Como o Brasil poderá atingir desmatamento zero em 2030 e o net zero de emissões líquidas em 2050? E como fazer isso, e ao mesmo tempo diminuir desigualdades sociais?

Para discutir este importante aspecto, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) montou um evento anexo oficial da COP-28, com participação de pesquisadores da Mata Atlântica, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON), Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), e do próprio Ipam, visando olhar para a COP30 e os desafios brasileiros na redução de emissões.

O levantamento do SEEG para 2022 mostra que desmatamento responde por 48% de nossas emissões, seguido por agropecuária (27%), energia (18%) resíduos (4%) e processos industriais (3%). Destas categorias, eliminar a principal é a mais fácil. O mais difícil é reduzir os 27% da agropecuária, bem como os 18% do setor energético. Com a intensificação dos extremos climáticos, vemos que em 2022 e 2023 tivemos um acionamento maior da geração termoelétrica, o que pode se repetir no futuro.

Os olhos do mundo estão voltados para as taxas de desmatamento da Amazônia, que felizmente caíram nos dois últimos levantamentos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Atualmente o Brasil desmata 9.000 Km² de florestas, e reduzir este número a zero tem seus desafios. Um destes é o combate às atividades ilegais na Amazônia. O IMAZON apresentou resultados de um importante estudo sobre o papel do judiciário no combate à criminalidade na Amazônia, incluindo invasões de terras públicas e indígenas, bem como o combate ao garimpo ilegal. O fundo Amazônia está financiando a implementação do novo Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) e o centro de combate à criminalidade na Amazônia, que esperamos tenham resultados importantes.

Em 1990, o setor agropecuário emitia 185 milhões de toneladas de CO2 equivalente (MtCO2e). Em 2023, este número mais que triplicou, atingindo 600 MtCO2e. O painel discutiu processos modernos de integração lavoura-pecuária, onde é possível reduzir em até 30% as emissões de metano na criação de gado, sem reduzir a produtividade. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) conta com seu plano de agricultura de baixo carbono em desenvolvimento junto às universidades, e pode ter um enorme avanço nesta área, inclusive com o sequestro de carbono pelo solo.

No setor energético, o destaque do Brasil é uma matriz energética muito mais limpa que a maioria dos países, mas ainda com fraca participação de geração solar e eólica, comparada com nosso grande potencial nesta área. A possibilidade de geração de hidrogênio verde com baixos custos também é destaque no Brasil. Mas ainda temos geração de eletricidade por queima de carvão, e um Ministério de Minas de Energia que enfatiza a expansão da produção de petróleo, ao invés de olhar para o futuro, que é a energia renovável.

Temos que chegar na COP-30 fazendo nossa lição de casa na questão de redução de emissões. Importante salientar que com 48% de emissões associado ao desmatamento, temos uma possibilidade única no mundo, de redução rápida e barata de metade de nossas emissões de gases de efeito estufa. Temos que aproveitar nossas enormes vantagens estratégicas para voltarmos a ter um importante protagonismo internacional na questão ambiental e climática.

Na COP-28 hoje, o debate principal se deu na questão de como se referir ao fim da era dos combustíveis fósseis Duas possibilidades: se devemos usar o termo “eliminar gradualmente”, (em inglês “phase out“), ou somente usar o termo ”phase down”, que seria uma redução. A discussão não é somente semântica. Outra discussão é que os países devem concordar em acabar com o uso de combustíveis fósseis “não compensados” (em inglês “unabated”), o que abriria portas enormes para continuarmos com a era do petróleo, que precisamos terminar definitivamente, e o mais rápido possível. Vamos esperar o documento final em termos de linguagem, que pode ter consequências importantes para nossa trajetória futura de combustíveis fósseis.


Paulo Artaxo é climatologista e membro titular da Academia Brasileira de Ciências. É professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. É membro do Comite Orientador do Fundo Amazônia, do Fundo Nacional de Meio Ambiente e do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia. Está presente em Dubai para a COP 28.

 


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