No dia 15 de abril, o teatro Odylo Costa, filho, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), recebeu a primeira edição presencial de um Diálogo Nobel na América Latina. Organizado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pela Nobel Prize Outreach, braço da Fundação Nobel, o encontro foi possível graças ao apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
Os laureados
Os laureados presentes foram: May-Britt Moser, Nobel de Medicina em 2014 por suas descobertas em neurociências, ajudando a avançar significativamente pesquisas sobre cognição espacial humana; Serge Haroche, Nobel de Física em 2012 por desenvolver novos métodos experimentais que permitiram medir e manipular partículas quânticas individuais, algo considerado impossível até então; e David MacMillan, Nobel de Química em 2021 pela criação de catalisadores sustentáveis com diversas aplicações industriais, sobretudo na produção de medicamentos.
Durante um dia inteiro de atividade, os célebres cientistas participaram de mesas-redondas e palestras e também conversaram e tiraram fotos com os presentes. Os tópicos abordados passaram pelas dificuldades do fazer-ciência na América Latina até aspectos mais gerais da carreira e de como a ciência pode fazer mais para a sociedade.
Palestra de Abertura: Serge Haroche
Haroche iniciou sua fala lembrando que a ciência está ameaçada por irracionalidades no mundo inteiro. Grupos anticiência, que negam as mudanças climáticas, as vacinas e até mesmo o formato da Terra, se proliferam globalmente. A grande contradição é que um dos veículos que mais contribuem para isso é também uma das maiores inovações da história da ciência. “A Internet, esse produto singular do desenvolvimento tecnológico, serve para carregar o melhor e o pior de nós”.
O combate ao irracional deve ser feito desde cedo. “As crianças devem aprender o método cientifico desde pequenas, devem aprender sobre pensamento crítico, a observar e teorizar. Parte do problema está na educação básica não ser prioridade, professores não têm o reconhecimento e os salários que merecem”, refletiu.
Exemplos não faltam ao redor do mundo de sociedades e setores que se desenvolveram graças à ciência. “Coréia do Sul e Singapura eram mais pobres que os países latino-americanos há 50 anos, mas investiram pesado em educação, ciência e tecnologia”, lembrou Haroche.
Por fim, o laureado fez um apelo pela paz. “A ciência é universal pois responde a um anseio de toda a humanidade. Ela foi a primeira atividade verdadeiramente globalizada e deve perseverar sobre as tensões geopolíticas. Infelizmente, a situação na Europa e no Oriente Médio é temerosamente com a de um século atrás. São tempos difíceis em que as instituições internacionais, inclusive as científicas, têm papel crucial”.
Diálogos
O encontro prosseguiu com uma série de mesas-redondas onde laureados e cientistas brasileiros compartilharam suas visões sobre uma série de temas caros à ciência.
Construindo confiança
Em tempos de proliferação da anticiência, nada como juntar cientistas renomados para debater a construção de confiança junto à população. O virologista Anderson Brito, voz ativa no debate público durante a pandemia, afirmou que é preciso explicar como o método científico funciona, algo que o Brasil não faz. “Não basta explicar o resultado, é preciso falar sobre o processo para que o resultado faça sentido, senão soa como mágica. De uma maneira geral, nós cientistas não somos incentivados a divulgar, não somos avaliados por isso”.
O laureado David MacMillan, que trabalha criando soluções para a indústria farmacêutica, acredita que há um processo de democratização do acesso a medicamentos, um exemplo que pode ajudar a criar confiança. “Tecnologia, agricultura, esses dispositivos nos nossos bolsos, tudo foi criado pela ciência, ela está em todo lugar e é intrínseca a tudo que fazemos”.
Já a presidente da ABC, Helena Nader, defendeu que os produtos da ciência precisam ser usados de forma consciente. “Como a sociedade pode controlar a ciência? Não no sentido de proibir, mas de como usá-la para o bem comum. Essa é a questão central”.
A importância da diversidade
A face global da ciência ainda reproduz desigualdades relacionadas à gênero, raça e origem social. A economista Ana d’Addio, que trabalhou no Relatório de Monitoramento Global da Educação, da Unesco, abriu a conversa trazendo alguns dados. As mulheres ainda são apenas um terço dos graduados em exatas no mundo, por exemplo. “Como enfrentar essa e outras barreiras?”.
A biomédica Jaqueline Góes, coordenadora da equipe brasileira que sequenciou o Sars-Cov-2, reforçou a importância da representatividade. “A orientação é o fator mais importante quando se está trabalhando na ciência. O orientador é uma pessoa que vai servir de modelo. Quando eu comecei, eu não via outras mulheres negras. Se eu olho para os meus colegas e não vejo diversidade, porque não promover essa diversidade nas minhas orientações?”.
O atual presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos, Vinícius Soares, defendeu as políticas de cotas e auxílios permanência do Brasil como exemplos para o mundo em questão de diversidade. “Foi algo que mudou completamente a cara da universidade brasileira, criou uma geração de pessoas que foram as primeiras de suas famílias a cursar ensino superior”.
Para a nobelista May-Britt Moser quanto mais gente diferente fazendo ciência, melhores as perguntas sendo feitas e os resultados atingidos. “Se restringirmos a população onde procuramos por talentos científicos nós perdemos. Precisamos de criatividade, precisamos de todos pra ter discussões, é uma tolice não apoiar a diversidade na ciência. Precisamos de modelos que nos inspirem. Quando eu comecei eu já conhecia outras cientistas então nunca me questionei por ser mulher”.
Comunicação científica
O terceiro painel focou na questão da comunicação. O biólogo Helder Nakaya afirmou que, no debate das redes, é preciso ter empatia com o público. “É preciso entender o que o seu interlocutor está procurando e como ele pode se beneficiar da sua pesquisa”.
David MacMillan avaliou que a Química, sua área, é tradicionalmente difícil de explicar. “Quando pensamos em física pensamos nas estrelas, no espaço; já na biologia, pensamos nos animais, nas plantas; mas na química sempre pensamos em poluentes”, disse o laureado de forma bem- humorada. Para ele, a presença dos cientistas nas redes sociais serve, sobretudo, para humaniza-los. “É interessante sabermos quem as pessoas são por trás da ciência”.
Por sua vez, Cristiani Machado, vice-presidente de Comunicação da Fiocruz, lembrou que as instituições precisam ajudar seus cientistas a se comunicar. “Existem grandes cientistas que não são bons professores, e vice-versa. Comunicação com o grande público é ainda mais difícil, precisamos aceitar que não podemos fazer tudo e ter o suporte necessário”.
Conversas se estenderam por toda a tarde
Após o almoço, os três laureados participaram de sessões separadas em que conversaram com alunos do Brasil e da América Latina sobre problemas e inquietações comuns no início da carreira. Após essa parte, todos voltaram ao teatro para mais bate-papos com professores.
A colaboração científica foi muito debatida. A reitora da UERJ, Gulnar Azevedo, lembrou de uma experiência bem-sucedida durante a epidemia de Zika. “Laboratórios de todo o pais se juntaram para entender o que estava acontecendo que tantos bebes estavam nascendo com microcefalia”.
May-Britt Moser trouxe a experiência de seu laboratório para defender o trabalho colaborativo entre estudantes, e reforçou a importância do respeito e das interações humanas. “Se o ambiente for divertido, relaxante, não significa que não levamos a ciência a sério, mas que continuamos sendo humanos, e humanos precisam se divertir”.
David MacMillan refletiu sobre cooperações passadas. “A parte mais difícil é combinar o esforço de todos, entender quanto as pessoas estão dispostas a colaborar. As melhores colaborações foram com amigos próximos, porque tive mais abertura para conversar”.
Outro tema abordado foi o letramento científico, que todos concordaram deveria ser estimulado desde a primeira infância. O físico e ex-presidente da ABC Luiz Davidovich frisou que a ciência não é a única forma válida de conhecimento. “Existem conhecimentos tradicionais invaluáveis no Brasil, muitos dos quais sobre a nossa rica biodiversidade. Ensinar as crianças sobre essa riqueza deveria ser parte fundamental da nossa cultura”.
Sobre gestão de ciência, Serge Haroche afirmou existir uma contradição entre o curto prazo da política e o longo prazo da ciência. “Há uma tendência atual entre gestores de organizar as coisas de cima pra baixo. Mas a ciência é feita de baixo pra cima, do financiamento de descobertas para depois gerar aplicação. Descobrir se algo é possível vem antes de descobrir se algo é útil”.
Saiba como foram os outros eventos!
Diálogos Nobel Brasil: Universidade de São Paulo
Os nobelistas May-Britt Moser, David MacMillan e Serge Haroche compartilharam suas experiências enquanto cientistas com um auditório lotado na USP. Confira!
Diálogos Nobel Brasil: Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
A última tarde do Diálogos Nobel Brasil levou os laureados para uma conversa na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, onde se discutiu a ponte entre academia e setor privado na corrida pela inovação.
Veja as fotos do encontro no Rio de Janeiro
Assista a transmissão pelo canal do Prêmio Nobel:
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