No dia 30 de abril, aconteceu a terceira edição do Fórum da Educação Superior ABC/SBPC, com o título “Panorama do Ensino Superior no Brasil”. Organizado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o encontro contou com o sociólogo e economista Luiz Roberto Curi, atual presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE) e ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep); e com a cientista política Elizabeth Balbachevsky, vice-coordenadora do Núcleo de Pesquisa sobre Políticas Públicas da USP (NUPPs/USP).

O ensino superior brasileiro enfrenta uma crise de demanda. Em 2022,  apenas 23% das vagas abertas em graduação foram preenchidas. É bem verdade que a taxa de preenchimento de vagas nas instituições públicas federais e estaduais, em torno de 74%, foi bem superior à média nacional, mas como o grosso das vagas abertas, 95%, se deu em instituições particulares, o cenário das públicas se torna pouco representativo do padrão geral do ensino superior no Brasil. Mas mesmo no ensino público a situação não é animadora, a taxa média de evasão, ou seja, de alunos que não concluem o curso, é de 52%.

Esse cenário, num país em que menos de um quarto dos jovens de 18 a 24 anos ingressam no ensino superior, é preocupante e coloca o futuro do país em cheque. Com o avanço nas tecnologias de automatização e inteligência artificial, o que o Brasil faz é deixar que a grande maioria de seus jovens fique confinada à empregos precarizados. “Não provemos aos nossos jovens capacidade de competir no mundo moderno”, sumarizou Balbachevsky.

Ocupação de vagas no ensino superior em 2022. Gráfico apresentado por Luiz Curi. Dados: MEC/Inep – Censo da Educação Superior

Avaliação não reflete o que a sociedade espera do ensino superior

O Brasil é um dos poucos países do mundo que institui uma obrigação legal de processos avaliativos das instituições de ensino superior. Esse esforço regulatório ganhou corpo em 1996 com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que organizou e sistematizou uma série de iniciativas descoladas que já existiam. “Essas primeiras experiências de avaliação foram bem sucedidas pois as comissões tinham autonomia, com avaliadores reconhecidos e que escolhiam quem entrava e que parâmetros seguir, não recebiam um calhamaço de regras pronto”, avaliou Luiz Curi.

Para o palestrante, isso começou a mudar depois que a competência da avaliação foi centralizada no Inep e se consolidou com a criação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes). “O processo se tornou mais sistemático, deixou de ser focado nos avaliadores, mas sim no procedimento. A regulação até 2005 era orientada pela avaliação, e depois se inverteu. A avaliação passou a ser focada mais em normas e limites para evitar o mal-feito, mas que limitavam o bem-feito e a experimentação”.

Diante disso, Curi avalia que a reforma regulatória é um dos principais desafios do Ministério da Educação atualmente. “É importante ter uma avaliação que não vise o conforto da instituição para continuar a perseguir a expansão acrítica de matriculas, mas que vise o melhor para a sociedade brasileira”, sumarizou.

Modelos engessados de educação superior

Se por um lado a educação superior tem o papel fundamental de criar competências e uma população especializada, por outro, o sistema tem uma característica muito perceptível de hierarquização da sociedade, que muitas vezes joga contra o objetivo da inclusão. “Se continuarmos entendendo que 80% dos nossos jovens são formados num ensino com valor hierárquico menor que os 20% formados pelas universidades públicas, continuaremos alimentando desigualdade”, avaliou Elizabeth Balbachevsky.

Nesse cenário, a expansão das cotas e ações afirmativas foi um passo importante, mas que nunca será suficiente dada a própria incapacidade das instituições públicas de acolherem toda a demanda por diplomas do país. “O que temos hoje é um ambiente em que as universidades públicas se veem obrigadas a servir de vitrine para um modelo tradicional de educação e não conseguem se dinamizar. Ao mesmo tempo, as métricas para a avaliação são construídas dentro desse modelo e acabam servindo pouco para avaliar experiências com objetivos completamente diferentes”, completou.

Para ela, o objetivo de expansão do ensino superior demanda que cada vez mais formatos e desenhos institucionais sejam aceitos e valorizados. “A universidade tradicional sempre foi pensada como um instrumento de formação das elites. Um ensino que se massifica não pode ficar preso a esse modelo”.

Isso vale também para os programas de pós-graduação. “O modelo stricto sensu foi pensado como um mecanismo de reprodução da profissão acadêmica, mas agora ele precisa responder a uma demanda muito mais ampla, que só o mercado acadêmico não absorve. Para formar pessoas para outros mercados precisamos construir um modelo muito mais flexível, precisamos olhar com mais carinho para os mestrados e – por que não? – doutorados profissionais”, avaliou.

Os participantes do debate. Os Acadêmicos Aldo Zarbin e Santuza Teixeira coordenam a iniciativa

A questão do Ensino à Distância

A pandemia acelerou inúmeras transformações, uma delas foi a proliferação do ensino à distância (EAD). Hoje, matriculados no EAD já são 40% dos alunos de ensino superior brasileiro e a tendência é de que ultrapassem o número do presencial ainda nesta década. O EAD particular é o modelo de ensino superior que mais abriu vagas no último ano, mas existem preocupações legítimas relacionadas à qualidade. “Há uma defasagem absurda no EAD na proporção de professores e estudantes. Há instituições com 700 mil alunos com cerca de 200 professores, enquanto no presencial temos instituições com 40 mil alunos e 400 professores”, relatou Curi.

Mas para Balbachevsky, é preciso ter cuidado para separar o joio do trigo. Num país como o Brasil, em que a média de idade dos alunos é alta e a maior parte deles se desdobra para conciliar responsabilidades familiares e profissionais com a educação, o modelo EAD é fundamental. “Ele tem um custo de entrada e de saída muito mais baixo, mais atrativo. Mas o modelo precisa ganhar corpo, ser levado à sério, não pode ser uma estratégia de instituições privadas para cortar custos e aumentar receitas. No nosso país, com tantas regiões afastadas, eu consigo imaginar o EAD sendo fundamental, por exemplo, na formação de professores e na capacitação de servidores públicos de cidades interioranas, e em diversas outras áreas também”.

Assista ao debate completo: