A Academia Brasileira de Ciências (ABC) recebeu em sua sede, no Rio de Janeiro, a primeira Conferência Livre Preparatória para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5ª CNCTI), que ocorrerá em junho. O tema foi o programa dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT), grandes redes nacionais de pesquisa que são fundamentais na consolidação e expansão das mais diversas linhas de pesquisa pelo Brasil.

Apesar de sua centralidade no Sistema Nacional de CT&I, os INCTs passam por um período de indefinição. A última chamada para o programa contemplou apenas novos projetos, deixando centros de excelência antigos e consolidados com dúvidas sobre a continuidade. Para debater o assunto, a ABC convidou representantes dos INCTs para uma reunião de dois dias, que contou com a presença de representantes das principais agências de fomento do país. A mediação ficou por conta do vice-presidente da ABC, Jailson Bittencourt.

No primeiro dia, 23 de janeiro, os representantes dos INCTs elencaram preocupações e prioridades de curto, médio e longo prazo. Já no dia 24, os presidentes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Ricardo Galvão; da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Mercedes Bustamante; e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Celso Pansera, estiveram presentes para ouvir as proposições da comunidade científica. O presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), Jerson Lima, também participou da mesa, representando o Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap).

Renato Janine Ribeiro (presidente da SBPC), Helena Nader (presidente da ABC), Ricardo Galvão (presidente do CNPq), Carlos Alberto Aragão (diretor da Finep) e Jerson Lima (presidente da Faperj representante do Confap). Participando virtualmente: Mercedes Bustamante (presidente da Capes)

Continuidade de bolsas

A questão mais urgente é a continuidade das bolsas de pós-doutorado e apoio técnico dos INCTs, cujo prazo para execução de verbas se encerra no segundo semestre de 2024 e ainda não há previsão de um novo edital até lá. Os presentes foram unânimes ao pleitear uma prorrogação do prazo, sem aportes adicionais, até que uma nova chamada seja feita. Mas o presidente do CNPq, Ricardo Galvão, desencorajou a ideia, afirmando ter como objetivo uma nova chamada até o fim do primeiro semestre. Foi acordada a criação de uma comissão de representantes dos INCTs para acompanhar o impasse.

Há um consenso de que não são possíveis aportes adicionais sem uma nova avaliação dos programas, e todos os representantes defenderam que seus institutos sejam novamente avaliados. Mas existem preocupações quanto à forma como se realizam as avaliações dos projetos, que em sua maioria são fortemente amparadas por métricas quantitativas e raramente entram no mérito das pesquisas. Galvão garantiu que a nova avaliação já está sendo montada, mas que esse processo não é trivial. Anunciou, ainda, que as bolsas de produtividade passarão a ter sua liberação atrelada à atuação do pesquisador como parecerista.

Fuga de cérebros

A maior preocupação dos coordenadores presentes é que um hiato entre os aportes dos INCT gerará uma desmobilização dos grupos de pesquisa. As bolsas são o salário do pesquisador e, se elas deixam de entrar nas contas bancárias dos bolsistas, essa força produtiva se vê obrigada a deixar a área. O dinheiro oriundo desses programas é, em muitos casos, um paliativo que permite reter pessoas extremamente qualificadas, já na etapa de pós-doutorado. Perder um cientista nessa fase é jogar fora mais de dez anos de investimento público em sua formação.

É importante destacar que o problema da fuga de cérebros é mais amplo, e reconhecer que os valores das bolsas no Brasil não são convidativos. Além disso, pesquisadores experientes almejam uma maior estabilidade do que a proporcionada por bolsas; logo, a discussão sobre fixação de pessoal vai além do âmbito dos INCTs e passa pelo fortalecimento do sistema nacional de pesquisa como um todo.

O vice-presidente da ABC, Jailson Bittencourt de Andrade, coordenou a reunião

O futuro dos INCTs

As preocupações com continuidade vão além do curto prazo. Existe uma ansiedade sobre a possibilidade de INCTs consolidados serem encerrados. Nesse sentido, é preciso se pensar nos próximos passos do programa, com duas coisas em mente: fomentar o surgimento e crescimento de novos institutos sem interferir no financiamento de centros de pesquisa de sucesso já existentes.

O representante do Confap, Jerson Lima, afirmou que, para um programa tão central na ciência nacional, os INCTs recebem verbas surpreendentemente pequenas. Os R$ 200 milhões anuais destinados ao programa representam apenas 2% dos recursos totais do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Nesse sentido, foi defendida a retomada da participação das fundações estaduais nos institutos, mas isso esbarra em alguns problemas de escopo. As FAPs são estaduais, enquanto os INCTs são redes nacionais e, por isso, podem ter restrições na aplicação de recursos em outros estados. De toda forma, as fundações já participaram do fomento dos INCTs mais antigos e nada impede que isso volte a ser pensado.

A participação da Capes também foi requisitada. O órgão não participou dos aportes da última chamada de INCTs e os coordenadores destacaram que seria importante trazê-lo de volta, sobretudo para ajudar na questão urgente do pagamento de bolsas. A presidente da Capes, Mercedes Bustamante, não se mostrou contrária a ideia, mas lembrou que a Capes perdeu orçamento em 2024, o que torna muito difícil fazer qualquer tipo de promessa.

Os INCT na nova estratégia nacional de CT&I

Para além das questões imediatas, porém, é preciso pensar no futuro. A 5ª CNCTI deverá criar uma estratégia nacional para o setor pelos próximos dez anos. Nesse cenário, se destaca a necessidade de se institucionalizar os INCT dentro das universidades e das instituições de ciência brasileira. Isso passa por uma definição do status jurídico desses institutos dentro do ecossistema de pesquisa, para que tudo não recaia no CPF do coordenador.

 

Parte dos representantes de INCTs presentes na reunião

Como a maioria dos INCT têm capilaridade nacional, é preciso pensar formas de ancorar os institutos dentro da estrutura das universidades sem afetar sua dinâmica e sua capacidade de fomentar a ciência feita em diversas outras instituições.

Outro ponto é que a cultura das agências de fomento é voltada a projetos, que possuem um prazo de encerramento. Porém, os INCTs, como o próprio nome diz, são institutos, representando redes de pesquisa mais longevas. É preciso realmente entendê-los como tal, ou então decidir que são apenas gerenciadores de projetos curtos. Os presentes sugeriram a criação um centro responsável especificamente pelos INCTs, que pode estar dentro do CNPq ou ser um órgão separado.

De forma geral, todos os presentes reforçaram sua crença no sucesso do programa e seu desejo para que ele seja consolidado e expandido.

Comunicação Científica

Outro ponto frisado foi o da comunicação científica. É preciso contar para a população sobre o trabalho feito dentro dos INCTs, como forma de valorizá-los. É preciso profissionalizar os setores de comunicação para inserir esses institutos nas mídias. A experiência nacional e internacional mostra que quanto mais destaque um instituto de pesquisa tem, mais fácil fica conseguir recursos.

Carta do Rio de Janeiro

Nos próximos dias, será elaborada uma carta com o posicionamento oficial dos coordenadores de INCT presentes na reunião a ser levada às autoridades federais. O texto também servirá de norte para as discussões em torno do programa durante a 5ª CNCTI.

Confira a lista de participantes da reunião