Os participantes do 45º Webinário da ABC.: Débora Foguel, Aline Ghilardi, Yurij Castelfranchi, Luiz Davidovich e Herton Escobar.

No dia 14 de setembro ocorreu a 45ª edição dos Webinários da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e o tema não poderia ser mais atual, “Comunicação científica: Como falar mais alto do que a desinformação”. A mediação ficou por conta da Acadêmica Débora Foguel e do presidente da ABC, Luiz Davidovich.

A pandemia da Covid-19 deu à ciência uma notoriedade até então inédita no debate público. Entretanto, a demanda gigantesca por informações abriu espaço para a difusão de notícias falsas, que dificultaram muito o diálogo com a sociedade.

Para debater esse tema foram convidados o jornalista especializado em ciência Herton Escobar, ex-repórter do Estado de São Paulo, atualmente no Jornal da USP; a paleontóloga Aline Ghilardi, criadora da rede de divulgação científica “Colecionadores de Ossos”; e o sociólogo Yurij Castelfranchi, pesquisador do Instituto Nacional para Comunicação Pública da C&T (INCT-CPCT).

Universidades: comunicação científica de alto nível e alto impacto

O papel das instituições de pesquisa na comunicação científica foi o foco central das falas de Herton Escobar. O jornalista avaliou que profissionais especializados ainda são raros na cobertura de ciência brasileira, algo que se agravou com o encolhimento das redações de jornais tradicionais.

Nesse cenário, abriu-se um nicho de atuação na difusão da pesquisa científica para a população que, se não ocupado por cientistas e instituições qualificadas, pode dar espaço para grupos organizados difusores de fake news. “Temos esse grande buraco na comunicação com a sociedade, que vai ser preenchido por alguém. As instituições e comunidade científica devem lutar por esse espaço contra os propagadores de desinformação”, explicou.

Foi analisado o caso do Jornal da USP, veículo pioneiro de difusão dos trabalhos feitos dentro da universidade. Organizado nos moldes de noticiários tradicionais, o Jornal da USP conta com mais de 70 profissionais especializados, em sua maioria jornalistas, e mantém diálogo próximo com os grandes veículos de imprensa nacionais.

Herton defendeu que outras universidades sigam o exemplo e invistam em veículos próprios. “As instituições precisam entender a comunicação científica como um investimento, que traz retornos para a sociedade e para a própria instituição”, sumarizou.

Divulgação científica nas redes sociais

Aline Ghilardi é divulgadora ativa de ciência nas redes. Criadora do canal do YouTube “Colecionadores de Ossos”, ela conta que os dinossauros – foco de seus estudos – ajudam a atrair público. Ela reforço a importância de temas populares como introdução das pessoas ao conhecimento científico.

Ghilardi reconhece que fazer boa divulgação é trabalhoso e requer uma compreensão aprofundada do público e dos meios de comunicação. “Não basta dominar o conteúdo, mas todas as etapas de produção e edição para criar conteúdo de qualidade; portanto, é importante para o cientista criar vínculos e formar equipes”, apontou a paleontóloga.

Uma forma de acelerar esse processo, de acordo com a palestrante, são os núcleos de divulgação, que buscam conectar divulgadores e fornecer um selo de confiabilidade ao conteúdo vinculado. “Muitas dessas iniciativas são institucionais: universidades e institutos de pesquisa que compartilham o trabalho de sua comunidade acadêmica, ao mesmo tempo em que fornecem suporte aos profissionais que resolveram trilhar o caminho da divulgação científica”, apontou.

Por fim, ela lembrou que “quem deve comunicar é quem tem habilidade”. Ela reconheceu que nem sempre ter conhecimento é suficiente para ser um bom comunicador. “Seja cientista ou jornalista, professor ou aluno, todo mundo pode participar desse diálogo e quem acredita ter potencial para fazer boa divulgação deve ser incentivado a se aprimorar na área”.

Erros e acertos na divulgação científica

Yurij Castelfranchi reforçou que o bom divulgador deve ter objetivos claros, conhecer seu público e dominar tecnicamente as mídias escolhidas. O sociólogo e pesquisador da comunicação científica alertou para a armadilha da simplificação que, se exagerada, pode assumir um tom paternalista e infantilizar a audiência.

O sociólogo e físico trouxe para o debate uma importante reflexão sobre linguagem. “Conceitos científicos são difíceis de traduzir justamente por representarem ideias complexas que carecem de explicação. Muitas vezes o problema não é o termo técnico, mas o restante das palavras que complica inutilmente a compreensão”, disse, citando o exemplo da palavra “entidade”, que é facilmente substituível e pode significar coisas muito diversas, dependendo do ouvinte.

Essa falta de domínio retórico não se restringe a escolha de palavras, mas a toda a prática comunicativa. Muitos enxergam a comunicação como uma via de mão única, quando na verdade é  um processo de troca e conexão com o público. “É preciso ter humildade para entender que o relevante para si pode não ser relevante para seu espectador, é preciso balancear essa demanda. A boa comunicação é feita coletivamente”, sumarizou o pesquisador do Instituto Nacional para Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT).

O pesquisador lembrou também do problema da desinformação, tão relevante atualmente. “O divulgador de ciência deve ter especial cuidado para não reproduzir inverdades, sobretudo quando fala sobre temas que não são a sua especialidade. Essa situação é comum na divulgação, pois o público tende a preferir temas amplos e transdisciplinares e, por isso, é preciso colaborar com outros cientistas”, apontou Castelfranchi.

“A desinformação, atualmente, não é fruto da ignorância, mas é fabricada por grupos organizados, que pretendem tumultuar o debate público”, finalizou.

Terminadas as apresentações, foi aberto espaço para debate com participação do público.

Alfabetização científica

Um tema abordado foi a necessidade de apresentar a ciência para as crianças desde cedo. Os palestrantes afirmaram que a alfabetização em ciência no Brasil ainda é insuficiente e isso cria um desafio grande para os divulgadores ao falar com a população.

Uma das formas de se levar o conhecimento às crianças de forma eficiente é possibilitar que sejam protagonistas na divulgação. “Esse trabalho é mais difícil, requer acompanhamento e orientação dos jovens, bem como cuidados legais no uso de suas imagens. Porém, se bem executado, têm grandes chances de criar vínculo entre o público alvo e o conteúdo, pela identificação e representatividade que gera”, afirmou Aline  Ghilardi.

Negacionismo

Sobre o crescimento do negacionismo, Castefranchi ressaltou que esse é um problema fundamentalmente político. “Não se trata apenas de injetar mais informação de qualidade no ecossistema da comunicação, mas entender que grupos negacionistas fornecem a seus membros uma identidade e pertencimento que não são facilmente quebrados”, ressaltou. Esses vínculos são diferentes de acordo com o tema. Segundo o palestrante, pesquisas indicam que a negação das vacinas é mais influenciada por fatores socioculturais, ao passo que a negação das mudanças climáticas é mais fortemente ligada a posições políticas.

O pertencimento de grupo pode ser usado a favor do conhecimento, e, da mesma forma que pessoas se reúnem em torno de pautas anticiência, esse sentimento pode ser estimulado entre os seguidores de determinado divulgador científico, por exemplo. Entretanto, Castelfranchi alertou que o negacionismo extremo é, muitas vezes, inalcançável pela comunicação científica, e que para combatê-lo resta apenas a regulação mais efetiva do conteúdo vinculado nas redes.

Instituições e divulgação

Tratando do crescimento da comunicação científica nos últimos anos, os palestrantes destacaram que esse é um fenômeno que veio para ficar e que foi bastante enfatizado durante a pandemia. Ghilardi e Escobar alertaram para o preconceito que muitos cientistas ainda sofrem por fazerem divulgação e para o papel ainda negligenciado da extensão no currículo universitário.

Os palestrantes reforçaram que nem todo cientista tem talento para a comunicação, mas aqueles que decidirem se aventurar na área devem receber todo o suporte institucional necessário. “É compreensível que essa não seja uma prioridade numa época de estrangulamento orçamentário, mas deve estar no radar. É preciso estimular cientistas a divulgarem seu trabalho não por meio da cobrança, mas por incentivos”, destacou Escobar.

Confira o webinário na íntegra pelo canal da ABC no YouTube.