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49º Webinário da ABC discutiu o sistema de saúde no pós-pandemia

Os participantes do 49º Webinário da ABC.

Continuando as discussões do webinário anterior, o 49º Webinário da ABC voltou a abordar as consequências a longo prazo da Covid-19. Com o tema “Planejando o sistema de saúde para prioridades pós-covid”, o evento foi realizado na terça feira, 23 de novembro, e reuniu importantes nomes da medicina brasileira.

Estudos apontam que 10 a 80% das pessoas que tiveram Covid-19 sintomática desenvolveram algum tipo de complicação posterior. As sequelas variam desde perda de olfato e paladar até depressão e AVC. O sistema de saúde brasileiro, que já teve de se adaptar à pandemia, terá que continuar se moldando para lidar com esses novos problemas.

Participaram do webinário a diretora-presidente do Hospital das Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Nadine Clausell, o ex-secretário de Saúde de Curitiba e ex-secretário Nacional de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Adriano Massuda e a diretora do Programa Global de Vigilância da Sobrevida em Câncer (Concord), Gulnar Mendonça. Inicialmente, também estava prevista a participação do ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão, que não pôde comparecer por questões de saúde.

A moderação do evento ficou por conta do presidente da ABC, Luiz Davidovich, e do membro titular Arnaldo Colombo.

Pandemia: impactos, lições e desafios

Nadine Clausell fez um balanço da atuação do Hospital das Clínicas de Porto Alegre durante a pandemia. Toda a infraestrutura hospitalar teve de ser adaptada para receber o fluxo de pacientes durante os momentos mais críticos. Em meio aos dados, um número traz esperança: o total de pacientes internados em CTI, que chegou a 180 no pico da doença, hoje é menor que 10.

O redirecionamento de esforços para a pandemia, infelizmente, teve custos em outras áreas. Clausell contou que cirurgias nunca pararam, mas que a fila para transplantes desacelerou. O tratamento de doenças cardiovasculares também foi muito afetado e reverteu uma tendência histórica de melhora nos indicadores brasileiros. “Toda essa demanda acumulada gerou perdas irreparáveis, muitas pessoas faleceram em casa sem conseguir internação. Outra consequência foi uma explosão de internações após as ondas da pandemia”, explicou a diretora do HCPA.

A palestrante trouxe o exemplo da insuficiência cardíaca, condição que é complicador para a Covid-19. “A insuficiência cardíaca gera muita reinternação, precisa de acompanhamento, o que diminuiu muito na pandemia. O resultado foi um aumento na mortalidade”. Clausell acredita que uma das formas de mitigar esse problema foi o teleatendimento. “Criamos novos manejos para o tratamento, avaliações remotas por imagem, com resultados positivos”, avaliou.

Para ela, essas novas práticas de atendimento vieram para ficar. Os ambulatórios híbridos criados na pandemia devem permanecer e o HCPA tem meta de manter pelo menos 20% das consultas no formato virtual. O aplicativo Meu Clínicas, criado para o monitoramento de pacientes durante a pandemia, foi outro acerto que deve se consolidar. “O enfrentamento da pandemia foi um desafio, mas trouxe muita inovação”, finalizou Clausell.

Resiliência do Sistema Único de Saúde

Adriano Massuda começou explicando o conceito de resiliência dos sistemas de saúde e as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) nesse sentido. O caminho passa pelo fortalecimento da saúde básica, preparação e identificação de crises e gestão de risco. Passa também pelo investimento perene em educação e pesquisa e pelo combate às desigualdades inerentes do sistema.

Massuda defendeu o formato do Sistema Único de Saúde (SUS), que foi crucial para o enfrentamento a pandemia no país. “O Brasil é um dos únicos países que descentralizaram a saúde para o nível municipal. O SUS é um importante passo rumo a uma saúde universal”, avaliou.

Entretanto, essa abordagem regionalizada gera lacunas quando falta coordenação central. Problemas como governanças locais frágeis, financiamento insuficiente e má alocação de recursos contribuíram para um agravamento das desigualdades regionais. O problema da demanda reprimida foi ainda maior nas regiões menos desenvolvidas do país. “A falta de um plano nacional pulverizou os esforços. Sem uma orientação geral, cada município criava a sua resposta. Isso gerou um ciclo reativo, com erros que se repetiram”, explicou Massuda.

Para o palestrante, o problema mais urgente da saúde brasileira é a austeridade fiscal. Foram apresentados dados que indicam uma relação entre o congelamento dos gastos públicos em 2017 e a piora de diversos marcadores, como a mortalidade infantil. “O teto de gastos ameaça avanços históricos e contribui para o aprofundamento da inequidade”.

Os desafios para prevenção e assistência ao câncer

No tratamento do câncer, a velocidade da resposta é fundamental para a sobrevivência. Gulnar Mendonça, diretora do Concord, programa global de monitoramento da sobrevida de pessoas com câncer, avalia que a pandemia piorou muito o acompanhamento dos casos no Brasil, com queda brusca nos diagnósticos.

Os marcadores brasileiros para a doença ainda refletem as desigualdades regionais. No mundo inteiro, a melhora nos números da doença está sempre associada a prevenção. “O câncer de colo de útero, muito associado à pobreza por causa da capacidade de prevenção com acompanhamento, decresce em todo o Brasil – menos no interior da região Norte”, exemplificou a palestrante.

O Concord avalia que 42% das mortes por câncer no Brasil poderiam ser prevenidas. “A sobrevida no câncer é fortemente influenciada por fatores socioeconômicos. No caso brasileiro, também existe um recorte racial muito explícito”, explicou Gulnar Mendonça.

Debate

Terminadas as apresentações, o espaço foi aberto para perguntas e discussões entre o público e os palestrantes. Os temas abordados giraram em torno da gestão de crises e do fortalecimento do SUS.

Gestão de crises

Nadine Clausell relatou que o HCPA já possui um grupo de planejamento para catástrofes. Criado em 2013 por conta da tragédia na boate Kiss, o grupo, formado por médicos do hospital, planeja a alocação de áreas e recursos do HCPA de modo que estejam preparados em caso de nova crise.

Para Clausell, essa resposta coordenada permitiu, entre outras coisas, que a taxa de contaminação do HCPA ficasse abaixo da média nacional. Segundo ela, “a estrutura do sistema de saúde precisa ser, ao mesmo tempo, forte e maleável, capaz de se adaptar a diferentes cenários”.

Fortalecimento do SUS

Os três palestrantes foram unânimes na defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) como o melhor esforço pela universalização da saúde no Brasil. Adriano Massuda considera que a soberania nacional na área está sendo dilapidada, com o país cada vez mais dependente da importação de insumos para medicamentos. “É preciso investir também em transferência de tecnologia e para isso é preciso ter financiamento de longo prazo”, ressaltou.

Massuda acredita também ser necessário restaurar a autoridade do Ministério da Saúde. A coordenação central é necessária para integrar o sistema no pós-Covid, implementando inovações como o teleatendimento e fortalecendo a saúde básica. “O Brasil enfrentou a pandemia com a pior coordenação possível do Ministério da Saúde, isso não pode se repetir”.

Gulnar Mendonça afirmou que o país precisa ir atrás dos diagnósticos que deixaram de ser feitos durante a pandemia e acredita que o SUS é a ferramenta para isso. “O SUS é a melhor forma de atender a população. O Brasil precisa do SUS”.

 

Assista ao webinário na íntegra pelo canal da ABC no YouTube.

Planejando o sistema de saúde para prioridades pós-Covid

Webinários da ABC | Ed.49
PLANEJANDO O SISTEMA DE SAÚDE PARA PRIORIDADES PÓS-COVID
Dia 23 de novembro, 3ª feira, 16h (GMT-3)

Os impactos da Covid-19 sobre os sistemas de saúde têm sido imensos.  Agora que estamos vivenciando um novo momento epidemiológico da pandemia, há tempo para que gestores de saúde organizem as ações necessárias para acolher as demandas relacionadas à Covid  longa e suas sequelas, assim como ao atendimento represado a pacientes portadores de doenças degenerativas e neoplásicas que deixaram de ser avaliados e atendidos ao longo do periodo crítico da pandemia. 

Para debater esses temas, a Academia Brasileira de Ciências convidou:

Adriano Massuda, José Gomes Temporão, Gulnar Mendonça e Nadine Clausell
  • Adriano Massuda (FGV)

Médico sanitarista e professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas ((FGV/EAESP) e pesquisador do FGV-Saúde. Foi secretário de Saúde de Curitiba e secretário Nacional de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde. Fez mestrado e doutorado em saúde coletiva na Unicamp.

  • José Gomes Temporão (Fiocruz)

Médico sanitarista, pesquisador da Fiocruz. Doutor em medicina social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e mestre em saúde pública pela Fiocruz. Membro titular da Academia Nacional de Medicina. Foi ministro da Saúde entre 2007 e 2011.

  • Gulnar Azevedo e Silva Mendonça (Uerj)

Médica, professora titular do Instituto de Medicina Social Hesio Cordeiro da Uerj. Tem mestrado em saúde coletiva pela Uerj e doutorado em medicina pela Universidade de São Paulo (USP). Integra a Diretoria do Programa Global de Vigilância da Sobrevida em Câncer (Concord).

  • Nadine Clausell (UFRGS)

Professora titular do Departamento de Medicina Interna da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e diretora-presidente do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Doutorada em ciências cardiovasculares pela Universidade de Toronto, no Canadá.

Os moderadores serão o presidente da ABC, Luiz Davidovich, e o Acadêmico Arnaldo Colombo.


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48º Webinário da ABC abordou sequelas da COVID-19

Desde o início da pandemia de Covid-19, a ciência vem constantemente se surpreendendo com a variedade de órgãos e sistemas do nosso corpo que a doença é capaz de afetar e deixar sequelas. Perda de olfato e paladar, queda de cabelo, fadiga e dores de cabeça crônicas, dificuldades respiratórias e até mesmo depressão são alguns exemplos de complicações que podem persistir mesmo meses após a infecção.

Para debater esse assunto, a Academia Brasileira de Ciências organizou a 48ª edição dos Webinários da ABC com o tema “Complicações pós-Covid: Alerta ao sistema de saúde”. Foram convidados os médicos Margareth Dalcolmo, pneumologista e pesquisadora da Fiocruz, Mário Saad, endocrinologista e professor do Departamento de Clínica Médica da Unicamp e Flavio Kapczinski, psiquiatra e pesquisador da UFRGS.

A moderação ficou a cargo do membro titular da ABC, Arnaldo Colombo.

Margareth Dalcolmo

O que aprendemos e o que esperamos no pós-Covid

Quando a Covid-19 surgiu, a primeira impressão foi de que se tratava de uma doença exclusivamente respiratória, caracterizada por uma infecção com grande carga viral inicial, que poderia evoluir para inflamações pulmonares, levando a um quadro de síndrome respiratória grave. Com o passar do tempo, esse cenário foi se complexificando. “Rapidamente entendemos que todos esses modelos eram ultrasimplificações, a doença está longe de ser linear”, afirma Margareth Dalcolmo, e complementa, “hoje sabemos que não é uma pneumonia, mas uma doença da microcirculação”.

Dalcomo citou um estudo publicado na Lancet que demonstra que 80% das pessoas que enfrentaram a forma grave da Covid-19 tiveram algum tipo de complicação posterior. Desse grupo, 58% relataram fadiga crônica e 44% dores de cabeça, mas os sintomas são inúmeros e tratados por diversas áreas da medicina. “Tratam-se de distúrbios vasculares, neurológicos, endócrinos e muitos outros. É urgente que hospitais e universidades entendam esse como um desafio transdisciplinar”, avalia.

Falando especificamente do sistema respiratório, a pesquisadora ressaltou o problema das fibroses pulmonares, desenvolvidas por diversos pacientes que ficaram internados por muito tempo. Essas lesões ocorrem por alguns fatores, sendo que um deles é a utilização de corticosteroides durante o tratamento, que são necessários, porém bastante agressivos. Outro fator de risco muito significativo é a obesidade, que foi explorada mais a fundo por Mário Saad.

Mario Saad

Complicações pós-Covid: Diabetes e obesidade

Dentre os fatores de risco na infecção pelo novo coronavírus, dois dos que mais influenciam no desenvolvimento da forma grave são a obesidade e a diabetes. Nas palavras de Mario Saad, “existe uma relação bidirecional entre a Covid-19 e essas condições, um aumenta a gravidade do outro”.

Um dos problemas é a resistência à insulina. A Covid-19 altera vias metabólicas que levam a essa resistência, como a modificação das células beta, da mesma forma como ocorre na diabetes. “O agravamento da Covid em obesos e diabéticos são muito mais frequentes porque muitos dos sintomas e distúrbios gerados pela doença já estavam presentes nessas pessoas e se agravaram”, explicou Saad.

Apesar da resistência mais alta à insulina, muitos obesos não são diabéticos, por conta da capacidade do corpo de compensar esse problema secretando mais insulina. Entretanto, verificou-se que o novo coronavírus também pode desequilibrar essa produção, levando ao desenvolvimento da diabetes. De acordo com Saad, “durante a pandemia avançamos muito no conhecimento da diabetes, inclusive entendendo melhor o papel da inflamação, porque era possível observar a evolução dessa doença em um período muito mais curto de tempo, gerando até novos tipos de diabetes”.

O palestrante deixou um alerta. “Vivemos uma epidemia de Covid-19 e viveremos outra de síndromes pós-Covid. É fundamental aumentar o investimento em pesquisas translacionais, pois ainda conhecemos muito pouco das diversas complicações”.

Flavio Kapczinski

Síndromes psiquiátricas pós-Covid

Uma das descobertas mais surpreendentes durante a pandemia foi a relação entre a doença e o desenvolvimento de problemas psiquiátricos. Muitas pessoas sem quaisquer condições pré-existentes ou que tiveram a forma leve da doença vieram a desenvolver transtornos como ansiedade, depressão, insônia, estresse pós-traumático, névoa mental e até mesmo hemorragias intracranianas, AVCs e demência.

Segundo Flavio Kapczinski, hoje em dia já sabemos que esses quadros estão associados a respostas inflamatórias no sistema neuroencefálico. “No cérebro, a Covid-19 afeta, principalmente, a substância branca. É uma questão glial e não neuronal”, destacou o pesquisador.

O palestrante apresentou algumas das vias pelas quais esses processos ocorrem, destacando que os transtornos psiquiátricos que a doença gera podem piorar nos meses após a infecção, desencadeaando problemas ainda maiores. “O período pós-Covid tem mostrado uma propensão da evolução de problemas psiquiátricos para doenças neurodegenerativas e demência”, alertou.

Assim como na diabetes, Kapczinski também chamou atenção para os avanços que a neurociência teve durante a pandemia. “Já especulávamos que os distúrbios de humor tinham base inflamatória. AnCovid-19 confirmou isso e nos fez entender melhor a neuroprogressão”, finalizou.

Após as apresentações, o espaço foi aberto para perguntas do público e dos próprios palestrantes.

Novos tratamentos

A pesquisadora Margareth Dalcolmo fez um panorama dos vários tratamentos já cogitados para a doença, enfatizando aqueles que aparentaram ser mais promissores. Ela revelou também que já existem algumas pesquisas avançadas no desenvolvimento de antivirais específicos para o Sars-Cov-2, que poderiam auxiliar no tratamento das formas leves.

“Existem fenômenos muito pouco relevantes do ponto de vista clínico – perda de olfato e paladar, queda de cabelo – que podem afetar seriamente a qualidade de vida das pessoas. Novos medicamentos podem ajudar nesses casos”, avaliou Dalcolmo.

Fatores sociais da obesidade

Mario Saad fez um breve histórico da obesidade no Brasil e no mundo, destacando que esse é um problema que aumentou muito nas últimas décadas e para o qual existe um forte fator socioeconômico. “A cinquenta anos atrás, as camadas populares sofriam muito mais com a desnutrição. Hoje em dia a obesidade é proeminente. Isso se deve a dificuldade de se manter uma alimentação balanceada e exercícios físicos nessas condições”, explicou.

Para ele, o país deveria considerar políticas públicas que combatam o sedentarismo e possibilitem o acesso a legumes e verduras. “Na Unicamp, por exemplo, existem grupos de medicina coletiva com projetos de hortas coletivas nas periferias, que facilitam enormemente o acesso a alimentos saudáveis para essas pessoas”.

Outro fator que contribui para o sedentarismo é o home-office. “Sem os deslocamentos habituais, estima-se que reduzimos, em média, metade dos passos dados em um dia”, explicou Saad, “para balancear isso, o volume de exercícios físicos necessários aumenta”.

O pesquisador fez ainda um alerta final: “Pessoas maiores de 30 anos devem realizar avaliações cardiovasculares preventivas”.

Novos modelos de tratamento psiquiátrico

Falando sobre o tratamento psicológico remoto durante a pandemia, Flávio Kapczinski avaliou a experiência como positiva, apesar de ainda existir certa resistência dentro da comunidade médica. Para ele, a tecnologia é uma aliada importante, não só nas consultas, mas na orientação dos pacientes sobre qual o melhor tratamento a se procurar. “O primeiro passo é sempre identificar se existem sequelas neurodegenerativas, para depois encaminhar as pessoas para tratamentos psiquiátricos ou neurológicos”, explicou.

Para o pesquisador, a pandemia afetou diretamente o estilo de vida das pessoas. “Isso se reflete na disponibilidade para exercícios físicos, nas relações de trabalho e familiares”. No Brasil, a incidência de complicações psiquiátricas pela Covid-19 foi ainda maior que em outros países, o que se deve, segundo Kapczinski, a uma “fraca rede de suporte para a maior parte da população, em todos os níveis”.

Por último, destacou também a necessidade de entendermos as doenças psiquiátricas pelo que de fato são – doenças. “Uma forte inflamação microglial, como ocorre na Covid-19, pode levar até dois anos para recuperar. Precisamos dar tempo para as pessoas afetadas, entendendo que esses são problemas clínicos muito sérios”, finalizou.

Confira o webinário na íntegra no canal da ABC no YouTube.

Núcleo de Estudos coordenado pelo Acadêmico Renato Cordeiro promove webinário

No dia 3 de novembro, 4ª feira, ocorrerá mais uma atividade promovida pelo Núcleo de Estudos Avançados do Instituto Oswaldo Cruz (IOC). O tema da vez será “Amazônia, Fraturas Ambientais e Sobrevivência”.

Com moderação do Acadêmico Renato Cordeiro e de Maria de Lourdes Oliveira, o debate contará com a presença dos também Acadêmicos Mercedes Bustamante, Philip Fearnside, além do pesquisador Paulo Basta e da jornalista Eliane Brum.

O evento será online e gratuito, às 14 horas, com transmissão pelo canal do IOC no YouTube.

 

Transformando pesquisa em terapias eficazes

Webinários da ABC, Ed.47
TRANSFORMANDO PESQUISA EM TERAPIAS EFICAZES
26 de outubro, 3ª feira, 16h (GMT-3)

Da bancada do laboratório nas instiuições de pesquisa até a prateleira das farmácias ou à aplicação clínica. Este é um longo processo percorrido por pesquisadores e outros especialistas que se envolvem com a medicina translacional e querem materializar seus conhecimentos em favor da população em geral.

Para discutir esse tema tão importante para a sociedade e apresentar exemplos práticos, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) convidou:

Protásio Lemos da Luz, Fernanda De Felice e Diogo Onofre de Souza

 

  • Protásio Lemos da Luz (InCor)

“Exemplos práticos de medicina translacional”

Professor titular sênior do Instituto do Coração (InCor) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e presidente da Associação Brasileira de Cardiologia Translacional. Médico pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com especialização em cardiologia pela USP e pós-doutorado em critical care medicine pela Universidade da Califórnia do Sul (EUA). É membro titular da Academia Brasileira de Ciências. 

  • Fernanda De Felice (UFRJ/Idor)

Doença de Alzheimer, hormônios e exercício físico”

Professora associada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e cientista colaboradora do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino. Bióloga, com mestrado e doutorado em química biológica pela UFRJ e pós-doutorado em neurobiologia da doença de Alzheimer pela Northwestern University (EUA). Foi membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências de 2008 a 2013.

  •  Diogo Onofre de Souza (UFRGS)

“A descoberta científica não é propriedade de quem descobre, é patrimônio da humanidade”

Médico e pesquisador em bioquímica na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre e doutor em neurociência pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com pós doutorado na Universidade de Londres (Reino Unido). Liderou a criação de uma pós-graduação em educação em ciências na UFRGS, tendo sido seu primeiro coordenador. É membro titular da Academia Brasileira de Ciências.

Os moderadores serão o presidente da ABC, Luiz Davidovich (UFRJ), e o diretor Francisco Laurindo (USP).


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Comunicação científica é tema de 45º Webinário da ABC

Os participantes do 45º Webinário da ABC.: Débora Foguel, Aline Ghilardi, Yurij Castelfranchi, Luiz Davidovich e Herton Escobar.

No dia 14 de setembro ocorreu a 45ª edição dos Webinários da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e o tema não poderia ser mais atual, “Comunicação científica: Como falar mais alto do que a desinformação”. A mediação ficou por conta da Acadêmica Débora Foguel e do presidente da ABC, Luiz Davidovich.

A pandemia da Covid-19 deu à ciência uma notoriedade até então inédita no debate público. Entretanto, a demanda gigantesca por informações abriu espaço para a difusão de notícias falsas, que dificultaram muito o diálogo com a sociedade.

Para debater esse tema foram convidados o jornalista especializado em ciência Herton Escobar, ex-repórter do Estado de São Paulo, atualmente no Jornal da USP; a paleontóloga Aline Ghilardi, criadora da rede de divulgação científica “Colecionadores de Ossos”; e o sociólogo Yurij Castelfranchi, pesquisador do Instituto Nacional para Comunicação Pública da C&T (INCT-CPCT).

Universidades: comunicação científica de alto nível e alto impacto

O papel das instituições de pesquisa na comunicação científica foi o foco central das falas de Herton Escobar. O jornalista avaliou que profissionais especializados ainda são raros na cobertura de ciência brasileira, algo que se agravou com o encolhimento das redações de jornais tradicionais.

Nesse cenário, abriu-se um nicho de atuação na difusão da pesquisa científica para a população que, se não ocupado por cientistas e instituições qualificadas, pode dar espaço para grupos organizados difusores de fake news. “Temos esse grande buraco na comunicação com a sociedade, que vai ser preenchido por alguém. As instituições e comunidade científica devem lutar por esse espaço contra os propagadores de desinformação”, explicou.

Foi analisado o caso do Jornal da USP, veículo pioneiro de difusão dos trabalhos feitos dentro da universidade. Organizado nos moldes de noticiários tradicionais, o Jornal da USP conta com mais de 70 profissionais especializados, em sua maioria jornalistas, e mantém diálogo próximo com os grandes veículos de imprensa nacionais.

Herton defendeu que outras universidades sigam o exemplo e invistam em veículos próprios. “As instituições precisam entender a comunicação científica como um investimento, que traz retornos para a sociedade e para a própria instituição”, sumarizou.

Divulgação científica nas redes sociais

Aline Ghilardi é divulgadora ativa de ciência nas redes. Criadora do canal do YouTube “Colecionadores de Ossos”, ela conta que os dinossauros – foco de seus estudos – ajudam a atrair público. Ela reforço a importância de temas populares como introdução das pessoas ao conhecimento científico.

Ghilardi reconhece que fazer boa divulgação é trabalhoso e requer uma compreensão aprofundada do público e dos meios de comunicação. “Não basta dominar o conteúdo, mas todas as etapas de produção e edição para criar conteúdo de qualidade; portanto, é importante para o cientista criar vínculos e formar equipes”, apontou a paleontóloga.

Uma forma de acelerar esse processo, de acordo com a palestrante, são os núcleos de divulgação, que buscam conectar divulgadores e fornecer um selo de confiabilidade ao conteúdo vinculado. “Muitas dessas iniciativas são institucionais: universidades e institutos de pesquisa que compartilham o trabalho de sua comunidade acadêmica, ao mesmo tempo em que fornecem suporte aos profissionais que resolveram trilhar o caminho da divulgação científica”, apontou.

Por fim, ela lembrou que “quem deve comunicar é quem tem habilidade”. Ela reconheceu que nem sempre ter conhecimento é suficiente para ser um bom comunicador. “Seja cientista ou jornalista, professor ou aluno, todo mundo pode participar desse diálogo e quem acredita ter potencial para fazer boa divulgação deve ser incentivado a se aprimorar na área”.

Erros e acertos na divulgação científica

Yurij Castelfranchi reforçou que o bom divulgador deve ter objetivos claros, conhecer seu público e dominar tecnicamente as mídias escolhidas. O sociólogo e pesquisador da comunicação científica alertou para a armadilha da simplificação que, se exagerada, pode assumir um tom paternalista e infantilizar a audiência.

O sociólogo e físico trouxe para o debate uma importante reflexão sobre linguagem. “Conceitos científicos são difíceis de traduzir justamente por representarem ideias complexas que carecem de explicação. Muitas vezes o problema não é o termo técnico, mas o restante das palavras que complica inutilmente a compreensão”, disse, citando o exemplo da palavra “entidade”, que é facilmente substituível e pode significar coisas muito diversas, dependendo do ouvinte.

Essa falta de domínio retórico não se restringe a escolha de palavras, mas a toda a prática comunicativa. Muitos enxergam a comunicação como uma via de mão única, quando na verdade é  um processo de troca e conexão com o público. “É preciso ter humildade para entender que o relevante para si pode não ser relevante para seu espectador, é preciso balancear essa demanda. A boa comunicação é feita coletivamente”, sumarizou o pesquisador do Instituto Nacional para Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT).

O pesquisador lembrou também do problema da desinformação, tão relevante atualmente. “O divulgador de ciência deve ter especial cuidado para não reproduzir inverdades, sobretudo quando fala sobre temas que não são a sua especialidade. Essa situação é comum na divulgação, pois o público tende a preferir temas amplos e transdisciplinares e, por isso, é preciso colaborar com outros cientistas”, apontou Castelfranchi.

“A desinformação, atualmente, não é fruto da ignorância, mas é fabricada por grupos organizados, que pretendem tumultuar o debate público”, finalizou.

Terminadas as apresentações, foi aberto espaço para debate com participação do público.

Alfabetização científica

Um tema abordado foi a necessidade de apresentar a ciência para as crianças desde cedo. Os palestrantes afirmaram que a alfabetização em ciência no Brasil ainda é insuficiente e isso cria um desafio grande para os divulgadores ao falar com a população.

Uma das formas de se levar o conhecimento às crianças de forma eficiente é possibilitar que sejam protagonistas na divulgação. “Esse trabalho é mais difícil, requer acompanhamento e orientação dos jovens, bem como cuidados legais no uso de suas imagens. Porém, se bem executado, têm grandes chances de criar vínculo entre o público alvo e o conteúdo, pela identificação e representatividade que gera”, afirmou Aline  Ghilardi.

Negacionismo

Sobre o crescimento do negacionismo, Castefranchi ressaltou que esse é um problema fundamentalmente político. “Não se trata apenas de injetar mais informação de qualidade no ecossistema da comunicação, mas entender que grupos negacionistas fornecem a seus membros uma identidade e pertencimento que não são facilmente quebrados”, ressaltou. Esses vínculos são diferentes de acordo com o tema. Segundo o palestrante, pesquisas indicam que a negação das vacinas é mais influenciada por fatores socioculturais, ao passo que a negação das mudanças climáticas é mais fortemente ligada a posições políticas.

O pertencimento de grupo pode ser usado a favor do conhecimento, e, da mesma forma que pessoas se reúnem em torno de pautas anticiência, esse sentimento pode ser estimulado entre os seguidores de determinado divulgador científico, por exemplo. Entretanto, Castelfranchi alertou que o negacionismo extremo é, muitas vezes, inalcançável pela comunicação científica, e que para combatê-lo resta apenas a regulação mais efetiva do conteúdo vinculado nas redes.

Instituições e divulgação

Tratando do crescimento da comunicação científica nos últimos anos, os palestrantes destacaram que esse é um fenômeno que veio para ficar e que foi bastante enfatizado durante a pandemia. Ghilardi e Escobar alertaram para o preconceito que muitos cientistas ainda sofrem por fazerem divulgação e para o papel ainda negligenciado da extensão no currículo universitário.

Os palestrantes reforçaram que nem todo cientista tem talento para a comunicação, mas aqueles que decidirem se aventurar na área devem receber todo o suporte institucional necessário. “É compreensível que essa não seja uma prioridade numa época de estrangulamento orçamentário, mas deve estar no radar. É preciso estimular cientistas a divulgarem seu trabalho não por meio da cobrança, mas por incentivos”, destacou Escobar.

Confira o webinário na íntegra pelo canal da ABC no YouTube.

IOC promoveu debate sobre o papel do jornalismo científico na pandemia

Participantes e ouvintes participam de bate-papo ao fim do webinário “COVID-19, Jornalismo Científico, Negacionismo e Democracia”.

O Núcleo de Estudos Avançados do Instituto Oswaldo Cruz promoveu, em 18 de agosto, o webinário “COVID-19, Jornalismo Científico, Negacionismo e Democracia”. Sob coordenação do membro titular da ABC Renato Cordeiro e da pesquisadora Maria de Lourdes A. Oliveira, o evento reuniu repórteres e colunistas das áreas de ciência, saúde e meio ambiente de grandes jornais do país, como O Globo, Estado de São Paulo e El País Brasil, além de contar com a presença de pesquisadores e professores de universidades federais. O evento foi também uma homenagem ao jornalista de ciência Mauricio Tuffani, morto em maio de 2021. 

Cordeiro abriu o evento destacando que a humanidade vive momentos dramáticos com a COVID-19. Os dados são alarmantes: levou-se um ano para que o país atingisse 1 milhão de infectados, mas apenas seis meses para que atingisse mais 1 milhão. 

As grandes campanhas negacionistas, em oposição ao uso de máscaras e ao distanciamento social, prejudicaram o combate à pandemia e acentuaram o cenário de devastação emocional coletiva que o país vivencia. Enquanto o terraplanismo e o descrédito à ciência se tornaram preponderantes, outras questões de fato significativas acabaram ficando em segundo plano, como o desrepeito aos direitos inalienáveis dos povos indígenas e o avanço do aquecimento global. “Estamos vivendo uma situação semelhante a 1904, quando ocorreu a Revolta da Vacina, contra a vacinação obrigatória de varíola. A notícia falsa da época era que quem tomasse a vacina ficaria com feições de bovinos”, comparou Cordeiro.

O avanço das tecnologias de informação, o uso de softwares espiões e o uso descontrolado das redes sociais foram alguns dos inimigos do jornalismo científico durante a cobertura da pandemia. Jornalistas tiveram que lidar com um ritmo nunca antes visto de publicações e que ajudar o público a diferenciar artigos sem embasamento científico, além de incentivar o uso de vacinas e a manutenção das medidas de segurança. “Todo o trabalho do jornalismo científico, muitas vezes sofrendo perseguições e ameaças, serviu para consolidar ainda mais as instituições brasileiras e validar os valores democráticos. Uma pena que Tuffani não esteja conosco para dar seu depoimento”, lamentou Cordeiro.

Luisa Massarani, pesquisadora da Fiocruz

Massarani coordenou uma pesquisa que analisou como jornalistas realizaram a cobertura da pandemia, destacando como foram elaboradas as matérias baseadas em preprints na Folha de S. Paulo, no jornal britânico The Guardian e no The New York Times. A pesquisa apontou as seguintes conclusões:

  • não mencionam as fontes, mas geralmente fornecem o link do preprint;
  • um grande número de jornalistas não interagem com o cientista responsável pelo estudo, mas sim com cientistas não-relacionados ao estudo;
  • principais temas: eficácia de medicamentos para tratamento da doença, taxa de transmissão;
  • muitos jornalistas não cobrem preprints pelos seguintes motivos: falta de confiabilidade, falta de familiaridade e/ou falta de tempo. Os jornalistas que trabalham com essas fontes frequentemente mencionavam que o artigo não havia passado pela avaliação de pares e procuraram por outras fontes que pudessem atestar a veracidade do conteúdo, além de informarem detalhes sobre o andamento da pesquisa. 33% dos jornalistas entrevistados não tomavam nenhum cuidado particular ao cobrir preprints.

Além dos fatos apresentado, Massarani relatou que muitos jornalistas comentaram que os cientistas estavam mais disponíveis nesse momento. “Essa é uma mensagem importante para o pós-pandemia. Os cientistas precisam continuar disponíveis para fortalecer o jornalismo científico”, aconselhou.

Carla Gimenez, El País Brasil

Gimenez traçou uma linha do tempo, lembrando que, no princípio da pandemia, as principais matérias veiculadas no site do El País Brasil vinham do exterior, principalmente Itália e Espanha. As cenas impressionantes de mortes e ocupação de hospitais nesses países foram uma oportunidade de o veículo expor o que aconteceria no Brasil caso a situação não fosse controlada. 

A jornalista mencionou a forma como o vírus cruzou com a política de uma maneira profunda no país, com as frequentes manifestações públicas e o estímulo ao não uso de máscaras por parte de governantes. Enquanto o jogo político ajudava a favorecer a disseminação do vírus, o jornalismo científico ascendeu como fonte de credibilidade, assumindo o papel de orientar e informar a população. “Nunca aprendemos tão rapidamente em tempo real. O jornalismo precisou navegar contra a corrente que o governo quis provocar”, disse. Entre as muitas dificuldades enfrentadas pelos profissionais da comunicação, ela destacou a dificuldade de separar os tipos de artigos e o aumento da carga de trabalho dos jornalistas. Estes acreditavam que, ao trabalhar mais, salvariam mais vidas. Para tornar a informação mais acessível ao público, passaram a recorrer mais a infográficos e animações.

“O que mais me impressionou ao longo da nossa cobertura foi ter cientistas ameaçados de morte por prevenir mortes em massa”, confidenciou Gimenez, ao destacar a importância de cientistas como Margareth Dalcomo e Átila Iamarino, que se tornaram “íntimos” dos brasileiros.

Apesar de todos os contras, ela destacou o bom índice de vacinação atingindo no mês de agosto e mostrou que ainda há esperança. “Apesar de todo o barulho dos anti-vacina, não foi possível calar o jornalismo científico. No entanto, se a vacinação tivesse começado antes, nossa realidade poderia ser muito menos desumana.”

Fabiana Cambricoli, Estado de S. Paulo

Para Fabiana Cambricoli, o maior desafio imposto pelo negacionismo foi a sua origem: fontes que a população esperava que fossem confiáveis, como as oficiais do Governo Federal e Ministérios. 

A jornalista especialista em saúde e ciência, que já cobriu epidemias de dengue e zika, destacou que a pandemia de COVID-19 teve dilemas e desafios exclusivos, como:

  • o grande volume de informações se contrapondo à escassez de jornalistas especializados no assunto; 
  • a necessidade do jornalista de transitar por subtemas durante o avanço da pandemia, como a análise de dados epidemiológicos, divulgação de estudos científicos e conceitos de epidemiologia; 
  • a perda de tempo e energia tentando conscientizar a população das diretrizes corretas a serem seguidas e indo contra o que o governo estava divulgando;
  • o dilema entre agilidade e qualidade na publicação dos estudos e reportagens.

O cenário exigiu cuidado redobrado dos profissionais da comunicação, especialmente quando a reportagem tratava de estudos em andamento. “É inviável fazer apenas uma nota rápida com base no abstract. É preciso levar em conta a metodologia, o tamanho da amostra e as limitações da pesquisa. Os contras já precisam ser expostos logo no título, pois muitas pessoas utilizavam apenas os títulos para disseminar conteúdo falso”, explicou a jornalista.

Ela destacou que uma pequena informação equivocada era capaz de tomar grandes proporções e causar danos para a saúde coletiva – especialmente em uma época em que alguns médicos (especialmente os patrocinados pelas empresas que produzem determinados fármacos), Ministério da Saúde e fontes oficiais se tornaram os principais disseminadores de desinformação. Um desses exemplos é o uso da hidroxicloroquina – a divulgação de um artigo que abordava os possíveis benefícios do medicamento para o tratamento precoce da COVID-19 tornou-se viral, levando à ampla adesão do “kit COVID” como forma de prevenção. Para Cambricoli, lidar com essa parte do público foi um grande desafio da cobertura pandêmica: “É realmente muito difícil tentar iniciar um diálogo com quem acredita em conspiração, em quem acredita que o vírus está sendo utilizado por uma briga política.”

A jornalista mencionou algumas lições aprendidas ao longo dos últimos meses para coberturas futuras: a primeira delas é possuir o domínio do tema, algo essencial; a segunda é realizar a comunicação sempre de forma didática, ressaltando as incertezas e explicando os riscos. Por último, para que haja equipe qualificada, é preciso que iniciativas para formação de jornalistas de saúde e ciência sejam tomadas.

Herton Escobar, Jornal da USP e Science

Escobar iniciou sua fala elogiando o consórcio dos veículos de imprensa, uma ferramenta fundamental para gestão da infodemia diante da decisão do governo de restringir o acesso aos dados oficiais. 

Em sua apresentação, o jornalista da USP comparou a pandemia a um grande festival, onde a atração principal foi um sistema bem financiado de fake news. “Nessa versão caótica do Rock in Rio, cientistas e instituições de pesquisas são violinistas solitários, lutando pela atenção do grande público. A grande questão agora é como fazer com que os cientistas, com menos divulgação e financiamento, cheguem ao palco principal”, ressaltou o especialista, que trabalhou por 20 anos no jornal O Estado de S.Paulo, na cobertura de ciência e meio-ambiente. 

Segundo Escobar, é preciso que os vínculos entre cientistas e jornalistas sejam estreitados para promover um benefício mútuo. “A valorização da ciência precisa permanecer durante os tempos de calmaria, o que pode ser feito dando destaque às novas pesquisas, inserindo a comunidade científica nos grandes debates e estabelecendo uma ponte entre cientistas e sociedade”, enfatizou. E para que essa ponte seja eficiente, Herton Escobar deu grande importância à comunicação multimídia, capaz de atrair a atenção do público.

Marcelo Leite, colunista da Folha de São Paulo

O jornalista Marcelo Leite relembrou a matéria mais importante da carreira de Tuffani: em 1989, o homenageado produziu uma matéria sobre os dados adulterados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) durante o governo de José Sarney. Na época, foi divulgado que o desmatamento da Amazônia desde o descobrimento do Brasil era de uma áre de 250 mil km². Após apuração de Tuffani, foi divulgado que o dado real seria de 370 mil km², número quase 50% maior do que o divulgado anteriormente. 

Segundo Leite, hoje em dia, é impossível que o governo manipule dados, uma vez que há dados liberados na esfera pública que permitem um controle social das informações que antes eram controladas exclusivamente pelo governo. “O consórcio de imprensa está aí para mostrar que, independente do governo, é possível fazer algum tipo de monitoramento da informação, na tentativa de expor a verdade e, eventualmente, até enfrentar multidões negacionistas.” 

Toda evolução tem seu lado bom, mas também tem seu lado ruim. Do ponto de vista do colunista, as redes sociais são “o grande megafone do negacionismo”. O negacionista supõe, na visão de Leite, que opinião tenha peso similar ao de evidências, fatos e dados auditados. “Precisamos usar o máximo de ferramentas e recursos da comunicação para tentar romper esse ciclo de descrédito à a ciência.” 

Yurij Castelfranchi, coordenador de curso de especialização em Comunicação Pública da Ciência (UFMG)

Castelfranchi defendeu a criação de mecanismos e plataformas que cumpram com a missão de manter a sociedade informada, mas também a capacite para a cidadania em democracias tecnocientíficas, como grande parte das democracias globais atualmente são categorizadas. Segundo ele, essas ações deveriam ser prioridades políticas: “Tem que haver capacitação para jornalistas da área de ciência, saúde e tecnologia, e também para os cientistas. É preciso que haja conhecimento de como funciona a ciência na mídia e como as pessoas se apropriam e usam a tecnologia, misturando-as com seus valores, objetivos e demandas.”

Para o pesquisador, o principal tripé para a construção de uma sociedade que se aproprie da ciência é composto por fomento, formação e investigação. Ele destacou que, há décadas, as pesquisas apontam que os negacionistas são uma minoria. No Brasil, apesar de crescente e perigosa, esse número ainda é menor do que nos EUA ou na Europa. “Precisamos de mecanismos reais de participação”, defendeu Castelfranchi. “Precisamos focar no jornalismo científico, mas expandir nossas percepções para outras formas de comunicação e em outras políticas. Apenas debater as fake news não é suficiente.”

Castelfranchi ressaltou que muitos confundem cidadania científica com conhecimento. “Mas a cultura não é feita de conhecimento, é feita de valores. A cidadania não é só conhecimento, nem só direito. É saber seu lugar de pertencimento na sociedade científica e assumir suas responsabilidades – algo que começa nas notícias que você consome”, argumentou. 

Castelfranchi coordena o Amerek, curso de especialização em comunicação da ciência da Universidade Federal de Minas Gerais. A iniciativa é uma forma de expandir os cursos de divulgação científica para além do eixo Rio-São Paulo, que vem recebendo demandas de estados das regiões Norte e Nordeste. O objetivo do curso é formar comunicadores que almejem construir pontes e contatos, conexão entre saberes. Segundo Yurij, “o problema não é como levar a ciência para as pessoas e sim como trazer a pessoa pra dentro da cidadania científica, fazendo com que elas se apropriem desse saber”.

Debate

Luiz Carlos Dias, membro titular da ABC ativo na luta contra a desinformação em tempos de pandemia, afirmou que o país vive um cabo de guerra entre ciência e pseudociência, acentuado pelo cenário de 15 milhões de desempregados e 30 milhões na informalidade. Em sua visão, o caminho ideal para os cientistas se prepararem para o futuro é o investimento em educação básica, letramento digital e a cobrança aos agentes políticos.  

Segundo Massarani, apenas isso não basta: é necessário que haja atuação em várias frentes. Ela destacou que, nos últimos 20 anos, houve investimento e evolução na divulgação científica. A tendência é que os investimentos e as capacitações continuem, tornando possível que cientistas e sociedade atuem em conjunto para consolidação de democracias tecnocientíficas no futuro.  

O químico e membro titular da ABC Aldo Zarbin desafiou os palestrantes a fazerem uma análise crítica do papel da grande mídia na cobertura pandêmica e na disseminação de conteúdos negacionistas. Segundo ele, grandes veículos midiáticos deram espaço para negacionistas como colunistas, que acabou popularizando inverdades como, por exemplo, a distribuição do “kit gay” em colégios. Massarani defendeu que é muito complicado falar da mídia como se fosse algo homogêneo. “Isso acontece porque existe a pluralidade nas mídias e na comunidade científica. Um único jornal possui editorias distintas, concepções diferentes… Infelizmente, há vozes negacionistas que têm muito peso”, explicou. 

Herton Escobar completou que há uma “zona cinzenta” entre liberdade de expressão e o abuso dessa liberdade. “Quando fatos e dados confirmados por pares são substituídos por ‘opiniões’, pode ocorrer um risco à saúde pública. Isso então precisa ser contido”, assinalou. Escobar destaco o pluralismo de ideias, muito prezado pelos jornais. “O jornalismo tem um apego muito forte em expor ‘o outro lado’ para evitar que o aquela mídial se torne um panfleto enviesado. Um outro ponto é que as redações são uma amostra da sociedade – e todos sabemos que há negacionistas em todos os lugares.”

Assista à gravação completa no canal do IOC no YouTube.

Workshop reúne pesquisadores latinos em debate sobre os desafios da comunicação científica

Palestrantes e parte da audiência do primeiro encontro do workshop “Desafios e realidades da comunicação pública da ciência na América Latina e no Caribe”, incluindo María Eugenia Fazio, Margoth Mena-Young e Constanza Pedersoli.

No dia 3 de setembro, sexta-feira, pesquisadores e comunicadores latinoamericanos se reuniram para debater “O que é (e o que gostaríamos que fosse) a comunicação pública da ciência: desafios, obstáculos e realidades”. O workshop é o primeiro da série “Desafios e realidades da comunicação pública da ciência na América Latina e no Caribe”, organizada pela Academia Joven de Argentina, em parceria com a Academia Brasileira de Ciências, o TWAS Lacrep (braço da The World Academy of Sciences para a América Latina e o Caribe), a TWAS Young Affiliates. Os encontros ocorrerão todas as sextas-feiras de setembro.

O primeiro dia de encontro teve como palestrantes a brasileira Luisa Massarani (Fiocruz), a costarriquenha Margoth Mena-Young (Universidade da Costa Rica) e a argentina Constanza Pedersoli (Universidade Nacional de La Plata). A moderação ficou por conta de María Eugenia Fazio, pesquisadora em comunicação pública de ciência e tecnologia na Universidade Nacional de Quilmes (UNQ), em Bernal, Argentina. 

Ciência nos países em desenvolvimento

Luisa Massarani apresentou a versão latinoamericana da plataforma SciDev.Net, onde atua como coordenadora. O projeto foca na divulgação de conteúdo científico produzido por países em desenvolvimento, em vez de privilegiar a Europa e os Estados Unidos, gerando engajamento entre as nações vizinhas. Em sua apresentação, ela destacou sua lista de desejos para divulgação da ciência e os desafios de colocá-los em prática.

A esfera da comunicação é muito mais ampla e complexa do que o modelo proposto em 1940, que consistia em periódicos, laboratórios e journals como fonte; mídia como canal e sociedade como receptores. Com os avanços da tecnologia e novos veículos de comunicação, novos mecanismos e atores surgiram, ampliando as possibilidades de interação. Ela destacou que, como o campo acadêmico da divulgação científica ainda é relativamente novo em um contexto global, ainda há muitas dificuldades e estratégias a serem exploradas. 

Para Massarani, a relação entre ciência e política é estreita, especialmente no que diz respeito à divulgação. A prova disso está nas frequentes ações de cientistas para se contrapor às ações do governo negacionista. Ela diz que a suspensão de verbas para ciência fica nítida quando se olha para o número de vítimas da COVID-19: mais de 600 mil nos últimos 18 meses. “Sempre defendi que a ciência não é neutra, muito menos a divulgação científica. Devemos tomar posição na divulgação científica”, argumentou a coordenadora do Instituto Nacional de Comunicação Pública de Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT). Como exemplos, ela mencionou as iniciativas dos cientistas brasileiros contra o tratamento precoce da COVID-19, no incentivo às vacinas  e contra o retorno das aulas presenciais.

Os desejos da pesquisadora incluem instaurar uma comunicação capaz de induzir a mudança de comportamentos nocivos na sociedade, como a automedicação – algo muito recorrente na América Latina em geral; e cumprir com a missão de informar e estimular a ação, como aconteceu após a divulgação da existência de microminérios na Argentina, que gerou protestos.

Como dificuldades, Massarani listou a necessidade de analisar a percepção que está sendo construída no público e como é possível estabelecer um diálogo para evitar equívocos. Além disso, ela ressaltou a importância de mudar o “rosto da ciência”, que geralmente são homens brancos, de meia-idade, trajando jaleco. “É hora de investirmos em inclusão e diversidade, que é o que movimenta a ciência”, afirmou.

As ações da comunicação científica 

“O primeiro passo para uma divulgação científica de qualidade é reconhecer os cientistas com pessoas que não sabem tudo, porque descobrem algo novo todos os dias”, definiu Margoth Mena-Young, professora de investigação e comunicação estratégica na Universidade da Costa Rica (UCR). Em sua apresentação, a costarriquenha falou sobre a ação, a interação e as relações que podem ser estabelecidas com a comunicação científica.

Segundo ela, a comunicação científica começa quando o cientista faz alguma movimentação que interaja com o público, seja através da publicação de um artigo ou da divulgação de uma imagem, por exemplo. A forma como essa mensagem é transmitida precisa ser trabalhada de acordo com o público-alvo e os objetivos, que demandam diferentes ações. “No fundo, queremos que as pessoas participem e desejem saber mais. Temos que provocar curiosidade, fazer com que a população se informe, se mobilize e chame seus conhecidos”, disse a professora.

Para atingir esse objetivo, é necessário atrair a atenção, o que pode ser feito de várias formas: através de fotografias, ilustrações ou criando histórias – ou mesmo misturando as alternativas. “A forma como as imagens e textos são construídos precisam dialogar entre si e com o público”, destacou Mena-Young. 

Na Costa Rica, homens possuem mais destaque nos espaços da comunicação científica do que mulheres; cerca de 63,2% do conteúdo científico vinculado traz homens como fonte oficial de informação, enquanto as mulheres representam apenas 36,8%. Segundo Mena-Young, mulheres costumam aparecer apenas em datas específicas, como o Dia da Mulher. “Devemos passar a incluir outros grupos, como estudantes e membros da sociedade civil nesses conteúdos”, disse a professora. 

Para Mena-Young, as relações entre a sociedade e a ciência são uma via de mão dupla, que deve ser fundamentada sobre quatro pilares: entendimento recíproco, confiança, compromisso e satisfação. Através da comunicação, é esperado que os cientistas expressem experiências e sentimentos (a união entre o saber e o sentir), estabeleçam conversas com base em evidências e a formação teórica-metodológica das audiências. “Ao prestar um serviço de qualidade, que cumpra com expectativas, solucione conflitos e satisfaça o público-alvo, o cientista pode conseguir estabelecer uma relação de proximidade com a audiência”, concluiu.

Os fundamentos para consolidação da divulgação científica 

Constanza Pedersoli é pesquisadora da Universidade Nacional de La Plata, na Argentina, onde estuda a educação social em museus, a popularização da ciência e a cultura científica. Em sua fala, Pedersoli enumerou características e objetivos da divulgação científica.

Segundo a pesquisadora, o processo da comunicação científica começa nas escolas, com o objetivo de promover um acesso mais amplo ao conhecimento da ciência e da tecnologia. Ela destacou que a comunicação das ciências é um campo disciplinar específico, que depende de ações e linguagens diferentes do conteúdo voltado principalmente para acadêmicos. “As diferenças são percebidas primeiramente pelo público-alvo, que é mais extenso, incluindo crianças, jovens, adultos e comunidades heterogêneas”, apontou. As principais atividades recomendadas por Pedersoli são aquelas que tornam o aprendizado mais fácil e divertido, como feiras, workshops e aplicativos móveis. Os objetivos devem ser a formação e capacitação da sociedade para debater e posicionar-se sobre questões de saúde e meio ambiente.

Na Argentina, terra natal da pesquisadora, há diversos indícios de expansão da comunidade científica, como por exemplo o surgimento de plataformas similares à Plataforma Lattes, onde pesquisadores podem expor seus percursos acadêmicos e sua experiência. O surgimento de publicações nacionais especializadas, associado aos novos congressos e jornadas, além dos espaços institucionais de formação acadêmica e profissional comprovam a consolidação gradativa da ciência no país. 

Em relação à esfera legal, Pedersoli afirma que é preciso “seguir trabalhando”. “É necessário que trabalhemos em parceria com outros países da América Latina, pois enfrentamos dificuldades similares. Um dos maiores desafios é o das políticas públicas: muitos ministérios, leis e políticas são estabelecidos e depois desaparecem. Nós precisamos da efetividade deles”, defendeu a pesquisadora. 

Debate: mudanças e desafios

“Os desafios não param de aparecer. Estamos subindo a montanha, pouco a pouco”, observou María Eugenia Fazio, moderadora do evento. Durante o debate, as palestrantes abordaram divergências na divulgação científica e a emergência das ações de ciência social. 

“É muito mais comum ver ações de divulgação científica em outras áreas que não nas ciências sociais”, comentou Massarani, assinalando que os cientistas sociais não são acostumados a produzir divulgação científica, muito também por conta de um histórico de pouco incentivo por conta das entidades. No entanto, esse cenário já está mudando no Brasil. “Recentemente a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais entrou em contato com a Fiocruz para propor um prêmio de divulgação científica na área de ciências sociais, justamente para estimular essa atividade.”

Mena-Young ressaltou que, para a elaboração de narrativas de comunicação científica, é preciso criar histórias de fácil compreensão, com testemunhos e metáforas cotidianos e personagens de fácil identificação. Dessa forma, o público irá lembrar da história em situações futuras. Ela defendeu a necessidade de uma estratégia de comunicação nas redes sociais – o que demanda tempo e experiência, o que muitos pesquisadores não têm. “É preciso haver um comunicador para ajudar nessa estratégia, para que possamos falar mais alto que os antivacina e negacionistas”, concluiu. 

A gravação completa do evento pode ser conferida aqui. 

Acompanhe o site da ABC para conferir os resumos das próximas edições!

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