Como parte das discussões preparatórias para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5ª CNCTI), a Academia Brasileira de Ciências (ABC) organizou no dia 25 de abril a Conferência Livre – Juventudes e Ciência, de forma online. O evento foi uma parceria com a Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

O encontro abordou os desafios enfrentados por jovens doutores na consolidação de suas carreiras e na inserção no mercado de trabalho, bem como o engajamento da população jovem em CT&I através da divulgação e comunicação científica. Em um ponto bastante atual, o novo e controverso programa de repatriação anunciado pelo CNPq também foi debatido.

Panorama dos jovens doutores brasileiros

Em 2023, um grupo de membros afiliados da ABC divulgou os resultados do projeto Perfil do Jovem Cientista Brasileiro, que ouviu 4.115 pesquisadores com até 15 anos de doutoramento sobre o que pensavam da carreira. Responsáveis por liderar o trabalho, as pesquisadoras Ana Chies e Raquel Minardi trouxeram alguns dados para embasar a conferência.

Dentre os resultados, 74% dos jovens pesquisadores relataram ter muita dificuldade em conseguir financiamento. Uma das políticas mais consolidadas de estímulo à investigação científica, as bolsas de produtividade do CNPq ainda são inacessíveis nessa etapa da carreira. Apenas 10% dos respondentes são bolsistas de produtividade e 8% estão na categoria mais baixa. Outro problema é a desigualdade de gênero, homens têm o dobro de chances de serem bolsistas de produtividade do que mulheres. “O grande problema das bolsas de produtividade é que a competitividade por elas cresce a cada ano, mas o número disponível permanece constante”, avaliou Ana Chies.

A pesquisa também revelou outros números preocupantes. 46% dos jovens doutores não acreditam valer a pena ser cientista no Brasil e 36% não se sentem motivados a continuar. Com relação à assédio, os dados são alarmantes, 47% das mulheres cientistas relataram já terem sofrido assédio sexual no meio acadêmico e 67% relataram assédio moral. Entre os homens, os números são de 12% e 57%, respectivamente.

O projeto foi um dos temas centrais que embasaram as discussões do 5º Encontro Nacional de Membros Afiliados da ABC, realizado em agosto de 2023. Foi produzido um sumário das deliberações, sob coordenação da comunicóloga Thaiane Moreira. As reinvindicações principais foram divididas em sete eixos:

  • Políticas nacionais de capacitação em grandes temas nacionais;
  • Financiamento e transparência na alocação de recursos;
  • Investimento em Comunicação Científica;
  • Políticas de interação público-privado;
  • Inserção dos jovens nos conselhos deliberativos das agências de fomento;
  • Estímulo ao Acesso Aberto de publicações científicas;
  • Combate às desigualdades e assimetrias da carreira.
Os participantes do 1º Painel “Os Desafios para os Jovens Doutores na Consolidação de suas Carreiras Acadêmicas”

Reconhecimento da pesquisa como atividade profissional

Outro documento lançado em 2023, o Dossiê Florestan Fernandes, organizado pela ANPG, aborda a situação profissional dos pós-graduandos no país. Uma das autoras do dossiê, a filósofa Cristiane Fairbanks, trouxe algum de seus resultados principais. “Um dos maiores problemas é que o pesquisador não é só um estudante, ele é um profissional estudante, seu trabalho é produzir ciência. É preciso compreender essa natureza híbrida”, disse.

Para Thaiane Moreira, pesquisar no Brasil não é tratado como profissão, mas como um “penduricalho” que se soma a diversas outras atribuições dos acadêmicos. Isso se reflete na inserção profissional e 70% dos doutores empregados atuam na área de educação. Esse padrão é muito característico do Brasil e bem diferente de países desenvolvidos, onde a maior parte dos doutores consegue entrar no setor privado. Por aqui, a falta de diálogo entre academia e indústria – e a própria falta de indústrias – contribui para um cenário estéril. Mesmo em áreas onde o país possui indústrias fortes, como no agro, o percentual de doutores no setor privado não passa de 30%.

De acordo com números trazidos pelo historiador Paulo Terra, especialista nas relações de trabalho brasileiras, o crescimento exponencial no doutoramento não foi acompanhado por um acréscimo no setor produtivo, o que levou à precarização. No século 21, o número de doutores formados por ano no país cresceu 466%, cinco vezes mais que a média dos países desenvolvidos. O reflexo desse aumento na competição foi que a remuneração de doutores no setor privado caiu 45% no mesmo período, muito acima da média nacional geral (6%).

“Nossa luta precisa ser para que a remuneração seja suficiente para que o mestrando e o doutorando possam realmente ter dedicação exclusiva. O dossiê mostrou que 57% deles já trabalham concomitantemente, mesmo com muitos programas não permitindo. A lei atual precisa se adequar à realidade de que a bolsa não está suficiente. A escolha por fazer ciência não pode ser um prejuízo pessoal para o pesquisador”, sumarizou Fairbanks.

Repatriação de Cérebros

Nas últimas semanas o CNPq anunciou um novo programa de repatriação de talentos que foi recebido com muitas críticas pela comunidade científica. O programa tenta atacar um grave problema da ciência brasileira, a fuga de cérebros para o exterior, mas seus críticos entendem que a medida é um esforço paliativo que não vai no cerne do problema. A ideia é atrair os cientistas com bolsas de até R$ 13 mil por mês, enquanto os pesquisadores que permaneceram no Brasil continuam sofrendo com falta de recursos. “Não sou contra a repatriação, de forma alguma, sou contra não ter reajuste para os pós-graduandos que ficaram por aqui”, sumarizou a presidente da ABC, Helena Nader.

Para a secretária de Políticas e Programas Estratégicos do MCTI, Márcia Barbosa, há uma confusão entre o financiamento contínuo e fomento à iniciativas pontuais. “As verbas para o programa de repatriação vêm do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que voltou a ser totalmente liberado ano passado depois de sete anos de contingenciamentos. Os programas no escopo do FNDCT têm um espírito da excepcionalidade, é algo estratégico, experimental, não é o mesmo dinheiro que vai para o ‘feijão com arroz’”, retrucou.

Mas para o afiliado Walter Beys da Silva, professor de biologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a falta de investimentos no ‘feijão com arroz’ faz com que o programa deixe a comunidade nacional em segundo plano. “Esperávamos mais desse governo, há uma escassez de bolsas do CNPq disponíveis em todas as fases. O modelo de alocação das bolsas, que considera Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade do programa de pós-graduação, é problemático e ainda não foi revisto. Enquanto isso, alocam-se tantos recursos em repatriação.”

Os participantes do painel “Desafios e Estratégias para a Absorção de Recém-Doutores no Mercado de Trabalho”

Percepção Pública e Comunicação Científica”

Saindo um pouco da realidade dos pesquisadores, o debate tomou contornos mais amplos e abordou também a percepção geral dos jovens sobre o campo científico. Membra do INCT Comunicação Pública de Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), a pesquisadora Vanessa Fagundes (UFMG) trouxe dados de levantamentos recentes que avaliaram esse cenário.

Dentre os números mais preocupantes, se avaliou que as redes sociais são a forma mais frequente que 81% dos jovens entre 15 e 24 anos brasileiros utilizam para se informar sobre ciência. “São justamente esses espaços onde eles ficam mais expostos ao negacionismo e à desinformação, por isso é importantíssimo que cientistas disputem as redes”, avaliou.

Mas para a comunicóloga Thaiane Moreira, esse trabalho precisa ser profissional. Ela criticou decretos recentes que restringiram contratação e alocação de pessoal de institutos e universidades federais em comunicação. “Não adianta um pesquisador individual criar uma página no Instagram e acabou. É preciso que as instituições emprestem sua força, tenham setores profissionais. Estamos lutando contra uma máquina de desinformação profissional, não podemos continuar de forma amadora.”

Outro dado preocupante levantado foi que o jovem brasileiro frequenta muito pouco espaços de divulgação, apenas 1% dos entrevistados afirmou ter ido a algum museu no ano anterior. Para a diretora de CT&I da ANPG, Priscila Duarte, é preciso investir em iniciativas que levem a ciência para estudantes de ensino médio. “Estudar uma ciência fechada, só conteúdo, sem enxergar o processo nem as aplicações na sua vida, desestimula. Precisamos de mais atividades práticas.”

Na mesma linha, a coordenadora de Popularização da Ciência e Tecnologia do MCTI, Luana Bonone, afirmou que a pasta está investindo em mais espaços de difusão científica nas escolas, bem como em mais atividades práticas e laboratoriais, inclusive com a concessão de bolsas para alunos e professores que escolherem se engajar nessas atividades. “Queremos fortalecer políticas já existentes, como semanas da ciência, olímpiadas, feiras e museus. A educação básica e média no Brasil ainda tem muito pouco contato com a ciência. Mas só isso não basta se quisermos atrair novos cientistas. É preciso dar perspectiva de futuro e, para isso, só valorizando a carreira.”

As participantes do painel “O Engajamento dos Jovens em CT&I”

Assista a parte da manhã da conferência:

Assista a parte da tarde da conferência: