01No dia 8 de abril a Academia Brasileira de Ciências (ABC) promoveu a Conferência Livre “Modernização da estrutura de ensino superior brasileira para o desenvolvimento socioeconômico sustentável”, organizada pelo grupo de trabalho sobre Ensino Superior Brasileiro da ABC. A reunião fez parte do calendário preparatório para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5ª CNCTI).

A primeira mesa da parte da tarde teve como tema a criação de centros de formação de recursos humanos em áreas estratégicas. A proposta do grupo é de seis áreas: Bioeconomia; Agricultura e Agronegócio; Transição Energética; Saúde e Bem-Estar; Transformação Digital e Materiais Avançados e Tecnologias Quânticas.

José Roberto Piqueira

O engenheiro e professor da Escola Politécnica da USP José Roberto Piqueira lembrou que a procura pela área de exatas vem encolhendo nas universidades e que, dos que ingressam, apenas 16% concluem a graduação. Para piorar o cenário, muitos desses empregos estão em áreas diferentes da formação original.

Para ele, o atual modelo das universidades é muito engessado e não engloba as diferenças regionais do Brasil, nem se esforça para integrar questões a realidade de um grupo cada vez mais diverso de alunos.  “Uma experiência que eu fazia em sala de aula foi agrupar alunos de diferentes origens socioeconômicas e pedir para que descrevessem a eletrificação de suas casas, isso mostrava a todos as diferenças sociais em infraestrutura”.

Mas não é apenas a engenharia elétrica que precisa dialogar com a realidade, praticamente qualquer área tecnológica disposta a desenvolver inovação precisa entender os problemas da sociedade. “Sabem por que o Brasil se desenvolveu tão rápido em automação bancária? Por causa da hiperinflação da década de 80. Se a transação não fosse rápida se perdia dinheiro, então os banqueiros trouxeram para si engenheiros de sistemas que criaram uma competência muito grande na área”, exemplificou.

O novo aprendizado deve ter amplitude, pois ninguém sabe o que os alunos vão precisar daqui a 50 anos. A interdisciplinaridade já se tornou um mantra, mas é preciso leva-la a sério, compreendendo quais as inquietações dos novos alunos e aceitando que estes são diferentes dos alunos de 20 anos atrás.  “Eu sou engenheiro, não é importante para mim saber falar sobre correntes filosóficas, mas é importante que eu saiba ouvir. Da mesma forma, para um historiador, não é importante que ele saiba construir uma ponte, mas é importante que ele saiba ouvir e compreender sobre esse processo”, finalizou.

Centros de Formação de Recursos Humanos em Áreas Estratégicas (CFEA)

Adalberto Fazzio

O físico e Acadêmico Adalberto Fazzio, diretor-fundador da Ilum Escola de Ciência, graduação integrada em ciências associada ao Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas, afirmou que o modelo de produção de ciência no século 21 precisa diminuir a ênfase na relação mestre-aprendiz, que ainda remete ao século 19. “O jovem precisa estar desde cedo num ambiente que estimule sua independência científica. Hoje em dia nossos alunos vão atingir essa independência muito tardiamente, após doutorados e pós-doutorados, já beirando os 40 anos”.

Fazzio lembrou que a ABC produziu uma série de documentos temáticos que servem como guias para introduzir os assuntos e também ajudaram a definir as áreas estratégicas. Ele reforçou que o país precisa ter áreas prioritárias. “Já conheci reitores cuja mentalidade para a divisão de recursos era dividir igualmente por todas as áreas. Não pode ser assim, é preciso entender as demandas de cada área e, sobretudo, é preciso definir quais são as prioridades. No Brasil temos uma dificuldade enorme em fazer escolhas”, avaliou.

A ideia dos CFEAs é justamente trabalhar em torno dos temas prioritários, trazendo grupos de pesquisa diversos para pesquisar com um olhar atento aos problemas da sociedade. É preciso entender quais são as demandas da indústria e superar o preconceito mútuo entre academia e setor privado. “Precisamos de centros com metas claras de desenvolvimento de inovação, não apenas inovação tecnológica mas novos modelos de negócio, estimulando startups”.

Para o bioquímico Jorge Almeida Guimarães, ex-presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), o foco deve ser a inovação, mas tendo em mente quem será beneficiado por ela. Ele lembrou que os pilares da inovação são a presença de talentos científicos, instituições qualificadas e empresas de ponta, além de investimentos do Estado e o incentivo à cultura do empreendedorismo pessoal – tudo isso, para algumas áreas pelo menos, o Brasil já tem.

O Acadêmico Jorge Almeida Guimarães participou de forma virtual

Os desafios estão justamente em fazer todos esses fatores dialogarem. Além da gigantesca burocracia estatal e dos imbróglios jurídicos e regulamentares com que pesquisadores precisam gastar tempo, é preciso superar a resistência empresarial à inovação aberta e nacional. “Precisamos reduzir o Custo Brasil e operar o modelo tripla-hélice – investimentos conjuntos de governo, universidade e empresa – em larga escala”, afirmou.

Para ele, o modelo dos CFEAs deve ser iniciado com chamadas públicas, desenhadas por agências de fomento, para selecionarem, à princípio, 15 grupos de pesquisa de comprovada liderança nas áreas. Esses grupos serão credenciados como CFEAs e vinculados à uma universidade sede, mas manterão certas autonomias. “Eles não podem ser engessados na estrutura da universidade, a autonomia precisa estar desde o planejamento de ações, na alocação de pessoal e recursos e na assinatura de contratos. O principal é ter autonomia decisória”.

Um novo ensino superior para a Amazônia

Adalberto Val

Durante a mesa final do evento, o biólogo e vice-presidente da ABC para a Região Norte, Adalberto Luis Val, defendeu que novos modelos precisam ser pensados, inclusive, como forma de superar um problema histórico da educação superior brasileira: a falta de interiorização. “A Amazônia segue com investimento muito baixo em capacitação. Dessa forma, segue sendo incapaz de gerar soluções robustas para as questoes ambientais e sociais, para a geração de uma bioeconomia. Estamos em 2024 e o conhecimento segue sendo gerado pela sociedade externa à Amazonia”, avaliou.

Isso gera contradições notáveis. A maior parte da produção científica sobre produtos florestais – como a castanha, o açaí, o cacau e peixes como o tambaqui e o pirarucu – acontece no exterior. Nenhum dos peixes amazônicos, tão importantes para a dieta da região, está inserido no mercado global, gerando dividendos para a região. Entretanto, algumas espécies, como o pacu-vermelho, já estão sendo criadas e vendidas por países asiáticos. “Por aqui essas cadeias de valor ainda estão no nascedouro. Uma bioeconomia forte depende de desvendar o conhecimento escondido na floresta”.

Mas essa produção ainda escorrega e a região sofre para fixar pesquisadores. Há uma divisão muito desigual entre as unidades de pesquisa na parte Atlântica e no interior do Brasil. “Há uma nova linha de Tordesilhas que separa onde se faz ciência de onde não se faz. Ainda em 2005, na época em que Jorge Guimarães presidiu a Capes, foi definido que todos os alunos matriculados em pós-graduações reconhecidas na Amazônia receberiam bolsa. O objetivo era fazer com que se fixassem, mas desde então avançamos pouco”.

Fator Tordesilhas – Mapas apresentados por Adalberto Val

Para Val, o novo Sistema Nacional de CT&I não deve ser pensado a partir de modelos homogeneizantes, muito pelo contrário, devem entender a diversidade como positiva e conectada às diferenças de cada sociedade. É preciso fomentar a colaboração e novas formas de organização de grupos de pesquisa, capacitando pessoal sempre com o olhar voltado à demanda da região.

“O dinamismo do mundo moderno não combina mais com a rigidez das áreas de conhecimento convencionais. Precisamos de um sistema mais flexível em que as instituições tenham autonomia de gestão, de aplicação de recursos e na definição de prioridades. Não basta mais publicar nas melhores revistas do mundo, é preciso contribuir com a sociedade”, finalizou o Acadêmico.

 


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Conferência Livre do GT de Educação Superior: Segunda Sessão