pt_BR

Reunião na ABC discutiu gestão ambiental nos municípios

A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Secretaria Municipal de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (SMCT-RJ) organizaram, no dia 21 de março, a Conferência de Ciência, Tecnologia e Inovação sobre Cidades, como parte da preparação para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5ª CNCTI), que será realizada em junho. “Observamos todos os eventos programados e percebemos que faltava um olhar municipal”, explicou a presidente da ABC, Helena Nader, ao lado da secretária de C&T do Rio de Janeiro, Tatiana Roque.

A primeira mesa trouxe o olhar da ciência sobre as questões da gestão da água, do lixo e da necessária transição energética nos espaços urbanos. Sobre esta última, o professor do Programa de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ) e membro titular da ABC Edson Watanabe destacou que uma das características da transição energética é o foco na eletrificação. “Nossa matriz elétrica já é 90% limpa, mas teremos que expandir para dar conta. Energia solar e eólica são cada vez mais viáveis. Dito isso, temos alguns desafios para as nossas cidades, como eletrificar o transporte urbano, incentivar veículos híbridos e implementar estações de recargas. Precisaremos criar um plano de ação com metas claras”, afirmou.

O professor de hidrologia e recursos hídricos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ) Jerson Kelman fez um panorama histórico da transição energética atual. “Todas as transições anteriores foram de meios menos eficientes para mais eficientes. A atual é o contrário, queremos ir para meios menos eficientes para evitar uma externalidade grave. As sociedades desenvolvidas se mostraram interessadas em pagar por essa transição, é uma oportunidade para o Brasil vender soluções de baixo carbono”, disse.

Kelman já foi diretor da Agência Nacional de Águas (ANA) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e também presidente da Light, concessionária de energia elétrica da cidade do Rio de Janeiro. Mesclando experiências na academia e nos setores público e privado, ele conta que a maior dificuldade é convencer sucessivas administrações a continuarem com as ações. “Muitas vezes a universidade sugeria, por exemplo, que certas áreas fossem mantidas desocupadas para escoamento dos rios. Isso durava alguns anos, mas depois entrava outro governo e hoje está tudo ocupado”.

Na mesma linha, a gerente de meio ambiente do grupo Águas do Brasil, Gisele Bôa Sorte, afirmou que o crescimento urbano desordenado é um desafio para o manejo e tratamento das águas. Ela afirmou que as concessionárias estão trabalhando em conjunto com o poder público num plano de segurança hídrica para a capital do estado, que tem como um dos focos a qualidade da água, problema crônico em anos recentes. “No Rio de Janeiro, temos uma relação critica entre disponibilidade e demanda. Há uma alta dependência de uma única fonte de abastecimento, o rio Paraíba do Sul, que abastece 92% da cidade. Se dá algum problema, são dez milhões de pessoas afetadas”, afirmou.

A poluição é outro problema, intimamente ligada à questão do lixo e as dificuldades da cidade em lidar com seus resíduos. A professora Maria Inês Tavares, diretora do Instituto de Macromoléculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é especialista em microplásticos, um dos maiores vilões da poluição das águas hoje em dia. “O descarte inadequado de plásticos gera os microplásticos, que afetam a saúde humana e ambiental. Já existem ilhas de microplásticos nos mares brasileiros e também no exterior. Temos um caso de sucesso com a reutilização do alumínio, pois a coleta é paga, então surgem os catadores. Por que não fazer o mesmo com o plástico?”, sugeriu.

Cada pessoa no Brasil produz em média 1 kg de lixo por dia e quase 75% disso vão para lixões e aterros sanitários. Somos um dos países que menos recicla no mundo. A professora Rosane Cristina de Andrade, coordenadora do curso de Especialização em Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), afirmou que a ciência já produz soluções simples e viáveis para mitigar esse problema. “As universidade brasileiras estão entre as maiores depositantes de patentes no mundo sobre gerenciamento de resíduos sólidos. Isso mostra o papel fundamental da ciência”, sumarizou.

Maria Inês Tavares, Gisele Bôa Sorte, Joao Torres de Mello Neto (moderador), Rosane Cristina de Andrade e Edson Watanabe. Jerson Kelman participou pela internet (Foto: Ana Beatriz Macedo)

Leia também:

Reunião na ABC abordou mobilidade, segurança e saúde urbana na segunda parte
Saiba mais sobrea Conferência de Ciência, Tecnologia e Inovação sobre Cidades, organizada pela ABC em parceria com a Secretaria Municipal de C&T do RJ em 21 de março.


 


Assista ao evento na íntegra:

Conferência de Ciência, Tecnologia e Inovação sobre Cidades

A Conferência de Ciência, Tecnologia e Inovação sobre Cidades, marcada para o dia 21 de março, na Sede da Academia Brasileira de Ciências (ABC), representa um marco importante para o diálogo entre a ciência e a gestão urbana no município do Rio de Janeiro. Este evento é fruto da colaboração entre a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Secretaria de Ciência e Tecnologia do município, evidenciando um esforço conjunto para integrar conhecimentos científicos e tecnológicos na resolução de questões críticas urbanas.

Sob a coordenação das professoras Helena Bonciani Nader, pela ABC, e Tatiana Roque, pela Secretaria Municipal de Ciência e Tecnologia (SMCT-Rio), a conferência visa ser um espaço de troca e construção coletiva, onde especialistas, gestores públicos, acadêmicos e a sociedade civil poderão contribuir com suas perspectivas e experiências.

O principal objetivo deste encontro é fomentar um debate qualificado sobre o papel da ciência e da inovação tecnológica na superação de desafios contemporâneos e futuros enfrentados pelas cidades, especialmente diante das mudanças climáticas, que já impactam diversas regiões com intensidades variadas. A escolha deste tema reflete a urgência de se pensar soluções sustentáveis e adaptativas para problemas como o aumento das temperaturas, elevação do nível do mar, eventos climáticos extremos, entre outros, que afetam diretamente a qualidade de vida nos centros urbanos. A conferência busca, portanto, ser um catalisador para a criação de políticas públicas inovadoras e eficientes, que possam levar o Rio de Janeiro a um futuro mais resiliente e sustentável.

Veja aqui a programação do evento, que será  híbrido, e inscreva-se para a participação presencial. Acesse a transmissão on-line no horário marcado, caso prefira. 

 


 

 


 

Reunião preparatória ABC/SBPC para a 5ª CNCTI discutiu também a saúde brasileira

A última sessão da Reunião Temática da 5ª CNCTI: Ciência Básica na Fronteira do Conhecimento, organizada pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) no âmbito da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, teve como tema a Saúde. O debate ocorreu na tarde do dia 6 de março na sede da ABC, no Rio de Janeiro.

Os palestrantes foram a epidemiologista Estela Aquino, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e com contribuições destacadas no tema saúde da mulher; o psiquiatra Jair Mari, coordenador da Seção de Saúde Mental Urbana da Associação Psiquiátrica Global (WPA, da sigla em inglês); e a epidemiologista Maria Inês Schmidt, especialista em doenças crônicas, sobretudo obesidade e diabetes. A mediação ficou por conta da Acadêmica Patricia Bozza.

Da esquerda para a direita: Estela Aquino, Jair Mari e Maria Inês Schmidt

Gênero, Ciência e Inovação em Saúde

Estela Aquino começou sua apresentação abordando a desigualdade de gênero no meio científico. Mulheres, de modo geral, publicam menos artigos, são menos citadas proporcionalmente e ocupam menos cargos de liderança científica. A pandemia de covid-19 agravou esse cenário. Além disso, durante a crise sanitária, os números mostram que as mulheres estiveram mais expostas ao patógeno, por serem as principais cuidadoras, e também ficaram mais vulneráveis à violência doméstica.

Nesse cenário, o Sistema Único de Saúde (SUS) se mostrou imprescindível na luta contra o coronavírus, mas ainda precisa ser fortalecido na perspectiva da igualdade de gênero em saúde. “Precisamos fortalecer o SUS para que ele possa retomar atividades que foram interrompidas durante a pandemia. A equidade precisa ser de gênero, mas precisa ser também de raça e de classe social. É preciso uma abordagem interseccional”, disse.

Desafios em saúde mental

Para Jair Mari, o Brasil melhorou muito no tratamento de saúde mental nos últimos 20 anos. Essa melhora se deu não apenas com o fechamento dos manicômios mas também na área da pesquisa, com cada vez mais estudos de coorte se proliferando. Esses estudos acompanham grupos de pessoa ao longo dos anos, e hoje alguns já alcançam duas décadas ininterruptas. Ele lembrou que transtornos psiquiátricos surgem de uma combinação de fatores genéticos e ambientais, sobretudo traumas ocorridos na infância. No Brasil, a pobreza e a vulnerabilidade social cumprem um papel decisivo para que o país tenha taxas piores de saúde mental do que em países desenvolvidos.

Para o pesquisador, a substituição dos manicômios pelos Centros de Atenção Psicossociais (CAPS) foi uma política muito moderna que colocou o Brasil em outro patamar de tratamento em saúde mental. Entretanto, ainda existem gargalos, sobretudo na disponibilidade de leitos para internação pacientes em crises agudas. “Precisamos de mais enfermarias psiquiátricas em hospitais gerais”, afirmou.

Outra sugestão foi uma maior integração entre o cuidado com a saúde mental e as escolas, através de programas voltados principalmente aos adolescentes, que são a faixa etária mais vulnerável a desenvolver transtornos que depois são carregados à vida adulta. Além disso, ele reforçou que a telesaúde é particularmente bem adaptada ao cuidado mental e deve ser reforçada. “Sobretudo, precisamos atacar as condicionantes ambientais que contribuem para o desenvolvimento de transtornos. Precisamos também de investimento, países desenvolvidos destinam cerca de 11% do orçamento da saúde para a saúde mental, no Brasil é apenas 2%”, concluiu.

Avanços rumo à equidade no tratamento de doenças crônicas

Maria Inês Schmidt abriu sua fala lembrando que doenças hoje curáveis, como câncer testicular, leucemia linfótica aguda e melanoma eram terminais poucas décadas atrás. Ela celebrou esses grandes avanços na medicina mas lembrou que estes ainda não estão disponíveis de forma equitativa. A diabetes exemplifica bem isso.

Com o advento do SUS e a disponibilização gratuita da insulina, o Brasil causou, da década de 90 em diante, uma queda vertiginosa na mortalidade por diabetes tipo 1. “Na década de 60 eu percebia entre os meus pacientes uma tendência grande à redução das doses tomadas devido ao custo da insulina, o que pode levar à cegueira, complicações renais e até a óbito. Isso parou de ocorrer”, afirmou.

Entretanto, barreiras ao acesso à insulina continuam de pé, sobretudo em países pobres, o que levou à Organização Mundial da Saúde (OMS) a traçar um plano de ação rumo à equidade na distribuição do medicamento. “O tratamento da diabetes é dispendioso e por toda a vida, por isso é um exemplo fundamental da importância do SUS, mesmo subfinanciado”, finalizou.

Assista ao debate completo:


Confira todas as matérias sobre a reunião ABC/SBPC para a 5ª CNCTI:

Abertura de reunião ABC/SBPC abordou transição energética e segurança alimentar

Encontro preparatório para a 5ª Conferência Nacional de CT&I organizado pela ABC e pela SBPC ocorreu nos dias 5 e 6 de março no Rio de Janeiro.

Investimentos e recursos humanos qualificados para uma Revolução Tecnológica no Brasil

Os rumos da “Nova Industrialização” foram discutidos em encontro preparatório para a 5ª CNCTI realizado no Rio de Janeiro. Matéria de Daniela Klebis para o Jornal da Ciência.

Como reatar o laço social brasileiro foi o tema de reunião da 5ª CNCTI

Segunda manhã de reunião sediada na ABC abordou a crise social que afeta o Brasil e o mundo com a polarização política e o surgimento de movimentos extremistas.

Como reatar o laço social brasileiro foi um dos temas de reunião preparatória para a 5ª CNCTI

Na manhã de 6 de março, a Reunião Temática da 5ª CNCTI: Ciência Básica na Fronteira do Conhecimento organizada pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), no âmbito da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, tratou do que Renato Janine Ribeiro, presidente da SBPC, chamou de “a questão crucial das ciências humanas na atualidade”.

A “dissolução do laço social” é uma expressão usada para explicar a crescente polarização e consequente crescimento do extremismo no Brasil e no mundo. A ascensão de uma nova onda de políticos radicais e profundamente enraizados nas redes sociais é talvez a face mais evidente do fenômeno, mas ele é percebido também na conduta das pessoas no cotidiano, no fechamento em grupos de pertencimento, que cada vez mais moldam nossas identidades.

A primeira mesa da sessão: Renato Janine Ribeiro, Helcio Trindade, Tatiana Roque e Sérgio Adorno

O cientista político e Acadêmico Helgio Trindade, ex-reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista em Integralismo, o primeiro grande movimento fascista brasileiro, afirmou que a nova extrema direita surgiu num ambiente de despolitização, em que os partidos políticos tradicionais perderam apelo. “Em todas essas ‘novas direitas’ está a ideia de que existe uma imposição cultural da esquerda nas mídias, a ideia do ‘marxismo cultural’ e também um foco muito forte na questão moral e da corrupção”, afirmou.

A secretária municipal de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, Tatiana Roque, pesquisadora da história da ciência, lembrou que essa nova força política responde à angústias muito presentes em alguns setores da sociedade, fruto de uma crise no modelo de bem-estar social. Citando trabalhos notórios dos economistas Thomas Piketty e Daron Acemoglu, ela afirmou que o campo progressista não conseguiu dar respostas às transformações profundas no mercado de trabalho que hoje se manifestam, por exemplo, na nova classe de trabalhadores de aplicativos. “A tecnologia hoje substitui mais empregos do que gera. Diferentemente do pós guerra, quando o percentual de riqueza apropriado pelos trabalhadores era de 70%, hoje é de apenas 30%”.

Outra característica crucial da dissolução do laço social é o crescimento da violência. O filósofo e Acadêmico Sérgio Adorno, dirigente do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), afirmou que a história do Brasil se confunde com a história da violência, que só passou a ser considerada uma questão pública com a redemocratização. Ele afirmou que um dos sintomas mais perigosos da polarização é a aceitação e normalização da violência, que se torna cada vez mais cruel. “Hoje em dia, se generalizou a ideia de que é moralmente aceitável defender a violência, a ideia de que há pessoas matáveis”, disse.

A segunda mesa da sessão: Marilene Correa, Renato Janine Ribeiro, Ruben Oliven, Mara Telles e Wilson Gomes

A socióloga Marilene Correa, ex-reitora da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), abordou o tema a partir da perspectiva da região amazônica. Para ela, a ruptura nos laços de nacionalidade foi mais grave entre os indígenas, que nunca foram considerados totalmente brasileiros. Ela lembrou que a crise de saúde nos povos Yanomami continua ocorrendo. “Nos últimos governos, se instituiu nas regionalidades da Amazônia uma verdadeira ideia de Anti-Brasil, que se expressa no fracasso de políticas públicas de décadas e faz surgir o pior do Brasil profundo”, afirmou.

O antropólogo e diretor da ABC Ruben Oliven (UFRGS) especialista em antropologia urbana e identidades, criticou em parte a ideia de dissolução do sentimento nacional, já que a nação sempre foi formada por grupos conflitantes. Ele trouxe a discussão das diferentes visões de civilização existentes e fez um apelo à moderação e não desumanização do outro. “A nação está longe de ser uma coisa pacífica, ela é marcada por conflitos e está sempre num equilíbrio instável. Precisamos pensar em como manter um diálogo civilizado entre os vários grupos”.

A cientista política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Mara Telles, especialista em campanha eleitoral e comunicação política, trouxe uma discussão sobre o negacionismo científico. O fenômeno se intensificou durante a pandemia e fez surgir tentativas de criar uma “outra” ciência, subordinada a interesses políticos e religiosos. “Negacionismos são estratégias que usam da desqualificação deliberada da ciência visando fins políticos, econômicos ou morais. No cenário da pandemia, o negacionismo estratégico do governo federal estimulou o negacionismo individual de seus apoiadores”, afirmou.

Finalmente, o filósofo Wilson Gomes (UFBA), especialista em comunicação política digital e participante ativo do debate público através das redes, trouxe sua visão de como essas novas mídias distorceram o diálogo de ideias tão fundamental à democracia. Através de algoritmos que priorizam conteúdos com apelo emocional, as redes sociais contribuíram decisivamente para a tribalização da sociedade e para uma guerra de todos contra todos, gerando ódio e o desaparecimento do centro como campo político. “Até dimensões da vida que não costumavam ser desafiadas estão sendo desafiadas. É como se os dois lados estivessem esperando que o outro lado vá se retirar, isso não vai acontecer. A democracia é a arte de negociar pequenos acordos”, finalizou.

Assista ao debate na íntegra:


Confira todas as matérias sobre a reunião ABC/SBPC para a 5ª CNCTI:

Abertura de reunião ABC/SBPC abordou transição energética e segurança alimentar

Encontro preparatório para a 5ª Conferência Nacional de CT&I organizado pela ABC e pela SBPC ocorreu nos dias 5 e 6 de março no Rio de Janeiro.

Investimentos e recursos humanos qualificados para uma Revolução Tecnológica no Brasil

Os rumos da “Nova Industrialização” foram discutidos em encontro preparatório para a 5ª CNCTI realizado no Rio de Janeiro. Matéria de Daniela Klebis para o Jornal da Ciência.

Reunião preparatória ABC/SBPC para a 5ª CNCTI discutiu também a saúde brasileira

No dia 6/3, encontro abordou os temas de saúde da mulher, saúde mental e tratamentos de doenças crônicas pelo SUS.

Investimentos e recursos humanos qualificados para uma Revolução Tecnológica no Brasil

Matéria de Daniela Klebis, originalmente no Jornal da Ciência.

Com foco no rápido avanço da Inteligência Artificial e na pauta da “Nova Industrialização”, especialistas renomados do País reuniram-se na sede da Academia Brasileira de Ciências (ABC), no Rio de Janeiro, para discutir o futuro da ciência básica e da tecnologia no Brasil. O encontro, que aconteceu nesta semana, nos dias 5 e 6 de março, foi organizado pela ABC e pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), como parte da preparação para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, que será realizada em junho, em Brasília.

As discussões abordaram diversas visões sobre como superar obstáculos políticos, econômicos e tecnológicos, a fim de posicionar o Brasil nessa corrida extremamente competitiva e de rápida transformação. Um ponto comum e bastante destacado foi a importância de investir na capacitação de profissionais qualificados e na inserção desses na indústria. Enfatizou-se também a importância de adotar estratégias transdisciplinares e inclusivas, assegurando que o País não apenas acompanhe, mas também lidere a próxima onda de inovações globais.

Na mesa “Inteligência Artificial – Desafios e Perspectivas”, José Roberto Boisson de Marca, professor e pesquisador do Centro de Estudos em Telecomunicações da PUC-Rio (CETUC/PUC-Rio), destacou a necessidade urgente do Brasil aumentar investimentos e fortalecer a formação de recursos humanos em inteligência artificial (IA). O engenheiro trouxe ao debate a proposta de criação de uma Agência Federal nos moldes da Embrapii com foco em IA e também sugeriu que se estabeleçam mecanismos para regulamentar o acesso de empresas internacionais aos dados brasileiros. “É fundamental que o Brasil proteja esse patrimônio de dados”, disse.

O professor titular do Programa de Engenharia de Sistemas e Computação da COPPE/UFRJ, Edmundo Albuquerque de Souza, apontou a explosão de modelos de larga escala de IA observada entre 2019 e 2023. Segundo ele, com esse boom, veio à tona a discussão sobre o que é inteligência e a importância de uma melhor compreensão dos conceitos de engenharia e computação. Ele destacou os benefícios da IA em várias áreas, da otimização de análise de dados às oportunidades de ensino e aprendizagem e à multidisciplinaridade, entre outros. Por outro lado, ponderou que as ferramentas possuem limitações, como a falta de criatividade e compreensão de conceitos complexos. Para o pesquisador, o principal ponto de atenção deve ser a questão dos recursos humanos e o que o país pode fazer para preparar especialistas para desenvolverem essa área. “Não temos massa crítica qualificada para impulsionar os avanços na área. Temos gente boa, mas não no nível que necessitamos”, advertiu. Segundo ele, é necessária uma política que contemple desde a atração de especialistas para o Brasil até a formação de jovens para atuar no desenvolvimento dessas tecnologias.

Marley Vellasco, professora-titular da PUC-Rio e coordenadora do Centro de Inteligência Artificial do Rio de Janeiro (CIA-Rio), chamou a atenção para a importância da transparência e da complexidade dos modelos atuais de IA, considerando os riscos associados ao uso indiscriminado e a premência de aprimorar ferramentas para detectar falhas e reduzir o volume das bases de dados. “Apesar do sucesso do método ‘Machine Learning’ e, principalmente, do ‘Deep Learning’, existe a necessidade de se desenvolver pesquisa para aumentar a transparência e confiabilidade desses modelos, o que chamamos de ‘Explainable Artificial Intelligence’ (XAI). Ao tornar a IA mais explicável, auditável e transparente, podemos não apenas tornar nossos sistemas mais justos, mas também torná-los muito mais eficazes e úteis”, disse.

Professora-titular do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Teresa Ludemir enfatizou que é fundamental estabelecer políticas de dados que garantam a propriedade e privacidade, apontando os riscos de vieses nos algoritmos. “Sem dados confiáveis, a IA não produz bons resultados. É preciso estabelecer uma política que regule o acesso, por cidadãos e por empresas (principalmente estrangeiras), ao banco de dados gerados no país”. Segundo ela, os sistemas de IA precisam ser corretos, transparentes, justos, inclusivos, reproduzíveis, respeitar a privacidade e a segurança das pessoas e das instituições, e, para isso, é urgente também investir na formação de recursos humanos de qualidade.

Elisa Pereira Reis, socióloga e professora titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), falou sobre o dualismo das expectativas geradas pela IA, entre o otimismo messiânico e o temor de seus riscos catastróficos. “Essa revolução tecnológica e cognitiva não se dá em um vazio técnico ou científico. Ela se dá na dinâmica com a sociedade, com a política, com a cultura. Em saúde, educação, produção de alimentos, os ganhos podem ser imensos. Ao mesmo tempo, podem trazer prejuízos globais, desestruturação radical do mercado de trabalho, cristalização de preconceitos, dependência tecnológica.” Reis apontou a importância da transdisciplinaridade e a necessidade de os cientistas colaborarem nas decisões sociopolíticas, além da melhora no nível de educação para toda a população, para, assim, evitar um novo apartheid social.

A primeira mesa da sessão: Edmundo de Souza, Marley Vellasco, José Boisson de Marca, Teresa Ludermir e Elisa Reis

Nova Industrialização: estratégias e políticas

Seguindo as discussões do dia, os participantes debateram a posição da indústria brasileira no cenário global e quais políticas e estratégias podem ser implementadas para impulsionar o setor.

Tendo ocupado diversos cargos no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Álvaro Prata focou na necessidade de adaptar o setor industrial brasileiro e aproveitar as vantagens competitivas do país em um mercado global dominado por empresas de alta tecnologia. Professor titular do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ele apresentou uma análise da evolução das principais empresas mundiais na última década, evidenciando a substituição do setor de petróleo por empresas de alta tecnologia. Segundo ele, tal panorama serve de alerta ao Brasil, cuja participação na atividade industrial global se limita a cerca de 1% e as empresas mais fortes continuam sendo as mesmas de uma década atrás, com baixíssimo desenvolvimento de tecnologias de ponta. “O Brasil detém conhecimento científico, possui uma série de vantagens comparativas e competitivas, mas precisamos mexer na nossa indústria para que possa usar suas vantagens melhor”, afirmou.

Verena Barros, secretária executiva do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), ressaltou a importância de uma política industrial atrelada ao desenvolvimento, refletindo uma nova dinâmica entre Estado e sociedade civil. Barros apontou que o processo de desindustrialização no Brasil está associado à queda na qualidade de vida e advertiu para uma urgente necessidade de políticas públicas que promovam o adensamento produtivo no país. “Política industrial é uma política para o desenvolvimento”, disse, defendendo uma abordagem multifacetada, que combine fomento à inovação, melhorias no ambiente de negócios e uma orientação estratégica clara.

Vice-presidente da SBPC e coordenadora da Comissão de Sistematização da 5ª CNCT, Francilene Garcia falou sobre a necessidade de retomar o diálogo interdisciplinar e reorganizar o país para enfrentar questões não apenas científicas ou tecnológicas, mas também sociais e ambientais, através do conhecimento científico e do desenvolvimento tecnológico. “Precisamos de políticas de CT&I que considerem a resiliência, a sustentabilidade ambiental e a inclusão como diretrizes centrais das agendas. A crise também nos estimula a experimentar novas ferramentas, abordagens políticas e modelos de governança”, observou.

Garcia apontou para a importância da aproximação entre universidades e indústria, com estratégias de expansão e qualificação da pós-graduação e incentivos para uma maior absorção dos pesquisadores nas empresas, além de uma melhor apropriação do Marco Legal de CT&I vigente.

Pedro Wongtschowski, presidente do Conselho Superior de Inovação e Competitividade da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), encerrou as discussões enfatizando a indispensabilidade da indústria para o desenvolvimento do Brasil e a necessidade de reformas para melhorar o ambiente de negócios e fomentar investimentos em CT&I. Ele criticou o baixo investimento em CT&I pelas empresas brasileiras e destacou o papel essencial do Estado para aumentar a produção e a competitividade da indústria nacional. “Não há como desenvolver uma nação complexa como a brasileira sem um sistema industrial. É necessário que o Estado intervenha. A intenção é aumentar a produção e a competitividade da indústria brasileira”, defendeu.

Assista ao debate completo:


Confira todas as matérias sobre a reunião ABC/SBPC para a 5ª CNCTI:

Abertura de reunião ABC/SBPC abordou transição energética e segurança alimentar

Encontro preparatório para a 5ª Conferência Nacional de CT&I organizado pela ABC e pela SBPC ocorreu nos dias 5 e 6 de março no Rio de Janeiro.

Como reatar o laço social brasileiro foi o tema de reunião da 5ª CNCTI

Segunda manhã de reunião sediada na ABC abordou a crise social que afeta o Brasil e o mundo com a polarização política e o surgimento de movimentos extremistas.

Última tarde de reunião para a 5ª CNCTI discutiu a saúde brasileira

Reunião conjunta ABC/SBPC no âmbito da 5ª Conferência Nacional de CT&I abordou os temas de saúde da mulher, saúde mental e tratamentos de doenças crônicas pelo SUS.

Abertura de reunião ABC/SBPC abordou transição energética e segurança alimentar

Nos dias 5 e 6 de março, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) organizaram uma Reunião Temática sobre Ciência na Base da Inovação, preparatória para a 5ª CNCTI, com foco em inovação com base em ciência. O evento foi realizado na sede da ABC, no Rio de Janeiro.

Os Acadêmicos Jailson de Andrade, vice-presidente da ABC, e Renato Janine Ribeiro, presidente da SBPC

Na abertura, o vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Jailson de Andrade, explicou que o objetivo da 5ª CNCTI é definir uma estratégia nacional e garantir recursos para os próximos dez anos, e vai reunir contribuições de toda a sociedade para o setor. “Ela chega num bom momento, em que a ciência está pacificada, os recursos do FNDCT [Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] estão liberados e estão sendo estabelecidas novas ações em parceria com o setor privado.”

O vice coordenador nacional da 5ª CNCTI, o Acadêmico Anderson Gomes, esclareceu que reuniões como esta estão ocorrendo no país inteiro e os relatórios serão reunidos para embasar o evento nacional. “Estão acontecendo conferências livres e temáticas, conferências estaduais em todos os estados e no DF, e mais as regionais. Serão umas 150 atividades tratando de ciência, tecnologia e inovação [CT&I], cobrindo todas as áreas, preparatórias para a Conferência Nacional, que será entre 4 e 6 de junho, em Brasília.”

O planeta não precisa de salvação

O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Acadêmico Renato Janine Ribeiro, afirmou que “se nós queremos que o Brasil se torne uma potência desenvolvida e socialmente justa temos que basear esse processo na ciência, tecnologia e inovação. E hoje e amanhã vamos discutir os alicerces para tanto – a questão ambiental, a segurança alimentar, a inteligência artificial, os laços sociais e outras áreas básicas.”

Janine apontou que o problema da humanidade atualmente não é “salvar o planeta”. “O planeta não precisa ser salvo. Ele vai se regenerar, conosco ou ‘sem nosco’. Se a humanidade acabar por conta dessas catástrofes – que ela mesma criou com seus desmandos -, o planeta vai apenas ficar sem esses mamíferos de porte médio, um pouco arrogantes, que somos nós.”

Jailson de Andrade, coordenador da mesa, Paulo Artaxo, Gonçalo Pereira e Segen Estefen

Mercado de petróleo aumenta e gera desigualdade

O engenheiro agrônomo e geneticista Gonçalo Amarante (Unicamp) falou sobre energia, de forma bastante realista e crítica à transição energética da forma como vem sendo conduzida. “1% da população emite o correspondente a 66% dos mais pobres. Entre as dez empresas de maior lucratividade no mundo, cinco são de petróleo. É um mercado gigantesco, que só faz aumentar, em torno de 6% ao ano”, apontou. O grande problema é que é uma área que não gera emprego, gera desigualdade. “O mundo não está combatendo carbono, está combatendo emprego”, assinalou.

Sobre a transição, destacou que os transportes elétricos são uma boa opção, desde que não tenham baterias metálicas. “O carro híbrido emite menos CO2 do que o carro elétrico movido por bateria”, explicou. E reforçou o potencial do Brasil para a produção de etanol. “A matéria-prima para o etanol não precisa competir com alimentos. No sertão nordestino, o etanol pode ser produzido a partir de agave.”

Brasil não está aproveitando suas vantagens estratégicas

Professor titular da USP em física ambiental, o Acadêmico Paulo Artaxo trabalhou na NASA, na Universidade de Harvard, no Instituto Max Planck e na Universidade de Estocolmo, além de atuar ativamente no Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). Focando sua apresentação em mudanças climáticas e meio ambiente na Amazônia, o cientista concordou que as emissões globais de gases de efeito estufa continuam a aumentar. Na China, aumentaram 208%; na Índia, 155%.

“É fato que os combustíveis verdes estão recebendo investimento maiores em todo o mundo, mas também é fato que o investimento nos combustíveis fósseis não está diminuindo.” Mas ele garante: transição energética não é uma opção, ela vai acontecer. Temos que saber é como vamos fazer, como se vai se dar esse jogo político, econômico e social”, afirmou Artaxo.

De acordo com o pesquisador, soluções já existem. “Já temos opções em todos os setores da economia que podem reduzir pela metade as emissões até 2030”, afirmou. Ele relatou que o preço da geração de energia solar caiu muito e listou outras ações para redução de emissões no setor energético e mudança de uso do solo. “Sequestro de carbono na agricultura, restauração de ecossistemas, reflorestamento, redução da perda e desperdício de alimentos, enfim, há vários recursos que dependem de vontade política”, avaliou.

Para o Brasil, a situação é favorável. Artaxo destacou que 84%da nossa eletricidade já é renovável. “Nenhum país chega nem perto disso. Porém, não estamos aproveitando isso estrategicamente.”  Ele relatou que 52% das emissões do Brasil são de desmatamento da Amazônia. “Então é uma oportunidade de ouro: reduzindo o desmatamento, podemos reduzir à metade essa quantidade de emissões. Nenhum outro país tem essa possibilidade.”

Economia azul

O Acadêmico Segen Estefen, diretor-geral do Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas (INPO) e coordenador do Grupo de Energia Renovável no Oceano da Coppe/UFRJ, abordou o papel do oceano na transição energética.

Ele explicou que o Brasil possui potencial energético relevante associado às fontes oceânicas (ondas, marés, correntes e gradientes de temperatura e de salinidade) e às fontes eólica e  solar offshore. “A conversão de ondas em energia elétrica já está sendo feita num protótipo, no Ceará”, relatou Estefen. Ele explicou o exemplo do gradiente térmico: “Quando a diferença de temperatura entre a superfície da água e a temperatura do fundo do mar é igual ou maior que 20 graus, é possível a geração de energia”, afirmou.

Resumindo, Estefen ressaltou que o Brasil precisa desenvolver as potencialidades do oceano, a economia azul. “Temos intensidade solar muito grande no Brasil, especialmente no Nordeste, temos que aproveitar isso. É preciso investir maior esforço na estimativa do potencial técnico dos recursos energéticos renováveis, como modelagem numérica, imagens de satélite, medições locais”, explicou.

José Oswaldo Siqueira, Fernanda Sobral, coordenadora da mesa, José Tundisi, Maria Teresa Piedade e Luiz Drude de Lacerda

Brasil produz alimento suficiente, mas brasileiro não pode pagar

Professor emérito da Universidade Federal de Lavras (UFLA) e diretor do Instituto Tecnológico Vale (ITV), o Acadêmico José Oswaldo Siqueira é engenheiro agrônomo especialista em ciência do solo e fertilizantes, e se dedica atualmente à sustentabilidade agrícola e ambiental e desenvolvimento sustentável, com ênfase em recursos naturais, segurança alimentar e fome.

“A fome não é um fenômeno recente, é uma covardia social requintada. No Brasil, é um desastre político e social”, afirmou Siqueira. Ele define a segurança alimentar como a garantia de todas as dimensões que inibem a ocorrência da fome. “Isso é muito mais do que a produção de alimentos. Envolve nutrição, qualidade de vida e sustentabilidade. É de natureza social, política e econômica”, ressaltou.

Na visão de Siqueira, o Brasil fez uma revolução no agronegócio graças à ciência e tecnologia, mas a fome persiste. “Agora não há escassez, mas falta acesso, ou seja, as pessoas não podem pagar”, resumiu. O ciclo da fome envolve a instabilidade na oferta, que estimula a exportação, e a incapacidade de consumo – falta de emprego e renda, salários baixos, inflação elevada, concentração de renda. E ainda há a questão do colapso nutricional: o aumento na produtividade de alimentos gerou queda da qualidade nutricional. “Surgiu a fome escondida, que tem um impacto econômico muito forte”, apontou o Acadêmico.

O país tem 2,8% da população mundial, e contribui com 10% da produção global de alimentos, que são suficientes para alimentar 20% dos habitantes do planeta. “No entanto, ainda temos 15% da população com insegurança alimentar grave”. Ou seja, é um caso de demanda de políticas sociais, públicas, para resolver o problema.

Segurança hídrica: problemas de gestão e falta de política pública

Professor titular aposentado da Escola de Engenharia de São Carlos (USP) e presidente do Instituto Internacional de Ecologia (IIE), o Acadêmico José Tundisi é secretário de Ciência e Tecnologia da cidade há sete anos. Ele apresentou a definição de segurança hídrica da Unesco: “É a capacidade de uma população garantir o acesso a quantidades adequadas de água de qualidade aceitável para sustentar a saúde humana e dos ecossistemas nas bacias hidrográficas, e assegurar proteção eficiente de vida e propriedade contra desastres relacionados com a água, como enchentes, deslizamentos e secas”.

A situação atual no mundo é de uso insustentável da água, de acordo com Tundisi, com grande vulnerabilidade das populações humanas, especialmente nas zonas periurbanas. No Brasil, são 50 milhões de pessoas vivendo em locais sem tratamento de esgoto. “83% da população brasileira tem acesso à água tratada, o que significa que 2 milhões de pessoas não tem esse acesso. Temos três mil municípios com lixões a céu aberto. Até as áreas rurais têm deficiência no acesso à água de qualidade”, destacou.

Com as mudanças climáticas teremos aumento de eventos extremos: muito calor, secas, chuvas intensas. Isso vai aumentar as doenças de veiculação hídrica, com impactos severos na saúde humana e nas economias locais e regionais, assim como nos ecossistemas. Enfim, também na questão da segurança hídrica o problema é de gestão e de políticas públicas. “O gerenciamento ambiental no século 21 não pode ser como o do século XX, de resposta. Tem que ser preditivo, prever o que vai acontecer, para prevenir e não remediar.

A Agência Nacional de Águas fez um estudo que aponta que em 2040 haverá 40% a menos de disponibilidade de água no Brasil. “O conceito de sistema complexo não está incorporado na gestão dos municípios brasileiros, nenhum está preparado para enfrentar as mudanças globais”, alertou o Acadêmico. “No Brasil temos mais celulares que banheiros. É a diferença entre modernização (celulares) e desenvolvimento (banheiros).”

Soma de esforços e ações para enfrentar mudanças climáticas na Amazônia

Doutora em ecologia, a Acadêmica Maria Teresa Fernandes Piedade preside o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Ela falou sobre as águas amazônicas, suas flutuações anuais e a segurança alimentar das populações residentes.

Piedade manifestou sua preocupação com a situação da região. “A duração da emergência no século XXI pelo aumento da magnitude e da frequência de eventos hidroclimáticos extremos já é quase a mesma que a do século XX inteiro”, apontou. A pesquisadora alertou que a intensificação do ciclo hidrológico recente na Amazônia Central é sem precedentes.

Eventos extremos de cheias e secas têm impactos com dimensões sociais, econômicas e ambientais complexas que desafiam as políticas públicas, os setores socioeconômicos e a sociedade. “As inundações matam árvores e ovos de tartaruga; a seca estrema mata peixes, botos, peixes-boi e outras espécies”, lamentou a Acadêmica.

A bióloga apontou que é fundamental monitorar o impacto desses eventos climáticos por meio de abordagens inter e multidisciplinares nos diversos ecossistemas e regiões da Bacia Amazônica, pois os efeitos podem diferir. Alternativas econômicas inclusivas e diversificadas são necessárias para proporcionar segurança alimentar. “Com uma mega biodiversidade como a amazônica, as alternativas devem focar em diferentes espécies, práticas, formas de manejo e turismo ecológico, evitando repetir modelos que criem economias excludentes para os habitantes da região. É necessária a soma de esforços e ações”, concluiu Maria Teresa Piedade.

Populações próximas ao limite de exposição ao mercúrio

O Acadêmico Luiz Drude de Lacerda (UFC) é doutor em ciências biológicas com foco em biofísica. Suas pesquisas englobam ambientes costeiros, metais pesados, biogeoquímica, monitoramento ambiental e o impacto das mudanças climáticas.

Na ocasião, Drude apresentou questões referentes à questão da contaminação do solo e dos peixes por mercúrio no Brasil, que afeta a segurança alimentar. “Algumas populações cuja dieta é baseada em recursos pesqueiros locais já se encontram muito próximas, ou no limite, de taxas seguras de exposição ao mercúrio pelo consumo de pescado. Isso se verifica particularmente nas regiões ribeirinhas da Amazônia e em algumas áreas costeiras do Nordeste do Brasil”, relatou.

De acordo com Drude, as alterações biogeoquímicas e biogeodinâmicas decorrentes do aquecimento global resultam em maior acumulação de mercúrioi pelo pescado. No caso da Amazônia, o desmatamento aumenta a biodisponibilidade de mercúrio. “Esta ameaça à segurança alimentar sugere a revisão dos limites legais seguros para mercúrio e talvez outros poluentes, levando em consideração os níveis de consumo, tipo de pescado e as projeções das variáveis ambientais que controlam as concentrações de mercúrio em peixes”, ressaltou o biólogo.

Assita ao debate completo:


Confira todas as matérias sobre a reunião ABC/SBPC para a 5ª CNCTI:

Investimentos e recursos humanos qualificados para uma Revolução Tecnológica no Brasil

Os rumos da “Nova Industrialização” foram discutidos em encontro preparatório para a 5ª CNCTI realizado no Rio de Janeiro. Matéria de Daniela Klebis para o Jornal da Ciência.

Como reatar o laço social brasileiro foi o tema de reunião da 5ª CNCTI

Segunda manhã de reunião sediada na ABC abordou a crise social que afeta o Brasil e o mundo com a polarização política e o surgimento de movimentos extremistas.

Última tarde de reunião para a 5ª CNCTI discutiu a saúde brasileira

Reunião conjunta ABC/SBPC no âmbito da 5ª Conferência Nacional de CT&I abordou os temas de saúde da mulher, saúde mental e tratamentos de doenças crônicas pelo SUS.

Reunião Temática 5ª CNCTI: Ciência Básica na Fronteira do Conhecimento

A 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5ª CNCTI) tem como foco principal a revitalização e fortalecimento do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, abordando questões cruciais para o desenvolvimento sustentável e a inovação tecnológica no Brasil.

O coordenador nacional é o Acadêmico Sergio Rezende e o vice-coordenador nacional é o Acadêmico Anderson Gomes

A reunião temática
Neste contexto, nos dias 5 e 6 de março, será realizada no Rio de Janeiro, na sede da ABC, uma das reuniões temáticas da 5a CNCTI. Este evento, enquadrado no primeiro dos cinco eixos estruturantes, focará especificamente na recuperação, expansão e consolidação do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, sob o tema “Ciência Básica na Fronteira do Conhecimento”.

Os organizadores da reunião são a presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Bonciani Nader, e o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine Ribeiro


Veja aqui a programação do evento, que será  híbrido, e inscreva-se para a participação presencial. Acesse a transmissão on-line no horário marcado, caso prefira. 

Mais informações: abc@abc.org.br  

 

Os INCTs no Sistema Nacional de CT&I

A Academia Brasileira de Ciências (ABC) recebeu em sua sede, no Rio de Janeiro, a primeira Conferência Livre Preparatória para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5ª CNCTI), que ocorrerá em junho. O tema foi o programa dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT), grandes redes nacionais de pesquisa que são fundamentais na consolidação e expansão das mais diversas linhas de pesquisa pelo Brasil.

Apesar de sua centralidade no Sistema Nacional de CT&I, os INCTs passam por um período de indefinição. A última chamada para o programa contemplou apenas novos projetos, deixando centros de excelência antigos e consolidados com dúvidas sobre a continuidade. Para debater o assunto, a ABC convidou representantes dos INCTs para uma reunião de dois dias, que contou com a presença de representantes das principais agências de fomento do país. A mediação ficou por conta do vice-presidente da ABC, Jailson Bittencourt.

No primeiro dia, 23 de janeiro, os representantes dos INCTs elencaram preocupações e prioridades de curto, médio e longo prazo. Já no dia 24, os presidentes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Ricardo Galvão; da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Mercedes Bustamante; e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Celso Pansera, estiveram presentes para ouvir as proposições da comunidade científica. O presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), Jerson Lima, também participou da mesa, representando o Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap).

Renato Janine Ribeiro (presidente da SBPC), Helena Nader (presidente da ABC), Ricardo Galvão (presidente do CNPq), Carlos Alberto Aragão (diretor da Finep) e Jerson Lima (presidente da Faperj representante do Confap). Participando virtualmente: Mercedes Bustamante (presidente da Capes)

Continuidade de bolsas

A questão mais urgente é a continuidade das bolsas de pós-doutorado e apoio técnico dos INCTs, cujo prazo para execução de verbas se encerra no segundo semestre de 2024 e ainda não há previsão de um novo edital até lá. Os presentes foram unânimes ao pleitear uma prorrogação do prazo, sem aportes adicionais, até que uma nova chamada seja feita. Mas o presidente do CNPq, Ricardo Galvão, desencorajou a ideia, afirmando ter como objetivo uma nova chamada até o fim do primeiro semestre. Foi acordada a criação de uma comissão de representantes dos INCTs para acompanhar o impasse.

Há um consenso de que não são possíveis aportes adicionais sem uma nova avaliação dos programas, e todos os representantes defenderam que seus institutos sejam novamente avaliados. Mas existem preocupações quanto à forma como se realizam as avaliações dos projetos, que em sua maioria são fortemente amparadas por métricas quantitativas e raramente entram no mérito das pesquisas. Galvão garantiu que a nova avaliação já está sendo montada, mas que esse processo não é trivial. Anunciou, ainda, que as bolsas de produtividade passarão a ter sua liberação atrelada à atuação do pesquisador como parecerista.

Fuga de cérebros

A maior preocupação dos coordenadores presentes é que um hiato entre os aportes dos INCT gerará uma desmobilização dos grupos de pesquisa. As bolsas são o salário do pesquisador e, se elas deixam de entrar nas contas bancárias dos bolsistas, essa força produtiva se vê obrigada a deixar a área. O dinheiro oriundo desses programas é, em muitos casos, um paliativo que permite reter pessoas extremamente qualificadas, já na etapa de pós-doutorado. Perder um cientista nessa fase é jogar fora mais de dez anos de investimento público em sua formação.

É importante destacar que o problema da fuga de cérebros é mais amplo, e reconhecer que os valores das bolsas no Brasil não são convidativos. Além disso, pesquisadores experientes almejam uma maior estabilidade do que a proporcionada por bolsas; logo, a discussão sobre fixação de pessoal vai além do âmbito dos INCTs e passa pelo fortalecimento do sistema nacional de pesquisa como um todo.

O vice-presidente da ABC, Jailson Bittencourt de Andrade, coordenou a reunião

O futuro dos INCTs

As preocupações com continuidade vão além do curto prazo. Existe uma ansiedade sobre a possibilidade de INCTs consolidados serem encerrados. Nesse sentido, é preciso se pensar nos próximos passos do programa, com duas coisas em mente: fomentar o surgimento e crescimento de novos institutos sem interferir no financiamento de centros de pesquisa de sucesso já existentes.

O representante do Confap, Jerson Lima, afirmou que, para um programa tão central na ciência nacional, os INCTs recebem verbas surpreendentemente pequenas. Os R$ 200 milhões anuais destinados ao programa representam apenas 2% dos recursos totais do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Nesse sentido, foi defendida a retomada da participação das fundações estaduais nos institutos, mas isso esbarra em alguns problemas de escopo. As FAPs são estaduais, enquanto os INCTs são redes nacionais e, por isso, podem ter restrições na aplicação de recursos em outros estados. De toda forma, as fundações já participaram do fomento dos INCTs mais antigos e nada impede que isso volte a ser pensado.

A participação da Capes também foi requisitada. O órgão não participou dos aportes da última chamada de INCTs e os coordenadores destacaram que seria importante trazê-lo de volta, sobretudo para ajudar na questão urgente do pagamento de bolsas. A presidente da Capes, Mercedes Bustamante, não se mostrou contrária a ideia, mas lembrou que a Capes perdeu orçamento em 2024, o que torna muito difícil fazer qualquer tipo de promessa.

Os INCT na nova estratégia nacional de CT&I

Para além das questões imediatas, porém, é preciso pensar no futuro. A 5ª CNCTI deverá criar uma estratégia nacional para o setor pelos próximos dez anos. Nesse cenário, se destaca a necessidade de se institucionalizar os INCT dentro das universidades e das instituições de ciência brasileira. Isso passa por uma definição do status jurídico desses institutos dentro do ecossistema de pesquisa, para que tudo não recaia no CPF do coordenador.

 

Parte dos representantes de INCTs presentes na reunião

Como a maioria dos INCT têm capilaridade nacional, é preciso pensar formas de ancorar os institutos dentro da estrutura das universidades sem afetar sua dinâmica e sua capacidade de fomentar a ciência feita em diversas outras instituições.

Outro ponto é que a cultura das agências de fomento é voltada a projetos, que possuem um prazo de encerramento. Porém, os INCTs, como o próprio nome diz, são institutos, representando redes de pesquisa mais longevas. É preciso realmente entendê-los como tal, ou então decidir que são apenas gerenciadores de projetos curtos. Os presentes sugeriram a criação um centro responsável especificamente pelos INCTs, que pode estar dentro do CNPq ou ser um órgão separado.

De forma geral, todos os presentes reforçaram sua crença no sucesso do programa e seu desejo para que ele seja consolidado e expandido.

Comunicação Científica

Outro ponto frisado foi o da comunicação científica. É preciso contar para a população sobre o trabalho feito dentro dos INCTs, como forma de valorizá-los. É preciso profissionalizar os setores de comunicação para inserir esses institutos nas mídias. A experiência nacional e internacional mostra que quanto mais destaque um instituto de pesquisa tem, mais fácil fica conseguir recursos.

Carta do Rio de Janeiro

Nos próximos dias, será elaborada uma carta com o posicionamento oficial dos coordenadores de INCT presentes na reunião a ser levada às autoridades federais. O texto também servirá de norte para as discussões em torno do programa durante a 5ª CNCTI.

Confira a lista de participantes da reunião

teste