento, descritas anteriormente por Victoria Isaac. 

“É um desafio muito grande você mexer com essa fonte de proteína. Porque isso ameaça a segurança alimentar dessas pessoas, que vivem aqui. Do lado brasileiro […] são quase 25 milhões de pessoas”, afirma Val.

Confira a matéria completa.

Painel na Reunião da SBPC discute a situação atual da Amazônia

O Acadêmico Paulo Artaxo, que coordenou a mesa

O ano de 2022 é marcante para a questão do meio-ambiente. Há 50 anos foi realizada a célebre Conferência de Estocolmo, abordando pela primeira vez a degradação ambiental de forma global. Vinte anos depois foi a vez da Rio 92, que relacionou o desenvolvimento à sustentabilidade e culminou em importantes convenções sobre clima e biodiversidade. Tanto a Rio 92 quanto a Rio+20, realizada em 2012, são exemplos do papel central que o Brasil já ocupou nas discussões ambientais e que foi perdido nos últimos anos.

Para debater a situação atual do país, sobretudo com relação à Amazônia, foi realizado um painel virtual durante a 74ª Reunião Anual da SBPC. Participaram os membros titulares da ABC Paulo Artaxo, Carlos Nobre e Carlos Joly. Na mesa também estavam presentes a ex-ministra do meio ambiente, Izabella Teixeira, e o ex-secretário executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU, Bráulio Dias.

Amazônia se aproxima do não-retorno

A situação atual da Amazônia é crítica. O Brasil está entre os cinco maiores emissores de carbono do mundo e quase metade dessas emissões vem do desmatamento, que já atinge 20% da floresta. Mas esse não é o único problema: áreas degradadas, nas quais a destruição é apenas parcial, também sofreram expansão, o que contribui para a perda da capacidade do bioma de armazenar carbono. “A preocupação hoje não vem mais da observação de modelos climáticos, mas da observação da própria Amazônia”, resumiu Nobre.

O Acadêmico Carlos Alfredo Joly

As consequências desse cenário já estão sendo sentidas e afetam diretamente a economia brasileira. As secas no Centro-Sul estão cada vez mais frequentes, assim como os eventos climáticos extremos. “Não existe contradição entre a agricultura e o meio ambiente. É impossível produzir alimento sem um ambiente saudável ao redor”, afirmou Teixeira. Os participantes advogaram por uma moratória urgente sobre desmatamento, para que o Brasil consiga cumprir a meta assumida na COP 26 de zerar a destruição da vegetação até 2030.

Mas o problema não passa tanto pela criação de leis quanto pela sua implementação. O Brasil possui um marco legal sofisticado e uma Constituição que protege o meio ambiente, mas falta fiscalização. Hoje, 94% do desmatamento amazônico provêm de atividades ilegais. “Acima de tudo, é urgente rever toda uma série de medidas infralegais que foram estabelecidas nos últimos quatro anos”, disse Joly. “Por exemplo, precisamos voltar com os Conselhos Participativos e acabar com o bloqueio à atuação do Ibama e do ICMBio”.

O Acadêmico Carlos Nobre

Combater o desmatamento, promover a restauração

Mas se é preciso estancar a destruição, também é preciso focar na restauração das áreas destruídas. Para enfrentar o arco do desmatamento que se estende nas fronteiras da floresta, o Painel Científico para a Amazônia (SPA, da sigla em inglês) defende a criação de um arco de reflorestamento que pode salvar a Amazônia de um ponto de não-retorno. “Um megaprojeto para recuperar um milhão de quilômetros quadrados custaria entre 30 e 40 bilhões de dólares” afirmou Nobre. “Não é nada trivial; mas se recuperarmos nossa credibilidade internacional, é possível”.

Entretanto, reflorestar é um processo extremamente complexo, que precisa respeitar a biodiversidade local. Para isso, é necessário investir em ciência e tecnologia para a região, construindo novas universidades e centros tecnológicos. “Atualmente, o Brasil investe apenas 5% do orçamento de ciência, tecnologia e inovação na Amazônia, é muito pouco”, afirmou Dias.

Além de zerar o desmatamento e reflorestar, o SPA pede também a criação de uma nova bioeconomia para a região, que faça uso da imensa biodiversidade e da floresta em pé para criar novas ocupações e trazer desenvolvimento humano às populações locais.  “Precisamos avançar a compreensão de desenvolvimento para além do crescimento, é preciso adicionar a sustentabilidade à equação”, sumarizou Teixeira.

teste