Na manhã de 6 de março, a Reunião Temática da 5ª CNCTI: Ciência Básica na Fronteira do Conhecimento organizada pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), no âmbito da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, tratou do que Renato Janine Ribeiro, presidente da SBPC, chamou de “a questão crucial das ciências humanas na atualidade”.

A “dissolução do laço social” é uma expressão usada para explicar a crescente polarização e consequente crescimento do extremismo no Brasil e no mundo. A ascensão de uma nova onda de políticos radicais e profundamente enraizados nas redes sociais é talvez a face mais evidente do fenômeno, mas ele é percebido também na conduta das pessoas no cotidiano, no fechamento em grupos de pertencimento, que cada vez mais moldam nossas identidades.

A primeira mesa da sessão: Renato Janine Ribeiro, Helcio Trindade, Tatiana Roque e Sérgio Adorno

O cientista político e Acadêmico Helgio Trindade, ex-reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista em Integralismo, o primeiro grande movimento fascista brasileiro, afirmou que a nova extrema direita surgiu num ambiente de despolitização, em que os partidos políticos tradicionais perderam apelo. “Em todas essas ‘novas direitas’ está a ideia de que existe uma imposição cultural da esquerda nas mídias, a ideia do ‘marxismo cultural’ e também um foco muito forte na questão moral e da corrupção”, afirmou.

A secretária municipal de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, Tatiana Roque, pesquisadora da história da ciência, lembrou que essa nova força política responde à angústias muito presentes em alguns setores da sociedade, fruto de uma crise no modelo de bem-estar social. Citando trabalhos notórios dos economistas Thomas Piketty e Daron Acemoglu, ela afirmou que o campo progressista não conseguiu dar respostas às transformações profundas no mercado de trabalho que hoje se manifestam, por exemplo, na nova classe de trabalhadores de aplicativos. “A tecnologia hoje substitui mais empregos do que gera. Diferentemente do pós guerra, quando o percentual de riqueza apropriado pelos trabalhadores era de 70%, hoje é de apenas 30%”.

Outra característica crucial da dissolução do laço social é o crescimento da violência. O filósofo e Acadêmico Sérgio Adorno, dirigente do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), afirmou que a história do Brasil se confunde com a história da violência, que só passou a ser considerada uma questão pública com a redemocratização. Ele afirmou que um dos sintomas mais perigosos da polarização é a aceitação e normalização da violência, que se torna cada vez mais cruel. “Hoje em dia, se generalizou a ideia de que é moralmente aceitável defender a violência, a ideia de que há pessoas matáveis”, disse.

A segunda mesa da sessão: Marilene Correa, Renato Janine Ribeiro, Ruben Oliven, Mara Telles e Wilson Gomes

A socióloga Marilene Correa, ex-reitora da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), abordou o tema a partir da perspectiva da região amazônica. Para ela, a ruptura nos laços de nacionalidade foi mais grave entre os indígenas, que nunca foram considerados totalmente brasileiros. Ela lembrou que a crise de saúde nos povos Yanomami continua ocorrendo. “Nos últimos governos, se instituiu nas regionalidades da Amazônia uma verdadeira ideia de Anti-Brasil, que se expressa no fracasso de políticas públicas de décadas e faz surgir o pior do Brasil profundo”, afirmou.

O antropólogo e diretor da ABC Ruben Oliven (UFRGS) especialista em antropologia urbana e identidades, criticou em parte a ideia de dissolução do sentimento nacional, já que a nação sempre foi formada por grupos conflitantes. Ele trouxe a discussão das diferentes visões de civilização existentes e fez um apelo à moderação e não desumanização do outro. “A nação está longe de ser uma coisa pacífica, ela é marcada por conflitos e está sempre num equilíbrio instável. Precisamos pensar em como manter um diálogo civilizado entre os vários grupos”.

A cientista política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Mara Telles, especialista em campanha eleitoral e comunicação política, trouxe uma discussão sobre o negacionismo científico. O fenômeno se intensificou durante a pandemia e fez surgir tentativas de criar uma “outra” ciência, subordinada a interesses políticos e religiosos. “Negacionismos são estratégias que usam da desqualificação deliberada da ciência visando fins políticos, econômicos ou morais. No cenário da pandemia, o negacionismo estratégico do governo federal estimulou o negacionismo individual de seus apoiadores”, afirmou.

Finalmente, o filósofo Wilson Gomes (UFBA), especialista em comunicação política digital e participante ativo do debate público através das redes, trouxe sua visão de como essas novas mídias distorceram o diálogo de ideias tão fundamental à democracia. Através de algoritmos que priorizam conteúdos com apelo emocional, as redes sociais contribuíram decisivamente para a tribalização da sociedade e para uma guerra de todos contra todos, gerando ódio e o desaparecimento do centro como campo político. “Até dimensões da vida que não costumavam ser desafiadas estão sendo desafiadas. É como se os dois lados estivessem esperando que o outro lado vá se retirar, isso não vai acontecer. A democracia é a arte de negociar pequenos acordos”, finalizou.

Assista ao debate na íntegra:


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