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Vacinas aplicadas fora do prazo de validade?

Confira o artigo escrito pelo membro titular da ABC Luiz Carlos Dias, publicado Jornal da Unicamp no dia 5/7. Em novo texto sobre a pandemia de COVID-19, o Acadêmico esclarece dúvidas sobre a recente notícia de que lotes vencidos da vacina Oxford/AstraZeneca foram aplicadas em cidadãos brasileiros. Dias é professor titular do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e bolsista 1A do CNPq.

Segundo matéria publicada no jornal “Folha de São Paulo” no dia 02/07/2021, 25.935 mil doses da vacina Oxford/AstraZeneca teriam sido aplicadas fora do prazo de validade em 1.532 cidades brasileiras. Aparentemente, oito lotes (4120Z001, 4120Z004, 4120Z005, 4120Z025, CTMAV501, CTMAV505, CTMAV506 e CTMAV520) indicavam data de vencimento entre 29/03/2021 e 4/06/2021. O levantamento publicado na Folha cita cruzamento de dados dos sistemas DataSUS (do Ministério da Saúde) e Sage (Sala de Apoio à Gestão Estratégica), que armazena os dados dos imunizantes entregues para os estados com número de lote e data de validade. O montante de 25.935 mil doses supostamente vencidas corresponde a 0.025% do total de 103.454,255 milhões de doses aplicadas.

As secretarias de saúde da grande maioria dos municípios citados na matéria negam que aplicaram doses fora do prazo de validade. Muitas prefeituras informam que se trata de um problema de notificação, sendo que as vacinas foram aplicadas na data correta, dentro do prazo de validade, mas os dados foram inseridos, alimentados no aplicativo do programa DataSus após a data de aplicação. As prefeituras estão se explicando, isto será esclarecido provavelmente em breve. As prefeituras não possuem a mesma infraestrutura e modo de operação para lançar os dados nos aplicativos e nem todas lançam os dados em tempo real.

 

Seria um erro vacinal?

Em termos de protocolo de saúde pública, se de fato as vacinas foram aplicadas fora do prazo de validade, caracteriza erro vacinal. Não é comum acontecer isso, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) é confiável e uma das coisas que temos de melhor no País. Vacinação é algo que o Brasil sabe fazer muito bem.

Vamos ter calma e equilíbrio e aguardar os desdobramentos e esclarecimentos, pois as vacinas podem ter sido aplicadas no tempo certo e lançadas no sistema posteriormente. Se for assim, elas não perdem a integridade vacinal e vida que segue. 

 

O que se pode fazer?

Segundo a Sociedade Brasileira de Imunizações/SBIm, quando uma vacina com prazo de validade vencido é aplicada, isso é considerado um tipo de erro programático e a dose deve ser repetida. O Ministério da Saúde informou que todas as doses são enviadas dentro do prazo e que, caso aplicações fora do período ocorram, essa dose não é considerada válida e as pessoas envolvidas precisam passar por uma nova aplicação no intervalo de 28 dias após a aplicação da dose com validade vencida.

 

Prazos de validade subestimados

No caso destas vacinas para Covid-19, que estão sendo desenvolvidas para aplicação rápida na população, por questões de segurança, como essas vacinas são novas, certamente os prazos de validade estão muito subestimados. Isto é normal acontecer para fármacos como medicamentos e vacinas. Não tem nem um ano que essas vacinas foram desenvolvidas, com o tempo, e com confirmação da estabilidade, da qualidade e da integridade vacinal, os prazos de validade serão provavelmente maiores que os atuais. Vamos lembrar que alguns lotes de outras vacinas tiveram prazo de validade estendido pela Anvisa, como a vacina Johnson & Johnson/Janssen que teve o prazo de validade ampliado de 30 para 45 dias.

 

Vacinas com prazo de validade vencida podem fazer mal?

Não existe qualquer estudo de eficácia e segurança conhecido com vacinas com validade vencida, só se estudam vacinas cuja integridade é confirmada por testes de qualidade. A data de validade indica a data em que o fabricante da vacina atesta a qualidade do IFA (Ingrediente Farmacêutico Ativo). As vacinas com prazo de validade vencido não têm garantia de eficácia e segurança por parte do fabricante, que não pode ser responsabilizado por eventual falta de eficácia e nem por eventuais efeitos adversos, caso seja confirmado que as doses aplicadas estavam com prazo de validade vencido. 

Nós precisaríamos ter uma análise de estabilidade e qualidade das vacinas com data de validade vencidas, feita pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade da Fiocruz/INCQS para confirmar a esterilidade, se essas vacinas mantêm ou não o mesmo padrão de qualidade de quando foram produzidas e poder prever eventuais danos.

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Muito provavelmente, as pessoas que tomaram essas vacinas não correm riscos de desenvolver problemas de saúde, mas nós não temos certeza se essas vacinas vão gerar resposta imunológica esperada. No entanto, é possível sim que as pessoas podem até adquirir algum nível de proteção mesmo com a validade vencida, porque as vacinas podem ter uma quantidade suficiente do IFA, do adenovírus viável em número suficiente para despertar a resposta de proteção do sistema imunológico.

 

Momento pede equilíbrio e informação confiável

Essa matéria na Folha, sendo confirmada ou não a veracidade do levantamento, causou pânico na população. Não precisava ser assim. Eu não teria divulgado sem confirmar antes, com as secretarias estaduais e municipais de saúde, se de fato, essas doses foram aplicadas com prazo de validade vencido. Eu respeito o trabalho jornalístico, mas espero que os autores da matéria tenham feito contato com as secretarias municipais, pois o momento pede equilíbrio e já há muita desinformação. Tomara que esta questão seja esclarecida o mais rapidamente possível e não cause mais prejuízos. Fato é que esta matéria não trouxe nenhum tipo de benefícios, não ajudou em nada na adesão da população à campanha de vacinação em massa.

 

 Manifestações da Anvisa, Fiocruz e Conass

Veja aqui manifestações a respeito desta questão, por parte da Anvisa, da Fiocruz e do Conass. A Fiocruz informou que os lotes supostamente com validade vencida não foram produzidos pela instituição, mas foram doses importadas prontas do Instituto Serum, da Índia, a vacina Covishield, além de lotes fornecidos pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas/OMS).

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A população brasileira precisa acreditar nas vacinas e ter consciência de que todas e todos devem tomar as vacinas logo. Vamos vacinar, vacinar é um pacto coletivo, um exercício coletivo de cidadania.

 

Sobre os efeitos colaterais das vacinas? Eles são bem-vindos

Um artigo muito legal, publicado na revista Science Immunology no dia 22/6/2021 mostra que os efeitos colaterais das vacinas de RNA mensageiro da Pfizer e da Moderna, em uso contra o vírus SARS-CoV-2, refletem a produção transitória de interferons do tipo I, uma resposta fisiológica normal do organismo quando tem contato com microorganismos invasores. Os efeitos colaterais mais comuns são um pouco de febre, dor de cabeça, fadiga muscular, mialgia e mal-estar geral, que normalmente afetam cerca de 60% das pessoas vacinadas após a segunda dose. A maioria dos sintomas é atribuído à produção de uma citocina que desempenha papel vital na potencialização dos estágios iniciais da resposta imune, ou seja, o interferon tipo I (IFN-I). Os efeitos colaterais da vacinação quase sempre serão leves e transitórios e indicam apenas que a vacina está fazendo seu trabalho de estimular a produção de interferon, um imunoestimulador.

Eu já tinha comentado sobre os efeitos adversos com a vacina de Oxford/AstraZeneca. Em suma, sentir os efeitos colaterais até as primeiras 48h pós-vacinação, é normal e até desejável para uma resposta imunológica eficaz. O medo desses efeitos colaterais não pode ser maior que o medo da infecção pelo SARS-CoV-2. O vírus SARS-CoV-2, mata. Isso é Ciência e Ciência salva vidas.

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Comprovado: as máscaras salvam vidas!

Um artigo publicado no dia 25/6/2021 na prestigiosa revista Science, por cientistas da Alemanha, China e Estados Unidos, traz ainda mais evidências de que o uso de máscaras salva vidas, reduzindo muito o espalhamento e a disseminação do vírus Sars-CoV-2, causador da Covid-19. Os autores desenvolveram um modelo matemático de propagação do vírus, considerando tanto quem emite como quem recebe as partículas que contém o vírus, estando com e sem máscaras. Os resultados mostram de forma inequívoca que tanto máscaras cirúrgicas, como a N95, ou PFF2 ou as máscaras de pano, são muito eficazes em reduzir a transmissão do vírus Sars-CoV-2, especialmente em locais com boa ventilação e distanciamento físico. Nos locais com baixa concentração de vírus, as máscaras cirúrgicas são eficazes em prevenir o espalhamento do vírus, enquanto nos locais fechados, principalmente centros médicos e hospitais, onde a concentração de vírus tende a ser maior, máscaras como N95 e PFF2, consideradas mais filtrantes, são necessárias. Nos locais com maior concentração de vírus, distanciamento social e ventilação eficiente também são fundamentais. As máscaras protegem tanto quem está usando como quem está nas proximidades.

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Mesmo vacinado você pode ser infectado e transmitir o vírus

Não acreditem na ideia ridícula de quem quer que seja, de liberar o uso de máscaras para pessoas vacinadas ou que já contraíram a Covid-19. Se essas pessoas ficarem expostas ao vírus, tendo contato com alguém com Covid-19, podem ser infectadas pelas novas variantes, a Gamma, (a nossa P.1) e a Delta, a variante indiana. Não há vacina 100% eficaz e as vacinas atualmente disponíveis protegem principalmente contra o desenvolvimento de formas graves da Covid-19. Então, mesmo após 2 ou 3 semanas da aplicação da segunda dose, quando se completa o ciclo de imunização, ainda é possível contrair o vírus se você relaxar na manutenção das medidas não farmacológicas, como o uso de máscaras, o distanciamento físico e os hábitos de higiene das mãos. E sendo infectado, mesmo vacinado você pode transmitir o vírus. Então, se você não quer correr risco de ser infectado e perder alguém próximo, alguém da sua família, mantenha as medidas não farmacológicas.

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Não é assim que nós vamos ter nossas vidas de volta, não será assim que a economia será reativada. Milhares de pessoas podem morrer e poderá ser alguém da sua família. Então, nós não podemos dar chance ao vírus. Vamos todos e todas aderir às campanhas de vacinação em massa e continuar usando máscaras, mantendo o distanciamento físico e os hábitos de higiene das mãos.
Com relação à eficácia das vacinas em uso contra a Covid-19, até o momento, o pior resultado foi obtido com a vacina de Oxford/AstraZeneca, que teve eficácia reduzida contra a variante Beta, da África do Sul. No Brasil, todos os estudos disponíveis até o momento indicam que as vacinas em uso aqui não perdem efetividade em relação às variantes de atenção circulando no Brasil, particularmente as variantes Gamma e Delta.

 

Leia a matéria completa no Jornal da Unicamp.

Estudo da UFRJ mostra que sepse aumenta risco de mal de Alzheimer

Confira a matéria publicada no O Globo no dia 25/5, com uma breve entrevista da professora Claudia Figueiredo, que foi afiliada da ABC entre 2014 e 2019. Claudia é uma das coordenadoras de um recente estudo realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que mostra como inflamações generalizadas desenvolvidas após a contaminação por COVID-19 podem influenciar no risco de uma pessoa desenvolver Alzheimer.  

Cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) descobriram como a sepse, a inflamação generalizada quase sempre deflagrada por uma infecção fora de controle, aumenta o risco de uma pessoa desenvolver mal de Alzheimer. A descoberta é particularmente importante porque a sepse, já muito comum, se tornou ainda mais frequente com a pandemia de COVID-19.

Se sabia que a sepse estava relacionada ao risco de demência, mas o estudo é o primeiro a explicar por que e como isso ocorre. Ele abre caminho para a prevenção do mal de Alzheimer, doença que permanece incurável e para a qual não existe remédio eficaz. E indica também que, devido à explosão de casos de sepse com a pandemia, há um enorme risco de aumento de casos de demência. Devido à relevância dos achados, o estudo foi publicado na revista Brain, Behavior and Immunity.

— Infelizmente, a sepse se tornou corriqueira na pandemia, pois acomete a grande maioria dos pacientes graves de COVID-19. Mas nosso estudo abre caminho para estratégias capazes de evitar ou reduzir o risco de mal de Alzheimer e outras doenças neurodegenerativas, explicaCláudia Pinto Figueiredo, do Núcleo de Neurociências da Faculdade de Farmácia da UFRJ.

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O novo estudo mostrou que a sepse deixa uma espécie de “carimbo”, uma marca de risco aumentado de Alzheimer, mesmo em indivíduos que se recuperam da inflamação sem sequelas aparentes.

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Figueiredo frisa que a associação entre doença inflamatória grave, como sepse e Covid-19, e doenças neurodegenerativas mostra que é necessário acompanhamento neuropsicológico desses pacientes após a alta hospitalar.

— Temos uma grave questão, que precisa ser contemplada com políticas públicas de saúde — destaca a cientista.

A sepse é literalmente uma filha de tempestade. É gerada pela chamada tempestade de citocinas — substâncias produzidas pelo sistema de defesa para debelar infecções. Em alguns casos, porém, o sistema imunológico perde o controle e o corpo acaba vítima de fogo amigo, as citocinas.

Na sepse, é como se o organismo entrasse em combustão, fica todo inflamado devido à tempestade. Bombardeados, os órgãos começam a apagar. As bactérias ou vírus causadores da infecção original podem já não estar presentes. Mas o corpo continua a sofrer a inflamação. Se esta não for contida, a pessoa morre.

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O cérebro é particularmente bem protegido pelo sistema imune. Mas se for afetado pela inflamação, as células de defesa ficam “irritadiças” e passam a reagir a qualquer coisa de forma exagerada e desproporcional.

Pequenos danos que para a maioria das pessoas não teriam relevância, nos sobreviventes de sepse são verdadeiros insultos. E esses insultos custam caro. Podem levar à perda de memória e ao desenvolvimento do mal de Alzheimer, explica Figueiredo, que coordenou a pesquisa com Júlia Clarke, também do Núcleo de Neurociências.

O trabalho se originou da dissertação de mestrado de Virginia de Sousa, do Programa de Pós-graduação em Ciências Farmacêuticas. E, além de cientistas da Faculdade de Farmácia, contou com a colaboração de pesquisadores dos institutos de Biofísica Carlos Chagas Filho e Bioquímica Médica Leopoldo de Meis, com financiamento da Faperj.

Num estudo com camundongos, os cientistas puderam ver o que acontece em função de pequenos acúmulos de beta-amiloide, a proteína cujas placas são características no mal de Alzheimer. Em animais sem sepse, esses “pequenos insultos” não têm impacto algum. Porém, nos animais sobreviventes de sepse, há uma resposta desequilibrada. As células de defesa que deveriam proteger os neurônios começam a atacá-los. Destroem as sinapses (comunicação de sinais nervosas). Enlouquecidas, as antigas defensoras se tornam devoradoras de memórias.

Julia Clarke, uma das coordenadoras do estudo, destaca que o trabalho mostra a importância da ciência brasileira na resolução de questões de saúde mundial.

— Se não estivéssemos passando pela maior crise de financiamento da ciência e tecnologia de nossa história, o Brasil poderia ter papel pioneiro no estudo da Covid-19 — salienta Clarke.

Leia a matéria completa.

Covid-19: Vírus primitivo pode estar aumentando mortes em UTIs, diz Fiocruz

Confira a matéria publicada na CNN Brasil no dia 22/5, abordando a recente hipótese levantada em pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), sobre um vírus primitivo que pode estar sendo ativado pelo coronavírus e causando a morte precoce em pacientes graves. O estudo foi coordenado pelo membro afiliado da ABC (2017-2021) Thiago Moreno, e pode ser conferido na íntegra aqui.

 

Um vírus primitivo, presente nos humanos há milhares de anos, pode estar sendo ativado pelo coronavírus e provocando aumento de mortes em pacientes graves. A hipótese faz parte de um estudo coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que pode ajudar a compreender por que alguns pacientes graves submetidos à ventilação mecânica conseguem deixar a UTI, enquanto outros não sobrevivem à Covid-19.  

A pesquisa indica que a presença do retrovírus endógeno humano da família K (HERV-K) está associada não só ao agravamento da doença como também à mortalidade precoce. De março a dezembro de 2020, o estudo “Ativação do Retrovírus Endógeno Humano K no Trato Respiratório Inferior de Pacientes com Covid-19 Grave Associada à Mortalidade Precoce” acompanhou 25 pessoas em estado crítico que necessitaram de ventilação mecânica. Com idade média de 57 anos, elas estavam internadas no Instituto D’Or e no Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer.

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O coordenador do estudo foi Thiago Moreno, do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz). “Verificamos o viroma de uma população com uma altíssima gravidade, em que a taxa de mortalidade chega a 80% para ver se algum outro vírus estava coinfectando esse paciente que está debilitado, imunossuprimido. A nossa surpresa foi encontrar esses altos níveis de retrovírus endógeno K. É o tipo de pesquisa que parte de uma abordagem completa não enviesada. Isso dá muita força, muita credibilidade ao achado”, explicou o cientista.

Ancestral

Segundo o estudo, o HERV-K é um retrovírus endógeno, um vírus ancestral que infectou o genoma humano quando humanos e chimpanzés estavam se dissociando na escala evolutiva. Alguns desses elementos genéticos estão presentes nos nossos cromossomos. Muitos ficam silenciosos durante a maior parte da vida, mas parece que, de alguma forma, o Sars-CoV-2 pode ter reativado esse retrovírus ancestral. O índice de morte em pacientes graves de covid-19 chega a 50% entre os que apresentam altos níveis de HERV-K.

O estudo estabeleceu ainda uma ligação direta: ao infectar em laboratório uma célula de uma pessoa saudável com o Sars-CoV-2, houve um aumento nos níveis do HERV-K. “A gente estabeleceu, de fato, que o Sars-CoV-2 é o gatilho para o aumento desses retrovírus endógenos, para despertar os genes silenciosos”, disse Moreno.

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Genes silenciosos

A pesquisa é ainda a primeira evidência da presença desse retrovírus no trato respiratório e no plasma de pacientes graves de Covid-19. A presença do HERV-K, que ocorre também em outras doenças, como câncer e esclerose múltipla, pode ser usada como um biomarcador associado à gravidade em casos de covid-19. Sua detecção precoce poderia reforçar o uso de determinadas estratégias, como o uso de anticoagulantes e anti-inflamatórios.

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Além da Fiocruz, fazem parte da pesquisa cientistas da Universidade Federal de Juiz de Fora, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer e da empresa MGI Tech.

 

Confira o artigo completo no site da CNN Brasil.

O cientista brasileiro que mudou o mundo

Leia artigo do epidemiologista Pedro Hallal, professor da Escola Superior de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas e coordenador do Epicovid-19, o maior estudo epidemiológico sobre coronavírus no Brasil, além de ex-membro afiliado da ABC (2008-2013), publicado na Folha de S.Paulo em 11 de maio:

O hábito de fumar data de 5.000 a.C., mas foi no século 16 que o tabaco se popularizou. Até a metade do século passado, a ciência pouco conhecia os riscos do tabagismo. Ao contrário, alguns médicos acreditavam que fumar fazia bem à saúde. Foi só no final da década de 1940 que estudos liderados pelo médico inglês Richard Doll sugeriram que o tabagismo fazia mal. Num artigo clássico da ciência mundial, publicado no British Medical Journal em 1950, Richard Doll e Bradford Hill mostraram uma forte relação entre fumo e câncer de pulmão.

Notem que, antes de a ciência demonstrar uma relação entre cigarro e câncer de pulmão, era perfeitamente aceitável que alguns profissionais acreditassem que o cigarro fazia bem para a saúde. Mas, depois da confirmação científica de que o cigarro mata, estimular o seu consumo é criminoso. Qualquer semelhança com a CPI da Covid-19 não é mera coincidência.

Existem hoje entre 10 milhões e 15 milhões de médicos no mundo. O fato de que 10 mil (0,08%) assinaram um manifesto pró-cloroquina não significa nada para a ciência. Diferentemente dos médicos que acreditavam que fumar fazia bem para a saúde, pois não havia confirmação científica, os médicos que insistem em defender a cloroquina no tratamento da Covid-19, depois das confirmações de sua ineficácia, não podem se defender pelo desconhecimento: é politicagem mesmo.

Em 1998, aos 85 anos, Richard Doll veio ao Brasil participar do 4º Congresso Brasileiro de Epidemiologia. Neste evento, um pesquisador brasileiro, chamado Cesar Victora, tirou algumas fotos com o seu ídolo. Após o falecimento do doutor Doll, em 2005, a Associação Internacional de Epidemiologia resolveu conceder um prêmio em sua homenagem: a mais prestigiosa distinção da epidemiologia mundial. E em 2021, o vencedor do prêmio foi o brasileiro que, em 1998, tirou as fotos com seu ídolo.

O doutor Cesar Victora esteve envolvido nos primeiros estudos que mostraram que a amamentação exclusiva por seis meses reduzia o risco de doenças e mortes em crianças. Na época, a crença era de que, a partir dos 3 a 4 meses, o leite materno não era suficiente para os bebês seguirem se desenvolvendo. Pouco tempo depois, a Organização Mundial da Saúde passou a recomendar o leite materno como alimento exclusivo até os seis meses.

Qualquer leitor dessa coluna, no Brasil ou no mundo, que já tenha levado uma criança ao pediatra também já foi influenciado pelo trabalho do doutor Victora. As curvas de crescimento, que avaliam o estado nutricional de crianças, foram desenvolvidas em estudo liderado por ele, em parceria com a Organização Mundial da Saúde.

Mais recentemente, em parceria com pesquisadores da Universidade Harvard, o professor Victora mostrou os primeiros efeitos positivos da campanha de vacinação contra a COVID-19 no Brasil, relatando uma queda pela metade das mortes em idosos de 80 anos ou mais.

Diferentemente de pesquisadores como o doutor Doll, que ficaram marcados por descobertas revolucionárias, o professor Victora ficará marcado como um pesquisador que conseguiu transformar as descobertas científicas em políticas de saúde. Estimar quantas crianças foram salvas pela amamentação exclusiva ou pela identificação precoce de desnutrição é uma tarefa científica complexa, mas posso garantir que a contagem não é na casa das centenas ou dos milhares. Milhões de vidas de crianças foram salvas pelo trabalho do doutor Cesar Victora.

Leia a matéria original, com fotos, na Folha de S. Paulo

Leia a matéria da ABC sobre a outorga do Prêmio Richard Doll ao Acadêmico

Cientistas tentam superar o ‘vale da morte’ das vacinas no Brasil

Matéria de Kevin Damasio para a National Geographic, publicada em 6 de maio, conta com depoimento do Acadêmicos Célio Lopes Silva:

“Vamos para frente”, comemorou Célio Lopes Silva. Em janeiro, o bioquímico e uma equipe de pesquisadores acabavam de analisar os resultados dos estudos pré-clínicos da Versamune, uma vacina candidata contra a COVID-19. Estavam confiantes de que superariam, finalmente, o que cientistas da área chamam de ‘o vale da morte’ das vacinas no Brasil: o avanço dos estudos em laboratório e em animais para os testes em humanos. O projeto é fruto de uma parceria entre a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), a empresa brasileira Farmacore e a americana PDS Biotechnology.

Lopes é professor da FMRP-USP, onde coordena o Laboratório de Vacinas Gênicas, do Departamento de Bioquímica e Imunologia. Em 2005, Lopes e Helena Faccioli fundaram a Farmacore, que começou na incubadora Supera, no campus da universidade. Hoje ele é consultor científico da empresa. A startup de biotecnologia tem como foco o desenvolvimento e pesquisa de produtos imunobiológicos, tanto para saúde humana como veterinária. “Durante a fase de incubação, estabelecemos diversas plataformas tecnológicas baseadas em vacinas de DNA, proteínas recombinantes, vacinas vetorizadas por microorganismos inativados, entre outras”, conta o professor.

Desde então, a Farmacore realiza projetos em parceria com o laboratório de Lopes. Desenvolvem, por exemplo, uma vacina candidata contra a tuberculose em plataforma de DNA. Essa doença resulta todo ano em 1,5 milhão de mortes no mundo. O imunizante obteve sucesso nos estudos pré-clínicos, com financiamento do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, mas os testes em humanos ainda não começaram.

No início de 2020, os cientistas da Farmacore analisaram o cenário da pandemia, os primeiros resultados de imunopatologia de vacinas candidatas contra a covid-19 e a tecnologia que já dispunham na empresa. Decidiram, então, utilizar uma plataforma chamada Versamune, licenciada quatro anos antes da PDS Biotechnology.

Em seguida, a Farmacore, a FMRP e a PDS firmaram um contrato com a USP para realizar os ensaios de prova de conceito e os estudos pré-clínico e clínico. Em maio, solicitaram recurso ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI). Em 21 de agosto, receberam da pasta um aporte de R$ 3,8 milhões. Somado aos recursos empenhados pela Farmacore e pela PDS, foi suficiente para começar o projeto.

A vacina é composta pelo carreador Versamune e por um antígeno – a proteína S1 do Sars-CoV-2. O carreador é formado por uma única molécula lipídica chamada Dotap, uma gordura que envelopa o antígeno. “Esse carreador é um grande imunomodulador”, explica Lopes. “Ele, por si só, ativa o sistema imunológico, principalmente na produção de interferon do tipo 1. Em qualquer infecção viral, essa é uma das moléculas mais importantes para estimular no sistema imunológico. Isso faz com que outras células sejam ativadas, como as matadoras naturais, as natural killers.”

Em agosto, os cientistas foram para a bancada do laboratório verificar se havia interação entre o carreador e o antígeno do Sars-CoV-2. Testaram várias proteínas do vírus e elegeram a S1, por se mostrar a mais imunogênica, produzindo tanto anticorpos neutralizantes, quanto células T CD8 e CD4 polifuncionais. Na análise físico-química do composto, “os resultados foram excelentes, existe interação”, lembra Lopes. Assim, a equipe seguiu para o desenvolvimento da formulação vacinal, que se demonstrou “muito estável à temperatura de geladeira e de fácil produção”.

O coronavírus conecta-se à célula humana por meio da proteína spike, que divide-se em duas subunidades: S1 e S2. Na parte S1 está o domínio RBD, por meio do qual o vírus se liga ao receptor da célula hospedeira. “Não precisamos usar a spike inteira. O domínio S1 contém todos os elementos para desenvolver uma imunidade que possa bloquear a ligação do vírus com a célula hospedeira, além de estimular a imunidade celular”, observa Lopes.

Toda vacina possui um carreador, seja viral ou nanoparticulado. No caso dos imunizantes da AstraZeneca/Oxford, do Instituto Gamaleya e da Janssen, o carreador utilizado é um vetor viral. A Moderna, a NovaVax e a Pfizer/BioNTech adotam um carreador lipídico nanoparticulado – semelhante, porém mais complexo, que o sistema adotado pela Versamune. “O nosso é uma nanopartícula, só que colocamos a proteína recombinante direto dentro da célula. Então, tem uma etapa a menos”, compara Lopes. “Uma vez que entra na célula, ativa todo o sistema imunológico. Além da imunidade própria do adjuvante, vai estimular também a produção de anticorpos neutralizantes.”

Com o sucesso na etapa inicial, os pesquisadores partiram para os ensaios pré-clínicos em animais no final de setembro. O estudo de imunogenicidade foi realizado em camundongos, nos quais analisaram as imunidades humoral (produção de anticorpos neutralizantes) e celular (de linfócitos CD4+, CD8+ e ativação de células dendríticas). Segundo Lopes, os estudos pré-clínicos demonstraram que a Versamune é capaz de estimular essas duas respostas do sistema imunológico. “Estimula de uma forma fantástica os linfócitos T CD8 citotóxicos, que reconhecem as células infectadas e as destroem”, afirma Lopes. “Quando o Sars-CoV-2 entra na célula, tem os mecanismos de inativação do interferon tipo 1, que é uma arma que desativa o sistema imunológico. A nossa vacina o ativa e supera essa guerra entre a desativação e a ativação. É um fator importante e diferencial.” Depois, os cientistas realizaram uma avaliação de toxicidade, a fim de identificar se a vacina é segura.

Com dados pré-clínicos de segurança e imunogenicidade positivos, os pesquisadores decidiram procurar a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O órgão é responsável por autorizar ou rejeitar ensaios que tenham finalidade regulatória, ou seja, que exigirão registro de vacina ou medicamento. Depois de três reuniões, os pesquisadores da Farmacore e da FMRP-USP entregaram o Dossiê de Desenvolvimento Clínico do Medicamento (DDCM), a fim de obter anuência da agência para a realização dos ensaios de fases 1 e 2 da Versamune. Eles ainda preparam o Dossiê do Estudo Clínico, no qual devem detalhar o protocolo dos testes, com previsão de entrega até o final de maio.

Demandas regulatórias

A Anvisa leva em conta quatro aspectos principais em sua análise. No caso de vacinas que serão administradas pela primeira vez em seres humanos, o primeiro ponto analisado consiste nos dados dos estudos não clínicos, realizados em modelos animais e em laboratório. “O que queremos ver é, basicamente, se esses estudos mostraram segurança, principalmente no que diz respeito à toxicologia e possíveis eventos adversos – hepatotoxicidade, ataque no fígado, no rim, qualquer coisa que possa trazer um alerta”, explica Gustavo Mendes, gerente-geral de Medicamentos e Produtos Biológicos da Anvisa.

A agência reguladora requer ainda informações sobre o histórico do desenvolvimento da vacina. “A Versamune é uma tecnologia diferente de todas que aprovamos até o momento. A proposta dela é um peptídeo sintético, ou seja, a própria proteína do coronavírus, feita de maneira laboratorial, é aplicada na pessoa para gerar resposta imune”, exemplifica Mendes. “Entender essa biotecnologia é uma parte importante da nossa avaliação.”

O requerente precisa também apresentar um protocolo do estudo clínico que deseja realizar. Devem constar informações como, por exemplo, quantos voluntários participarão do ensaio, quais são os centros de pesquisa e como será a abordagem estatística para chegar aos dados de segurança, imunogenicidade e eficácia.

Além disso, é preciso demonstrar boas práticas clínicas. Esse aspecto está relacionado ao grau de confiabilidade e rastreabilidade dos dados que serão gerados. “Os laudos, a ficha clínica, os documentos que acompanham os participantes do estudo”, continua Mendes, “tudo isso tem que ser rastreável e seguir padrões internacionais de regulação para que, quando fizermos a avaliação para aprovação da vacina, tenhamos confiança de que aquele estudo aconteceu e realmente seguiu as regras.”

O Instituto Butantan também já iniciou o pedido de anuência para estudos clínicos de sua própria vacina. A Butanvac é produzida em ovo embrionário e adota a tecnologia de vetor viral, com o vírus inativado da Doença de Newcastle, patologia que infecta aves. “Essa vacina será totalmente produzida aqui. Não dependeremos da importação de nenhum insumo. Uma tecnologia que já existe, a mesma usada para a produção da vacina da gripe”, disse Dimas Covas, diretor-presidente do Butantan, no anúncio da vacina candidata em 26 de março. O instituto planeja realizar o estudo em humanos 20 semanas depois autorização, que incluirá participantes acima de 18 anos. A Anvisa já recebeu os dois dossiês com o histórico e o protocolo do estudo clínico, mas pediu novos esclarecimentos para dar sequência à análise técnica, como dados e informações sobre o controle de qualidade da vacina e detalhes sobre o protocolo clínico.

“Essas vacinas venceram uma etapa que tem sido muito crítica na produção no Brasil, que é a de sair do estudo pré-clínico para buscar autorização da Anvisa para o estudo clínico”, observa Viviane Boaventura, professora da Universidade Federal da Bahia e integrante do Departamento de Imunologia Clínica da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI). “Elas já avançaram essa fase e estão com o material pronto para fazer ensaio em humanos. Isso já é uma ótima notícia. Mas realmente precisamos, como estratégia de enfrentamento e desenvolvimento de tecnologia de vacina no país, otimizar esse funcionamento, para que tenhamos mais vacinas candidatas chegando a esse mesmo estágio.”

Boaventura considera que parcerias internacionais são fundamentais nessa fase inicial de desenvolvimento no país. “Estamos conseguindo vencer esse ‘vale da morte’ porque existiu essa cooperação. Quem sabe, no futuro, consigamos ter mais independência. Mas parcerias vão sempre acontecer e serão sempre bem-vindas. A pesquisa no mundo hoje é internacional.”

Além da Versamune e da Butanvac, há outros projetos brasileiros em estágio avançado na etapa pré-clínica. A Universidade Federal de Minas Gerais desenvolve a vacina Spintec, que adota a plataforma de proteínas quiméricas, e anunciou em 28 de abril que receberá R$ 30 milhões da prefeitura de Belo Horizonte (MG) para viabilizar o início dos estudos clínicos. Já no Instituto do Coração, da Faculdade de Medicina da USP, uma equipe coordenada pelo imunologista Jorge Kalil Filho está finalizando os testes pré-clínicos de uma vacina de spray nasal que contou com investimento de R$ 20 milhões do MCTI, R$ 5 milhões da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e R$ 104 mil da USP Vida.

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Leia a matéria na  íntegra, gratuitamente, no site da National Geographic

Estudo avalia eficiência de filtragem de 227 tipos de máscara vendidos no Brasil

Confira a íntegra da reportagem de Karina Toledo publicada na Agência Fapesp hoje, 4/5, abordando um estudo coordenado pelo membro titular Paulo Artaxo sobre a eficácia de filtração dos diferentes tipos de máscara a venda no Brasil.

A transmissão do novo coronavírus se dá principalmente pela inalação de gotículas de saliva e secreções respiratórias suspensas no ar e, por esse motivo, usar máscaras e manter o distanciamento social são as formas mais eficazes de prevenir a COVID-19 enquanto não há vacina para todos. Baratas, reutilizáveis e disponíveis em diversas cores e estampas, as máscaras de tecido estão entre as mais usadas pelos brasileiros. Contudo, sua capacidade de filtrar partículas de aerossol com tamanho equivalente ao do novo coronavírus pode variar entre 15% e 70%, como revela estudo conduzido no Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP).

Coordenado pelo professor Paulo Artaxo e apoiado pela FAPESP, o trabalho integra a iniciativa (respire!, cujo objetivo foi garantir o acesso da comunidade uspiana a máscaras seguras. Os resultados foram divulgados na revista Aerosol Science and Technology.

“Avaliamos a eficiência de filtração de 227 modelos vendidos no Brasil, seja em farmácia ou lojas de comércio popular. Nosso objetivo era saber em que medida a população está realmente protegida com essas diferentes máscaras”, conta Artaxo à Agência FAPESP.

Para fazer o teste, os cientistas utilizaram um equipamento que produz, a partir de uma solução de cloreto de sódio, partículas de aerossol de tamanho controlado – no caso 100 nanômetros (o SARS-CoV-2 tem aproximadamente 120 nanômetros). Após o jato de aerossol ser lançado no ar, a concentração de partículas foi medida antes e depois da máscara.

Os modelos que se mostraram mais eficazes no teste, como esperado, foram as máscaras cirúrgicas e as do tipo PFF2/N95 – ambas de uso profissional e certificadas –, que conseguiram filtrar entre 90% e 98% das partículas de aerossol. Na sequência, estão as de TNT (feitas de polipropileno, um tipo de plástico) vendidas em farmácia, cuja eficiência variou de 80% a 90%. Por último vieram as de tecido – grupo que inclui modelos feitos com algodão e com materiais sintéticos, como lycra e microfibra. Nesse caso, a eficiência de filtração variou entre 15% e 70%, com média de 40%. E alguns fatores se revelaram críticos para aumentar ou diminuir o grau de proteção.

“De modo geral, máscaras com costura no meio protegem menos, pois a máquina faz furos no tecido que aumentam a passagem de ar. Já a presença de um clipe nasal, que ajuda a fixar a máscara no rosto, aumenta consideravelmente a filtração, pelo melhor ajuste no rosto. Algumas máscaras de tecido são feitas com fibras metálicas que inativam o vírus, como níquel ou cobre, e por isso protegem mais. E há ainda modelos de material eletricamente carregado, que aumenta a retenção das partículas. Em todos esses casos, porém, a eficiência diminui com a lavagem, pois há desgaste do material”, comenta Fernando Morais, doutorando no IF-USP e no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), que é o primeiro autor do artigo.

Inspira e expira

Segundo Artaxo, as máscaras de algodão de duas camadas filtraram consideravelmente mais as partículas de aerossol que as feitas com apenas uma. Mas, a partir da terceira camada, a eficiência aumentou pouco, enquanto a respirabilidade diminuiu consideravelmente.

“Uma das novidades do estudo foi avaliar a respirabilidade das máscaras, ou seja, a resistência do material à passagem de ar. As de TNT e de algodão foram as melhores nesse quesito. Já as do tipo PFF2/N95 não se mostraram tão confortáveis. Mas a pior foi uma feita com papel. Esse é um aspecto importante, pois se a pessoa não aguenta ficar nem cinco minutos com a máscara, não adianta nada”, afirma Artaxo.

Como destacam os autores no artigo, embora com eficiência variável, todas as máscaras ajudam a reduzir a propagação do novo coronavírus e seu uso – associado ao distanciamento social – é fundamental no controle da pandemia. Eles afirmam ainda que o ideal seria a produção em massa de máscaras do tipo PFF2/N95 para distribuir gratuitamente à população – algo que “deveria ser considerado em futuras pandemias”, na avaliação de Vanderley John, coordenador da iniciativa (respire!, organizada pela Agência de Inovação da USP, e coautor do estudo.

“Hoje já está comprovado que a principal forma de contaminação é pelo ar e usar máscaras o tempo inteiro é uma das melhores estratégias de prevenção, assim manter janelas e portas abertas para ventilar os ambientes o máximo possível”, recomenda Artaxo.

O artigo Filtration efficiency of a large set of COVID-19 face masks commonly used in Brazil pode ser lido em www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/02786826.2021.1915466.

Pesquisadores em busca de vacinas brasileiras contra COVID-19 alertam para a falta de financiamento federal

Confira trechos da matéria publicada no jornal O Globo no sábado, 1/5, abordando a falta de apoio financeiro do governo federal na produção dos imunizantes nacionais contra a COVID-19. A reportagem conta com falas dos membros titulares da ABC Ricardo Gazzinelli e Jorge Kalil, que lideram, respectivamente, os projetos de produção de vacinas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria com a Fiocruz Minas e o da Universidade de São Paulo (USP) com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

A ButanVac, candidata a vacina contra a COVID-19 pesquisada pelo Instituto Butantan e um consórcio internacional, é uma exceção na trajetória dos estudos brasileiros de imunizantes para conter a pandemia. Enquanto ela aguarda o aval da Anvisa para começar os testes em humanos e, a princípio, não enfrenta dificuldade de financiamento (os valores não são revelados pelo Butantan, ligado ao governo de São Paulo), outros projetos do país dependem de recursos federais que nem sequer sabem se existirão.

O caso mais emblemático é o da Versamune, pesquisada pela USP de Ribeirão Preto e a startup Farmacore, com recursos privados e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Seu pedido para estudos clínicos junto à Anvisa foi protocolado em 25 de março, horas antes do da ButanVac, no dia 26. A candidata acabou ganhando uma coletiva de imprensa feita às pressas pelo ministro Marcos Pontes após o evento do Butantan com o governo de São Paulo.

Desde o final de março, no entanto, os recursos para os estudos em humanos minguaram para a Versamune. Uma emenda no Orçamento que garantiria R$ 200 milhões para isso foi vetada por Bolsonaro na última semana, um dia após o presidente receber Pontes e propagandear o projeto do imunizante em sua live semanal. A Farmacore não comenta o veto nem explica como o projeto seguirá diante desse corte. Em nota, a empresa afirma que continua se preparando para as fases 1 e 2 dos testes em voluntários, que aguardam aprovação da Anvisa para início. Procurado, o ministério não respondeu como manterá o financiamento.

Os R$ 200 milhões são uma espécie de “número mágico” também para dois outros projetos promissores de vacina no país: o da UFMG com a Fiocruz Minas, liderado pelo imunologista Ricardo Gazzinelli, e o da USP em parceria com Unicamp e Unifesp, sob o comando do imunologista Jorge Kalil. Ambos encontraram resultados animadores até agora nos testes com animais e calcularam que precisariam desse valor do governo federal para avançar para os estudos com humanos nos próximos meses. A relação de parceria entre a gestão de Marcos Pontes e esses pesquisadores se dá por meio da Rede Vírus, uma linha de apoio a ideias para combater a pandemia, criada em 2020 pela pasta.

‘Governo deveria atuar’

O corte nos recursos da Versamune deixou pesquisadores de vacinas contra a COVID-19 no país em alerta. Preocupados com o investimento federal incerto, eles recorrem a outras fontes de financiamento. Na quinta, o projeto da UFMG com a Fiocruz Minas recebeu R$ 30 milhões da Prefeitura de Belo Horizonte para realizar os primeiros testes em humanos. Em nota, a instituição registrou alívio pelo suporte municipal e afirmou que, sem ele, a pesquisa poderia ser paralisada.

— O setor privado é cauteloso com riscos. No mundo todo estes estudos contaram com investimentos do governo. Aqui, o governo deveria atuar mais nessa questão — diz Gazzinelli.

Kalil, que espera começar os estudos em humanos no segundo semestre, diz já ter conversado até com o próprio presidente sobre a importância dos recursos.

— É uma preocupação. Eu cheguei a falar com o presidente Bolsonaro a respeito. Quem me financiou o tempo todo foi a Rede Vírus, e o Ministério da Ciência e Tecnologia está fazendo um esforço grande para conseguir esse dinheiro. Ele tinha conseguido R$ 200 milhões para Ribeirão Preto, e o presidente chegou e vetou. Isso não é um bom sinal, mas a gente está sempre lutando — diz Kalil, que com equipes das três universidades paulistas projeta uma vacina em formato de spray nasal.

17 projetos, pouco recurso

Segundo o Ministério da Saúde, o país tem hoje ao menos 17 vacinas contra a Covid-19 em estudo. O GLOBO procurou todos os grupos responsáveis. ButanVac e Versamune são as únicas que já solicitaram à Anvisa autorização para testes em humanos. A maioria dos projetos, portanto, está na fase de estudos em animais. Se bem-sucedidas, as propostas poderão chegar à fase em humanos nos próximos meses. Todos manifestam preocupação com a falta de recursos para dar esse passo, o mais caro e longo, uma vez que deve envolver milhares de voluntários.

O embate entre Anvisa e Rússia em torno da Sputnik V

O desespero de parte da classe política brasileira com o avanço do coronavírus no país, enquanto a campanha de imunização patina pela falta de vacinas, leva representantes de governos estaduais e prefeituras a tentar reverter o veto da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) à importação emergencial da Sputnik V, imunizante desenvolvido pelo governo russo.

O Consórcio Nordeste, que reúne nove estados brasileiros e 57 milhões de habitantes, viu frustrada a expectativa de importação emergencial de 37 milhões de doses da vacina russa, mas solicitou uma revisão da decisão técnica da agência com base em novas documentações enviadas pelo Ministério da Saúde da Rússia, na última quinta-feira (29/04). Em conjunto com a demanda dos estados nordestinos, outros cinco estados e grupos de prefeituras também esperam adquirir a Sputnik V, com expectativa de entrada total de 66 milhões de doses no Brasil.

A decisão da Anvisa, tomada por unanimidade pela diretoria da agência no dia 26 de abril, apontou uma série de pontos técnicos não informados e respondidos pelo Instituto Gamaleya, o desenvolvedor da vacina russa. Pelo menos duas constatações da Anvisa causaram apreensão na comunidade científica sobre a segurança da vacina: a presença de impurezas e, mais grave, de adenovírus replicante.

De acordo com a Anvisa, o pedido de importação analisado e rejeitado foi feito por dez estados e envolvia a compra de 29,6 milhões de doses. O Brasil vacinou, até o final de abril, menos de 15% da população com a primeira dose. A desarticulação do governo federal e os constantes atrasos de calendário do Plano Nacional de Imunização (PNI) têm provocado a corrida de gestores públicos do país em busca de alternativas e de ajuda internacional por novas vacinas.

A despeito de a comunidade científica brasileira elogiar os apontamentos feitos pela Anvisa e seu caráter técnico, a decisão intrigou os governadores do Nordeste, que ancoravam-se no fato de a Sputnik V já estar sendo aplicada em 62 países, incluindo México e Argentina.

Três dias após a decisão da Anvisa, o Comitê Científico do Consórcio Nordeste convidou o médico virologista Amilcar Tanuri, titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), para uma avaliação independente do caso. Membro da Academia Brasileira de Ciências, biofísico, geneticista e especialista em genética molecular na Universidade de Sussex, Inglaterra, Tanuri tem pesquisas reconhecidas internacionalmente sobre o vírus zika e o HIV.

“Falta de comunicação adequada”

Logo após a negativa da Anvisa, o Instituto Gamaleya, ligado ao Ministério da Saúde russo, enviou um documento de 55 páginas, em inglês, aos técnicos da agência regulatória brasileira. Esse relatório, que rebate ponto a ponto da decisão da Anvisa, contém também resultados de testes clínicos feitos em janeiro deste ano e que, portanto, já poderiam ter sido enviados à agência brasileira.

De acordo com o cientista Amilcar Tanuri, os novos documentos enviados pelo governo russo à Anvisa, na última semana, revelam que os testes clínicos não detectaram nenhum vírus replicante na vacina. Na opinião do professor da UFRJ, o caso parece ser “uma sucessão de enganos por falta de comunicação adequada”. “A Anvisa  não conseguiu os dados necessários do Gamaleya. Para uma agência regulatória, vale o que está escrito nos testes”, afirmou à DW Brasil.

Segundo o virologista, parece que parte da confusão reside no fato de que há diferentes padrões utilizados pela agência regulatória dos Estados Unidos, a FDA, que inspira a atuação da Anvisa, e pela agência regulatória russa. A agência russa, explica Tanuri, permite em testes o uso de vírus replicante por dose de vacinas até 30 vezes superior ao limite estabelecido pela FDA. Mas isso é um limite aceitável estabelecido, não significando que os testes da Sputnik V tenham sido feitos com vírus replicantes e tampouco com esse volume máximo autorizado.

Com base nos novos documentos disponibilizados na semana passada, Tanuri fez uma revisão do método de purificação utilizado pela Sputnik V. “Usam a célula correta, que evita o vírus replicante.”

O adenovírus é um carregador que leva o material genético do vírus (no caso o coronavírus) à célula. O adenovírus replicante consegue reter de volta o material genético do vírus e se multiplicar na célula em que está sendo inoculado, o que pode gerar consequências imprevisíveis. Por isso o apontamento da Anvisa foi visto com espanto. “Quando eles analisam lote a lote da produção da vacina, deu zero partículas por teste. Não acharam adenovírus replicante. Mas a Anvisa não tinha essa informação”, conclui Tanuri.

“A nova documentação que os russos mandaram mostra que a vacina fica retida no músculo [em que é injetada], o que diminui o risco sistêmico e é mais uma salvaguarda. Acho que agora os documentos são os necessários para garantir a importação emergencial”, explica Tanuri. Ele ressalta que a Sputnik V fez testes clínicos com 22 mil pessoas, e isso não é um número desprezível.

O professor reconhece que as análises para uso emergencial de uma vacina são muito menos rigorosas do que a rotina normal de avaliação de uma agência regulatória, mas ressalta que não estamos vivendo um momento de normalidade e que “a situação no Brasil é terrível”. Ele observa que, em casos de liberação emergencial, a Anvisa é obrigada a exigir do laboratório um programa de fármaco-vigilância. “Se alguma coisa der errado, suspende-se imediatamente a vacinação. O pior é quando entregam a licença emergencial e depois não verificam mais nada.”

Para aumentar a segurança e resolver o imbróglio, Tanuri sugere que o Consórcio Nordeste se comprometa com a Anvisa e o Supremo Tribunal Federal, por exemplo, a apresentar uma “análise de vírus replicante, microbiologia e contaminantes” de todos os lotes que chegarem ao Brasil. “E aí acabou a história. A Rússia manda, junto com a remessa de doses, essa análise.”

O lado da Anvisa

“As conclusões da Anvisa para o pedido de importação foram tomadas a partir das informações encaminhadas pelo próprio Gamaleya e também confirmadas em reunião com a Anvisa. A Anvisa também se utilizou de informações buscadas junto a outros países e bases científicas”, esclareceu a agência em resposta a questionamentos da DW Brasil.

O laboratório União Química, que fabrica a Sputnik V, fez, no dia 26 de março, segundo a agência, novo pedido de uso emergencial da vacina no Brasil. “Trata-se de um novo pedido, ou seja, um novo processo sem dependência do processo anterior. O pedido de uso emergencial da União Química é independente e separado do pedido de importação feito por alguns estados brasileiros.”

Estados veem componente político

Ex-ministro da Ciência e Tecnologia do Brasil e coordenador científico do Consórcio Nordeste, [o membro titular da Academia Brasileira de Ciências] Sergio Rezende afirma que os governadores vão insistir na importação emergencial. “O Brasil precisa de muitas vacinas. Recebemos com surpresa a negativa da Anvisa.”

Ele ressaltou que dias após a decisão o Instituto Gamaleya divulgou uma nota explicando os quatro estágios de purificação da vacina, descartando a existência de impurezas no imunizante. Outro documento relevante é a nota técnica de 55 páginas e diversos outros esclarecimentos e testes. “Para o Gamaleya, os argumentos da Anvisa para não autorizar a importação não são justificáveis.”

O ex-ministro reconheceu que a “Anvisa tem um corpo técnico de primeira qualidade”, mas ele pessoalmente considera haver um componente político, de diretores indicados pelo atual governo brasileiro para a agência, para negar a importação.

“Agora a Anvisa está de posse de informação técnica entregue oficialmente pelo Instituto Gamaleya. Espero que corrijam a decisão. Se necessário, podem pedir que façam novos testes. A polarização política não interessa a ninguém. Queremos vacinas. E que a ciência prevaleça.”

Leia matéria original no site da DW Brasil.

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