A última sessão da Reunião Temática da 5ª CNCTI: Ciência Básica na Fronteira do Conhecimento, organizada pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) no âmbito da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, teve como tema a Saúde. O debate ocorreu na tarde do dia 6 de março na sede da ABC, no Rio de Janeiro.

Os palestrantes foram a epidemiologista Estela Aquino, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e com contribuições destacadas no tema saúde da mulher; o psiquiatra Jair Mari, coordenador da Seção de Saúde Mental Urbana da Associação Psiquiátrica Global (WPA, da sigla em inglês); e a epidemiologista Maria Inês Schmidt, especialista em doenças crônicas, sobretudo obesidade e diabetes. A mediação ficou por conta da Acadêmica Patricia Bozza.

Da esquerda para a direita: Estela Aquino, Jair Mari e Maria Inês Schmidt

Gênero, Ciência e Inovação em Saúde

Estela Aquino começou sua apresentação abordando a desigualdade de gênero no meio científico. Mulheres, de modo geral, publicam menos artigos, são menos citadas proporcionalmente e ocupam menos cargos de liderança científica. A pandemia de covid-19 agravou esse cenário. Além disso, durante a crise sanitária, os números mostram que as mulheres estiveram mais expostas ao patógeno, por serem as principais cuidadoras, e também ficaram mais vulneráveis à violência doméstica.

Nesse cenário, o Sistema Único de Saúde (SUS) se mostrou imprescindível na luta contra o coronavírus, mas ainda precisa ser fortalecido na perspectiva da igualdade de gênero em saúde. “Precisamos fortalecer o SUS para que ele possa retomar atividades que foram interrompidas durante a pandemia. A equidade precisa ser de gênero, mas precisa ser também de raça e de classe social. É preciso uma abordagem interseccional”, disse.

Desafios em saúde mental

Para Jair Mari, o Brasil melhorou muito no tratamento de saúde mental nos últimos 20 anos. Essa melhora se deu não apenas com o fechamento dos manicômios mas também na área da pesquisa, com cada vez mais estudos de coorte se proliferando. Esses estudos acompanham grupos de pessoa ao longo dos anos, e hoje alguns já alcançam duas décadas ininterruptas. Ele lembrou que transtornos psiquiátricos surgem de uma combinação de fatores genéticos e ambientais, sobretudo traumas ocorridos na infância. No Brasil, a pobreza e a vulnerabilidade social cumprem um papel decisivo para que o país tenha taxas piores de saúde mental do que em países desenvolvidos.

Para o pesquisador, a substituição dos manicômios pelos Centros de Atenção Psicossociais (CAPS) foi uma política muito moderna que colocou o Brasil em outro patamar de tratamento em saúde mental. Entretanto, ainda existem gargalos, sobretudo na disponibilidade de leitos para internação pacientes em crises agudas. “Precisamos de mais enfermarias psiquiátricas em hospitais gerais”, afirmou.

Outra sugestão foi uma maior integração entre o cuidado com a saúde mental e as escolas, através de programas voltados principalmente aos adolescentes, que são a faixa etária mais vulnerável a desenvolver transtornos que depois são carregados à vida adulta. Além disso, ele reforçou que a telesaúde é particularmente bem adaptada ao cuidado mental e deve ser reforçada. “Sobretudo, precisamos atacar as condicionantes ambientais que contribuem para o desenvolvimento de transtornos. Precisamos também de investimento, países desenvolvidos destinam cerca de 11% do orçamento da saúde para a saúde mental, no Brasil é apenas 2%”, concluiu.

Avanços rumo à equidade no tratamento de doenças crônicas

Maria Inês Schmidt abriu sua fala lembrando que doenças hoje curáveis, como câncer testicular, leucemia linfótica aguda e melanoma eram terminais poucas décadas atrás. Ela celebrou esses grandes avanços na medicina mas lembrou que estes ainda não estão disponíveis de forma equitativa. A diabetes exemplifica bem isso.

Com o advento do SUS e a disponibilização gratuita da insulina, o Brasil causou, da década de 90 em diante, uma queda vertiginosa na mortalidade por diabetes tipo 1. “Na década de 60 eu percebia entre os meus pacientes uma tendência grande à redução das doses tomadas devido ao custo da insulina, o que pode levar à cegueira, complicações renais e até a óbito. Isso parou de ocorrer”, afirmou.

Entretanto, barreiras ao acesso à insulina continuam de pé, sobretudo em países pobres, o que levou à Organização Mundial da Saúde (OMS) a traçar um plano de ação rumo à equidade na distribuição do medicamento. “O tratamento da diabetes é dispendioso e por toda a vida, por isso é um exemplo fundamental da importância do SUS, mesmo subfinanciado”, finalizou.

Assista ao debate completo:


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