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Fiocruz submete pedido de registro da vacina Covid-19 com IFA nacional

A Fundação Oswaldo Cruz, por meio de seu Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), submeteu à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), nesta quinta-feira (25/11), o pedido de alteração pós-registro da vacina Covid-19 (recombinante), solicitando a inclusão do Instituto como unidade produtora do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) do imunizante. Confira imagens 360º da área de produção do IFA nacional do imunizante da Fiocruz

A previsão é de que a Anvisa conclua o processo em até 30 dias. Trata-se de um processo de transferência de tecnologia em tempo recorde. A conclusão de transferências de tecnologias em imunobiológicos costuma levar cerca de 10 anos. Com a vacina Fiocruz Covid-19, Bio-Manguinhos/Fiocruz concluirá a incorporação da tecnologia em apenas um ano, em atendimento à emergência sanitária.

Bio-Manguinhos/Fiocruz confeccionou a documentação para nova submissão durante cerca de dois meses, e participou de três reuniões via Parlatório, junto à Anvisa, para tratar especificamente sobre o pedido de alteração do local de fabricação do IFA. A submissão do pedido ocorre dentro do prazo previsto pela Fiocruz.

Para a obtenção de parecer favorável, a Anvisa avaliará a equivalência do processo produtivo, comprovando que as vacinas produzidas com o IFA de Bio-Manguinhos/Fiocruz possuem a mesma eficácia, segurança e qualidade daquelas processadas com o Ingrediente importado, além das metodologias analíticas exigidas e as etapas do processo produtivo.

Esta é a última etapa regulatória para a obtenção da vacina 100% nacional. Em fases anteriores, a Anvisa já havia concedido as Condições Técnico-Operacionais (CTO) da infraestrutura de produção do Ingrediente e o Certificado de Boas Práticas de Fabricação (cBPF) para produção deste insumo. Além dos documentos que compuseram o pacote entregue à Anvisa para o pedido de alteração do local de fabricação do IFA, mais dados poderão ser apresentados no decorrer da análise da Agência. 

Produção da vacina 100% nacional

Até o momento, foi concluída a produção de cinco lotes de IFA nacional, dos quais quatro foram liberados internamente e se encontram em estudos de comparabilidade analítica no exterior. No momento, outros três se encontram em processamento no Instituto. 

O processamento final (formulação, envase, revisão, rotulagem e embalagem) dos lotes com o IFA nacional e as primeiras entregas das vacinas nacionais ocorrerão somente após a aprovação da alteração pós registro pela Anvisa e pactuação com o Programa Nacional de Imunizações (PNI), de modo a garantir a máxima validade das doses no momento da sua distribuição.

Brasileiro de grupo de elite na OMS diz que novas pandemias são inevitáveis: ‘é Darwin na veia’

Confira a entrevista do Estadão com o membro titular da ABC Carlos Morel, publicada em 23/11. Morel é médico formado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e doutor em ciências pelo Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

 

Ex-presidente da Fiocruz, o médico Carlos Morel é o único brasileiro a integrar um grupo de elite criado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). O colegiado tem como objetivo investigar as origens do Sars-CoV-2, vírus causador da covid-19, e criar diretrizes para identificar e prevenir o surgimento de patógenos capazes de deflagrar novas pandemias.

Os nomes dos 26 especialistas que integram o painel foram escolhidos após indicação de mais de 700 cientistas de todo o mundo e confirmados em 28 de outubro pela OMS. “O surgimento de novos vírus com o potencial de desencadear epidemias e pandemias é um fato da natureza”, diz Morel, ex-coordenador do Programa Especial para Pesquisa e Treinamento em Doenças Tropicais da OMS. “Apesar de o Sars-CoV 2 ser o mais novo deles, não será o último.” Segundo ele, entender de onde vêm os novos patógenos é essencial para prevenir futuros surtos com potencial epidêmico e pandêmico. Esse processo requer uma vasta gama de expertises, afirma.

O epidemiologista John Watson, do University College de Londres, o geneticista Yungui Yang, do Instituto de Genômica de Pequim, e o especialista em doenças infecciosas Inger Damon, do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA, são alguns dos colegas de Morel no grupo. O médico brasileiro participou do Projeto Viroma Global que buscava identificar patógenos que pudessem representar risco de novas epidemias. O projeto não foi adiante.

Em artigo na revista Science, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, e outros membros da OMS explicam que o grupo foi criado também para conter a pressão política que se criou nas investigações sobre as origens da covid e tentar manter os trabalhos no campo técnico. Em entrevista ao Estadão, Morel fala dos desafios políticos e científicos do novo grupo e diz que o surgimento de novos patógenos é inevitável. “Os vírus são talhados e preparados para se espalhar. É Darwin na veia”, declara, referindo-se ao britânico Charles Darwin (1809-1882), autor da Teoria da Evolução e que trabalhava com o conceito de seleção natural, com a sobrevivência dos mais aptos.

A OMS já havia criado um grupo de especialistas para determinar a origem do novo coronavírus responsável pela pandemia. Por que outro grupo?

O grande desafio geográfico, científico e político é saber de onde veio o vírus e como ele surgiu. Foi a mão humana? A Mãe Natureza? Foi disseminado propositalmente? Houve um vazamento (de um laboratório)? Na época em que o outro grupo foi criado, Donald Trump ainda estava à frente da presidência dos Estados Unidos e logo começou a falar em “vírus chinês” e a acusar a China de ter criado o vírus, causando grande tumulto. A OMS tentou ajudar, formando um grupo de dez pessoas que chegou a ir até a China, mas as conclusões a que chegaram não foram aceitas. Em determinado momento, em meio ao tiroteio político, a China vetou a entrada dos especialistas no país, criando um impasse. A OMS começou a ser criticada por não ter autoridade suficiente. E não tem mesmo. Os especialistas só entram num país se forem convidados; nos Estados Unidos é a mesma coisa. O fato é que esse impasse perdurou durante um ano. O desafio agora é atrair a colaboração da própria China. A forma como o novo grupo foi criado propicia isso porque foi aberta uma chamada pública e ele reúne especialistas do mundo inteiro, inclusive da China. Além disso, temos que não apenas descobrir o que houve, mas também olhar para a frente, para as próximas epidemias.

A hipótese de vazamento, intencional ou acidental, continua sobre a mesa?

Não vamos excluir nenhuma hipótese, mas não temos uma agenda predeterminada. No entanto, só vamos avançar com a colaboração da China. Ninguém tem o poder de entrar e vasculhar gavetas, não é por aí. A gente vai precisar trabalhar com os cientistas e com o governo chinês. Ees têm de confiar no grupo.

Acha que agora a China estará mais aberta a essa colaboração?

Quando a epidemia começou, muita gente falou que Wuhan (primeiro epicentro da pandemia, no início do ano passado) era a Chernobyl da China, que o país seria arrebentado (referência à região soviética onde houve um acidente em uma usina nuclear em 1986). Mas a China deu a volta por cima e quem está na linha de tiro são os outros países que não conseguiram dominar a epidemia. A China venceu a epidemia. Isso pode levar o país a ser mais cooperativo dessa vez. A atmosfera agora é um pouco diferente.

E do ponto de vista científico, o que pode ser feito?

O problema científico tampouco é fácil de resolver. Precisamos achar o hospedeiro intermediário do vírus, que pode ser o morcego, o pangolim, o vison. Para isso, temos de encontrar na natureza sequências genéticas muito próximas daquela do coronavírus. Saber quem é o paciente zero e como ele foi infectado também é fundamental. É um trabalho de detetive. Uma das esperanças é que tenham coletado muitos soros entre dezembro e janeiro. Se existirem esses soros, temos um bom material de trabalho.

(…)

A descrição do projeto chegou a ser publicada na Science, em 2018. Por que não foi à frente?

Logo que publicamos o trabalho na Science, o Eduard Holmes, um dos maiores virologistas do mundo e especialista em doenças emergentes, fez uma publicação dizendo que não apoiava o projeto. Isso nos enfraqueceu. Ele achava que ninguém conseguiria prever uma nova pandemia e que seria melhor agir quando algo acontecesse. Aí perdemos a corrida. Ele ponderava também que seria muito caro. Muito mais caro está sendo enfrentar a covid. Isso coincidiu também com a chegada à presidência dos EUA de Donald Trump. O projeto era financiado em grande parte pelo Instituto Nacional de Saúde dos EUA, que teve grande parte da verba cortada. Ele matou o Viroma. Depois da pandemia, o leite já foi derramado.

(…)

O que mais o novo grupo pode fazer? Estabelecer diretrizes mundiais para o caso do surgimento de novos patógenos, por exemplo?

A OMS não tem poder de polícia, tudo se constrói com confiança, mas podemos criar diretrizes para os países. Por exemplo: podemos criar uma norma de comunicação imediata à OMS para a identificação de um novo patógeno. A China levou uma semana para comunicar. Um dos grandes desafios é termos laboratórios de segurança para trabalhar. O Brasil, por exemplo, tem pouquíssimos laboratórios de nível segurança 3 (necessários para a manipulação do Sars-CoV-2) e nenhum de segurança 4. Por que não criar um desses na Amazônia, onde a probabilidade de um novo vírus surgir é maior?

Teremos uma nova pandemia?

Os vírus são talhados e preparados para se espalhar. É Darwin na veia.

 

Leia a entrevista completa.

Em Cúpula do S20, Academias entregam diretrizes para lidar com futuras pandemias

Nos dias 22 e 23 de setembro, o Science20 (S20), grupo formado pelas Academias nacionais de ciências dos países do G20 (19 maiores economias do mundo mais a União Europeia), realizou sua Cúpula 2021. A ABC foi representada pela vice-presidente Helena B. Nader, que acompanhou a elaboração do documento por parte da ABC, contando com apoio do GT Futuro da Saúde nas etapas iniciais do processo.

O encontro marcou a entrega oficial da declaração “Preparação para Pandemias e o Papel da Ciência” (“Pandemic Preparedness and the Role of Science”, no original em inglês) ao governo da Itália, país que ocupa a presidência rotativa do G20 em 2021. A declaração alerta para a necessidade da criação de uma rede global de prevenção de pandemias, eficaz na identificação e controle de futuros surtos epidêmicos. Os governos do G20 foram convidados a organizar um sistema global de acesso a dados epidêmicos, construir uma rede de centros de controle de doenças infecciosas e avançar em direção a um tratado internacional de prevenção de pandemias.

Anualmente, o Science20 se reúne em prol de um tema relevante para elaborar diretrizes e apresentá-las aos líderes do G20. A Accademia Nazionale dei Lincei é a anfitriã do Science20 2021 e organizou a Cúpula Anual do S20, conduzida em conjunto com o grupo SSH20 (Ciências Sociais e Humanidades) com o nome oficial de “S20 + SSH20 Academic Summit”

Em sua apresentação na Cúpula, Helena Nader citou diretrizes para efetivar as propostas da declaração do S20. A pesquisadora incentivou a colaboração internacional, a promoção de interações próximas com o governo e o diálogo com a sociedade – sendo este último grupo o que mais se beneficia das inovações científicas. A ABC possui um grande destaque em todas as áreas mencionadas, com cada vez mais membros garantindo espaço na mídia local e ocupando posições relevantes em organizações científicas internacionais. Além disso, a Academia também mantém boas relações com a Suprema Corte e interage frequentemente com diferentes ministérios e agências governamentais, uma ação fundamental para a inserção de novas políticas públicas de ciência, tecnologia e inovação. 

Já no âmbito global, a ABC está organizando um diálogo com vencedores do prêmio Nobel, em parceria com a Nobel Prize Outreach e a Rede Interamericana de Academias de Ciências (Ianas). Em breve, a ABC irá submeter uma proposta para estabelecer um programa para promoção do bem-estar nas Américas: o Ianas Health Program é fruto da urgência de cooperação multilateral na área da saúde, acentuada pela pandemia de COVID-19. “A saúde não apenas é um tópico crítico global, mas também tem especificidades que são muito características das Américas, como as doenças tropicais negligenciadas”, defendeu Nader.

Em 2021, pela primeira vez, organizações nacionais ligadas especificamente às áreas de Ciências Sociais e Humanidades (SSH20) também redigiram uma declaração no contexto do G20. A Academia Brasileira de Letras (ABL) representou o Brasil, participando da escrita do documento Crises: economia, sociedade, legislação e cultura na busca por uma humanidade menos vulnerável. O presidente da ABL, Marco Lucchesi, participou do “S20 + SSH20 Academic Summit”.

Lançamento de publicação conjunta: desenvolvimento de vacinas no Brasil

A Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Academia Nacional de Medicina (ANM) e a Rede Vírus MCTI-CNPq promovem um webinário no dia 23 de setembro, 5a feira, para lançar a publicação conjunta “Diretrizes para desenvolvimento de novas vacinas contra Covid-19“, produto de grupo de trabalho da ABC. 

O coordenador do grupo foi o vice-presidente da ABC para a Região Minas Gerais e Centro-Oeste, Mauro Martins Teixeira. Além dele, o grupo foi composto pelo cientista Esper Georges Kallás (USP) e os Acadêmicos Jorge Elias Kalil Filho (USP), Manoel Barral Netto (Fiocruz-BA), Marcello André Barcinski (UFRJ) e Patricia Rieken Macêdo Rocco (UFRJ).

O webinário será às 18h05 e o link para a transmissão é https://acknetworks.zoom.us/my/anmbr  

Participarão do evento o presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich; o membro da ANM e ABC Marcelo Morales, secretário de Pesquisa e Formação Científica do MCTI; e o presidente da Academia Nacional de Medicina, Rubens Belfort Jr., que também é membro titular da ABC. 

IOC promoveu debate sobre o papel do jornalismo científico na pandemia

Participantes e ouvintes participam de bate-papo ao fim do webinário “COVID-19, Jornalismo Científico, Negacionismo e Democracia”.

O Núcleo de Estudos Avançados do Instituto Oswaldo Cruz promoveu, em 18 de agosto, o webinário “COVID-19, Jornalismo Científico, Negacionismo e Democracia”. Sob coordenação do membro titular da ABC Renato Cordeiro e da pesquisadora Maria de Lourdes A. Oliveira, o evento reuniu repórteres e colunistas das áreas de ciência, saúde e meio ambiente de grandes jornais do país, como O Globo, Estado de São Paulo e El País Brasil, além de contar com a presença de pesquisadores e professores de universidades federais. O evento foi também uma homenagem ao jornalista de ciência Mauricio Tuffani, morto em maio de 2021. 

Cordeiro abriu o evento destacando que a humanidade vive momentos dramáticos com a COVID-19. Os dados são alarmantes: levou-se um ano para que o país atingisse 1 milhão de infectados, mas apenas seis meses para que atingisse mais 1 milhão. 

As grandes campanhas negacionistas, em oposição ao uso de máscaras e ao distanciamento social, prejudicaram o combate à pandemia e acentuaram o cenário de devastação emocional coletiva que o país vivencia. Enquanto o terraplanismo e o descrédito à ciência se tornaram preponderantes, outras questões de fato significativas acabaram ficando em segundo plano, como o desrepeito aos direitos inalienáveis dos povos indígenas e o avanço do aquecimento global. “Estamos vivendo uma situação semelhante a 1904, quando ocorreu a Revolta da Vacina, contra a vacinação obrigatória de varíola. A notícia falsa da época era que quem tomasse a vacina ficaria com feições de bovinos”, comparou Cordeiro.

O avanço das tecnologias de informação, o uso de softwares espiões e o uso descontrolado das redes sociais foram alguns dos inimigos do jornalismo científico durante a cobertura da pandemia. Jornalistas tiveram que lidar com um ritmo nunca antes visto de publicações e que ajudar o público a diferenciar artigos sem embasamento científico, além de incentivar o uso de vacinas e a manutenção das medidas de segurança. “Todo o trabalho do jornalismo científico, muitas vezes sofrendo perseguições e ameaças, serviu para consolidar ainda mais as instituições brasileiras e validar os valores democráticos. Uma pena que Tuffani não esteja conosco para dar seu depoimento”, lamentou Cordeiro.

Luisa Massarani, pesquisadora da Fiocruz

Massarani coordenou uma pesquisa que analisou como jornalistas realizaram a cobertura da pandemia, destacando como foram elaboradas as matérias baseadas em preprints na Folha de S. Paulo, no jornal britânico The Guardian e no The New York Times. A pesquisa apontou as seguintes conclusões:

  • não mencionam as fontes, mas geralmente fornecem o link do preprint;
  • um grande número de jornalistas não interagem com o cientista responsável pelo estudo, mas sim com cientistas não-relacionados ao estudo;
  • principais temas: eficácia de medicamentos para tratamento da doença, taxa de transmissão;
  • muitos jornalistas não cobrem preprints pelos seguintes motivos: falta de confiabilidade, falta de familiaridade e/ou falta de tempo. Os jornalistas que trabalham com essas fontes frequentemente mencionavam que o artigo não havia passado pela avaliação de pares e procuraram por outras fontes que pudessem atestar a veracidade do conteúdo, além de informarem detalhes sobre o andamento da pesquisa. 33% dos jornalistas entrevistados não tomavam nenhum cuidado particular ao cobrir preprints.

Além dos fatos apresentado, Massarani relatou que muitos jornalistas comentaram que os cientistas estavam mais disponíveis nesse momento. “Essa é uma mensagem importante para o pós-pandemia. Os cientistas precisam continuar disponíveis para fortalecer o jornalismo científico”, aconselhou.

Carla Gimenez, El País Brasil

Gimenez traçou uma linha do tempo, lembrando que, no princípio da pandemia, as principais matérias veiculadas no site do El País Brasil vinham do exterior, principalmente Itália e Espanha. As cenas impressionantes de mortes e ocupação de hospitais nesses países foram uma oportunidade de o veículo expor o que aconteceria no Brasil caso a situação não fosse controlada. 

A jornalista mencionou a forma como o vírus cruzou com a política de uma maneira profunda no país, com as frequentes manifestações públicas e o estímulo ao não uso de máscaras por parte de governantes. Enquanto o jogo político ajudava a favorecer a disseminação do vírus, o jornalismo científico ascendeu como fonte de credibilidade, assumindo o papel de orientar e informar a população. “Nunca aprendemos tão rapidamente em tempo real. O jornalismo precisou navegar contra a corrente que o governo quis provocar”, disse. Entre as muitas dificuldades enfrentadas pelos profissionais da comunicação, ela destacou a dificuldade de separar os tipos de artigos e o aumento da carga de trabalho dos jornalistas. Estes acreditavam que, ao trabalhar mais, salvariam mais vidas. Para tornar a informação mais acessível ao público, passaram a recorrer mais a infográficos e animações.

“O que mais me impressionou ao longo da nossa cobertura foi ter cientistas ameaçados de morte por prevenir mortes em massa”, confidenciou Gimenez, ao destacar a importância de cientistas como Margareth Dalcomo e Átila Iamarino, que se tornaram “íntimos” dos brasileiros.

Apesar de todos os contras, ela destacou o bom índice de vacinação atingindo no mês de agosto e mostrou que ainda há esperança. “Apesar de todo o barulho dos anti-vacina, não foi possível calar o jornalismo científico. No entanto, se a vacinação tivesse começado antes, nossa realidade poderia ser muito menos desumana.”

Fabiana Cambricoli, Estado de S. Paulo

Para Fabiana Cambricoli, o maior desafio imposto pelo negacionismo foi a sua origem: fontes que a população esperava que fossem confiáveis, como as oficiais do Governo Federal e Ministérios. 

A jornalista especialista em saúde e ciência, que já cobriu epidemias de dengue e zika, destacou que a pandemia de COVID-19 teve dilemas e desafios exclusivos, como:

  • o grande volume de informações se contrapondo à escassez de jornalistas especializados no assunto; 
  • a necessidade do jornalista de transitar por subtemas durante o avanço da pandemia, como a análise de dados epidemiológicos, divulgação de estudos científicos e conceitos de epidemiologia; 
  • a perda de tempo e energia tentando conscientizar a população das diretrizes corretas a serem seguidas e indo contra o que o governo estava divulgando;
  • o dilema entre agilidade e qualidade na publicação dos estudos e reportagens.

O cenário exigiu cuidado redobrado dos profissionais da comunicação, especialmente quando a reportagem tratava de estudos em andamento. “É inviável fazer apenas uma nota rápida com base no abstract. É preciso levar em conta a metodologia, o tamanho da amostra e as limitações da pesquisa. Os contras já precisam ser expostos logo no título, pois muitas pessoas utilizavam apenas os títulos para disseminar conteúdo falso”, explicou a jornalista.

Ela destacou que uma pequena informação equivocada era capaz de tomar grandes proporções e causar danos para a saúde coletiva – especialmente em uma época em que alguns médicos (especialmente os patrocinados pelas empresas que produzem determinados fármacos), Ministério da Saúde e fontes oficiais se tornaram os principais disseminadores de desinformação. Um desses exemplos é o uso da hidroxicloroquina – a divulgação de um artigo que abordava os possíveis benefícios do medicamento para o tratamento precoce da COVID-19 tornou-se viral, levando à ampla adesão do “kit COVID” como forma de prevenção. Para Cambricoli, lidar com essa parte do público foi um grande desafio da cobertura pandêmica: “É realmente muito difícil tentar iniciar um diálogo com quem acredita em conspiração, em quem acredita que o vírus está sendo utilizado por uma briga política.”

A jornalista mencionou algumas lições aprendidas ao longo dos últimos meses para coberturas futuras: a primeira delas é possuir o domínio do tema, algo essencial; a segunda é realizar a comunicação sempre de forma didática, ressaltando as incertezas e explicando os riscos. Por último, para que haja equipe qualificada, é preciso que iniciativas para formação de jornalistas de saúde e ciência sejam tomadas.

Herton Escobar, Jornal da USP e Science

Escobar iniciou sua fala elogiando o consórcio dos veículos de imprensa, uma ferramenta fundamental para gestão da infodemia diante da decisão do governo de restringir o acesso aos dados oficiais. 

Em sua apresentação, o jornalista da USP comparou a pandemia a um grande festival, onde a atração principal foi um sistema bem financiado de fake news. “Nessa versão caótica do Rock in Rio, cientistas e instituições de pesquisas são violinistas solitários, lutando pela atenção do grande público. A grande questão agora é como fazer com que os cientistas, com menos divulgação e financiamento, cheguem ao palco principal”, ressaltou o especialista, que trabalhou por 20 anos no jornal O Estado de S.Paulo, na cobertura de ciência e meio-ambiente. 

Segundo Escobar, é preciso que os vínculos entre cientistas e jornalistas sejam estreitados para promover um benefício mútuo. “A valorização da ciência precisa permanecer durante os tempos de calmaria, o que pode ser feito dando destaque às novas pesquisas, inserindo a comunidade científica nos grandes debates e estabelecendo uma ponte entre cientistas e sociedade”, enfatizou. E para que essa ponte seja eficiente, Herton Escobar deu grande importância à comunicação multimídia, capaz de atrair a atenção do público.

Marcelo Leite, colunista da Folha de São Paulo

O jornalista Marcelo Leite relembrou a matéria mais importante da carreira de Tuffani: em 1989, o homenageado produziu uma matéria sobre os dados adulterados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) durante o governo de José Sarney. Na época, foi divulgado que o desmatamento da Amazônia desde o descobrimento do Brasil era de uma áre de 250 mil km². Após apuração de Tuffani, foi divulgado que o dado real seria de 370 mil km², número quase 50% maior do que o divulgado anteriormente. 

Segundo Leite, hoje em dia, é impossível que o governo manipule dados, uma vez que há dados liberados na esfera pública que permitem um controle social das informações que antes eram controladas exclusivamente pelo governo. “O consórcio de imprensa está aí para mostrar que, independente do governo, é possível fazer algum tipo de monitoramento da informação, na tentativa de expor a verdade e, eventualmente, até enfrentar multidões negacionistas.” 

Toda evolução tem seu lado bom, mas também tem seu lado ruim. Do ponto de vista do colunista, as redes sociais são “o grande megafone do negacionismo”. O negacionista supõe, na visão de Leite, que opinião tenha peso similar ao de evidências, fatos e dados auditados. “Precisamos usar o máximo de ferramentas e recursos da comunicação para tentar romper esse ciclo de descrédito à a ciência.” 

Yurij Castelfranchi, coordenador de curso de especialização em Comunicação Pública da Ciência (UFMG)

Castelfranchi defendeu a criação de mecanismos e plataformas que cumpram com a missão de manter a sociedade informada, mas também a capacite para a cidadania em democracias tecnocientíficas, como grande parte das democracias globais atualmente são categorizadas. Segundo ele, essas ações deveriam ser prioridades políticas: “Tem que haver capacitação para jornalistas da área de ciência, saúde e tecnologia, e também para os cientistas. É preciso que haja conhecimento de como funciona a ciência na mídia e como as pessoas se apropriam e usam a tecnologia, misturando-as com seus valores, objetivos e demandas.”

Para o pesquisador, o principal tripé para a construção de uma sociedade que se aproprie da ciência é composto por fomento, formação e investigação. Ele destacou que, há décadas, as pesquisas apontam que os negacionistas são uma minoria. No Brasil, apesar de crescente e perigosa, esse número ainda é menor do que nos EUA ou na Europa. “Precisamos de mecanismos reais de participação”, defendeu Castelfranchi. “Precisamos focar no jornalismo científico, mas expandir nossas percepções para outras formas de comunicação e em outras políticas. Apenas debater as fake news não é suficiente.”

Castelfranchi ressaltou que muitos confundem cidadania científica com conhecimento. “Mas a cultura não é feita de conhecimento, é feita de valores. A cidadania não é só conhecimento, nem só direito. É saber seu lugar de pertencimento na sociedade científica e assumir suas responsabilidades – algo que começa nas notícias que você consome”, argumentou. 

Castelfranchi coordena o Amerek, curso de especialização em comunicação da ciência da Universidade Federal de Minas Gerais. A iniciativa é uma forma de expandir os cursos de divulgação científica para além do eixo Rio-São Paulo, que vem recebendo demandas de estados das regiões Norte e Nordeste. O objetivo do curso é formar comunicadores que almejem construir pontes e contatos, conexão entre saberes. Segundo Yurij, “o problema não é como levar a ciência para as pessoas e sim como trazer a pessoa pra dentro da cidadania científica, fazendo com que elas se apropriem desse saber”.

Debate

Luiz Carlos Dias, membro titular da ABC ativo na luta contra a desinformação em tempos de pandemia, afirmou que o país vive um cabo de guerra entre ciência e pseudociência, acentuado pelo cenário de 15 milhões de desempregados e 30 milhões na informalidade. Em sua visão, o caminho ideal para os cientistas se prepararem para o futuro é o investimento em educação básica, letramento digital e a cobrança aos agentes políticos.  

Segundo Massarani, apenas isso não basta: é necessário que haja atuação em várias frentes. Ela destacou que, nos últimos 20 anos, houve investimento e evolução na divulgação científica. A tendência é que os investimentos e as capacitações continuem, tornando possível que cientistas e sociedade atuem em conjunto para consolidação de democracias tecnocientíficas no futuro.  

O químico e membro titular da ABC Aldo Zarbin desafiou os palestrantes a fazerem uma análise crítica do papel da grande mídia na cobertura pandêmica e na disseminação de conteúdos negacionistas. Segundo ele, grandes veículos midiáticos deram espaço para negacionistas como colunistas, que acabou popularizando inverdades como, por exemplo, a distribuição do “kit gay” em colégios. Massarani defendeu que é muito complicado falar da mídia como se fosse algo homogêneo. “Isso acontece porque existe a pluralidade nas mídias e na comunidade científica. Um único jornal possui editorias distintas, concepções diferentes… Infelizmente, há vozes negacionistas que têm muito peso”, explicou. 

Herton Escobar completou que há uma “zona cinzenta” entre liberdade de expressão e o abuso dessa liberdade. “Quando fatos e dados confirmados por pares são substituídos por ‘opiniões’, pode ocorrer um risco à saúde pública. Isso então precisa ser contido”, assinalou. Escobar destaco o pluralismo de ideias, muito prezado pelos jornais. “O jornalismo tem um apego muito forte em expor ‘o outro lado’ para evitar que o aquela mídial se torne um panfleto enviesado. Um outro ponto é que as redações são uma amostra da sociedade – e todos sabemos que há negacionistas em todos os lugares.”

Assista à gravação completa no canal do IOC no YouTube.

Anvisa recebe pedido para autorização de estudo de vacina da UFRJ contra a COVID-19

Confira trechos da reportagem publicada no G1 em 9/8, sobre o pedido para realização de estudos de fase 1 e 2 do imunizante da UFRJ produzido pelo grupo de pesquisa da professora Leda Castilho [membro afiliado da ABC eleita para o período 2008-2013].

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) confirmou que recebeu o pedido para a realização de estudos de fase 1 e 2 da vacina S-UFRJvac, o imunizante desenvolvido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A solicitação para autorização do estudo clínico foi enviada à Agência na última sexta-feira (6/8).

De acordo com os procedimentos do órgão, a análise vai considerar a proposta de estudo; o número de participantes; e os dados de segurança obtidos até o momento nos estudos pré-clínicos, que são realizados em laboratório e animais.

(…)

A vacina contra a Covid da UFRJ foi desenvolvida pela Coppe – UFRJ, sob o comando da professora Leda Castilho.

Vacinar é preciso, viver é impreciso

Confira trechos do artigo escrito pelo professor do Instituto de Química da Unicamp Luiz Carlos Dias, membro titular da ABC. O texto, publicado em 5/8 no Jornal da Unicamp, esclarece algumas importantes dúvidas atuais sobre a pandemia e a vacinação contra a COVID-19: 

O Acadêmico Luiz Carlos Dias

O mundo está observando queda nos casos de internações, de ocupação de leitos de UTI e de óbitos causados pela COVID-19, resultado do aumento da vacinação em massa, acompanhado do uso de máscaras e medidas de distanciamento físico, mesmo num momento de relaxamento das restrições. Nos países onde se observa aumento no número de casos, isto está acontecendo principalmente nas populações não vacinadas. Nós estamos observando algo semelhante no Brasil, com a pandemia entrando em uma nova fase. É urgente acelerar a vacinação e garantir um regime de imunização completo para a população brasileira e mundial, pois o percentual de não-vacinados ainda é muito alto e esses estão vulneráveis à infecção pela variante Delta, correndo risco de desenvolver formas graves da COVID-19, podendo necessitar de atendimento hospitalar, o que pode levar a aumento do risco de óbitos. 

Vacinação deve ser pacto coletivo 

Só a vacinação em massa controlará a pandemia e propiciará a retomada econômica. As vacinas contra a Covid-19 só serão de fato eficientes se houver alta adesão da população. Vacinado você tem um grau de proteção individual, mas a vacinação deve ser um pacto coletivo. Com pessoas vacinadas com o ciclo completo de duas doses ou com a dose única da Janssen, todas e todos ficam mais protegidos, inclusive quem não pode se vacinar por razões médicas. Como o objetivo de todas as vacinas contra a COVID-19 é reduzir casos graves, hospitalização e morte, caso você seja infectado, mesmo vacinado, terá maior chance de ter um caso de COVID-19 mais leve, além de ter mais oportunidades de atendimento nos hospitais, pois as UTIs estarão mais vazias caso seja necessário. No final, a maior taxa de vacinação leva a menor número de casos graves e de óbitos pela doença. 

Mas, muita atenção: não é momento de relaxar nas medidas não-farmacológicas 

Nós não temos evidências e nem justificativas para relaxar nas medidas não farmacológicas como o uso de máscaras, distanciamento físico e hábitos de higiene das mãos. Precisamos manter essas medidas de controle sanitário e evitar locais fechados com aglomeração e pouca ventilação. É preciso rever as medidas de restrição, pois não pode haver precipitação, visto que relaxar nesse momento, com alta circulação e espalhamento rápido da variante Delta, é muito perigoso e precisamos evitar que pessoas vacinadas corram o risco de voltar a fazer parte de uma cadeia de transmissão do vírus. Isso poderá levar a um recrudescimento da crise sanitária, com aumento acelerado de infecção entre os não vacinados e com consequente aumento da infecção inclusive nos grupos vacinados, mesmo aqueles com as duas doses, independente da vacina. A variante Delta é bem mais infecciosa que o vírus original e mais transmissível que a variante Gama, deixando as pessoas infectadas com uma carga viral muito mais elevada

A vacinação no Brasil está lenta, mas acelerando. Dados do dia 4/8 mostram que 147.698.704 milhões de doses foram aplicadas, sendo que 104.049.682 milhões de pessoas (49,14% da população brasileira) tomaram a primeira dose e 43.649.022 milhões de pessoas (20,61% da população) tomaram a segunda dose ou dose única da vacina da Janssen desde o dia 17/01/2021. As pessoas que não tomam suas vacinas, independente da razão, colocam em risco todas e todos no seu entorno, prejudicam o programa de vacinação e a luta contra a COVID-19. 

Quem tomou a primeira dose tem que voltar para a segunda dose 

Com o avanço da vacinação, a média móvel de mortes por COVID-19 segue em uma tendência de queda, mas segundo dados do Ministério da Saúde divulgados no último dia 28/7, cerca de 4,6 milhões de brasileiras e brasileiros não voltaram para tomar a segunda dose e completar o ciclo de imunização. Vamos voltar, gente. Se você conhece alguém que não voltou, converse e mostre a importância de tomar a segunda dose. Como nessa pandemia nós nunca tivemos uma campanha nacional de conscientização da população brasileira por parte do governo federal, então tem que ser na unha mesmo, tem que ser de baixo pra cima. A recomendação para as secretarias de saúde é fazer busca ativa dessas pessoas, entrando em contato por telefone ou até enviando profissionais da área de saúde nos endereços cadastrados quando essas pessoas tomaram a primeira dose, mas fazer busca ativa de 4,6 milhões de pessoas é dose, né? Então vamos nos juntar a essa luta. 

E quanto às variantes de atenção e preocupação?  

Até o momento, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou quatro variantes como sendo de atenção ou de preocupação. A variante Alfa está presente em 182 países, a Beta em 131, a variante Gama em 81 países e a Delta chegou a 132 países. A variante Delta preocupa e é responsável pelas novas ondas de infecções em Israel, Reino Unido, Estados Unidos, China e Indonésia. 

Com o aparecimento da variante Delta, mais transmissível e com maior capacidade de escapar da resposta do nosso sistema imunológico, nós vamos precisar vacinar um número maior de pessoas para diminuirmos o percentual de pessoas suscetíveis, impedindo o vírus de circular entre as pessoas mais suscetíveis. Um relatório do CDC, divulgado pelo jornal The Washington Post mostra ainda que a variante Delta é mais transmissível que o ebola e a varíola, pode infectar pessoas já vacinadas e causar doenças mais graves nas pessoas não vacinadas, quando comparada com as outras variantes de coronavírus anteriores e que tanto os vacinados como os não vacinados infectados pela Delta transmitem o vírus. 

O relatório confirma que as vacinas permanecem eficazes, principalmente após a aplicação de 2 doses, como outros estudos vem mostrando, vejam este estudo britânico  e este outro estudo. Os dados mostram que apenas pequenas diferenças na eficácia das vacinas contra a COVID-19 foram observadas com a variante Delta em comparação com a variante Alfa após o recebimento de duas doses das vacinas. As diferenças na eficácia das vacinas foram mais marcantes após o recebimento da primeira dose. Esses resultados mostram a importância da vacinação e que as pessoas precisam do esquema completo de duas doses. As vacinas existentes ainda funcionam contra a variante Delta, mas podem ser menos eficazes especialmente entre pessoas em que a resposta imune não seja suficientemente robusta após a vacinação, como os mais idosos e pessoas com comorbidades que tenham imunidade comprometida. 

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Terceira dose ou dose de reforço? Qual a diferença 

Primeiro, vamos esclarecer o que é terceira dose e o que é dose de reforço. A terceira dose consiste na aplicação de uma dose extra que serve para complementar um único ciclo de vacinação, algumas semanas após a aplicação da segunda dose. Uma dose de reforço, que pode ser com a mesma vacina aplicada anteriormente ou pode envolver outra plataforma vacinal, é aquela vacina que é aplicada anualmente ou com alguma periodicidade, para reforçar o primeiro ciclo de imunizações e assim por diante. 

No momento, nós não temos dados científicos mostrando que vamos precisar de uma terceira dose ou reforço vacinal para qualquer uma das vacinas contra a COVID-19. Nós ainda não temos resultados que comprovem a eficácia de uma dose de reforço, nem dados mostrando que isso seja necessário ou até benéfico. Então, temos que esperar os resultados dos estudos científicos sendo realizados, pois as decisões sobre a estratégia de vacinação futura devem ser baseadas em evidências científicas robustas. Nós não devemos simplesmente pensar que quanto mais doses de vacinas tomarmos, mais estaremos protegidos. 

Os especialistas lembram que a resposta imunológica contra qualquer antígeno de qualquer vacina, tende a cair depois de um tempo, e no caso da COVID-19, a Ciência ainda está tentando entender como essa queda acontece, depois de quanto tempo e qual o efeito de cada nova variante de atenção. 

Embora a vacinação esteja acelerando no Brasil, como colocado anteriormente, o grau de imunização coletiva ainda é insuficiente para termos uma queda sustentada na disseminação e espalhamento do vírus. Nós chegamos a 49,14% da população brasileira vacinada com a primeira dose e 20,61% da população que tomou a segunda dose ou a dose única da vacina da Janssen. Isso no período de 6 meses e meio, então nós precisamos acelerar ainda mais a vacinação. 

O importante é realizar estudos para identificar quais populações são mais vulneráveis à reinfecção pelas novas variantes ou mesmo a terem sintomas mais graves da doença, mesmo tendo sido vacinados com duas doses de qualquer vacina ou com a dose única da Janssen. Pode ser sim que uma terceira dose seja necessária, principalmente para pessoas imunossuprimidas, que fizeram transplantes de órgãos sólidos, pessoas mais idosas, pessoas com o sistema imunológico mais comprometido e profissionais da área de saúde, que estão mais expostos. 

É muito importante esclarecer esse ponto para não levar mais insegurança para a população. Alguns países europeus estão sim adotando uma terceira dose, sendo que Israel decidiu vacinar a população acima de 60 anos com uma terceira dose. Esses países estão bem mais avançados que o Brasil no ritmo de vacinação e a variante Delta está contaminando os não vacinados, e pode vir a infectar também os vacinados, principalmente os mais suscetíveis. 

No Brasil, o Ministério da Saúde encomendou um estudo que será conduzido pela Universidade de Oxford, com o objetivo de avaliar a necessidade de uma dose de reforço ou de uma terceira dose de vacinas contra a COVID-19. O estudo envolverá 1.200 voluntários maiores de 18 anos, que já tomaram as duas doses da vacina CoronaVac e vão tomar uma terceira dose de uma das quatro vacinas em uso no país: CoronaVac, AstraZeneca, Janssen ou Pfizer. 

O Butantan não vai participar destes estudos clínicos, mas avalia a aplicação de uma dose adicional da CoronaVac nos moradores da cidade de Serrana, no interior de São Paulo, onde foi realizado estudo com vacinação em massa que vem mostrando resultados fantásticos. O Butantan informou também que estuda a possibilidade de um reforço anual da vacina, o que não deve ser confundido com uma terceira dose, para ampliar a eficácia da CoronaVac. No caso de uma terceira dose das vacinas da AstraZeneca, Janssen e Pfizer, o objetivo é determinar qual a melhor opção como reforço vacinal para quem tomou as duas doses da CoronaVac. Este será um estudo de intercambialidade ou de vacinação heteróloga, pois envolve plataformas diferentes. 

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O que nós temos de fazer nesse momento é vacinar todo mundo rapidamente para reduzir a circulação do vírus, os casos graves e óbitos. E nesse sentido as vacinas estão dando uma resposta maravilhosa e extraordinária e estão mostrando o caminho para sairmos da pandemia. As vacinas sozinhas não vão fazer parar a transmissão comunitária, então as pessoas precisam continuar a usar as máscaras, ficar em lugares bem ventilados, fazer higiene das mãos, manter o distanciamento físico e evitar aglomerações e locais com pouca ventilação. Também é fundamental testar para isolar os infectados e seus contatos.   

Vacinar é preciso; vacinar é viver; viver é impreciso. 

Confira o artigo na íntegra no Jornal da Unicamp 

Grupo ModCovid19 atualiza estudo sobre contaminação na volta às aulas

No dia 20 de julho, em pronunciamento oficial para rádio e televisão, o ministro da Educação recomendou o retorno imediato às aulas presenciais. Diante disso, pesquisadores do grupo de trabalho ModCovid19, que reúne cientistas e  matemáticos focados em modular cenários possíveis da pandemia no Brasil, atualizaram um estudo simulando os efeitos da volta às aulas com a aplicação de diferentes protocolos de segurança. 

O trabalho é coordenado por Tiago Pereira da Silva, membro afiliado da ABC elito para o período 2019-23, e foi realizado a partir de observações feitas para a cidade de Maragogi, no Alagoas. O levantamento aponta que a forma mais segura de receber os alunos é com turmas alternadas, monitoramento de casos suspeitos e a utilização de máscaras PFF2 pelos professores. Esse cenário leva em conta ainda a utilização correta de máscaras pelos estudantes e ainda assim prevê um aumento de 10% no número de casos na comunidade escolar. 

 

Os dados obtidos para contaminação com diferentes protocolos para volta às aulas (Fonte: cemeai.icmc.usp.br)

Quanto ao fornecimento de máscaras pelas escolas, o professor afirmou que “esse é um problema de políticas públicas em larga escala. Uma máscara PFF2 custa em torno de R$ 15, o que é um impedimento para muitas pessoas. Para o Estado fornecer pode parecer caro, porém devemos comparar com o preço de uma internação”. 

Os números obtidos para Maragogi levam em conta contaminações não apenas de pessoas diretamente envolvidas na escola, mas também de seus familiares. No caso analisado, a Secretaria de Educação municipal fornecia máscaras comuns de tecido para os alunos. Tiago Pereira da Silva ressaltou que o ideal seria o fornecimento de máscaras PFF2 ou N95, e a viabilidade disso deve ser bem avaliada na elaboração de políticas públicas. 

É importante também destacar que o pior cenário possível – com o retorno presencial de todas as atividades, sem monitoramento de casos e com má utilização de máscaras – prevê um aumento de 1141% nas contaminações. É preciso considerar esse número na hora de elaborar protocolos sérios e efetivos para o retorno. 

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