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Vinton Cerf: IA ainda não compreende contextos

Para a primeira Conferência Magna da Reunião Magna 2024, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) teve o prazer de receber on-line, no Museu do Amanhã, o matemático norte-americano Vinton Cerf, vice-presidente da Google e considerado um dos pais da Internet moderna por ter co-projetado o protocolo TCP/IP que define como os computadores se comunicam em rede.

Apesar de não ser um especialista em inteligência artificial, como ele próprio se descreve, Vinton Cerf está numa posição de liderança na mais famosa big tech do planeta, entendendo o potencial revolucionário dessa tecnologia. Ele explicou que a ideia de criar sistemas artificiais de interpretação de dados já motiva pesquisas desde a década de 60, mas estes protótipos sempre sofreram para progredir conforme o volume e a complexidade dos dados aumentavam.

Nos anos 90, surgiu a ideia das redes neurais, uma forma de modelo matemático inpirado no cérebro humano – a partir de milhares de nós interconectados em redes dispostas em centenas de camadas. Através desse modelo, é possível encontrar padrões semelhantes em grandes quantidades de dados. As redes neurais são parte de um conjunto de algoritmos conhecidos como algoritmos de aprendizado de máquina (machine learning), onde os próprios algoritmos aprendem a reconhecer um padrão, por exemplo, a partir dos dados de entrada. “Na Google temos o Google Knowledge Graph, que associa entidades, como o nome de pessoas ou lugares, a fatos sobre elas. que melhoram o desempenho desses algoritmos. Já temos cerca de 5 bilhões de entidades com 500 bilhões de informações relacionadas”, exemplificou Cerf.

Vinton Cerf, vice-presidente da Google, participou da Reunião Magna da ABC de forma online (Foto: Marcos André Pinto)

As redes neurais são a base dos chamados Large Language Models (LLM), dos quais o ChatGPT talvez seja o mais famoso. O ChatGPT consegue reconhecer comandos de texto complexos e responder através da geração de textos também altamente complexos. Ele faz isso pela associação de palavras, analisando bases de dados imensas para determinar quais palavras são as mais prováveis a partir de textos anteriores e do contexto de uma conversa. Tecnologias semelhantes já são utilizadas para geração de imagens e funcionam de forma parecida, a partir de modelos de aprendizado de máquina.

“Algumas aplicações possíveis estão na tradução e geração de textos, controle de sistemas de resfriamento de reatores, programação automatizada e até no diagnóstico de doenças por imagens. Mas é preciso ter cuidado. Com textos, por exemplo, se você não dominar um assunto, um LLM pode fornecer respostas falsas. É o que chamamos de ‘alucinação’”, afirmou Cerf.

Em um experimento prático, o palestrante disse que pediu para um LLM escrever um obituário de si mesmo, com base em diversos obituários da internet e em sua própria biografia. “Ele inventou uma data – próxima demais pro meu gosto! – misturou coisas que eu fiz com coisas que outras pessoas fizeram e chegou até mesmo a inventar familiares”, contou bem-humorado.

Para resolver essas “alucinações”, os engenheiros terão de trabalhar para que cada vez mais as máquinas entendam contextos. “Quando treinamos um LLM, o modelo não tem muito contexto para saber onde surgem conflitos nos dados. Dessa forma, peças de origens diferentes podem ser unidas, gerando informações completamente falsas. O problema é que quando usamos isso para diagnósticos médicos ou análises financeiras estamos em áreas de alto risco. É preciso proteger o usuário”, explicou.

Mas para além de problemas técnicos, existem também os riscos que essas tecnologias representam quando utilizadas de forma consciente para fins espúrios. “A geração de imagens e sons com alta qualidade, por exemplo, pode gerar um volume imenso de fake news. É fácil imaginar essas tecnologias sendo ótimas para a indústria do entretenimento e péssimas para o mundo político e o debate público”, alertou Cerf.

Em debate junto aos cientistas brasileiros, Vinton Cerf foi mais a fundo em aplicações específicas da inteligência artificial. Respondendo à presidente da ABC, Helena Nader, sobre como cientistas poderiam confiar nos resultados fornecidos por esses sistemas, o palestrante disse que é preciso nunca perder de vista a origem daquele resultado. “Qualquer output deve vir junto do input, daquilo que foi pedido, deve-se levar em consideração como o sistema foi calibrado e quais bases de dados foram utilizadas. E sempre ter em mente que pode estar incorreto, é preciso olhar criticamente para o resultado”.

Isso vale também para aplicações na educação. “Me parece possível que as IA sejam utilizadas de forma tutorial, ajudando os estudantes a entender e interpretar suas respostas de forma personalizada e detectando lacunas no aprendizado. Talvez a parte mais importante seja fazer os estudantes quererem aprender e utilizar os sistemas a seu favor. Mas, para isso, precisamos primeiro resolver o problema das alucinações”, avaliou Cerf.

O palestrante se mostrou otimista quanto a riscos existenciais dessa tecnologia. “Sem dúvida é algo que pode fazer estrago, por exemplo quando utilizado na tomada de decisão sobre penas criminais. Precisamos ter um foco regulatório no uso da IA e demonstração por parte dos provedores de que eles estão atuando para mitigar os riscos. Não há dúvidas de que a IA pode fazer coisas que não podemos, mas não acho que os robôs nos dominarão se utilizarmos de forma responsável”.

Assista a palestra de Vinton Cerf a partir de 2h49m:

Confira a galeria de fotos da Reunião Magna 2024:

Helena Nader participará de debate sobre Saúde no G20

No dia 15 de maio, às 10h, a presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Bonciani Nader, participará de mais uma edição dos Seminários Avançados CRIS em Saúde Global e Diplomacia da Saúde, organizado pela Fiocruz e com o tema “Saúde no G20”. Por ocasião da presidência rotativa do Brasil no G20, a ABC está liderando o Science20 (S20), grupo que reúne as academias nacionais de ciência dos países do bloco.

Nader estará acompanhada de outros líderes de grupos focais do G20, são eles: o embaixador Alexandre Ghislene, coordenador do grupo de trabalho em Saúde; a presidente do Ipea, Luciana Servo, coordenadora do grupo focal de Think Tanks (T20); o diretor-executivo do Instituto Pólis, Henrique Frota, coordenador do grupo focal da sociedade civil (C20) e a secretária para Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, Tatiana Rosito, coordenadora da Trilha de Finanças do G20. O debate será mediado pelo coordenador do Centro de Relações Internacionais em Saúde (CRIS) da Fiocruz, Pedro Burger.

O seminário será transmitido pelo canal VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz, no Youtube, e terá tradução simultânea para inglês e espanhol.

“Não tem mais volta”, diz Carlos Nobre sobre catástrofes climáticas

Enquanto pessoas ilhadas ainda aguardam resgate e mais de 300 municípios do Rio Grande do Sul nem conseguem calcular o prejuízo causado pelas enchentes, cientistas alertam que eventos com chuvas extremas chegaram para ficar.

O que chama a atenção, diz Carlos Nobre, climatologista brasileiro que fez carreira no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), é que essas tragédias estão acontecendo mais cedo do que se previa. Em 2007, o quarto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) da ONU previu que esses fenômenos se tornariam recorrentes por volta de 2030 ou 2040.

A antecipação se deve ao aumento rápido da temperatura média do planeta: em 2023, o recorde de aquecimento foi batido, com 1,5° C a mais que no período pré-industrial. Em 2024, o calor acima da média continua.

“Os modelos indicavam que, quando a gente atingisse 1,5°C, já deveríamos esperar fenômenos muito extremos, de chuvas muito intensas e prolongadas, como vimos no Rio Grande do Sul”, afirma Nobre.

O desafio, aponta o cientista, será adaptar as cidades e retirar cerca de 3 milhões de brasileiros que vivem em áreas de risco. “Aumentar a resiliência e ter uma política de adaptação às mudanças climáticas é um investimento de centenas de bilhões de reais”, diz ele em entrevista à DW.

DW: As tragédias recentes que vimos no Brasil, como a enchente em Santa Catarina no fim de 2023, a seca extrema na Amazônia e a catástrofe recente do Rio Grande do Sul estão de alguma forma interconectadas? Quais relações a ciência consegue traçar?

Carlos Nobre: Essas tragédias têm uma interconexão, sem dúvida. Começando pela bacia do rio Taquari, no centro-norte do Rio Grande do Sul: ela registrou o maior recorde de chuvas e inundações em setembro de 2023. Ali, houve uma relação direta com o El Niño, que estava se desenvolvendo, provocado pelo aquecimento acima do normal no Oceano Pacífico Equatorial.

O El Niño induz uma seca na Amazônia e um aumento da velocidade do jato subtropical, que passa sobre o Uruguai, Paraguai, centro-leste da Argentina e Sul do Brasil. Quando o vento desse jato fica mais forte, a uma altura de 10 a 15 quilômetros, ele faz com que as frentes frias parem ali. Chove muito. O El Niño faz com que esse jato subtropical forte induza chuvas muito fortes no Sul do país.

Essa chuva extrema que vimos semana passada no Rio Grande do Sul, que chegou até o sul de Santa Catarina, é um fenômeno meteorológico um pouco diferente. É um sistema de ondas de todo o Hemisfério Sul entre a região subpolar e as latitudes subtropicais. Esse sistema na última semana estava quase que estacionário, o que a gente chama de bloqueio atmosférico. Havia esse sistema de baixa pressão ao sul e outro de altíssima pressão ao norte. Quando tem um bloqueio de alta pressão, o ar fica mais quente e impede a formação de nuvens. Como está muito quente, cria esta onda de calor, ou domo de calor. No sul, a baixa pressão traz as frentes frias, que ficam estacionadas porque há este sistema de bloqueio.

O El Niño já está numa fase de perder força, o jato subtropical já não está muito forte. Mas, sim, tudo isso tem a ver com o aquecimento global. Os oceanos bateram todos os recordes de aquecimento da história desse o último período interglacial, ou seja, dos últimos 125 mil anos. E quando o oceano está muito quente, evapora muita água e essa água é a fonte de energia para todos os sistema de chuva e indução de áreas de seca. O El Niño existe há milhões de anos, sempre induziu chuvas fortes no Sul, mas bateu-se o recorde agora.

Carlos Nobre

As previsões climáticas feitas anos atrás previam mais chuvas extremas para o Sul do Brasil. Elas estão acertando?

Os modelos matemáticos climáticos rodados há muitos anos já previam. Os modelos com aquecimento global mostram um aumento da chuva anual no Sul do Brasil. Um aumento de 10% a 20%.

O que chama a atenção é que isso está acontecendo de forma muito mais antecipada. Se a gente pegar o relatório do IPCC [Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas] de 2007, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz, eu estava inclusive entre os autores, ele indicava que este tipo de fenômeno poderia acontecer por volta de 2030, 2040. Mas eles [fenômenos dos eventos climáticos extremos] já se anteciparam muito.

No ano passado atingimos o recorde de aquecimento, a temperatura média global já subiu 1,5° C mais quente que o período pré-industrial. Este ano continua quente. A temperatura média do planeta em fevereiro e março de 2024 já bateu 1,56°C mais quente, é o recorde histórico.

Os modelos indicavam que quando a gente atingisse 1,5°C nós já deveríamos já esperar fenômenos muito extremos de chuvas muito intensas e prolongadas como vimos no Rio Grande do Sul.

(…)

Leia a entrevista completa, sem barreiras, na DW.

Rio Grande do Sul ainda vai viver muitos eventos extremos, dizem cientistas do IPCC

Em um relatório publicado em 2023, os especialistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) apontaram pela primeira vez uma relação entre as fortes precipitações observadas na região que engloba o Rio Grande do Sul desde a década de 1950 e as alterações climáticas provocadas pela ação humana.

Segundo a pesquisadora Thelma Krug, vice-presidente do órgão entre 2015 e julho de 2023, a constatação é apenas reforçada pelas fortes chuvas e a subsequente tragédia que afeta o Estado Desde a semana passada.

Os últimos eventos “de certa forma confirmam algo que estamos dizendo há tempos: que, para além das variabilidades naturais que levam aos eventos extremos, existe uma contribuição ou influência humana”, afirma a matemática, que hoje atua como presidente do Comitê de Direção do Sistema Global de Observação do Clima, à BBC News Brasil.

Ainda segundo Krug, apesar da chamada ciência da atribuição climática – que estuda o impacto da atividade humana na probabilidade de ocorrência de fenômenos específicos – ser ainda muito nova, as relações respaldadas pelo IPCC indicam que fortes precipitações como as observadas atualmente podem se tornar mais recorrentes.

“Infelizmente, acredito que há uma probabilidade muito grande de que esses eventos voltem a ocorrer de uma forma mais frequente e intensa”, diz.

O IPCC é um grupo de cientistas definido pelas Nações Unidas que monitora e avalia a ciência relacionada às mudanças climáticas.

Em seu relatório, o IPCC aponta a contribuição humana para o aumento das chuvas na região chamada de Sudeste da América do Sul (SES), que engloba não apenas o Rio Grande do Sul, mas também outros Estado da região sul do Brasil e algumas áreas de nações como Argentina e Uruguai.

A SES é a única que engloba o Brasil onde o IPCC detectou evidências de fortes precipitações relacionadas à ação humana.

O painel classifica sua conclusão como de “baixa confiança”, mas segundo Krug esse é o maior nível de evidência disponível atualmente para a região devido à dificuldade dos cálculos envolvidos.

[A Acadêmica] Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília (UnB) e colaboradora de alguns dos relatórios do IPCC, também vê fortes indícios da influência das mudanças climáticas provocadas pelas atividades antrópicas nas chuvas que provocaram 83 mortes e afetaram 345 dos 497 municípios gaúchos.

Segundo a ecologista, membra da Academia Brasileira de Ciências (ABC), o Rio Grande do Sul sempre foi o ponto de encontro de sistemas tropicais e sistemas polares, o que cria um padrão que inclui períodos de chuvas intensas e outros de seca.

E a tendência é que essa alternância continue se repetindo, mas com cada vez mais intensidade.

“Essa é uma região onde vamos viver muito mais extremos, segundo os modelos climáticos”, diz a especialista.

Thelma Krug e Mercedes Bustamante

Transformação dos Biomas

As fortes chuvas que atingem o Rio Grande do Sul atualmente podem ser explicadas por uma conjunção de fatores de risco, entre eles uma massa de ar quente sobre a área central do país, que bloqueia a frente fria que está na região Sul e faz com que a instabilidade fique sobre o Estado, causando chuvas intensas e contínuas.

Aliado a isso, o período entre o final de abril e o início de maio de 2024 ainda tem influência do fenômeno El Niño, responsável por aquecer as águas do Oceano Pacífico, contribuindo também para que áreas de instabilidade fiquem sobre o Estado.

Essa combinação de diversos fatores de uma única vez é considerada rara pelos especialistas.

No entanto, segundo Mercedes Bustamante, a maior frequência desses “riscos compostos” é apontada na compilação de dados sobre mudança climática do IPCC.

“Há uma convergência de variáveis diferentes que atuam em sinergia e ampliam esse fator de risco”, diz. “Muitas das discussões sobre preparação se referiam a riscos de forma isolada, mas precisamos olhar para os efeitos em cascata e os riscos de forma integrada.”

Bustamante explica que o desmatamento em larga escala do Cerrado nas últimas décadas aumentou a temperatura superficial e reduziu a quantidade de evapotranspiração, ou a devolução da água à atmosfera, na região central do país.

Com menos retorno de umidade, a atmosfera fica mais quente e seca. Em convergência com o El Niño, é essa massa de ar quente que está bloqueando e mantendo a área de instabilidade sobre o Rio Grande do Sul.

“Há um fenômeno regional, que é o El Niño, mas também uma questão associada à transformação dos nossos biomas”, diz.

Ao mesmo tempo, essa mesma massa de ar quente bloqueia os chamados ‘rios voadores’ da Amazônia, uma espécie de curso d’água invisível que circula pela atmosfera. Trata-se da umidade gerada pela Amazônia e que se dispersa por todo o continente sul-americano.

Se esse curso d’água encontrasse um ambiente menos seco na região central do Brasil, parte dele precipitaria ali. Mas nas circunstâncias atuais a umidade é obrigada a desviar pelas bordas da massa quente e úmida, de forma que esbarra nos Andes e é canalizada para o sul do país.

“Tivemos frentes frias que não conseguem ‘subir’ e massas de ar úmido que não conseguem se distribuir para o Brasil central e ‘vazam’ pelos lados”, resume.

Segundo a pesquisadora, esse contexto tornou as chuvas registradas na última semana mais extremas e disseminadas do que as que abateram o Rio Grande do Sul em setembro de 2023.

(…)

Leia a reportagem completa, sem barreiras, no site da BBC News Brasil.

Faperj lança edital inédito para mães cientistas

No dia 2 de maio, em comemoração ao mês das mães, a FAPERJ lançou o edital inédito Apoio às Cientistas Mães com Vínculo em ICTs do Estado do Rio de Janeiro, uma parceria com o Instituto Serrapilheira e com o movimento Parent in Science. O objetivo do edital é apoiar e incentivar professoras/pesquisadoras – com vínculo empregatício em Instituições de Ciência e Tecnologia (ICTs) sediadas no Estado do Rio de Janeiro – que se tornaram mães nos últimos 12 anos, com a concessão de auxílio pesquisa no valor de R$ 120 mil, para apoio das atividades científicas durante o período de reentrada da pesquisadora na vida acadêmica após a maternidade. Uma bolsa de Iniciação Científica poderá ser incluída neste orçamento.

É a primeira vez que o órgão de fomento à pesquisa fluminense lança um edital específico para cientistas que são mães. O projeto teve embasamento teórico e parte do financiamento pelo Parent In Science, movimento brasileiro que se tornou referência no mundo ao ganhar o “Prêmio de Mulheres Inspiradoras na Ciência”, da revista Nature, em 2021, pela divulgação de dados relevantes para os estudos acadêmicos de desigualdade de gênero. Inspirada em experiências internacionais, a iniciativa visa diminuir o esperado impacto da maternidade sobre as atividades acadêmicas da professora/pesquisadora. Igualmente de maneira inédita, o programa ora anunciado também contempla mães de pessoas com deficiência, que poderão submeter uma proposta independentemente da idade do filho ou filha.

A diretora Científica da FAPERJ, Eliete Bouskela, destaca a importância de ações de apoio à maternidade. “Desde o início de minha gestão à frente da Diretoria Científica da Fundação, ações de apoio à maternidade têm sido uma de minhas prioridades”, lembra. “Conseguimos avanços importantes, tais como licença-maternidade para as bolsistas, avaliação diferenciada do currículo Lattes de cientistas mães e permissão da rubrica de recreação infantil no edital de eventos. Este edital é mais uma ação no sentido de apoiar nossas cientistas e permitir que conciliem suas carreiras com a maternidade”, disse.

As propostas aprovadas neste edital serão financiadas com recursos no valor global de R$ 2,3 milhões, definidos na programação orçamentária da FAPERJ e/ou do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico – FATEC; os projetos selecionados receberão dotações da FAPERJ de até R$ 110 mil cada, além de R$ 10 mil adicionais provenientes do Instituto Serrapilheira.

Para o presidente da FAPERJ, Jerson Lima, o edital é uma das ações da Fundação em atendimento a uma demanda das cientistas que encontram dificuldade de retornar, ou mesmo iniciar, uma carreira acadêmica mais consolidada após o nascimento de filhos. “É uma política pública importante para apoiar nossas cientistas e minimizar a desigualdade de gênero”, ponderou.

Para a diretora de Ciência do Serrapilheira, Cristina Caldas, o edital é um marco para o sistema de fomento brasileiro no quesito diversidade e, sobretudo, para reduzir a desigualdade de gênero na ciência nacional. “Um edital como esse sinaliza a importância de reconhecer que mulheres são especialmente afetadas por interrupções em suas carreiras, e que elas podem sim continuar sendo competitivas mesmo depois de terem filhos”, afirmou. “Sabemos do impacto que a maternidade tem na produção científica das mulheres, por isso o sistema de fomento tem que olhar com cuidado para essas interrupções, não deixando de valorizar as cientistas mães”, complementou Cristina.

Serão contempladas, ao menos 21 propostas, distribuídas para cada um dos Colégios estabelecidos pela CAPES: (1) Ciências da Vida, (2) Humanidades e (3) Ciências Exatas, Tecnológicas e Multidisciplinar proporcional a demanda recebida (Áreas de avaliação CAPES).

Segundo Fernanda Staniscuaski, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), coordenadora do movimento Parent in Science, a iniciativa conjunta com a FAPERJ e o Instituto Serrapilheira representa uma ação pioneira no Brasil, destacando o compromisso em apoiar mães cientistas. “Ao oferecer suporte específico para a continuidade da carreira após a maternidade, esse edital não apenas reconhece os desafios enfrentados pelas mulheres na ciência, mas também promove a equidade de gênero e estimula a diversidade no ambiente acadêmico. O impacto será imenso”, avaliou.

Professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e presidente da Comissão Permanente de Equidade, Diversidade e Inclusão da FAPERJ, Leticia de Oliveira considera o edital um marco histórico entre as agências de fomento à pesquisa no País, já que até o presente não há editais de financiamento exclusivos para cientistas mães. “Esperamos que estas iniciativas se popularizem e contribuam de maneira efetiva para a consolidação das carreiras acadêmicas destas mulheres. Não há razão para que as mães não possam ser cientistas ou vice versa”, defendeu.

Clique e acesse a íntegra do edital no link abaixo:

Edital FAPERJ Nº 10/2024 – Programa Apoio às Cientistas Mães com Vínculos em ICTs do Estado do Rio de Janeiro

Grupo L’Oréal lança nova premiação científica voltada para a área de dermatologia de peles negras

O Grupo L’Oréal, parceiro da Academia Brasileira de Ciências na realização do prêmio Para Mulheres na Ciência, está com uma nova premiação no Brasil voltada para pesquisadores na área da dermatologia de peles negras. O Prêmio “Dermatologia + Inclusiva” busca reconhecer e estimular pesquisas realizadas no Brasil que contribuam para o avanço do estudo de questões dermatológicas de pessoas negras em quatro territórios: fotoproteção & hiperpigmentação, acne & pele oleosa, barreira da pele, couro & fibra capilar.

Para garantir imparcialidade e lisura, a seleção dos quatro vencedores da premiação é feita por uma comissão multidisciplinar de especialistas renomeados no Brasil e no mundo, que analisará os projetos quanto aos critérios técnicos de cada um. O júri é composto por Jaqueline Goes, biomédica, mestra em Biotecnologia em Saúde e Medicina Investigativa e Doutora em Patologia Humana, Sérgio Schalka, dermatologista graduado e pós-graduado pela Faculdade de Medicina da USP, Patrícia Maia Campos, farmacêutica com mestrado e doutorado na Universidade de São Paulo, Marco Rocha, dermatologista, mestre e PhD e Francisca Regina, professora Titular de Dermatologia da Universidade do Estado do Pará.

As inscrições podem ser realizadas pelo site até o dia 31 de julho de 2024.  Para participar do prêmio, o candidato precisa ter pelo menos a graduação concluída e não precisa ser necessariamente dermatologista. Qualquer pessoa que esteja realizando pesquisa científica translacional que demonstre contribuição para a área de dermatologia, incluindo pesquisadores de diversas áreas do conhecimento como ciências exatas e biológicas, voltadas para pele e cabelo de pessoas negras, pode entrar. A premiação, com valor total de R$200 mil, será concedida através de 4 prêmios individuais de R$50 mil e os vencedores serão anunciados em novembro de 2024.

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Mudanças climáticas e o novo anormal

*Texto originalmente publicado no portal Sul 21.

O aquecimento da Terra por efeitos antropocêntricos não gera um padrão único de mudanças climáticas. São anomalias que combinadas a fatores locais criam comportamentos de intensidade não observados anteriormente.  A região central do Brasil encontra-se com a atuação de um bloqueio atmosférico, este impede o deslocamento de sistemas frontais, os quais ficam aprisionados na região sul, causando as chamadas frentes estacionárias, que tem como consequência a ocorrência de chuvas intensas e tempestades mais severas.

A novidade na equação anual do clima riograndense é o excesso de vapor vindo da região sudoeste (rios voadores) e o oceano mais quente. Parte deste comportamento tem autoria do El Niño, mas a parte mais substantiva vem do Atlântico mais quente que é um efeito do aquecimento global. A frequência destas chuvas excepcionais demonstram que efeitos extremos são um novo normal. Estas anomalias, no entanto, podem ocorrer não somente sob a forma de chuvas, vendavais e ciclones, mas igualmente secas.

Desastres farão parte da realidade do Rio Grande do Sul. Enfrentá-los requer uma combinação de ciência e administração pública. Conforme a Organização Meteorológica Mundial os Serviços Climáticos (SC) baseiam-se nos resultados da previsão meteorológica e, mais importante, na adaptação desta previsão para as ameaças decorrentes do tempo, e do clima, com o fornecimento de alertas de riscos a setores de hidrologia, agricultura, desastres naturais, aviação, navegação, energia, saúde e muitos outros.  Em síntese, SC não é meramente uma previsão de tempo e de clima e sim uma rede de instituições trabalhando em parceria para minimizar os riscos que a população vem enfrentando.

Isto significa inclusive preparar a população através do ensino nas escolas. 

Temos a necessidade urgente de organizar os diferentes setores da sociedade para formar uma rede unificada entre as diferentes instituições que de forma conjunta possam auxiliar os órgãos governamentais e privados, e aos cidadãos de forma geral, para o planejamento aos riscos decorrentes de eventos extremos de tempo e de clima, associados ou não com mudanças climáticas, bem como se preparar para tomada adequada de ações. 

A intervenção institucional e articulada da UFRGS nesse cenário é crucial. Uma das maiores universidades públicas do Brasil não pode ficar inerte frente a um quadro tão grave. Seja por meio de ações de apoio e suporte a socorro emergencial, ou por meio de ações continuadas de pesquisa e extensão que possam gerar dados e subsídios para decisões e políticas públicas de reversão ou mitigação do quadro de mudanças climáticas. Há no tecido da universidade iniciativas que atuam nessa direção, mas elas precisam ser direcionadas por uma orientação estratégica central, com apoio e articulação institucional que as potencialize e as direcione para as questões emergenciais, sob pena de não realizarem toda sua potência de incidência sobre o quadro que vivemos.

O estabelecimento de um Programa de Serviços Climáticos é estratégico para o estado e temos certeza que tanto a UFRGS como as demais Universidades públicas e privadas do RS certamente seriam parceiras para uma iniciativa como esta. O excepcional é o novo anormal.

Márcia Cristina Bernardes Barbosa, Professora titular do Instituto de Física

Pedro de Almeida Costa, professor associado da Escola de Administração

Rita de Cássia Marques Alves, professora do Instituto de Geociências e PPG de sensoriamento remoto

Leia o artigo na Sul 21.

Fórum de Educação Superior ABC/SBPC debate avaliação das instituições acadêmicas

No dia 30 de abril, aconteceu a terceira edição do Fórum da Educação Superior ABC/SBPC, com o título “Panorama do Ensino Superior no Brasil”. Organizado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o encontro contou com o sociólogo e economista Luiz Roberto Curi, atual presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE) e ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep); e com a cientista política Elizabeth Balbachevsky, vice-coordenadora do Núcleo de Pesquisa sobre Políticas Públicas da USP (NUPPs/USP).

O ensino superior brasileiro enfrenta uma crise de demanda. Em 2022,  apenas 23% das vagas abertas em graduação foram preenchidas. É bem verdade que a taxa de preenchimento de vagas nas instituições públicas federais e estaduais, em torno de 74%, foi bem superior à média nacional, mas como o grosso das vagas abertas, 95%, se deu em instituições particulares, o cenário das públicas se torna pouco representativo do padrão geral do ensino superior no Brasil. Mas mesmo no ensino público a situação não é animadora, a taxa média de evasão, ou seja, de alunos que não concluem o curso, é de 52%.

Esse cenário, num país em que menos de um quarto dos jovens de 18 a 24 anos ingressam no ensino superior, é preocupante e coloca o futuro do país em cheque. Com o avanço nas tecnologias de automatização e inteligência artificial, o que o Brasil faz é deixar que a grande maioria de seus jovens fique confinada à empregos precarizados. “Não provemos aos nossos jovens capacidade de competir no mundo moderno”, sumarizou Balbachevsky.

Ocupação de vagas no ensino superior em 2022. Gráfico apresentado por Luiz Curi. Dados: MEC/Inep – Censo da Educação Superior

Avaliação não reflete o que a sociedade espera do ensino superior

O Brasil é um dos poucos países do mundo que institui uma obrigação legal de processos avaliativos das instituições de ensino superior. Esse esforço regulatório ganhou corpo em 1996 com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que organizou e sistematizou uma série de iniciativas descoladas que já existiam. “Essas primeiras experiências de avaliação foram bem sucedidas pois as comissões tinham autonomia, com avaliadores reconhecidos e que escolhiam quem entrava e que parâmetros seguir, não recebiam um calhamaço de regras pronto”, avaliou Luiz Curi.

Para o palestrante, isso começou a mudar depois que a competência da avaliação foi centralizada no Inep e se consolidou com a criação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes). “O processo se tornou mais sistemático, deixou de ser focado nos avaliadores, mas sim no procedimento. A regulação até 2005 era orientada pela avaliação, e depois se inverteu. A avaliação passou a ser focada mais em normas e limites para evitar o mal-feito, mas que limitavam o bem-feito e a experimentação”.

Diante disso, Curi avalia que a reforma regulatória é um dos principais desafios do Ministério da Educação atualmente. “É importante ter uma avaliação que não vise o conforto da instituição para continuar a perseguir a expansão acrítica de matriculas, mas que vise o melhor para a sociedade brasileira”, sumarizou.

Modelos engessados de educação superior

Se por um lado a educação superior tem o papel fundamental de criar competências e uma população especializada, por outro, o sistema tem uma característica muito perceptível de hierarquização da sociedade, que muitas vezes joga contra o objetivo da inclusão. “Se continuarmos entendendo que 80% dos nossos jovens são formados num ensino com valor hierárquico menor que os 20% formados pelas universidades públicas, continuaremos alimentando desigualdade”, avaliou Elizabeth Balbachevsky.

Nesse cenário, a expansão das cotas e ações afirmativas foi um passo importante, mas que nunca será suficiente dada a própria incapacidade das instituições públicas de acolherem toda a demanda por diplomas do país. “O que temos hoje é um ambiente em que as universidades públicas se veem obrigadas a servir de vitrine para um modelo tradicional de educação e não conseguem se dinamizar. Ao mesmo tempo, as métricas para a avaliação são construídas dentro desse modelo e acabam servindo pouco para avaliar experiências com objetivos completamente diferentes”, completou.

Para ela, o objetivo de expansão do ensino superior demanda que cada vez mais formatos e desenhos institucionais sejam aceitos e valorizados. “A universidade tradicional sempre foi pensada como um instrumento de formação das elites. Um ensino que se massifica não pode ficar preso a esse modelo”.

Isso vale também para os programas de pós-graduação. “O modelo stricto sensu foi pensado como um mecanismo de reprodução da profissão acadêmica, mas agora ele precisa responder a uma demanda muito mais ampla, que só o mercado acadêmico não absorve. Para formar pessoas para outros mercados precisamos construir um modelo muito mais flexível, precisamos olhar com mais carinho para os mestrados e – por que não? – doutorados profissionais”, avaliou.

Os participantes do debate. Os Acadêmicos Aldo Zarbin e Santuza Teixeira coordenam a iniciativa

A questão do Ensino à Distância

A pandemia acelerou inúmeras transformações, uma delas foi a proliferação do ensino à distância (EAD). Hoje, matriculados no EAD já são 40% dos alunos de ensino superior brasileiro e a tendência é de que ultrapassem o número do presencial ainda nesta década. O EAD particular é o modelo de ensino superior que mais abriu vagas no último ano, mas existem preocupações legítimas relacionadas à qualidade. “Há uma defasagem absurda no EAD na proporção de professores e estudantes. Há instituições com 700 mil alunos com cerca de 200 professores, enquanto no presencial temos instituições com 40 mil alunos e 400 professores”, relatou Curi.

Mas para Balbachevsky, é preciso ter cuidado para separar o joio do trigo. Num país como o Brasil, em que a média de idade dos alunos é alta e a maior parte deles se desdobra para conciliar responsabilidades familiares e profissionais com a educação, o modelo EAD é fundamental. “Ele tem um custo de entrada e de saída muito mais baixo, mais atrativo. Mas o modelo precisa ganhar corpo, ser levado à sério, não pode ser uma estratégia de instituições privadas para cortar custos e aumentar receitas. No nosso país, com tantas regiões afastadas, eu consigo imaginar o EAD sendo fundamental, por exemplo, na formação de professores e na capacitação de servidores públicos de cidades interioranas, e em diversas outras áreas também”.

Assista ao debate completo:

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