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Morreu o Acadêmico David John Randall

David Randall era professor distinguido do Departamento de Ciências Atmosféricas da Universidade Estadual do Colorado. Obteve seu doutorado em Ciências Atmosféricas, pela Universidade da Califórnia, Los Angeles. O mestrado e a graduação ele cursou na Universidade Estadual de Ohio, Columbus em Engenharia Aeronáutica e Astronáutica.

O Professor Randall ingressou no Departamento de Ciências Atmosféricas da CSU em 1988. Antes de sua chegada, ele ocupou cargos no Instituto de Tecnologia de Massachusetts e na NASA.

Como professor, Randall gostava de ministrar disciplinas relacionadas a modelagem numérica da atmosfera, dinâmica atmosférica, camada limite atmosférica, convecção e clima. Como pesquisador, tinha interesse no estudo de nuvens e clima, dinâmica climática, parametrização de nuvens e métodos numéricos. Seus projetos em andamento incluíam o desenvolvimento de métodos de parametrização de nuvens aprimorados, experimentos numéricos para determinar o papel das nuvens na manutenção do clima atual e uma investigação sobre o papel das nuvens na dinâmica climática.

O porf. Adalberto Val, vice-presidente da ABC para a região Norte comentou sobre essa perda: “Um homem excepcional, um cientista singular, um professor atento. Contribuiu como ninguém com a fisiologia comparada. Chefiou a expedição Alpha Helix à Amazônia em 1976. Minha vida profissional representa muito do que aprendi com Dave.”

Dave Randall fazendo uma palestra a bordo de um barco em Manaus, na ocasião em que recebeu o diploma de membro correspondente da ABC. Observem a projeção ao fundo.

 

José Marengo é entrevistado pelo canal Meio

O membro titular da Academia Brasileira de Ciências José Marengo, coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), concedeu entrevista ao canal Meio, no YouTube, no dia 14 de fevereiro.

Durante a conversa Marengo abordou muitos aspectos das mudanças climáticas, como o atual El Niño, a influência humana na temperatura do planeta e o trabalho do Cemaden na prevenção de tragédias e adaptação aos efeitos de um mundo cada vez mais quente.

Confira:

Quase metade da Amazônia caminha para ponto de não-retorno até 2050, diz pesquisa

Leia matéria de Vinicius Sassine para a Folha de S. Paulo, publicada em 14/2:

Um grupo de cientistas brasileiros estima que, até o ano de 2050, de 10% a 47% da floresta amazônica estarão expostos a ameaças graves e poderão sofrer uma transição de ecossistema, com perda de resiliência da floresta e conversão a outras formas do bioma, incapazes de cumprir o papel de sumidouro de carbono desempenhado pela Amazônia.

É o chamado ponto de não retorno, quando a floresta já não encontra formas de retroalimentação e colapsa, total ou parcialmente, convertendo-se em outras formas de existência biológica.

Esse ponto de inflexão para a amazônia é um dos principais focos de atenção na discussão científica sobre mudanças climáticas, em razão dos impactos para o clima, que extrapolam os limites do bioma, para a emissão de CO2 e para o modo de vida dentro e fora da região amazônica.

(…)

O ritmo de aumento da devastação foi interrompido no primeiro ano do governo Lula.

O novo estudo conduzido pelos pesquisadores brasileiros afirma que a amazônia está cada vez mais exposta a pressões, com aumento de temperaturas, secas extremas, desmatamento e fogo, mesmo nas áreas mais centrais ou nas mais remotas. O colapso do bioma pode ser local, regional ou mesmo total, o que agravaria as mudanças climáticas, cita o estudo.

É preciso interromper o desmatamento e a degradação e expandir iniciativas de reflorestamento, afirmam os pesquisadores.

O artigo científico foi publicado nesta quarta-feira (14) na revista Nature. O estudo é liderado pelos pesquisadores Marina Hirota e Bernardo Flores, da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), e tem participação de cientistas do Brasil (como [os Acadêmicos] Carlos Nobre e José Marengo e Erika Berenguer), Estados Unidos e Europa. A pesquisa teve financiamento do Instituto Serrapilheira.

Temperaturas mais altas, secas extremas, desmatamento e fogo enfraquecem mecanismos que garantem a resiliência da floresta, com influência direta no ciclo de chuvas. Isso aproxima o bioma da “transição crítica”, do ponto de não retorno.

(…)

Leia a matéria na íntegra na Folha de S.Paulo.

Paulo Artaxo concede entrevista à TV Globo do Piauí

O Acadêmico Paulo Artaxo, professor titular de física da USP e membro do Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas (IPCC), concedeu entrevista para o PITV, da Globo Piauí, em ocasião da inauguração da sala de monitoramento de eventos climáticos extremos de Teresina.

Artaxo salientou que esses eventos são um dos reflexos das mudanças climáticas. “Hoje, a atmosfera terrestre tem muito mais energia para dissipar do que a 30 anos atrás e uma maneira de fazer isso é através dos eventos climáticos extremos. Precisamos pensar maneiras de proteger a população mais vulnerável”, disse.

O espaço foi inaugurado pela Secretaria de Meio Ambiente do Piauí e conta com aporte inicial de R$ 250 mil.

Assista a reportagem completa do PITV

“Precisamos entender que vivemos em um mundo em transformação”, afirma vice-presidente da ABC para a Região Norte

Por Tiago da Mota e Silva, doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), graduado em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero (FCL) e pesquisador em Comunicação desde 2012. É membro do Centro Interdisciplinar de Semiótica da Cultura e da Mídia (CISC). Investiga temas relacionados à Ecologia da Comunicação, conservação ambiental e mudança climática. 

Em 30 de setembro, o biólogo Adalberto Luis Val  esteve no Palácio dos Bandeirantes, recebendo o Prêmio Fundação Bunge, um dos mais prestigiosos na ciência, pelo conjunto de suas contribuições à soluções baseadas na natureza para a agricultura sustentável. Pouco mais de um mês depois, em 4 de dezembro, o professor [e vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências para a região Norte] estava em um flutuante, na Vila do Janauacá, interior do Amazonas, participando de mais uma excursão em campo.

Nascido em Campinas, no interior de São Paulo, Adalberto e sua esposa Vera estão em Manaus, trabalhando no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), há 42 anos. “Eu já vi de tudo por aqui”, relembra. Mesmo assim, viajando com mais outros 17 cientistas, a maioria jovem, na faixa dos 30 anos, o cientista continua se surpreendendo com as descobertas sobre a maior floresta tropical do mundo.

Aos 67 anos, Adalberto escreveu capítulos importantes da ciência da Amazônia. Especializado no estudo de peixes, Adalberto é uma referência sobre a biodiversidade da região, além de ter sido diretor do Inpa entre os anos de 2006 e 2014. Na COP27, no ano passado, esteve na delegação do recém-eleito presidente Lula, no Egito.

Tudo isso faz de Adalberto um militante pela ciência e pela conservação da Amazônia, já há décadas. De lá para cá, defende praticamente as mesmas coisas: desmatamento zero, inclusão social e investimento em ciência. “A gente precisa de uma coalizão política para sinalizar um novo momento para a Amazônia. Uma coalizão social ampla para botar uma moratória na destruição”, opina o pesquisador.

Mesmo com toda sua experiência, a severa transformação da paisagem da Amazônia nesta que foi a mais severa seca de sua história coloca novos problemas para o cientista e para sua equipe. Os animais são capazes de se adaptar a essa nova situação? Como a floresta está se transformando?

Nessa entrevista, Adalberto compartilha algumas de suas inquietações para este novo momento e pondera como a ciência deve responder a ele: “Podemos usar a ciência para superar os problemas do Brasil, como este da seca extrema que estamos vivendo. Mas para isso, ela precisa estar aberta e flexível às demandas sociais do país”.

Já estamos no último dia de expedição. Qual é seu o balanço do que foi feito?

Nós tínhamos planejado um conjunto de experimentos que iria resultar em 10 ou 12 trabalhos científicos. Mas a gente percebeu que há uma interação muito grande entre vários experimentos que a gente tinha desenhado e provavelmente vamos ter trabalhos saindo dessa expedição por um bom tempo, mais do que imaginávamos.

O que mais me alegrou foi poder ver a relação de jovens cientistas brasileiros com jovens cientistas estrangeiros. Eu acho que eles têm uma visão diferente do que cientistas de gerações anteriores. Depois de 45 anos andando pela Amazônia, eu vi de tudo por aqui, mas ainda assim eles conseguem me surpreender com coisas novas. E isso me deixa muito entusiasmado.

Realmente, a maioria da equipe desta viagem é formada por cientistas na faixa dos 30 anos…

Isso. Se a gente quiser trabalhar no sentido de ter uma integração regional no país, precisamos que nossos jovens  o conheçam, nos seus rincões. É fantástico você fazer experimentos em laboratórios, com a comodidade de ter tudo que é necessário à mão. Mas é completamente diferente vir para o campo e lidar com o dia a dia. Ou seja, é muito simples a gente levar o objeto de estudo para o laboratório, mas é muito desafiador levar o laboratório para onde o objeto de estudo está. Isto nos impõe formas novas de pensar.

E que formas seriam essas?

Isso me remete à formação de cientistas no Brasil diante dos desafios que a gente tem no país. Precisamos pensar em ter as demandas da sociedade respondidas pela ciência de acordo com cada uma das regiões. Portanto, a pós-graduação não pode ter um desenho único, um processo único de avaliação que reduz os programas às notas conforme aquelas características desejáveis dentro do é pensado por meia dúzia de pessoas. Não pode ser assim. A gente precisa proporcionar mais experiências desse tipo aos jovens que estão se formando. A lição que se tira de uma expedição como essa, além é claro do conjunto de dados coletados, é a de como podemos usar a ciência para superar os problemas do país, como este da seca extrema que estamos vivendo na Amazônia. Mas para isso, a ciência precisa estar aberta e flexível para se adaptar às demandas sociais do país.

Adalberto Val trabalha com demais cientistas durante expedição. Da direito para esquerda_ Waldir Heinrichs, Jefferson Silva e Maria de Nazaré de Paula

E quais deveriam ser as prioridades estratégicas da ciência que é feita aqui, na Amazônia?

Está muito claro que o conjunto de informações sobre biodiversidade que a gente produz aqui precisa ser ampliado. E isso vai muito além de contar quantas espécies existem ou como elas vivem. Novas perguntas precisam ser feitas. Quais são as informações que as espécies escondem em seu DNA por conta do processo evolutivo que elas tiveram? De que forma essas informações podem ser usadas para sobreviver a ambientes extremos como esse que acabamos de passar? Como nós podemos usar essas informações para gerar qualidade de vida? A gente precisa pensar em ciência em termos de ecossistema de inovação, especialmente na Amazônia. Eu penso que alguns conceitos contemporâneos são interessantes nesse sentido. Um deles é a Saúde Única. Até hoje, nós fomos tratando os problemas conforme eles foram surgindo, mas as doenças vão se avolumando em velocidade crescente. Este não me parece ser o melhor caminho. Nossos povos originários sabiam fazer isso, nossos avós sabiam fazer isso, que é buscar o equilíbrio entre a qualidade ambiental e a vida que se leva, para evitar que novos problemas surjam.

Outra prioridade: está mais do que na hora de migrar, de fato, para processos de produção de energia diferentes. O Brasil conta com uma costa marinha fantástica capaz de produzir energia eólica aos quilos. O petróleo faz mal para a saúde! Não é mais uma questão econômica pura e simples. É lamentável, por exemplo, a gente estar utilizando esse barco gastando essa quantidade de combustível quando a gente poderia ter um barco aqui perfeitamente mantido por energia solar.

Um terceiro ponto envolve recordarmos que hoje vivem na Amazônia brasileira cerca de 25 milhões de pessoas. Estamos falando de mais do que muitos países no mundo. Essa população tem demandas, tem anseios, busca qualidade de vida… Temos um vasto conjunto de pessoas marginalizadas por conta do processo de integração da região, que ainda não faz parte da agenda nacional. Portanto, temos que dar o próximo passo da ciência, especialmente em regiões tão afastadas dos grandes centros: transformar as informações que a gente tem em novas tecnologias apropriadas para essas regiões que promovam bem-estar. Não adianta trazer para cá tecnologias desenvolvidas em outras partes do mundo. Precisamos transformar a informação científica que produzimos aqui em soluções desenhadas especificamente para nós. Para se chegar nisso, é necessário um novo desenho institucional para a ciência brasileira, penso que até mesmo com novas instituições de ciência e tecnologia na Amazônia.

Doca de onde parte a expedição científica, no Tarumã, em Manaus. Ao fundo, é possível observar um banco de areia onde antes só havia rio
Base Flutuante do ICMBio, em Anavilhanas, onde a equipe de cientistas montou um laboratório improvisado

Depois de 45 anos de militância, eu vejo que o senhor ainda é bastante entusiasmado. Que novas contribuições você espera dar para Amazônia?

Primeiro, a gente precisa lutar pela ampliação e por apoio à ciência na Amazônia. Nós estamos falando em não mais do que 3% de todo o investimento do país em ciência e tecnologia para as instituições da região, fortalecendo sua capacidade produtiva. Mas, além da infraestrutura, precisamos também de massa cinzenta. Um não adianta sem o outro. Portanto, quero formar gente boa e ter bons laboratórios para a produção. Isso não pode ficar a reboque de instituições do exterior.

Viajando esses 14 dias pelo Rio Negro e pelo Solimões, o que chamou mais a sua atenção nas transformações da paisagem durante esta seca histórica?

Eu resumo em uma palavra: resiliência. É fantástica a resiliência desse sistema. Você vê lagos secando e, ainda assim, lá a diversidade aquática está representada. Tem um sisteminha ali, isoladinho, de repente brota alguma plantinha lá e ele vai se recompondo. É um sistema super dinâmico. E é bom que a gente entenda que, por ser um sistema super dinâmico, ele não se manterá igual. Uma das coisas que eu sempre disse é: não espere que as coisas sejam sempre iguais ao longo do tempo. Elas não foram sempre as mesmas no passado, tendo em vista como a Amazônia evoluiu desde o começo do levantamento dos Andes, com modificações intensas no sistemas. Quando temos picos de desafios como este que estamos vivendo com a seca, isso impõe um novo momento para os ecossistemas, com reflexos para o futuro. O sistema irá se adaptar para este novo momento. Se houvesse uma única espécie de árvore no sistema, já era, teria desaparecido. Se houvesse uma única espécie de peixe, talvez a mortalidade que a gente teve aqui teria desaparecido com ela. Mas a Amazônia não é assim. Aqui há uma diversidade imensa que explica, em parte, essa imensa resiliência.

Quanto mais biodiverso, mais resiliente é o sistema, não? Daí a importância de zelar por essa biodiversidade…

Eu sempre gosto de usar o verbo ‘conservar’. Eu faço uma diferenciação entre preservar e conservar. Preservar é construir um santuário, tornar algo intocável, isolado. Conservar é respeitar, mas também querer saber como funciona. É o aprender com o outro, com suas necessidades. A Amazônia precisa de estratégias de conservação para que possamos aprender com os mais de 80% que ainda restam dela.

Cientista avalia peixes recém capturados, em busca de parasitas

Em um exercício hipotético, o que seria um marco de uma virada de estratégia para a Amazônia e sua conservação?

Algumas coisas. A primeira delas é uma ênfase em um processo de inclusão social que respeite a diversidade dos povos da região. Eu ouvi de um líder indígena a alguns anos atrás que disse o seguinte: “Eu não quero ser incluído. Vocês vêm aqui, derrubam a floresta, contaminam as águas, namoram as meninas da aldeia e deixam as crianças aqui, e depois falam em inclusão. Eu não quero ser incluído numa situação dessas”. Precisamos diagnosticar adequadamente o que inclusão social é para a Amazônia.

O segundo ponto: a gente precisa ter uma moratória de destruição. Não é possível mais ser conivente com uma estradinha sendo aberta aqui, com dez hectares sendo perdidos ali, ou mesmo com explorar petróleo na foz do Amazonas. Junto dessa moratória, é preciso ter investimentos significativos na região. Não é mais possível que uma região que representa 60% do território brasileiro e 10% do PIB receba investimentos da ordem de 5% do governo federal. O orçamento de uma nação é a sua expressão política máxima. O maior marco de uma virada é o orçamento. Por enquanto a gente não viu isso. A gente precisa de uma coalizão política para sinalizar um novo momento. Uma coalizão social ampla para botar uma moratória na destruição. E imediatamente começar a trabalhar com inclusão, com essa ressalva de que ela não seja homogeneizante.

Quanto as pesquisas que têm sido feitas aqui, o que o senhor tem notado como levantamentos interessantes que possivelmente para novas perguntas sobre a Amazônia?

Medimos alguns parâmetros que indicam estresse dos animais. Os peixes tanto de lá quanto de cá indicaram uma sensibilidade muito alta à temperatura. Então, temos aparentemente um estresse térmico relacionado à seca, somado a um viés de competição. Porque o sistema encolheu, nós temos muitos animais em um lugar só e que passam a competir mais por recursos. Outra das consequências disso são as taxas de parasitismos que vimos aqui, os animais estão muito parasitados. Aparentemente, por conta da temperatura também, houve um gasto energético maior para manter a homeostase iônica nos animais. Isso é muito interessante porque a regulação iônica já é um processo energeticamente muito caro, usa uns 20% da energia que o peixe adquire da alimentação.

Tudo que você menciona indica que a Amazônia está passando por transformações. Por um lado, a resiliência do sistema indica que não é preciso ter um discurso catastrófico em relação à floresta. Por outro lado, é preciso considerar o quanto essas transformações nos impactam…

Sim, precisamos aprender com o mundo em transformação. A questão é que até aqui a velocidade biológica, que é super lenta ao longo do tempo, foi acompanhada pela velocidade da evolução das tecnologias humanas, que até a Revolução Industrial também foi super lenta. Só que desde então a tecnologia se tornou muito veloz, causando grandes impacto que não mais observam o tempo biológico. Precisamos entender com a nossa inteligência e com o nosso coração que estamos vivendo em um mundo em transformação.


Confira outras entrevistas com participantes da expedição:

“Quando o ambiente está doente, precisamos de um ecólogo”, diz especialista em lagos na Amazônia

O estoniano Priit Zingel esteve na última expedição do vice-presidente da ABC para a região Norte, Adalberto Val, e estudou os lagos amazônicos durante a maior seca já registrada.

“Agora é hora de apresentar as evidências que ajudam a Amazônia”, diz Chris Wood, membro correspondente da ABC

O biólogo canadense participa de expedições na Amazônia desde 1976, mas nunca tinha visto uma seca tão grave quanto a que viu agora.

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Por Tiago da Mota e Silva, doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), graduado em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero (FCL) e pesquisador em Comunicação desde 2012. É membro do Centro Interdisciplinar de Semiótica da Cultura e da Mídia (CISC). Investiga temas relacionados à Ecologia da Comunicação, conservação ambiental e mudança climática. 

Priit Zingel coleta água do Lago do Prato em busca de cianobactérias, organimos com papel fundamental na cadeia alimentar do ecossistema (Foto: Tiago da Mota e Silva)

Antes de começar a entrevista, o ecólogo estoniano Pritt Zingel perguntou ao repórter se esta seria, finalmente, seu momento de fama. “É só para isso que serve a ciência!”, exclamou com sua voz grave. Sua ironia ácida marca com bom humor o que é, na verdade, o grave tema com o qual trabalha: como lagos considerados rasos estão, pelo mundo, passando por transformações e até mesmo desaparecendo.

Priit foi um dentre os 18 cientistas que, no dia 21 de novembro de 2023, partiu de Manaus (AM) em um barco para uma excursão científica de 15 dias pelo Rio Negro e pelo Rio Solimões. Dentre outros objetivos, a viagem avaliou os impactos da seca histórica que acometeu o estado do Amazonas, com o nível do Rio Negro chegando abaixo de 13 metros de proundidade, segundo o Porto de Manaus.

“Isso me toca em um nível emocional”, conta Priit. Afinal, esta é a terceira vez dele na Amazônia. Na última, em 2019, o pesquisador esteve no Lago do Prato, no arquipélago de Anavilhanas, também durante a temporada de poucas chuvas. Mas nada se compara a este ano: praticamente a metade do lago do Prato desapareceu.

Ao longo dos anos, Pritt se especializou em lagos rasos. São ecossistemas espalhados pelo mundo definidos, é claro, pela sua pouca profundidade, mas também, e sobretudo, por conter águas que se misturam com facilidade. Segundo Priit, esses lagos são muito importantes em termos de abastecimento e pesca, como é o caso também de lagos da Amazônia.

Nesta entrevista, que ocorreu no sétimo dos 15 dias de expedição, o cientista discute a fragilidade desses ambientes e quais são as consequências de uma seca tão severa para eles. Além disso, compartilha a dificuldade de transmitir a mensagem da mudança climática para mais pessoas: “Hoje em dia, não é suficiente apenas fornecer informações, você também deve apresentar um espetáculo para torná-las mais atrativas.”

É o sétimo dia da viagem. Como tem sido até agora?

O trabalho tem sido muito bom! Claro, sempre há expectativas e encontramos problemas, coisas que não funcionam, coisas que deixamos para trás…

Não é a sua primeira vez aqui na Amazônia…

Estivemos aqui duas vezes antes e tiramos muitas fotos, colhemos informações, ouvimos muitas histórias, coletamos amostras e, é claro, sentimos toda sorte de emoções. Inclusive, tentamos transmitir essas emoções para o público em geral quando montamos uma exposição chamada ‘Amazônia perto e longe’, em nosso Museu dos Lagos, lá na Estônia. Investimos muito esforço para educar os estonianos sobre esta região e sobre as pessoas que vivem aqui, sobre os pescadores e como eles manejam os peixes, também um pouco sobre a mitologia deste lugar… A exposição tem sido bastante popular e agora está viajando pela Estônia. Acreditamos firmemente que a ciência deve retribuir à sociedade e ajudar a popularizar o conhecimento. E como a Amazônia é um tema tão exótico para os estonianos, ela consegue atrair facilmente o público. Com isso, podemos inserir alguns de nossos próprios estudos estonianos aqui e ali, para aproveitar a atenção das pessoas.

Mas esta é a primeira vez numa estação seca tão severa. Levando em conta suas experiências anteriores, como tem sido esta? Quais são as mudanças que chamaram sua atenção desta vez no campo?

Inicialmente, foi muito perturbador ver o quão pouco resta desses lagos onde costumávamos trabalhar das últimas vezes. Isso me toca em um nível emocional. Porque nós, como cientistas, estamos sempre alertando e importunando as pessoas sobre o quão ruins as coisas podem ficar. Mas quando as coisas ruins finalmente começam a acontecer, poderíamos até dizer “Nós avisamos”, mas sinceramente havia uma esperança nessas advertências de que poderíamos evitar isso. Mas esse é um dos problemas com os humanos: de alguma forma, acreditamos fortemente que tudo vai sempre permanecer como está. Não cremos muito bem em mudanças e é por isso, também, que esses avisos não se transformaram em ação. É como se alguma voz em nossa mente coletiva continuasse repetindo: tudo vai ficar como está. Precisamos reconhecer que este planeta em que vivemos é um milagre. Recebemos uma certa quantidade de energia do sol e perdemos uma quantidade de energia para o espaço. Existe um equilíbrio tão exato no qual podemos existir… Um pouco desequilibrado para um lado ou outro, o planeta será ou uma bola de gelo ou um inferno. Claro, a Terra já foi muito mais quente ou muito mais fria em sua história, mas naquelas épocas não havia humanos. Então, quando falamos sobre mudança climática, na verdade estamos falando sobre como nossa espécie evoluiu e prosperou nessas condições muito específicas em um período de tempo muito pequeno e recente. Se essas condições forem muito alteradas, como estão sendo, teremos problemas.

Então, pelo que entendo do que você está dizendo, os cientistas têm enfrentado uma luta na tentativa de transmitir a mensagem das mudanças climáticas. Este parece ser o caso aqui no Brasil, mas também é o caso em seu país, na Estônia?

Sim. Na verdade, essa dificuldade ficou muito pior na última década. Porque há mais informações disponíveis sobre o assunto, mas a mensagem da ciência parece se diluir no espaço público. Na Conferência Internacional sobre Lagos Rasos, no ano passado, na Estônia, tentamos reunir os melhores cientistas do mundo e chamar a atenção da imprensa. Fizemos uma conferência com um lago logo atrás de nós, para obter boas fotos. Hoje em dia, não é suficiente apenas fornecer informações, você também deve apresentar um espetáculo para torná-las mais atrativas. Os cientistas precisam se tornar melhores contadores de histórias, mas talvez seja pedir demais deles.

O trio de estonianos Helen Agasild (esq.), Arvo Turkivene e Priit Zingel (Dir.) coletam materiais de peixes em Anavilhanas, AM (Foto: Tiago da Mota e Silva)

Você construiu sua carreira sobre o tema de lagos rasos…

Sim, lagos rasos são tão interessantes porque, primeiro, o que é um lago raso? Não se trata apenas da profundidade da água. Em lagos profundos, as águas com menos sedimentos sobem e as águas mais pesadas descem. Por isso, as camadas superior e inferior são completamente separadas, dois sistemas separados. Há frio, escuridão e mais nutrientes no fundo e há luz, calor e menos nutrientes em cima. Já os lagos rasos são mistos, não há estratificação acontecendo. Nosso principal lago, o Peipus, é o quinto maior lago europeu em área, 3,5 quilômetros quadrados com uma profundidade média de 7 metros, 15 metros  em alguns lugares, e ele também é misto. A maioria do conhecimento sobre lagos abrange os profundos. Mas, na verdade, a maioria dos lagos no mundo são rasos e eles têm uma relevância econômica muito maior para as sociedades humanas, seja para abastecimento de água, ou para a pesca e etcetera, como é o caso também aqui da Amazônia. Precisamos estudá-los, portanto, porque são muito importantes e também muito vulneráveis. Quando você tem lagos com 50 metros de profundidade e perde um metro durante uma seca, ainda restam 49, certo? Mas se você tem dois metros e um desaparece, então já perdeu metade da água. Além disso, lagos rasos esquentam muito mais rapidamente, secam mais rapidamente e, com mais tempestades e ventos mais fortes, esses lagos ficam ainda mais misturados e mexidos. Todas essas condições podem perturbar o ambiente e a vida que ele sustenta. Afinal, tudo se trata de estabilidade na natureza. Quando essa estabilidade é quebrada, o ambiente pode entrar em um período de enorme confusão até que a próxima estabilidade seja alcançada. Quando esses processos de transformação começam, é como se, de repente, dois mais dois deixasse de ser quatro e passasse a ser seis, ou sete, ou oito. Perde-se o controle.

Então, estudar esses lagos é importante no sentido de não sermos pegos de surpresa?

Essa é uma boa razão para estudar como diferentes estressores atuam nos ecossistemas. São muitos os fatores que influenciam um lago: você tem aquecimento, nutrientes, perturbação pelo vento… geralmente sabemos como cada um age por si só, mas quando você combina dois ou três é bastante complicado de prever o que ocorreria. Ainda há muito que não sabemos. Veja, existem todos os tipos de doutores. Quando estamos saudáveis e o ambiente ao nosso redor está saudável, não precisamos de doutores em medicina nem de doutores em ecologia. Quando há algo errado dentro de nós, então precisamos de um médico que investigue nosso corpo. E quando há algo errado ao nosso redor, então precisamos de um ecologista que investigue nosso ambiente. Alguns médicos nos aconselham a comer uma maçã ou fazer caminhadas, e nos incomodam para pararmos de fumar ou de comer porcarias. Da mesma forma, nós, os ecologistas, estamos aqui para incomodar você a parar de poluir e essas coisas.

Então, basicamente, os lagos ao redor do mundo estão sofrendo mutações por causa das mudanças climáticas e isso nos afeta…

Sim. Existem lagos rasos em áreas áridas, que estão evaporando e desaparecendo. Isso também está acontecendo no norte, em áreas de tundra, que agora estão com menos neve e mais quentes. Claro, como esses casos estão longe da maioria dos centros urbanos, ou até mesmo em países muito distantes, as pessoas pensam que eles não as afetam. Mas esses eventos, incluindo o que está acontecendo aqui na Amazônia, podem estar correlacionados e podemos abordá-los como parte de um problema global.

Sabemos que seus estudos aqui na Amazônia ainda não são conclusivos, mas o que você imagina que seriam os principais impactos dessa seca severa?

Provavelmente, quando algo sai do sistema, o fluxo de matéria é prejudicado. Quando o fluxo de matéria é prejudicado, menos nutrientes estão disponíveis, por exemplo, no nível dos peixes, e a população de peixes pode diminuir. Você estreve conosco e viu como esse grande lago [lago do Prato] secou. Certamente há nutrientes na área do fundo que agora estão totalmente fora do sistema. Eles não podem ser usados pelas populações aquáticas e isso não é irrelevante. Talvez algumas espécies se extingam, talvez outras espécies se tornem mais dominantes. Novamente, é difícil prever, mas geralmente nada de bom resulta disso. Na Amazônia, como há uma biodiversidade enorme que é em sua maioria desconhecida para nós, também são desconhecidas quais seriam suas funções nos ecossistemas. Nem sabemos quais seriam as consequências de perder essas espécies ainda não descobertas justamente porque ainda sequer as descobrimos! O fato de não conhecê-las não significa que não sejam importantes. É como abrir seu carro e ver muitos fios e tirar dois deles, apenas porque você não sabe como funcionam ou o que fazem. Veja se o motor irá funcionar depois disso. Essas áreas tropicais, com alta biodiversidade, são como uma máquina sofisticada cujo funcionamento nós não entendemos completamente.

Lago do Prato, em Anavilhanas, em novembro de 2023, durante seca histórica no AM (Foto: Arvo Tuvikene)
O mesmo Lago do Prato no ano de 2019, também em novembro (Foto: Arvo Tuvikene)

Você mencionou em nossas conversas sobre o folclore em torno dos lagos estonianos. Essas crenças são úteis? Há nelas um conhecimento real sobre os lagos e como preservá-los?

Essa é uma pergunta difícil. Essas lendas são muito antigas e, pelo que sei, a Estônia é o único país que possui essas histórias de lagos móveis ou fugitivos. São, geralmente, sobre os lagos sendo insultados de alguma forma pelo mau comportamento dos humanos, e então decidem partir. Para mim, acredito que elas me ensinaram a ser respeitoso com os lagos E estão de alguma forma gravadas na minha memória. Por exemplo, há a crença de que pouco antes de um lago desaparecer, há um aviso dado pelo lago. Em muitos caso, esse aviso é algo como um touro preto que caminha por perto e faz barulhos, como um presságio de um desastre. A imagem desse animal negro está em minha imaginação em camadas profundas. Sempre há um aviso primeiro, mas quando você não entende os sinais da natureza, então a história não termina bem. Voltando à sua pergunta, acredito que há algum impacto dessas tradições culturais em como administramos politicamente e economicamente nossos recursos naturais. Mas também me parece que o apelo ao dinheiro e ao lucro é, agora, ainda mais forte do que esse imaginário e esse conhecimento ecológico profundo. É quase como se o lucro nos tivesse selecionado. Afinal, o empresário que não se preocupa primeiro com o lucro será substituído por outro que o faça. Ainda assim, nós estonianos preferimos imaginar que somos amantes da natureza.

Essas histórias ainda são compartilhadas atualmente na Estônia? As pessoas contam para as crianças?

Eu contei para meus filhos quando eram crianças e ouvi algumas histórias dos meus avós também quando era pequeno.

E qual é a história que você contou para eles?

Eu contei uma história sobre como as pessoas lavavam muitas roupas e seus bebês no lago e até usavam peixes para limpar o bumbum das crianças. Então, um animal veio e circulou o lago, fazendo barulhos. Mas ninguém leu os sinais. E então, um dia, o lago subiu até as nuvens com todos os peixes e todos os sedimentos, e a vila teve de ser abandonada.

Eles ficaram impressionados com a história?

Eu não sei! (risos)

O Lago do Prato está dando sinais? Está nos avisando de algo?

Acho que esta estação seca é um aviso. Se não o entendermos, o verdadeiro desastre virá.


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Em sua mais recente expedição pelos rios Negro e Solimões, Adalberto Val registra transformações na paisagem em meio à seca histórica.

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Por Tiago da Mota e Silva, doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), graduado em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero (FCL) e pesquisador em Comunicação desde 2012. É membro do Centro Interdisciplinar de Semiótica da Cultura e da Mídia (CISC). Investiga temas relacionados à Ecologia da Comunicação, conservação ambiental e mudança climática. 

O biólogo canadense Chris Wood trabalha com peixes em embarcação, durante expedição na Amazônia

No dia 21 de novembro de 2023, um grupo de 18 cientistas partiu de Manaus em um barco Amazônia adentro para uma expedição. Dentre esses homens e mulheres, há uma das maiores referências no estudo da fisiologia de peixes: o biólogo canadense Chris Wood — que certamente não é um estranho a viagens deste tipo.

Em 1976, Chris esteve na lendária expedição do Alpha Helix, barco que serviu de apoio para pesquisas de europeus, norte-americanos e sul-americanos pelo Rio Negro e pelo Rio Solimões. De lá para cá, Manaus é como uma segunda casa do pesquisador, que mal sabe precisar quantas vezes já esteve por aqui.

Além da Amazônia, Chris também já fez expedições pela América do Norte e pela África. Em cada uma delas, aprendeu a se virar. “Não existe um experimento perfeito”, conta Chris. Então é preciso se adaptar e improvisar diante de imprevistos. Pelo menos assim foi em Nairóbi, capital do Quênia, onde ele transformou garrafas de cerveja em respirômetros, recipientes nos quais é possível medir a respiração de peixes.

“Para mim, tudo se resume a essa experiência de ir a campo e trabalhar com animais na natureza, e não os domesticados de laboratório”, explica Chris, empolgado em estar na Amazônia.

Desta vez, o experiente cientista de 73 anos está investigando os limites em que alguns animais do Rio Negro, sobretudo um peixe chamado bodó, são intoxicados por cobre. Infelizmente, concentrações deste metal em níveis acima dos estabelecidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) são registrados, por exemplo, nos igarapés de Manaus, muito devido à poluição.

Chris é uma memória viva de como, com o tempo, a cidade de Manaus mudou e cresceu, e do como os ecossistemas amazônicos têm passado por transformações significativas. Neste ano, a região passou pela pior seca já registrada na história, com o Rio Negro chegando a níveis abaixo dos 13 metros de profundidade, segundo o Porto de Manaus.

Em 2022, Chris e o cientista brasileiro Adalberto Val assinaram um artigo prevendo toda sorte de dificuldades para os peixes da Amazônia diante das alterações climáticas. Não imaginaram, porém, que algumas de suas previsões ocorreriam já em 2023, em meio à seca: águas mais quentes com menor disponibilidade de oxigênio, por exemplo, levam a uma perda severa nas suas populações, ainda sequer contabilizada.

Nessa entrevista, Chris comenta sobre suas experiências de campo no sétimo de 15 dias de expedição. Além disso, opina sobre o atual momento do Brasil e da pesquisa: “agora é o momento para os cientistas pressionarem por bolsas para estudantes e por investimentos em educação.”

Como você está se sentindo no sétimo dia de expedição?

Estou realmente muito feliz por estar aqui. É sempre uma aventura fantástica realizar essas viagens de pesquisa na Amazônia. Claro, temos os problemas habituais que acompanham essas viagens, mas a pesquisa é muito empolgante. Estamos vendo muitas espécies de peixes e, atualmente, estamos nos concentrando mais nos bodós.

Li sobre uma história envolvendo você e salmões no rio Bella Coola. Olhando para os primeiros anos do seu trabalho e a experiência que você tem agora, quais são as principais diferenças?

Claro que as perguntas mudam ao longo do tempo e a tecnologia também muda. Mas, para mim, tudo ainda se resume à experiência de levar o laboratório para o campo e trabalhar com os animais recém-coletados na natureza, não com animais domesticados que nunca estiveram realmente no mundo real. E sempre há aqueles problemas imprevistos que enfrentamos ao trabalhar no campo. Nada funciona exatamente como se espera, e então é preciso se adaptar, mudar o plano. É realmente importante ser flexível. Acho que a história sobre a qual você está falando é quando estávamos colocando sondas de fluxo sanguíneo em salmões desovando no rio Bella Coola e fizemos um pequeno cercado com rochas para manter os peixes lá depois de uma cirurgia bastante extensa. Naquela época, as sondas valiam bastante dinheiro, provavelmente mil dólares canadenses [R$ 3.600 na cotação de hoje]. Na manhã seguinte, os peixes tinham escapado. E naquele rio havia cem mil peixes. Então, tivemos que vasculhar o rio para cima e para baixo procurando pelo nosso salmão, mas nunca o encontramos. Acabamos tendo que coletar dados de outro peixe.

Então, esse é um exemplo das suas habilidades de improvisação.

Acho que sempre temos que improvisar. Não existe algo como um experimento perfeito.

Imagino que suas habilidades de improvisação tenham melhorado muito com o tempo. Na atual viagem que está realizando na Amazônia, já houve algum momento de improvisação?

Bem, ontem estávamos tentando fazer o que chamamos de estudos de CTmax, que é medir a temperatura crítica do peixe colocando-o em um recipiente e ir gradualmente aquecendo a água. Mas os peixes estavam escapando do nosso recipiente porque eram muito pequenos para eles. Como trouxemos algumas meias-calça conosco para manter as amostras no nitrogênio líquido, tivemos a ideia de colocá-las ao redor do recipiente e funcionou. É um exemplo de uma adaptação simples que podemos fazer no campo.

Li sobre uma solução que você encontrou com garrafas de cerveja, eu acho…

As garrafas de cerveja, claro! Isso foi no Quênia. Naquele caso, não tínhamos equipamento, porque tudo foi confiscado pelas autoridades aduaneiras. Tivemos que improvisar em tudo. Precisávamos de respirômetros em que coubessem esses pequenos peixes de dois gramas. Então, bebemos essas garrafas de cerveja, que eram do tamanho perfeito, e pudemos usá-las como respirômetros.

Desculpe, mas como mesmo você esvaziou essas garrafas?

Com dificuldade! (risos) A primeira parte foi muito fácil, tirar o peixe da garrafa é muito mais difícil. Você tem que meio que sacudir ele para fora.

Ao longo dos anos em que você tem visitado a Amazônia, está ficando mais fácil lidar com o inesperado ou você ainda fica surpreso com diferentes situações?

A segunda opção. Você nunca sabe o que esperar. Talvez eu seja um pouco mais esperto e astuto à medida que envelheço, mas sempre é surpreendente. Nem sempre se antecipa os problemas que se precisa enfrentar. Mas para mim, essa é uma das grandes alegrias de fazer pesquisas, resolver problemas no momento.

Um dos experimentos montados na base flutuante do ICMBio, em Anavilhanas 

Estamos vivendo essa estação seca excepcional, a mais severa de todas. Do seu ponto de vista, apenas observando as coisas e estando aqui, as mudanças são perceptíveis? O que chamou sua atenção?

Claro, apenas a extensão da linha costeira que está exposta chama muito a minha atenção. Mas o que realmente me impactou foi andar pelo campus do Inpa e ver quantas árvores estão mortas ou morrendo nos bosques. Isso foi bastante chocante para mim, porque estive no campus tantas vezes ao longo dos anos e aquele sempre foi um ambiente muito saudável e de atmosfera selvagem. Agora estamos vendo todas essas árvores mortas… é realmente bastante perturbador. Já aqui em Anavilhanas, tudo o que posso realmente ver são os níveis de água, muito baixos. Dal e eu escrevemos um artigo no ano passado, publicado no Journal of Experimental Biology, onde prevemos o que ia acontecer. O que previmos que aconteceria lentamente está ocorrendo rapidamente, como é com essa seca. Isso é tão deprimente… Nunca pensamos realmente, quando escrevemos, que iriámos ver isso no ano seguinte.

Você se lembra de algum momento comparável a este?

De jeito nenhum. Eu estava aqui, talvez em 2009, quando o rio estava excepcionalmente alto e Manaus inundou. Mas nunca vi o nível da água tão baixo.

Há muita discussão sobre como a Amazônia está mudando à medida que se aproxima de alguns pontos sem retorno, ou tipping points. Eu sei que esses pontos são outra discussão difícil…

É difícil saber onde está o ponto sem retorno, ou quanto desmatamento vai causar um colapso em todo o sistema. Vimos estimativas entre 20% e 40% de desmatamento. Não sou especialista nisso, mas suspeito que estejamos muito, muito perto disso.

Do seu ponto de vista, quais têm sido os fortes indicativos de que estamos passando por uma mutação nos ecossistemas amazônicos na medida que nos aproximamos desses possíveis pontos?

Em seu laboratório, Adalberto Val conta com essas câmaras de mudança climática. O que elas fazem é monitorar os níveis de CO2 e temperatura na selva e depois enviar essas informações para o laboratório, adicionando quantidades adicionais de CO2 em um ambiente controlado, simulando o futuro das mudanças climáticas e seus efeitos nos organismos. Os níveis de gás carbônico captados pelo equipamento na floresta têm aumentado ao longo do tempo, e isso é uma evidência real das mudanças climáticas que estão ocorrendo aqui, provavelmente relacionadas com a queima das florestas. Também há muitas fotografias de satélite por meio das quais podemos ver que muitas estradas que saem de Manaus têm habitações. Então, à medida que os humanos invadem a floresta, obviamente estão queimando e destruindo a vegetação. E isso é outra evidência clara de que a Amazônia está passando por mutações.

Os peixes ajudam a contar essa história?

Essa é uma boa pergunta, e acho que não tenho a resposta. Sabemos, por exemplo, quais níveis de metais intoxicam os peixes e também sabemos que os níveis de metais registrados em muitos igarapés de Manaus são tóxicos para eles. Isso também é uma evidência forte de uma transformação induzida pelo homem nesses animais. Então, os peixes, eu acho, poderiam contar um pouco da história das mudanças relacionadas às ações humanas na Amazônia.

Gado pasta onde havia um lago. Na árvore, marcas escurecidas mostram onde a água costumava chegar 

Compreendendo essas mudanças e com toda a experiência que você acumulou ao longo dos anos, o que você acha que deve ser priorizado no seu campo de trabalho em termos de investigar os ecossistemas amazônicos? Quais são as questões que ainda intrigam você?

Ainda acredito que a biodiversidade na Amazônia é pouco estudada. Precisamos entender muito mais sobre ela. E também precisamos entender muito mais sobre os impactos gerados por humanos na Amazônia, principalmente os impactos de barragens hidrelétricas que devem ser estudados, da mineração, especialmente da mineração ilegal, e também o problema da falta de cobertura de saneamento básico em Manaus. Acho que a ciência realmente deve demonstrar que essas atividades têm impactos negativos para que possamos, talvez, exercer pressão política no sentido implementar o tratamento de esgoto, de parar a mineração ilegal e de interromper a construção de novas barragens para energia hidrelétrica. Essas são coisas que suspeitamos serem realmente prejudiciais para a Amazônia, mas precisamos de evidências fortes nesse sentido. Acho que agora o Brasil tem um governo que, novamente, é simpático à ciência. Como você sabe, o Brasil teve um governo anterior que era, eu diria, pouco simpático à ciência. Mas agora há o retorno de Lula e  eu vi como a ciência foi beneficiada ao longo do tempo por seus governos ao visitar universidades e laboratórios, observando quanto dinheiro foi investido em ciência no país. E então eu também vi o deterioramento que ocorreu durante o último governo. Agora acho que o Brasil está de volta com um governo mais simpático à ciência e ao meio ambiente, então agora é hora de apresentar as evidências que ajudam a Amazônia.

É um bom momento para buscar financiamento para a ciência e desenvolver novos projetos na Amazônia?

Sim, acho que é. O governo está tentando desfazer o dano causado nos últimos quatro anos, então ainda tem de lidar com muitas restrições. Mas também acredito que há um sentimento de começar a apoiar novamente a ciência. Então, agora é o momento para os cientistas pressionarem por bolsas para estudantes e por investimentos em educação. Porém, a expectativa não deve ser muito alta no curto prazo porque, como eu disse, o governo parece estar muito sobrecarregado.


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A Amazônia abriga 13% da biodiversidade global conhecida de plantas vasculares e vertebrados. Só de árvores e palmeiras, estima-se que existam 16.000 espécies. A ocupação Indígena da Amazônia, há cerca de 12.000 anos, resultou na domesticação de dezenas a centenas destas espécies, que ainda estão inseridas nos modos de vida das populações Amazônicas. Espécies nativas como mandioca, pimenta, urucum, castanha do Brasil, cacau e açaí se popularizaram globalmente, evidenciando o poder da biodiversidade e do legado Indígena na Amazônia.

No entanto, a biodiversidade e o legado Indígena na Amazônia estão enfrentando pressões. O desmatamento na região é o mais alto entre as florestas tropicais do planeta, atingindo em média 1,7 milhão de hectares por ano nas últimas duas décadas. As principais atividades econômicas nessas áreas incluem pecuária, monoculturas de soja e milho. Estudos recentes indicam que o desmatamento e as atividades econômicas relacionadas estão ligados a um complexo sistema ilegal de mercado de terras. Da mesma forma, a extração de madeira, quase toda ilegal, está causando uma grande degradação da floresta, tornando-a vulnerável a incêndios florestais.

(…)

Leia o artigo completo no The Conversation.

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