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Reunião na ABC debate a situação dos jovens cientistas brasileiros

Como parte das discussões preparatórias para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5ª CNCTI), a Academia Brasileira de Ciências (ABC) organizou no dia 25 de abril a Conferência Livre – Juventudes e Ciência, de forma online. O evento foi uma parceria com a Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

O encontro abordou os desafios enfrentados por jovens doutores na consolidação de suas carreiras e na inserção no mercado de trabalho, bem como o engajamento da população jovem em CT&I através da divulgação e comunicação científica. Em um ponto bastante atual, o novo e controverso programa de repatriação anunciado pelo CNPq também foi debatido.

Panorama dos jovens doutores brasileiros

Em 2023, um grupo de membros afiliados da ABC divulgou os resultados do projeto Perfil do Jovem Cientista Brasileiro, que ouviu 4.115 pesquisadores com até 15 anos de doutoramento sobre o que pensavam da carreira. Responsáveis por liderar o trabalho, as pesquisadoras Ana Chies e Raquel Minardi trouxeram alguns dados para embasar a conferência.

Dentre os resultados, 74% dos jovens pesquisadores relataram ter muita dificuldade em conseguir financiamento. Uma das políticas mais consolidadas de estímulo à investigação científica, as bolsas de produtividade do CNPq ainda são inacessíveis nessa etapa da carreira. Apenas 10% dos respondentes são bolsistas de produtividade e 8% estão na categoria mais baixa. Outro problema é a desigualdade de gênero, homens têm o dobro de chances de serem bolsistas de produtividade do que mulheres. “O grande problema das bolsas de produtividade é que a competitividade por elas cresce a cada ano, mas o número disponível permanece constante”, avaliou Ana Chies.

A pesquisa também revelou outros números preocupantes. 46% dos jovens doutores não acreditam valer a pena ser cientista no Brasil e 36% não se sentem motivados a continuar. Com relação à assédio, os dados são alarmantes, 47% das mulheres cientistas relataram já terem sofrido assédio sexual no meio acadêmico e 67% relataram assédio moral. Entre os homens, os números são de 12% e 57%, respectivamente.

O projeto foi um dos temas centrais que embasaram as discussões do 5º Encontro Nacional de Membros Afiliados da ABC, realizado em agosto de 2023. Foi produzido um sumário das deliberações, sob coordenação da comunicóloga Thaiane Moreira. As reinvindicações principais foram divididas em sete eixos:

  • Políticas nacionais de capacitação em grandes temas nacionais;
  • Financiamento e transparência na alocação de recursos;
  • Investimento em Comunicação Científica;
  • Políticas de interação público-privado;
  • Inserção dos jovens nos conselhos deliberativos das agências de fomento;
  • Estímulo ao Acesso Aberto de publicações científicas;
  • Combate às desigualdades e assimetrias da carreira.
Os participantes do 1º Painel “Os Desafios para os Jovens Doutores na Consolidação de suas Carreiras Acadêmicas”

Reconhecimento da pesquisa como atividade profissional

Outro documento lançado em 2023, o Dossiê Florestan Fernandes, organizado pela ANPG, aborda a situação profissional dos pós-graduandos no país. Uma das autoras do dossiê, a filósofa Cristiane Fairbanks, trouxe algum de seus resultados principais. “Um dos maiores problemas é que o pesquisador não é só um estudante, ele é um profissional estudante, seu trabalho é produzir ciência. É preciso compreender essa natureza híbrida”, disse.

Para Thaiane Moreira, pesquisar no Brasil não é tratado como profissão, mas como um “penduricalho” que se soma a diversas outras atribuições dos acadêmicos. Isso se reflete na inserção profissional e 70% dos doutores empregados atuam na área de educação. Esse padrão é muito característico do Brasil e bem diferente de países desenvolvidos, onde a maior parte dos doutores consegue entrar no setor privado. Por aqui, a falta de diálogo entre academia e indústria – e a própria falta de indústrias – contribui para um cenário estéril. Mesmo em áreas onde o país possui indústrias fortes, como no agro, o percentual de doutores no setor privado não passa de 30%.

De acordo com números trazidos pelo historiador Paulo Terra, especialista nas relações de trabalho brasileiras, o crescimento exponencial no doutoramento não foi acompanhado por um acréscimo no setor produtivo, o que levou à precarização. No século 21, o número de doutores formados por ano no país cresceu 466%, cinco vezes mais que a média dos países desenvolvidos. O reflexo desse aumento na competição foi que a remuneração de doutores no setor privado caiu 45% no mesmo período, muito acima da média nacional geral (6%).

“Nossa luta precisa ser para que a remuneração seja suficiente para que o mestrando e o doutorando possam realmente ter dedicação exclusiva. O dossiê mostrou que 57% deles já trabalham concomitantemente, mesmo com muitos programas não permitindo. A lei atual precisa se adequar à realidade de que a bolsa não está suficiente. A escolha por fazer ciência não pode ser um prejuízo pessoal para o pesquisador”, sumarizou Fairbanks.

Repatriação de Cérebros

Nas últimas semanas o CNPq anunciou um novo programa de repatriação de talentos que foi recebido com muitas críticas pela comunidade científica. O programa tenta atacar um grave problema da ciência brasileira, a fuga de cérebros para o exterior, mas seus críticos entendem que a medida é um esforço paliativo que não vai no cerne do problema. A ideia é atrair os cientistas com bolsas de até R$ 13 mil por mês, enquanto os pesquisadores que permaneceram no Brasil continuam sofrendo com falta de recursos. “Não sou contra a repatriação, de forma alguma, sou contra não ter reajuste para os pós-graduandos que ficaram por aqui”, sumarizou a presidente da ABC, Helena Nader.

Para a secretária de Políticas e Programas Estratégicos do MCTI, Márcia Barbosa, há uma confusão entre o financiamento contínuo e fomento à iniciativas pontuais. “As verbas para o programa de repatriação vêm do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que voltou a ser totalmente liberado ano passado depois de sete anos de contingenciamentos. Os programas no escopo do FNDCT têm um espírito da excepcionalidade, é algo estratégico, experimental, não é o mesmo dinheiro que vai para o ‘feijão com arroz’”, retrucou.

Mas para o afiliado Walter Beys da Silva, professor de biologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a falta de investimentos no ‘feijão com arroz’ faz com que o programa deixe a comunidade nacional em segundo plano. “Esperávamos mais desse governo, há uma escassez de bolsas do CNPq disponíveis em todas as fases. O modelo de alocação das bolsas, que considera Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade do programa de pós-graduação, é problemático e ainda não foi revisto. Enquanto isso, alocam-se tantos recursos em repatriação.”

Os participantes do painel “Desafios e Estratégias para a Absorção de Recém-Doutores no Mercado de Trabalho”

Percepção Pública e Comunicação Científica”

Saindo um pouco da realidade dos pesquisadores, o debate tomou contornos mais amplos e abordou também a percepção geral dos jovens sobre o campo científico. Membra do INCT Comunicação Pública de Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), a pesquisadora Vanessa Fagundes (UFMG) trouxe dados de levantamentos recentes que avaliaram esse cenário.

Dentre os números mais preocupantes, se avaliou que as redes sociais são a forma mais frequente que 81% dos jovens entre 15 e 24 anos brasileiros utilizam para se informar sobre ciência. “São justamente esses espaços onde eles ficam mais expostos ao negacionismo e à desinformação, por isso é importantíssimo que cientistas disputem as redes”, avaliou.

Mas para a comunicóloga Thaiane Moreira, esse trabalho precisa ser profissional. Ela criticou decretos recentes que restringiram contratação e alocação de pessoal de institutos e universidades federais em comunicação. “Não adianta um pesquisador individual criar uma página no Instagram e acabou. É preciso que as instituições emprestem sua força, tenham setores profissionais. Estamos lutando contra uma máquina de desinformação profissional, não podemos continuar de forma amadora.”

Outro dado preocupante levantado foi que o jovem brasileiro frequenta muito pouco espaços de divulgação, apenas 1% dos entrevistados afirmou ter ido a algum museu no ano anterior. Para a diretora de CT&I da ANPG, Priscila Duarte, é preciso investir em iniciativas que levem a ciência para estudantes de ensino médio. “Estudar uma ciência fechada, só conteúdo, sem enxergar o processo nem as aplicações na sua vida, desestimula. Precisamos de mais atividades práticas.”

Na mesma linha, a coordenadora de Popularização da Ciência e Tecnologia do MCTI, Luana Bonone, afirmou que a pasta está investindo em mais espaços de difusão científica nas escolas, bem como em mais atividades práticas e laboratoriais, inclusive com a concessão de bolsas para alunos e professores que escolherem se engajar nessas atividades. “Queremos fortalecer políticas já existentes, como semanas da ciência, olímpiadas, feiras e museus. A educação básica e média no Brasil ainda tem muito pouco contato com a ciência. Mas só isso não basta se quisermos atrair novos cientistas. É preciso dar perspectiva de futuro e, para isso, só valorizando a carreira.”

As participantes do painel “O Engajamento dos Jovens em CT&I”

Assista a parte da manhã da conferência:

Assista a parte da tarde da conferência:

Conferência Livre: Juventudes e Ciência!

No dia 25 de abril a Conferência Livre – Juventudes e Ciência, um evento on-line que discutirá estratégias para superar os desafios enfrentados pelos pesquisadores na área de Ciência, Tecnologia e Inovação.

 

Veja a programação:

09h | Os Desafios para os Jovens Doutores na Consolidação de suas Carreiras Acadêmicas

Mediador: Walter Beys (ABC)
Relator: Amurabi de Oliveira (ABC)

Apresentadores:

  • Ana Chies Santos (UFRGS)
  • Raquel Minardi (UFMG)
  • Thaiane Oliveira (UFF)
  • Helder Nakaya (USP)

 

11h | O Engajamento dos Jovens em CT&I

Mediadora: Thaiane Oliveira (ABC)
Relatora: Priscilla Olsen (ABC)

Apresentadores:Rodrigo Toniol

  • Priscila Duarte (ANPG e CNCTI)
  • Vanessa Fagundes (INCT, CPCT)
  • Luana Bonone (MCTI)

 

14h | Desafios e Estratégias para a Absorção de Recém-Doutores no Mercado de Trabalho

Mediador: Rodrigo Toniol (ABC)
Relator: José Rafael Bordin (ABC)

Apresentadores:

 

O evento tem apoio da Academia Brasileira de Ciências, da Associação Nacional dos Pós-Graduandos, do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação  (MCTI).

Sua participação é fundamental! 💡

Inscreva-se em https://bit.ly/abc_ciencias 

Assista em abc.org.br/transmissao

Conferência Livre do GT de Ensino Superior: 3ª e 4ª Sessões

01No dia 8 de abril a Academia Brasileira de Ciências (ABC) promoveu a Conferência Livre “Modernização da estrutura de ensino superior brasileira para o desenvolvimento socioeconômico sustentável”, organizada pelo grupo de trabalho sobre Ensino Superior Brasileiro da ABC. A reunião fez parte do calendário preparatório para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5ª CNCTI).

A primeira mesa da parte da tarde teve como tema a criação de centros de formação de recursos humanos em áreas estratégicas. A proposta do grupo é de seis áreas: Bioeconomia; Agricultura e Agronegócio; Transição Energética; Saúde e Bem-Estar; Transformação Digital e Materiais Avançados e Tecnologias Quânticas.

José Roberto Piqueira

O engenheiro e professor da Escola Politécnica da USP José Roberto Piqueira lembrou que a procura pela área de exatas vem encolhendo nas universidades e que, dos que ingressam, apenas 16% concluem a graduação. Para piorar o cenário, muitos desses empregos estão em áreas diferentes da formação original.

Para ele, o atual modelo das universidades é muito engessado e não engloba as diferenças regionais do Brasil, nem se esforça para integrar questões a realidade de um grupo cada vez mais diverso de alunos.  “Uma experiência que eu fazia em sala de aula foi agrupar alunos de diferentes origens socioeconômicas e pedir para que descrevessem a eletrificação de suas casas, isso mostrava a todos as diferenças sociais em infraestrutura”.

Mas não é apenas a engenharia elétrica que precisa dialogar com a realidade, praticamente qualquer área tecnológica disposta a desenvolver inovação precisa entender os problemas da sociedade. “Sabem por que o Brasil se desenvolveu tão rápido em automação bancária? Por causa da hiperinflação da década de 80. Se a transação não fosse rápida se perdia dinheiro, então os banqueiros trouxeram para si engenheiros de sistemas que criaram uma competência muito grande na área”, exemplificou.

O novo aprendizado deve ter amplitude, pois ninguém sabe o que os alunos vão precisar daqui a 50 anos. A interdisciplinaridade já se tornou um mantra, mas é preciso leva-la a sério, compreendendo quais as inquietações dos novos alunos e aceitando que estes são diferentes dos alunos de 20 anos atrás.  “Eu sou engenheiro, não é importante para mim saber falar sobre correntes filosóficas, mas é importante que eu saiba ouvir. Da mesma forma, para um historiador, não é importante que ele saiba construir uma ponte, mas é importante que ele saiba ouvir e compreender sobre esse processo”, finalizou.

Centros de Formação de Recursos Humanos em Áreas Estratégicas (CFEA)

Adalberto Fazzio

O físico e Acadêmico Adalberto Fazzio, diretor-fundador da Ilum Escola de Ciência, graduação integrada em ciências associada ao Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas, afirmou que o modelo de produção de ciência no século 21 precisa diminuir a ênfase na relação mestre-aprendiz, que ainda remete ao século 19. “O jovem precisa estar desde cedo num ambiente que estimule sua independência científica. Hoje em dia nossos alunos vão atingir essa independência muito tardiamente, após doutorados e pós-doutorados, já beirando os 40 anos”.

Fazzio lembrou que a ABC produziu uma série de documentos temáticos que servem como guias para introduzir os assuntos e também ajudaram a definir as áreas estratégicas. Ele reforçou que o país precisa ter áreas prioritárias. “Já conheci reitores cuja mentalidade para a divisão de recursos era dividir igualmente por todas as áreas. Não pode ser assim, é preciso entender as demandas de cada área e, sobretudo, é preciso definir quais são as prioridades. No Brasil temos uma dificuldade enorme em fazer escolhas”, avaliou.

A ideia dos CFEAs é justamente trabalhar em torno dos temas prioritários, trazendo grupos de pesquisa diversos para pesquisar com um olhar atento aos problemas da sociedade. É preciso entender quais são as demandas da indústria e superar o preconceito mútuo entre academia e setor privado. “Precisamos de centros com metas claras de desenvolvimento de inovação, não apenas inovação tecnológica mas novos modelos de negócio, estimulando startups”.

Para o bioquímico Jorge Almeida Guimarães, ex-presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), o foco deve ser a inovação, mas tendo em mente quem será beneficiado por ela. Ele lembrou que os pilares da inovação são a presença de talentos científicos, instituições qualificadas e empresas de ponta, além de investimentos do Estado e o incentivo à cultura do empreendedorismo pessoal – tudo isso, para algumas áreas pelo menos, o Brasil já tem.

O Acadêmico Jorge Almeida Guimarães participou de forma virtual

Os desafios estão justamente em fazer todos esses fatores dialogarem. Além da gigantesca burocracia estatal e dos imbróglios jurídicos e regulamentares com que pesquisadores precisam gastar tempo, é preciso superar a resistência empresarial à inovação aberta e nacional. “Precisamos reduzir o Custo Brasil e operar o modelo tripla-hélice – investimentos conjuntos de governo, universidade e empresa – em larga escala”, afirmou.

Para ele, o modelo dos CFEAs deve ser iniciado com chamadas públicas, desenhadas por agências de fomento, para selecionarem, à princípio, 15 grupos de pesquisa de comprovada liderança nas áreas. Esses grupos serão credenciados como CFEAs e vinculados à uma universidade sede, mas manterão certas autonomias. “Eles não podem ser engessados na estrutura da universidade, a autonomia precisa estar desde o planejamento de ações, na alocação de pessoal e recursos e na assinatura de contratos. O principal é ter autonomia decisória”.

Um novo ensino superior para a Amazônia

Adalberto Val

Durante a mesa final do evento, o biólogo e vice-presidente da ABC para a Região Norte, Adalberto Luis Val, defendeu que novos modelos precisam ser pensados, inclusive, como forma de superar um problema histórico da educação superior brasileira: a falta de interiorização. “A Amazônia segue com investimento muito baixo em capacitação. Dessa forma, segue sendo incapaz de gerar soluções robustas para as questoes ambientais e sociais, para a geração de uma bioeconomia. Estamos em 2024 e o conhecimento segue sendo gerado pela sociedade externa à Amazonia”, avaliou.

Isso gera contradições notáveis. A maior parte da produção científica sobre produtos florestais – como a castanha, o açaí, o cacau e peixes como o tambaqui e o pirarucu – acontece no exterior. Nenhum dos peixes amazônicos, tão importantes para a dieta da região, está inserido no mercado global, gerando dividendos para a região. Entretanto, algumas espécies, como o pacu-vermelho, já estão sendo criadas e vendidas por países asiáticos. “Por aqui essas cadeias de valor ainda estão no nascedouro. Uma bioeconomia forte depende de desvendar o conhecimento escondido na floresta”.

Mas essa produção ainda escorrega e a região sofre para fixar pesquisadores. Há uma divisão muito desigual entre as unidades de pesquisa na parte Atlântica e no interior do Brasil. “Há uma nova linha de Tordesilhas que separa onde se faz ciência de onde não se faz. Ainda em 2005, na época em que Jorge Guimarães presidiu a Capes, foi definido que todos os alunos matriculados em pós-graduações reconhecidas na Amazônia receberiam bolsa. O objetivo era fazer com que se fixassem, mas desde então avançamos pouco”.

Fator Tordesilhas – Mapas apresentados por Adalberto Val

Para Val, o novo Sistema Nacional de CT&I não deve ser pensado a partir de modelos homogeneizantes, muito pelo contrário, devem entender a diversidade como positiva e conectada às diferenças de cada sociedade. É preciso fomentar a colaboração e novas formas de organização de grupos de pesquisa, capacitando pessoal sempre com o olhar voltado à demanda da região.

“O dinamismo do mundo moderno não combina mais com a rigidez das áreas de conhecimento convencionais. Precisamos de um sistema mais flexível em que as instituições tenham autonomia de gestão, de aplicação de recursos e na definição de prioridades. Não basta mais publicar nas melhores revistas do mundo, é preciso contribuir com a sociedade”, finalizou o Acadêmico.

 


Acesse as notícias sobre as outras sessões do evento!

Conferência Livre do GT de Educação Superior: Primeira Sessão

Conferência Livre do GT de Educação Superior: Segunda Sessão

ABC sedia conferência sobre Ciência e Tecnologias Quânticas

A ABC sediou no dia 5 de abril, mais uma reunião preparatória para a 5ª Conferência Nacional de CT&I, dessa vez com o tema “Ciência e Tecnologias Quânticas”. Organizada pelas Fundações de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro e São Paulo (Faperj e Fapesp), o encontro foi realizado em dois dias, o primeiro na ABC e o segundo na sede da Fapesp, em São Paulo.

O mundo está passando por uma segunda onda de tecnologias quânticas e o Brasil precisa se preparar para não perder a janela de oportunidade de entrar no radar global. Mesmo com investimentos menores, o país tem uma comunidade qualificada de especialistas na área, mas segue atrás em inovação. “Precisamos criar uma Iniciativa Quântica Brasileira, com esforço interministerial. Países como EUA, Inglaterra e China já fizeram isso”, destacou Marcelo Terra Cunha, professor da Unicamp e um dos idealizadores da reunião.

Terra organizou a reunião junto co o ex-presidente da ABC Luiz Davidovich, cuja especialidade é a óptica quântica. Davidovich traçou um panorama do mercado de tecnologias quânticas no mundo, chamando a atenção para a ausência de empresas brasileiras. Assim como em outras áreas, na ciência quântica o Brasil sofre para transformar o conhecimento gerado em inovação. “Temos uma área acadêmica relevante, mas faltam empresas. Deveríamos nos preocupar sobretudo com a geração de startups. Não podemos ficar na segunda divisão desse jogo”.

A mesa de abertura do evento. Da esquerda para a direita: Marcelo Terra (Unicamp), Marcia Barbosa (MCTI), Luiz Davidovich (UFRJ), Jerson Lima (Faperj) e Fernando Rizzo (CGEE)

Na mesma linha, o professor Daniel Felinto, da UFPE, lembrou que há uma corrida tecnológica em curso na qual o Brasil deveria tomar parte. “Os computadores quânticos atuais já estão bastante desenvolvidos mas são bastantes diferentes entre si. É uma corrida maluca em que todos acham que estão em primeiro”.

A maior parte dos presentes na reunião eram físicos, mas o grande desafio é fazer a ciência quântica ir além da Física. É preciso atrair os engenheiros e programadores, com capacidade de gerar inovação. Para isso, foi sugerido que a área seja incluída nos currículos básicos das engenharias.

Para transpor o vale entre ciência e inovação, a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) escolheu o Senai-Cimatec, em Salvador, como centro de competência em tecnologias quânticas. A coordenadora do centro, Valéria da Silva, afirmou que o espaço busca não apenas formar cientistas capacitados, mas fornecer infraestrutura, assessoria e estudos de mercado para quem quer empreender. “Para ter demanda, é preciso que o empresário entenda como ele pode usar aquela tecnologia”

O professor Ivan Oliveira, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), afirmou que a instituição está construindo um laboratório nacional multiusuário para desenvolvimento de supercondutores quânticos, que deve entrar em funcionamento no fim de 2024. Ele defendeu que os chips quânticos são uma tecnologia quântica com grande capacidade de escalonamento e impacto.

Para Oliveira, o atual modelo de avaliação dos pesquisadores não combina com a área. “Tecnologias quânticas tem alto valor agregado, mas são investimentos de risco. Isso não combina com uma avaliação focada em número de artigos. Temos que aceitar que um trabalho pode dar errado, não produzir um artigo, e mesmo assim contribuir para o avanço do conhecimento”.

Assista ao evento na ABC:

ABC participa de reunião preparatória para a 5ª Conferência Nacional de CT&I

“O Brasil tem uma riqueza institucional fantástica, mas falta uma cooperação entre instituições e agentes que promovem a inovação no país”, ressaltou o vice-presidente da Fundação Getulio Vargas (FGV), Marcos Cintra, durante a abertura da Conferência Livre de CT&I: Políticas para Ciência, Tecnologia e Inovação com Base em Evidências, que ocorreu no dia 3 de abril em São Paulo. O evento reuniu membros do Sistema Nacional de CT&I com o objetivo de propor contribuições, com base em evidências, para a nova política do setor.

As propostas apresentadas durante esta Conferência Livre representam uma contribuição para elaborar uma Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI) no Brasil, e fazem parte da preparação para 5ª Conferência Nacional de CT&I, que ocorre de 4 a 6 de junho, em Brasília (DF).

Proposições para a governança das iniciativas na área de CT&I

O primeiro painel da Conferência debateu a Governança do Sistema de CT&I e a coordenação das iniciativas dos órgãos de fomento e agências de financiamento que atuam no setor. De acordo com o diretor da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Alvaro Prata, a ciência deve nortear todas as decisões nacionais na esfera executiva, apoiando ações nos diversos ministérios.

“Não dá para tomar uma decisão seja no meio ambiente, saúde, infraestrutura ou segurança pública, sem tomar como base a ciência”, disse Prata. O professor e ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) propôs uma reestruturação dos ministérios de forma a gerar mais centralidade às ações de Ciência, Tecnologia e Inovação com base no livro Ciência para Prosperidade, uma publicação da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii).

Alvaro Prata propôs ainda a criação de uma nova função – os Conselheiros Estratégicos em CT&I – para participar nos diferentes setores do Legislativo, Judiciário e, principalmente, Executivo. Neste sistema, cada Ministério teria a figura de um conselheiro estratégico em CT&I para atuar conjuntamente com o MCTI, garantindo que as decisões tomadas em diversos âmbitos sejam baseadas em evidências científicas.

Na sequência, a presidente da Academia Nacional de Medicina (ANM), Eliete Bouskela, alertou para a necessidade de as indústrias absorverem mestres e doutores, destacando a realidade de outros países. “Na Suécia, por exemplo, as indústrias costumam estar localizadas próximas às universidades para que possa haver um maior diálogo entre a universidade e a indústria”, destacou Bouskela, a primeira presidente mulher em 195 anos da ANM.

O professor emérito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Jorge Guimarães, acredita que é preciso reformular o modelo de ensino médio e superior no país a fim de ampliar a oferta de profissionais mais qualificados no mercado: “Também é preciso reorientar a missão dos Institutos Federais para atuar no ensino secundário e pós-secundário, além de articular parcerias com o sistema SENAI/SENAC com foco na formação complementar, e promover uma Reforma Universitária, talvez o desafio mais profundo”.

Guimarães foi seguido pelo presidente do Conselho Superior da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Marco Antonio Zago, que foi categórico ao afirmar que falta governança de CT&I no país. Zago defendeu que incrementar sistemas de CT&I estaduais e regionais pode melhorar esta situação e ressaltou a importância de conferências como essa organizada pela FGV para discutir esses temas.

“Esperamos que ao final desse ciclo que culminará na 5ª Conferência Nacional de CT&I, tenhamos novamente um plano estratégico para o país, com linhas prioritárias de ação, metas definidas e recursos reservados para sua execução. Este plano deve levar em conta a enorme diversidade regional de um país continental, para isso é essencial fortalecer as agendas estaduais e regionais de pesquisa para o desenvolvimento científico e tecnológico, com participação da comunidade acadêmica e empresas locais, com recursos federais e do estado combinados”, discursou o presidente da Fapesp.

Quem encerrou o painel foi o secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do estado de São Paulo, Vahan Agopyan, reiterando a necessidade de fortalecer ambientes de inovação e o apoio a empresas inovadoras, principalmente startups.

É possível assistir aos painéis desta Conferência, na íntegra, através deste link.

Para conferir as apresentações realizadas, e as respectivas proposições para a nova política de CT&I, basta clicar aqui.

Alvaro Prata, diretor da ABC (Foto: Divulgação FGV)

5ª Conferência Nacional de CTI: Ciência e Tecnologias Quânticas (RJ e SP)

Organização: Faperj e Fapesp
Apoio: Academia Brasileira de Ciências

Coordenação: Luiz Davidovich e Marcelo Terra Cunha
Comissão Organizadora: Antonio Zelaquett KhouryFelipe FanchiniGustavo Wiederhecker e Marcelo França Santos

As Conferências Temáticas se propõem a produzir um conjunto objetivo de recomendações para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para o adequado desenvolvimento da Ciência e das Tecnologias Quânticas em nosso país.

Além disso, visam engajar a sociedade brasileira na discussão sobre o impacto e a relevância das emergentes Tecnologias Quânticas, explorando questões estratégicas a elas relacionadas.

Nas duas datas, no Rio de Janeiro e em São Paulo, será apresentada uma breve introdução ao panorama atual das tecnologias quânticas no Brasil, seguida por uma discussão com especialistas convidados, com a participação ativa da comunidade.

Convidamos interessados a se inscreverem para participar tanto presencialmente, em cada uma das datas, quanto de forma remota. Encorajamos também a participação de empresas estabelecidas e startups interessadas em contribuir para o desenvolvimento das tecnologias quânticas. O documento a seguir é um bom ponto de partida:A Roadmap Towards Quantum Science and Technologies in Brazil (baixe gratuitamente!)


ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS | 05 DE ABRIL | 09h00 – 15h30


Rua Anfilófio de Carvalho, 29 / 3º andar, Centro, Rio de Janeiro, RJ
Inscrições (RJ – 05/04): https://fapesp.br/eventos/cttq/inscricao/rj

 
PROGRAMA
 
09h00 | Abertura
 
Márcia Barbosa (Secretária de Políticas e Programas Estratégicos do MCTI)
Jerson Lima (Presidente da Faperj)
Luiz Davidovich (UFRJ)
Marcelo Terra Cunha (Unicamp)
 
09h30 | Mesa 1: Estado da arte no Brasil e no mundo
(20 minutos por expositor)

Coordenadora: Márcia Barbosa (MCTI)

Debatedores:
Daniel Felinto (UFPE)
Ivan Oliveira (CBPF)
Carlos Monken (UFMG)
Liliana Sanz (UFU)

10h50 | Discussão com o público

 
11h30 | Intervalo para almoço
 
13h30 | Mesa 2: Transferência da pesquisa em ICTs para a sociedade
(20 minutos por expositor)
 
Coordenadora: Gabriela Lemos (UFRJ)

Debatedores:
Ado Jorio (UFMG)
Jefferson Gomes (Diretor de Inovação CNI)
Guilherme Temporão (PUC-Rio)
Valeria da Silva (Senai-Cimatec)

 
14h50 | Discussão com o público
 
15h30 | Considerações finais e encerramento
 
Grupos de Trabalho
 
15h45 | GT 1: Formação e Política Científica
 
Coordenador: Marcelo França (UFRJ)

Participantes:
Luiz Davidovich (UFRJ)
Daniel Felinto (UFPE)
Carlos Monken (UFMG)
Liliana Sanz (UFU)
Lucas Celeri (UFG)
Marcelo Terra Cunha (Unicamp)

 
15h45 | GT 2: Tecnologia e Inovação
 
Coordenador: Antonio Zelaquett Khoury (UFF)

Participantes:
Guilherme Temporão (PUC-Rio)
Ado Jório (UFMG)
Ivan Oliveira (CBPF)
Gabriela Lemos (UFRJ)
Valeria da Silva (Senai-Cimatec)


FAPESP | 08 DE ABRIL | 09h00-13h00


Rua Pio XI, 1500, São Paulo, SP
Inscrições (SP – 08/04):
https://fapesp.br/eventos/cttq/inscricao/sp

PROGRAMA
 
09h00 | Abertura
 
Fernando Menezes (Fapesp)
Marcelo Terra Cunha (Unicamp)
Gustavo Wiederhecker (Programa QuTIA-Fapeps e Unicamp)
 
09h30 | Mesa 1: O Brasil no Mapa das Tecnologias Quânticas
(10 minutos por debatedor)
 
Coordenadora: Márcia Barbosa (MCTI)

Debatedores:
Paulo Nussenzveig (USP)
Valeria da Silva (Senai-Cimatec)
Stephen Walborn (Universidad de Concepcion)

Relator: Roberto Serra (UFABC)

 
10h30 | Coffee break
 
11h00 | Mesa 2: Empresas de Tecnologias Quânticas

Coordenador: Eunézio Thoroh de Souza (Mackenzie)

Debatedores:
Paulina Assmann (Sequre Quantum)
Julio Oliveira (Hardware Innovation Technologies)
Flavio Cruz (IFGW-Unicamp)

Relator: Niklaus Wetter (IPEN)

 
11h30 | Discussão com o público
 
12h00 | Mesa 3: Formação de Competências Quânticas

Coordenador: Bárbara Amaral (USP)

Expositores:
Ben-Hur Borges (USP-São Carlos)
Daniel Motta (Senai-SP)
Felipe Fanchini (Unesp)
Olival Freire (CNPq)

Relator: Thiago Alegre (Unicamp)

 
12h40 | Discussão com o público
 
13h10 | Encerramento
 

Os eventos serão transmitidos pelo canais do Youtube Faperj e da Agência Fapesp.

Relações pessoais e presenciais podem resgatar o diálogo, diz psicanalista

*Matéria de Janes Rocha publicada no Jornal da Ciência

O resgate do diálogo na sociedade passa pela retomada das relações pessoais presenciais que, a despeito do aparente domínio das redes sociais e da influência de algoritmos, ainda são muito valorizadas. Essa é a visão do psicanalista Christian Dunker que, ao lado da matemática Tatiana Roque, debateram o tema “A cabeça está atrasada em relação à tecnologia?”, segundo painel da conferência livre “A contribuição das Ciências Humanas e das Humanidades para o desenvolvimento do Brasil”.

Promovido na terça-feira (26/3) pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o evento integra as atividades preparatórias para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5ª CNCTI), que o Governo Federal realiza em junho, em Brasília, para definir a Estratégia Nacional para o setor nos próximos dez anos.

O presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, questionou os participantes sobre como lidar – desde um ponto de vista mais filosófico e psicológico – com a perda de conexão entre os fatos e suas versões, que vêm levando ao descrédito da ciência. “O que temos hoje é um desentendimento sobre fatos básicos, não existe um acordo, por exemplo, se a Terra é plana ou redonda, nem sequer sobre resultados de votos, quais produtos estão aumentando de preço, quais não estão”, analisou Janine Ribeiro.

Professor titular do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), Dunker opinou que as pessoas precisam e valorizam cada vez mais os diálogos “não anônimos”, um dado que vem sendo apontado em pesquisas da área da psicanálise. “As pesquisas dizem isso: como você muda essas pessoas que parecem tomadas e possuídas? Por alguém que está próxima delas. É assim que a gente chega nelas. Não é por mais informação, domínio de mídia, mas por laços sociais e presenciais que ainda são muito valorizados”, afirmou.

Tatiana Roque argumentou que os fatos são mediados por valores que, inclusive, assumiram a frente da política. “Fatos não mudam a cabeça de ninguém, ou seja, se a pessoa acredita em uma coisa, não adianta, você pode metralhar fatos, ciência, o que for, ela não muda de opinião”, disse ela, que é secretária de Ciência e Tecnologia da cidade do Rio de Janeiro e professora titular do Instituto de Matemática da Universidade Federal do Estado (UFRJ).

Em sua exposição, Roque defendeu a importância da História da Ciência e da Filosofia da História para uma melhor compreensão do cenário atual. “Nesse momento em que a gente lida com negacionismo, com ataque e crise de confiança na ciência, não basta – como nós da comunidade científica fazemos – defender o poder da ciência, a verdade e as certezas. Acho que a gente tem que entender também como, ao longo da história, a ciência conseguiu servir de mediação para questões políticas e por que hoje é justamente esse poder de mediação que está sob ataque”, declarou.

O professor Janine Ribeiro, por sua vez, enfatizou a importância de termos referentes consensuados de dois tipos: um, os fatos, como o resultado das eleições, o preço dos alimentos; outro, alguns valores básicos, como o respeito à vida, o respeito à dignidade humana. E comentou que a falta de acordo sobre eles é o que permite o isolamento de grupos que não mais dialogam, sendo o diálogo uma condição básica não apenas para a democracia, mas para o próprio convívio humano.

Assista ao evento completo pelo canal da SBPC no Youtube:

Reunião na ABC abordou mobilidade, segurança e saúde urbana

A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Secretaria Municipal de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro organizaram, no dia 21 de março, a Conferência de Ciência, Tecnologia e Inovação sobre Cidades, como parte da preparação para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5ª CNCTI). “Este evento é uma oportunidade de pensarmos a interação entre a ciência e os problemas das cidades. É sobre como fazer as recomendações da ciência chegarem nos gestores”, afirmou a secretária de C&T do Rio de Janeiro, Tatiana Roque. A parte da tarde do encontro focou nas questões envolvendo mobilidade urbana, segurança pública e saúde.

Mobilidade urbana

Para falar sobre como inovações tecnológicas devem andar lado a lado com políticas sobre mobilidade foram convidados o professor de ciências da computação da Universidade Federal Fluminense (UFF) Luiz Satoru Ochi e a secretária municipal de transportes do Rio de Janeiro, Maína Celidônio. Ambos trouxeram exemplos da integração entre tecnologias de ponta e planejamento de transportes.

Satoru defendeu que os drones são uma alternativa viável para o futuro de diversas atividades, não só em mobilidade, mas também em outras áreas, como o monitoramento de desastres naturais. Eles podem, por exemplo, substituir as câmeras de monitoramento de escoamento, que ficam expostas e são furtadas com facilidade.

Mas o impacto maior da tecnologia é sem dúvida no transporte. O uso de drones para entregas e até mesmo para emergências médicas já é realidade em países ricos, ajudando a desafogar o trânsito. “Drones chegam mais rápido que ambulâncias, podendo levar aparelhos médicos em casos de mal súbito. Também já são muito utilizados para levar órgãos para transplante”, exemplificou.

Por sua vez, Maína Celidônio falou sobre a importância do GPS e das tecnologias de georreferenciamento na integração das linhas e pontos de ônibus da cidade, o que permitiu à prefeitura reativar 160 linhas e 650 pontos que haviam sido abandonados. “Sem nossos programadores jamais conseguiríamos fazer isso”, afirmou.

Segurança Pública

O tema, que é um problema crônico do Rio de Janeiro, foi abordado pelo professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ Michel Misse, autor de diversos livros sobre segurança pública. Ele enfatizou que a introdução de tecnologias na segurança é bem-vinda, mas não pode ser vista como um substituto à presença ativa do policial. Outra preocupação é o viés que certas tecnologias carregam, como a os softwares reconhecimento facial. “É um método que não pode nunca ser usado como prova única, precisa vir acompanhado de testemunhos”.

Outras tecnologias se mostram muito mais efetivas, mas sofrem resistência dentro das próprias corporações. É o caso da câmera corporal. “É um mecanismo fundamental e foi o principal responsável pela queda na letalidade policial em São Paulo. Foi uma experiência absolutamente bem-sucedida e, mesmo assim, estão conseguindo acabar com ela”, avaliou Misse.

O especialista destacou também que operações com alta letalidade em favelas são absolutamente inócuas e que a proibição de produtos com alta demanda, como drogas ou jogos de azar, são o principal motor do crime organizado. Essas visões já estão difundidas entre estudiosos do tema, mas estão longe de chegar na prática. “As polícias e demais forças de segurança estão entre os setores da administração pública que menos dialogam com a ciência”, concluiu.

Gulnar Azevedo (moderadora), Luna Arouca, Luiz Satoru, Maína Celidonio, Eduardo Marques, Michel Misse, Izabel Cristina dos Reis e Ana Maria Caetano (Foto: Ana Beatriz Macedo)

 

Urbanismo e acesso à cidadania em favelas

O professor do Departamento de Ciência Política da USP, Eduardo Leão Marques, diretor do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), enfatizou que as principais soluções em urbanismo não estão associadas à tecnologias de ponta, mas à “tecnologias públicas”, ou seja, instituições e políticas que funcionam.

Uma característica de quase todas as capitais brasileiras são as favelas. Essas comunidades sofrem com a precariedade habitacional, um problema muito heterogêneo que varia de lugar para lugar. Apesar disso, e ao contrário do senso comum, o Brasil é referência internacional em urbanização de favelas, com uma vasta experiência acumulada nas últimas décadas. “O Brasil conseguiu aplicar políticas de urbanização in situ, ou seja, levou infraestrutura para esses lugares deslocando o mínimo de moradores. Também tivemos sucesso na regularização do loteamento, assegurando o direito à propriedade dessas pessoas”.

De acordo com o IBGE, o Brasil tem atualmente 11.400 favelas onde vivem 16 milhões de pessoas. Para garantir cidadania à essa população, os sucessos precisam ser continuados e, para isso, o investimento precisa ser contínuo. “É uma obra que nunca acaba, pois se parar a tendência é regredir. O problema do Brasil é que nossas políticas são muito instáveis e descontinuadas. Eu defendo programas nacionais de capacitação técnica e disseminação de informação e, em alguns casos, combate à quem promove a precariedade”, salientou.

O Complexo de Favelas da Maré, no Rio de Janeiro, oferece alguns exemplos de sucesso no acesso aos serviços públicos. Esses resultados advêm de uma luta histórica da Rede de Desenvolvimento da Maré, que foi formada quando moradores das favelas começaram a acessar o ensino superior e atuar para mudar a realidade local. A cientista política Luna Arouca, coordenadora do Espaço Normal, núcleo de referência sobre drogas da Rede Maré, falou sobre esse trabalho. “Durante a pandemia, o trabalho da Rede Maré promoveu redes de apoio para que os moradores pudessem cumprir com o distanciamento social, isso fez com que o complexo tivesse uma mortalidade 48% menor do que outras favelas do Rio de Janeiro”, relatou. Posteriormente, a rede também promoveu uma campanha de imunização que vacinou 99% da população com a primeira dose, e 80% com a segunda. “Tem inovação, tem ciência e tem conhecimento sendo produzido junto à pessoas que, muitas vezes, não tiveram a oportunidade de fazer um ensino superior. A comunidade científica precisa reconhecer e valorizar isso”, concluiu Arouca.

Epidemias do presente e do futuro

O Brasil enfrenta atualmente uma epidemia de dengue. A bióloga Izabel Cristina dos Reis, especializada em entomologia médica pela Fiocruz, lembrou que doenças vetoriais tendem a crescer conforme os espaços urbanos substituem de forma descontrolada as áreas verdes. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 80% da população global vive exposta a algum tipo de zoonose vetorial, que causam a morte de 700 mil pessoas todos os anos ao redor do mundo;

A especialista destacou que, desde 2016, o Brasil já enfrentou pelo menos dez grandes epidemias vetoriais, principalmente de dengue, zika e chikungunya. Outro problema é a malária, que afeta principalmente populações vulneráveis e com pouco acesso à informação sobre manejo de vetores. “Minha experiência de campo mostrou que, quando a população entende porque e como controlar os mosquitos, as ações têm efeito”, destacou Izabel.

Na mesma linha, a pesquisadora Ana Maria Caetano de Faria, diretora de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, lembrou que a pandemia serviu de alerta para as zoonoses emergentes e que, com o atual ritmo de degradação ambiental, a tendência é que o surgimento de epidemias seja algo comum nas próximas décadas.

Para se preparar, o Brasil precisa deixar de ser dependente da importação de insumos e vacinas, gargalos absolutamente trágicos durante a crise sanitária. Para isso, o ministério está investindo no fortalecimento do complexo industrial da saúde e em redes de monitoramento genômico. “O acesso à saúde tem que ser uma prioridade do Estado, do contrário inovações médicas se tornam mais um fator de aumento na desigualdade social”, concluiu Faria.

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