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A herança de Johanna Döbereiner para a ciência agrícola brasileira e mundial

No dia 28 de novembro de 2024, data em que Johanna Döbereiner completaria 100 anos, a Academia Brasileira de Ciências (ABC), em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), organizou um workshop em sua homenagem, intitulado “A herança de Johanna Döbereiner para a ciência agrícola brasileira e mundial”, com participação de cientistas que tiveram a oportunidade de conviver e trabalhar junto à Acadêmica.

Johanna Döbereiner foi a cientista responsável por revolucionar a agricultura brasileira ao pesquisar bactérias capazes de realizar a fixação biológica do nitrogênio (FBN) atmosférico – um processo que permite a captação de nitrogênio do ar pelas bactérias, que depois o disponibilizam para as plantas, transformando-o em um composto assimilável pelas plantas. Seus estudos foram fundamentais para o avanço do etanol no país e para colocar o Brasil como o maior produtor e exportador de soja do planeta. Estima-se que o fruto de seus trabalhos permita ao Brasil economizar em torno de U$ 15 bilhões por ano, só com a cultura de soja.

As organizadoras do encontro foram a Acadêmicas Mariangela Hungria (ABC, Embrapa), Maria Vargas (ABC) e Ana Tereza de Vasconcellos (ABC, SBPC), junto com a chefe geral da Embrapa, Cristhiane Amâncio.

“Johanna, presente!”

A presidente da Academia Brasileira de Ciências, Helena Nader, agradeceu a presença de todos e às organizadoras pela produção do evento comemorativo da vida de Johanna Döbereiner.  “Se há alguém que está presente na vida da ciência brasileira é ela, assim como César Lattes, também comemorando o centenário este ano. Obrigada, Johanna, você foi uma brasileira de verdade. “

A diretora da ABC Maria Vargas demonstrou seu apreço pela grande cientista que foi Johanna Döbereiner, a primeira mulher a ser vice-presidente da ABC.  Participou de três diretorias e pavimentou o caminho para a primeira presidente mulher da ABC, Helena Nader.

Ildeu Moreira representou a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) na abertura e contou que conheceu Johanna na Reunião Anual da SBPC de 1977, que teve cinco mil pessoas na abertura. “Johanna era a homenageada do ano e fez um discurso empolgante e contundente”.

A chefe geral da Embrapa, Cristhiane Amâncio, representou a presidente Silvia Massruhá. Ela contou que a Embrapa foi onde Johanna desenvolveu toda a sua carreira e a sua vida. “Ao longo deste ano, tivemos diversas comemorações e todas têm como objetivo promover o legado de Johanna Döbereiner, divulgar seu trabalho em microbiologia do solo, tema tão atual até hoje. Queremos popularizar a imagem dela para as mulheres e jovens. Seu legado mostra o quanto a ciência é fundamental à frente do desenvolvimento de produtos que beneficiem a sociedade.”

Uma pessoa rara

O Acadêmico Avílio A. Franco (Embrapa) falou sobre a carreira impecável de uma cientista brilhante e seu impacto na ABC, SBPC e Embrapa, com apresentação elaborada em parceria com o Acadêmico Diogenes Campos (ABC, DNPM) e o físico e historiador da ciência Ildeu Moreira (UFRJ).  Contou que ela nasceu na Checoslováquia, em 1950, e naturali zou-se brasileira em 1956. Destacou a importância de Joanna Döbereiner para a inoculação de leguminosas, relatando que ela integrou a Comissão Nacional da Soja em 1963 e convenceu a comissão a usar a inoculação com rizóbio em vez de adubo nitrogenado.

“Sua maior contribuição na fronteira do conhecimento foi a fixação biológica de nitrogênio em plantas leguminosas, como milho e trigo, com uma tecnologia usada até hoje, com grande resultado. Sua fama estendeu-se mundo a fora: em 1995, Joanna Döbereiner era a cientista mulher brasileira mais citada pela comunidade internacional em 1995 e a quinta mais citada entre homens e mulheres no mundo.

Uma característica fundamental de Döbereiner era a dedicação à identificação e formação de competências.  Seus orientandos hoje estão espalhados, sendo que cinco deles são membros da Academia Brasileira de Ciências (ABC), três são da Academia Brasileira de Ciências Agronômicas (ABCA) e dois são membros da Academia Mundial de Ciências (TWAS). “Nenhum departamento da Embrapa tem ou teve esse nível de pesquisadores”, destacou Avílio.

Eleita membro titular da Academia Brasileira de Ciências em 1977, ela ganhou o Premio México de Ciencia y Tecnología 1992 por indicação da ABC e serviu à Academia como membro da Diretoria e como vice-presidente (1995-97). Contribuiu enormemente par aa criação da área de Ciências Agrárias na ABC e no Programa Aristides Pacheco Leão de Vocações Científicas, em que atuou desde 1994. Representando a Academia, ela participou de diversas comissões e eventos, no Brasil e no exterior, como na Índia, no Chile e na Nigéria.

“Johanna foi exemplar. Em honestidade, dedicação, resiliência, inteligência, entusiasmo, disciplina, argúcia, coragem, empatia, otimismo e intuição”. Uma pessoa rara.

Visão sistêmica

Também pesquisadora da Embrapa e membro da Diretoria da ABC, Mariangela Hungria relatou como a crença de Johanna Döbereiner na fixação biológica de nitrogênio com a cultura da soja mudou o cenário agrícola brasileiro. Sua apresentação foi feita em parceria com Iêda Mendes, pesquisadora da Embrapa Cerrados.

Ela explicou que o que fez Johanna única foi a sua enorme curiosidade científica, a capacidade de formular hipóteses e trabalhar incansavelmente na sua validação, aliadas ao espírito agronômico e à preocupação com o agricultor, buscando ajudá-lo a aumentar a produção agrícola. “Além disso, tinha uma enorme visão sistêmica do processo de FBN, com a clareza de que bons resultados somente seriam alcançados considerando a simbiose planta hospedeira, bactéria e ambiente”, apontou a diretora da ABC.

O trabalho de Johanna Döbereiner envolveu também a busca incansável por estirpes extraordinárias de soja. “Ela encontrou algumas bactérias, como a 29W e a SEMIA 587, que são utilizadas em inoculantes comerciais há 45 anos.”

Hungria relatou que Johanna dizia que “não podemos trabalhar com a ciência feita no exterior, temos que ter a nossa”.

Melhoria do feijão

O pesquisador Enderson Ferreira, da Embrapa Arroz e Feijão, falou sobre as contribuições de Döbereiner para a melhoria da FBN na leguminosa de maior importância alimentar no Brasil, o feijão-comum, quando associado ao Rhizobium, explicou Enderson, contando que Johanna Döbereiner estudou o tema em seu mestrado na Universidade de Wisconsin, com o pesquisador Oscar N. Allen.

Na década de 80, Döbereiner formou pesquisadores como Pedro Arraes, que foi presidente da Embrapa, e Ricardo Araújo. Na época, ambos foram para a Embrapa Arroz e Feijão. Trabalharam com seleção de estirpes de rizóbio e fizeram avaliação da FBN em diferentes genótipos de feijão-comum, desenvolvendo o trabalho de Döbereiner na Embrapa Arroz e Feijão.

FBN para reflorestamento

Um olhar especial para a FBN com árvores leguminosas em ambientes naturais e reflorestamento foi dado pelo pesquisador Sergio Miana de Faria, da Embrapa Agrobiologia. Sua apresentação foi elaborada em conjunto com a Acadêmica Fátima Moreira, da Universidade Federal de Lavras (UFLA).

Ele explicou que a Leguminosae é a família com maior diversidade e número de espécies na flora brasileira, compreendendo mais de 253 gêneros e estando entre as três famílias mais diversas em todos os domínios fitogeográficos do Brasil. “Os biomas brasileiros com mais espécies da família são a Amazônia, a Mata Atlântica e nas maiores altitude do Cerrado, daí o imenso impacto do trabalho de Johanna na região”, destacou Faria.

O pesquisador mostrou a imagem desolada de um tanque de depósito do lavado da bauxita, minério avermelhado que é a matéria-prima do alumínio. Leguminosas florestais foram utilizadas para recuperar solos de regiões mineradas e em um ano já havia grande cobertura do solo.

Campo de mineração de bauxita antes e depois de tratamento com FBN

O famoso km 47 

Já a grande descoberta científica de Johanna Döbereiner sobre a contribuição da FBN em gramíneas foi relatada pelo pesquisador da Embrapa Agrobiologia José Ivo Baldani, que apresentou trabalho realizado com Fábio Bueno dos Reis Junior, da Embrapa Cerrados.

Os gramados do km 47 da antiga rodovia Rio-SP, atual BR 465, onde fica hoje a Fazendnha Agroecológica, criada em parceria da Embrapa Agrobiologia com a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (FRRJ), chamaram a atenção de Johanna Döbereiner na década de 60 e despertaram seu interesse pela FBN em gramíneas. Na foto se pode ver a planta verde, com a bactéria colonizando os tecidos da rizosfera, e a planta seca, na qual não há colonização. Nessa pesquisa foi redescoberta a Spirillum Lipoferum (Azospirillum spp.)

Os gramados do km 47

Baldani contou que quatro bactérias foram batizadas em homenagem à Johanna: a Azospirillum doebereinerae, Gluconacetobacter johannae, Azorhizobium doebereinerae e a Beijerinckia doebereinerae.

Contou também que a prioridade de Johanna era que a bactéria fosse do laboratório ao campo. “Não adianta pesquisa se não chegar no campo,”, ressaltou Baldani

Hoje, com gramíneas, os agricultores obtêm 30 a 40% de aumento no rendimento nas plantas inoculadas.  “O trabalho iniciado pela dra. Johanna continuará a render frutos por muitas gerações”, pontuou Baldani.

Apoio ao Pró-Álcool

Verônica Massena Reis, da Embrapa Agrobiologia, abordou a contribuição do trabalho de Johanna para a produção de cana de açúcar. Ela trabalha com Gluconacetobacter diazotriphicus, bactéria comumente encontrada na cana de açúcar. A inovação foi utilizar o meio de cultivo enriquecido com caldo de cana, Os primeiros estudos mostraram que diferentes variedades de cana eram beneficiadas pelas bactérias, que aumentaram o lucro dos canaviais.

“A produtividade dos alimentos era o foco de Johanna porque realmente se preocupava com a população. Ela dizia que o maior desafio da humanidade era vencer a fome”, destacou Veronica.

Sacola de bactérias

O entusiasmo de Johanna Döbereiner ao longo da vida pela bioquímica da FBN foi o foco do Acadêmico Fabio O. Pedrosa, da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Ele contou que Johanna Döbereiner o encaminhou para fazer o doutorado na Inglaterra e conseguiu para ele uma bolsa do CNPq. “No momento da viagem, a bolsa foi cancelada. Mas consegui ir no ano seguinte, com bolsa da Universidade de Cornell”, disse Pedrosa. Ele trabalha com a bactéria Sp7 de Azospirillum brasilense, que Johanna deu a ele, tirando de sua famosa sacola, sempre cheia de bactérias.

Em 1975, o então ministro João Paulo Reis Veloso ofereceu à Johanna Döbereiner o que ela pedisse de recursos. “Então um dos projetos foi o de FBN e nesse processo ela deu muito apoio à carreira de seus orientandos, inclusive a minha. Ela atraiu pesquisadores de grande renome internacional para um simpósio, em 1977”.

Pedrosa deu continuidade às pesquisas de Johanna envolvendo biologia molecular da FBN. “A doutora Johanna tinha uma seriedade em planejar, conduzir e analisar um experimento se refletia no cuidado e aplicação rigorosa do método científico. Suas mais notáveis e admiráveis características eram sua inteligência, sua tremenda intuição sobre fenômenos biológicos, sua enorme capacidade de trabalho, ousadia e persistência, além de sua elevada cultura e conhecimento científico. Ela dizia que preferia ‘ser cabeça de sardinha do que rabo de baleia’”, completou Pedrosa.

Impacto na vida dos agricultores

O Acadêmico Segundo Sacramento Urquiaga Caballero, da Embrapa Agrobiologia, explicou a importância da quantificação da FBN com leguminosas e gramíneas. O trabalho apresentado foi elaborado por ele, em parceria com Bruno Alves, Claudia Jantalia e Robert M Boddey, todos da Embrapa Agrobiologia.

Urquiaga comentou que Döbereiner sempre valorizou o resultado das pesquisas, especialmente no sentido do impacto no ambiente, nos agricultores e, nos últimos anos, no clima. Ele falou sobre o trabalho deles aplicado à cana, com o conceito de interação planta-bactéria.

“Trabalhamos em condições controladas com quatro variedades de bactéria e as plantas que cresciam mais eram as que tinham as quatro bactérias”, destacou. Ele explicou que a descobriram uma determinada variedade de cana que cresce muito bem em solo muito pobre em nitrogênio, em função da FBN. Essa contribuição fez diferença em plantações de diversas regiões do país.

Ciência e inspiração

As percepções da Dra. Johanna Döbereiner sobre a regulação genética na associação entre gramíneas e bactérias diazotróficas foram apresentadas pela professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Adriana Hemerly.

Ela considera a plasticidade das plantas fascinante e intrigante: como elas percebem os sinais ambientais e modulam seu desenvolvimento para se adaptarem às mudanças no ambiente?

Para desvendar o desenvolvimento das plantas, Adriana estuda os mecanismos envolvidos na interação planta-bactéria, com foco na cana de açúcar. A meta era entender os mecanismos genéticos e epigenéticos da associação.

“Fizemos a análise molecular do conjunto, considerando que o ambiente influi. Usando a biotecnologia, buscamos modular os controles da planta e usamos a melhor combinação planta-bactéria-ambiente na agricultura, agricultura urbana, agrofloresta e restauração vegetal, de forma que todas essas sejam sustentáveis e regenerativas”, relatou a pesquisadora.

Formação científica e humana

Da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), o professor Fábio Olivares falou sobre o impacto das ideias e do treinamento de Johanna Döbereiner na ciência na Europa.

Ele apresentou trabalho realizado junto com Anton Hartmann, do Helmholtz Center Munchen, um grande parceiro científico da doutora Johanna. “A Embrapa era um ambiente internacional, uma internacionalização em casa, que propiciava, também, uma formação humana”, observou Olivares.

Johanna Dobereiner, de acordo com todos os presentes, inspirou muita gente. “Mas quem a inspirou? Ela foi formada no pós-guerra, pelas ideias e pesquisas do dr. Lorenz Hiltner, pioneiro na microbiologia da rizosfera e bacteriologia do solo. Ele morreu 25 anos antes dela começar a estudar, em Munique”, contou o pesquisador. Ao longo de sua formação, Döbereiner interagiu muito com pesquisadores do norte da Escócia, Bélgica, Hungria, França, mas principalmente da Alemanha.

“Hoje, ouvindo a todos, conseguimos compor um quebra-cabeça. Temos em comum Seropédica, a Universidade Federal Rural e a Embrapa.  Um ambiente superexigente cientificamente, mas unido e acolhedor. Os grupos de estudo e discussão eram harmônicos, dava prazer de estarmos juntos, ali” declarou o palestrante

E relatou que Johanna sempre dizia que “só vamos mudar o Brasil por meio do conhecimento. E para isso precisamos divulgar a ciência como uma coisa ordinária e não como algo extraordinário”, concluiu.

Legado em cada um dos descendentes científicos

A contribuição de Johanna Döbereiner para a indústria de inoculantes foi o tema do pesquisador da Associação Nacional dos Produtores e Importadores de Inoculantes (ANPII) Solon Araújo.

Ele contou que foi com Johanna que aprendeu o processo da pesquisa, como se trabalha numa pesquisa. “Ela está viva em cada um dos que estão aqui. O legado é isso, deixar uma continuidade, um processo que se multiplica cada vez mais. Ela sabia como nos incentivar, apostando na nossa capacidade”, afirmou.

Solon contou que, em certo momento, decidiu sair da área da pesquisa e optar pelo setor privado. “Esperava que a doutora Joanna se aborrecesse, mas não foi o que aconteceu. Ela me apoiou, dizendo que ‘não adianta ter pesquisa se o inoculante não chegar ao campo’. Então vá e produza, ela me disse”.

Leveza do ser

Christiane Amâncio tratou do legado de uma mulher à frente de seu tempo no ensino, na formação e na construção de uma nova geração de microbiologistas do solo no Brasil.

Cristhiane contou que conviver com a Johanna cientista no laboratório e na família era muito recompensador. “Ela estimulava a intuição, a paixão pelo que faz, a preocupação com a ponta do camponês, do agricultor. Respeitava os seus alunos e, por isso mesmo cobrava deles o máximo que eles podiam dar.  Seus alunos permearam as áreas mais diversas, levando seu legado para toda parte. Ela tratava tudo cientificamente, com rigor, mas se preocupava com a leveza do ser, tinha o entendimento de que as pessoas não se resumem ao trabalho que fazem”, disse a chefe da Embrapa.

Olhar de família

Um dos netos de Johanna, Daniel Döbereiner, conhecia vários dos pesquisadores palestrantes, porque convivia com eles nas férias escolares, quando passava as férias com os avós em Seropédica. A avó, que não parava de trabalhar , o levava para o laboratório.

“A parte científica eu já conhecia, convivi com ela até os 19 anos. Mas eu não tinha noção da importância que ela tinha, não sabia direito o que ela fazia. Só fui me dar conta de quem ela era aos 24 anos. Isso me fez ver as mulheres com outros olhos, ver o poder que a mulher tem. Fico emocionado de ver o que ela fez para o mundo”, confessou Daniel, emocionado.

Ciência para a sociedade

O físico Ildeu Moreira, ex-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e especialista em história da ciência e divulgação científica, comentou que as apresentações mostraram a força que tem a pesquisa da Johanna, que tem continuidade até agora, inspirando tantos descendentes e evoluindo cientificamente. “Ela contribuiu muito para a economia do país. Precisamos difundir esse conhecimento, sobre os cientistas brasileiros, sobre a ciência brasileira, mostrar que existe uma ciência forte, com gente que faz e que faz bem, para que na hora dos cortes de recursos a sociedade nos ajude a impedir que a ciência e a educação sejam tratadas como temas de menor importância. Precisamos inserir no cotidiano da escola, do ensino médio. A história da ciência no Brasil. Essa discussão tem que permear o ensino médio e a universidade”, ressaltou Moreira.

Maria Vargas encerrou o evento, agradecendo a todos por tudo que aprendeu no evento, apontando que esse trabalho e seu desenvolvimento mostrar como a ciência pode levar o país a um desenvolvimento sustentável.


Assista ao evento na íntegra no canal do YouTube da ABC

Para Mulheres na Ciência 2024: conheça as sete vencedoras

Com o objetivo de contribuir a equidade de gênero na ciência, a premiação já contemplou mais de 120 pesquisadoras do país com bolsas de R$50 mil reais nas áreas de Ciências Físicas, Ciências Químicas, Ciências Matemáticas e Ciências da Vida

Rio de Janeiro, 11 de novembro de 2024 – Impacto de antidepressivos e ansiolíticos em ecossistemas aquáticos, tratamento alternativos e sustentáveis para infecções bacterianas e estudos sobre as novas propriedades de um buraco negro são alguns dos temas de pesquisas das vencedoras da 19ª edição do Para Mulheres na Ciência, iniciativa realizada pelo Grupo L’Oréal no Brasil em parceria com a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Unesco

no Brasil. O principal objetivo é promover e reconhecer a participação da mulher na ciência, favorecendo o equilíbrio dos gêneros no cenário brasileiro e contribuir para o papel chave que elas desempenham na transformação social.

Apesar do número de cientistas no Brasil avançar, com crescimento de 29% nos últimos anos de acordo o relatório da Elsevier-Bori, e as mulheres serem grandes contribuidores para artigos científicos no país, o documento mostra que houve uma diminuição da velocidade de crescimento da participação de mulheres nas áreas de STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia, Matemática), em comparação com o crescimento total de todas as áreas somadas. Além disso, a carreira científica para mulheres ainda é um grande desafio, principalmente para aquelas que almejam cargos de liderança.

Comprometido e aliado ao empoderamento feminino, o Grupo L’Oréal reforça ano após ano o seu papel em apoiar os desafios sociais e contribuir para quebrar estereótipos. Desde 2006, mais de 120 cientistas foram premiadas totalizando um investimento de mais de R$6 milhões em pesquisas no Brasil.

“Completando 65 anos no Brasil, o Grupo L’Oréal está na história das belezas brasileiras. Acreditamos que a beleza empodera mulheres. É por isso que há 19 edições no país, nos dedicamos a apoiar mulheres na ciência”, comenta Cristina Garcia, Diretora de Pesquisa Avançada e Comunicação Científica do Grupo L’Oréal para América Latina, que complementa, “Acreditamos que a ciência é a chave para solucionarmos os desafios sociais, e os projetos das nossas laureadas são a prova de que a inclusão no ambiente científico é fundamental para maior inovação e contribuição. Queremos ver mulheres cientistas liderando e sendo protagonistas da própria história”, afirma.

Todos os anos, o programa premia sete pesquisadoras com uma bolsa-auxílio de R$50 mil reais nas áreas de Ciências da Vida, Ciências Físicas, Ciências Químicas e Ciências Matemática. Na categoria Ciências da Vida, as vencedoras foram Fernanda Rodrigues Soares, Luisa Campos Caldeira Brant, Manuela Sales Lima Nascimento e Raquel Aparecida Moreira. Já na categoria Ciências Físicas, quem ganhou foi a Carolina Loureiro Benone. Larissa Ávila Matos foi reconhecida na categoria Ciências Matemáticas e Marcele Fonseca Passos na categoria Ciências Químicas.

O prêmio será entregue no dia 27 de novembro, em cerimônia fechada realizada no hotel Fairmont, no Rio de Janeiro. A iniciativa faz parte de um programa global que contempla anualmente mais de 350 jovens cientistas pelo mundo em 110 países por meio das iniciativas regionais e nacionais.

Conheça abaixo as vencedoras:

 As dras. Carolina, Fernanda, Larissa, Luisa, Manuela, Marcele e Raquel, laureadas de 2024

Ciências da Vida

A bióloga Raquel Aparecida Moreira, professora na Universidade de São Paulo (USP), investiga como a presença de medicamentos antidepressivos e ansiolíticos impactam organismos dos ecossistemas aquáticos. Sua hipótese é que, assim como esses medicamentos alteram o comportamento humano, as medicações podem também alterar o comportamento de animais aquáticos. A pesquisadora irá avaliar se, na presença desses medicamentos, peixes e crustáceos mudam a forma como reagem a ameaças, como a presença de um predador, e investigar se, após exposição prolongada, esses animais desenvolvem dependência química aos compostos estudados. Para Raquel, é fundamental reconhecer as interconexões entre saúde humana, saúde animal e saúde ambiental, uma perspectiva, conhecida como “one health” ou saúde única. O estudo da ecotoxicologia – ou seja, dos diferentes efeitos da contaminação ambiental sobre a saúde dos ecossistemas e a biodiversidade – é essencial para a gestão da qualidade da água, do solo e da saúde pública.

Já a professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Manuela Sales Lima Nascimento, também vencedora da categoria Ciências da Vida, vai investigar a infecção congênita causada pelos agentes da sífilis e da toxoplasmose. A pesquisa pioneira tem como objetivo avaliar se essas infecções congênitas causam alterações no sistema imunológico dos bebês. A hipótese é que a exposição intrauterina aos agentes infecciosos pode remodelar a resposta imunológica das crianças, levando a diferentes graus de imuno regulação e/ou imuno comprometimento. Os resultados da pesquisa vão ajudar a orientar o acompanhamento clínico de bebês com infecções congênitas, por exemplo, em relação a que vacinas eles precisam tomar e em que momento.

Outra vencedora da categoria Ciências da Vida foi a Luisa Campos Caldeira Brant, que deseja implementar o uso de aplicativos para celular no atendimento à saúde após alta hospitalar – como líder na área cardiovascular, o seu foco maior está em doenças relacionadas ao campo. Um tempo atrás, ela contribuiu para o desenvolvimento de um aplicativo em um projeto em parceria com cinco universidades norte-americanas, liderado pela Universidade Stanford, e agora está adaptando a metodologia para o contexto brasileiro, como professora na Universidade Federal de Minas Gerais. Por exemplo, nas recomendações de mudanças de estilo de vida dos pacientes, a ferramenta sugere dietas focadas nos alimentos disponíveis no Brasil, e atividades físicas que fazem parte do nosso dia a dia. Luisa espera que a plataforma digital possa, no futuro, ser de fato aplicada à prática clínica no Brasil e adaptada para o acompanhamento de pacientes com outras condições de saúde, em especial as doenças crônicas não transmissíveis.

Por fim, o projeto da também laureada por Ciências da Vida, Fernanda Rodrigues Soares, Professora da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, tem como objetivo desenvolver um teste genético que ajude a orientar o tratamento de pacientes com doença coronariana com obstrução dos vasos sanguíneos do coração, adaptado para o perfil da população brasileira. A maioria dos estudos desenvolvidos sobre o tema tem como base em informações genéticas de populações europeias, e o objetivo da professora, que hoje cursa pós-doutorado na Universidad de Extremadura, na Espanha, é adaptar o estudo para o Brasil. A ideia é que o resultado ajude a identificar se os pacientes têm ou não boa chance de responder ao uso de um medicamento utilizado após a cirurgia de angioplastia, a fim de que o sangue não coagule. Para isso, ela vai coletar dados genéticos e clínicos de pelo menos 500 pacientes que passaram por angioplastia. No futuro, o teste pode se tornar uma ferramenta valiosa para orientar a tomada de decisões clínicas e salvar a vida de muitos pacientes brasileiros.

Ciências Físicas

A professora da Universidade Federal do Pará, Carolina Loureiro Benone está interessada em estudar buracos negros “cabeludos” e suas propriedades. “Gostaria de entender mais sobre esses objetos na presença de matéria, essa é uma forma de pensar em como vamos conseguir, um dia, observá-los no espaço”, explica a pesquisadora. Ela ainda quer investigar a estabilidade de um tipo particular de estrela, chamada de estrela de bósons.

Preditos há mais de um século pela Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein, os buracos negros ainda são objetos celestes misteriosos: ninguém ainda foi capaz de observá-los diretamente, embora estejam chegando cada vez mais perto. A professora da Universidade Federal do Pará e laureada por Ciências Físicas, Carolina Loureiro Benone está interessada em estudar buracos negros “cabeludos” e suas propriedades. “Gostaria de entender mais sobre esses objetos na presença de matéria, essa é uma forma de pensar em como vamos conseguir, um dia, observá-los no espaço”, explica a pesquisadora. Ela ainda quer investigar a estabilidade de um tipo particular de estrela, chamada de estrela de bósons.

Ciências Químicas

Unindo a responsabilidade ambiental com a ciência, a também professora da Universidade Federal do Pará, Marcele Fonseca Passos está buscando um tratamento alternativo para a prevenção de infecções bacterianas em feridas, como a leishmaniose cutânea. A doença comum na região amazônica é transmitida por mosquitos e o tratamento disponível possui um custo alto, com possíveis efeitos colaterais após a sua utilização prolongada.

Por isso, o objetivo da pesquisadora é encontrar curativos que sejam eficazes e fáceis de trocar sem causar mais dor ao paciente. Para isso, utiliza óleos e extratos de plantas da Amazônia. Com a ajuda da nanotecnologia e da bioimpressão 3D, Marcele quer preparar as substâncias para a aplicação em curativos tridimensionais inteligentes, que imitam tecidos biológicos e permitem a liberação controlada da medicação no local da ferida.

O desenvolvimento dessa nova proposta terapêutica passa pela exploração sustentável dos recursos naturais, com respeito às comunidades locais e incluindo o conhecimento tradicional no avanço da pesquisa médica. Marcele espera que essa abordagem inovadora possa, um dia, se concretizar em um avanço significativo no tratamento da leishmaniose e outras doenças negligenciadas, e que esteja disponível pelo Sistema Único de Saúde.

Ciências Matemática 

Formada em estatística e professora na Universidade Estadual de Campinas, Larissa Ávila Matos, se dedica a desenvolver métodos estatísticos para lidar com situações em que os dados não são perfeitos – por exemplo, quando há informações faltando ou quando os dados são distorcidos de alguma forma. Alguns equipamentos médicos de medição têm limitações, isto é, não conseguem quantificar valores acima ou abaixo de certos limites. A falta de dados precisos dificulta a interpretação de resultados e a tomada de decisões clínicas. Por isso, a pesquisa da Larissa busca soluções para lidar com essas limitações de forma precisa e eficiente.

Sobre o Grupo L’Oréal

O Grupo L’Oréal se dedica à beleza há 115 anos. Com seu portfólio internacional único de 37 marcas diversas e complementares, o Grupo gerou vendas no valor de 41.18 bilhões de euros em 2023 e conta com mais de 90 mil colaboradores em todo o mundo. Como líder mundial em beleza, a empresa está presente em todas as redes de distribuição: mercados, lojas de departamento, farmácias e drogarias, cabeleireiros, varejo de viagens, varejo de marca e e-commerce. Pesquisa & Inovação, e uma equipe de pesquisa dedicada de 4.000 pessoas, estão no centro da estratégia da L’Oréal, trabalhando para atender as aspirações de beleza em todo o mundo. Reforçando seu compromisso de sustentabilidade, a L’Oréal anunciou o programa L’Oréal Para o Futuro e estabeleceu metas ambiciosas de desenvolvimento sustentável em todo o Grupo para 2030, visando capacitar seu ecossistema para uma sociedade mais inclusiva e sustentável.

No Brasil, quarto maior mercado de beleza do mundo, a companhia completa 65 anos em 2024 e é uma das líderes entre as empresas de beleza, com um portfólio de 20 marcas no país, como L’Oréal Paris, Maybelline, Garnier, Niely, Colorama, Kérastase, L’Oréal Professionnel, RedKen, La Roche-Posay, Vichy, SkinCeuticals, CeraVe, Lancôme, Giorgio Armani, Yves Saint Laurent, Ralph Lauren, Cacharel, Prada, Azzaro e Mugler.


Imprensa – Grupo L’Oréal no Brasil
FSB Holding
Tiffany Pancas – tiffany.pancas@fsb.com.br 
Tatiana Reid – tatiana.reid@fsb.com.br
Fernanda Blanes – fernanda.blanes@fsb.com.br

 

 

Financiamento focado apenas em inovação resultará na escassez de novas ideias científicas, alerta Helena Nader

No Fórum Mundial de Ciência de 2024, realizado em Budapeste, a presidente da Academia Brasileira de Ciências, Helena Nader, destacou que a confiança na ciência não é um conceito uniforme, mas sim um fenômeno complexo profundamente enraizado nos contextos locais e na compreensão cultural.

“A confiança na ciência depende da comunidade em que você está inserido”, observou Nader, questionando a existência de um conceito único e global de confiança científica, dado que inclusive ela pode aumentar em alguns países enquanto diminui em outros. Nader destacou um equívoco fundamental que muitas pessoas cometem em relação ao conhecimento científico. “A ciência é algo que é construído continuamente”, disse, explicando que, diferentemente de sistemas de crença rígidos, a ciência é um processo dinâmico de aprendizado contínuo e coleta de evidências, algo a que muitas pessoas não estão acostumadas.

Referindo-se à Teoria da Evolução de Charles Darwin, Nader descreveu como o entendimento científico evolui. “Era uma teoria baseada em algumas evidências [quando foi publicada], mas, ao longo do tempo, mais evidências foram sendo coletadas para provar que está correta”, explicou. Essa abordagem contrasta claramente com sistemas de crença estáticos, cujos princípios fundamentais permanecem inalterados, independentemente de novas informações.

Ela remeteu-se ainda à intrincada relação entre ciência, sociedade e cenários políticos. Nader defendeu uma abordagem mais detalhada de neutralidade científica, enfatizando a importância da objetividade profissional ao mesmo tempo que reconhece o contexto global complexo em que a pesquisa científica opera. “Os cientistas não deveriam ser políticos”, afirmou, destacando a necessidade de equilibrar perspectivas individuais e responsabilidades profissionais. Essa postura ficou especialmente evidente ao discutir as respostas científicas a conflitos globais.

A cientista expressou frustração com as formas inconsistentes pelas quais as comunidades científicas reagem a diferentes eventos geopolíticos, apontando a necessidade de uma abordagem mais principiada e uniforme. Sua crítica refletiu um compromisso filosófico mais amplo com princípios universais: a agenda do Fórum Mundial de Ciência, “não deixar ninguém para trás”. Aí se defende uma abordagem mais abrangente, que inclui os direitos humanos e o compromisso com a ciência de mmodo a transcender fronteiras políticas e ideológicas.

Representando as academias do S20, Nader destacou a diversidade da comunidade científica global. Os países do G20 estão longe de ser homogêneos e suas diferenças demográficas e econômicas criam desafios científicos únicos para cada nação participante. As necessidades científicas de populações envelhecidas no Japão e na Europa, por exemplo, diferem dramaticamente daquelas de países com demografias mais jovens, como Índia e Filipinas. Essas variações exigem abordagens flexíveis e adaptativas para a pesquisa científica e o financiamento globais.

Nader expressou frustração com as formas inconsistentes pelas quais as comunidades científicas reagem a diferentes eventos geopolíticos, apontando a necessidade de uma abordagem mais uniforme. Sua crítica refletiu um compromisso filosófico mais amplo com princípios universais: a agenda do Fórum Mundial de Ciência, “não deixar ninguém para trás”, defende uma abordagem mais abrangente, que inclua os direitos humanos e o compromisso com a ciência de modo que estes transcendam fronteiras políticas e ideológicas.

Apesar dessas claras diferenças regionais, Nader identificou vários desafios científicos universais que exigem abordagens colaborativas globais. A inteligência artificial emergiu como uma área crítica de preocupação, com pesquisadores de todo o mundo enfrentando questões de controle tecnológico e implementação ética. A recomendação do S20, também incorporada na mais recente declaração do G20, defende uma gestão colaborativa da IA. “[A IA atualmente é controlada] pelas grandes empresas de tecnologia. Então, vamos competir com elas ou podemos, como países, fazer algo diferente?” questionou Nader, destacando a necessidade de estratégias internacionais coordenadas.

Além das preocupações tecnológicas, as reflexões de Nader abarcam desafios globais mais amplos. “Precisamos de uma bioeconomia para resolver o problema da fome globalmente”, argumentou, destacando também a necessidade de abordagens que priorizem a saúde nutricional em vez do consumo de alimentos processados. A acessibilidade aos cuidados de saúde foi outro tema Nader enfatizou a necessidade de desenvolver estratégias para reduzir os custos médicos e garantir acesso equitativo a tratamentos avançados, reconhecendo as significativas disparidades nos sistemas de saúde globais.

A vulnerabilidade do financiamento à pesquisa

Outro fenômeno, infelizmente global, que surgiu na discussão foi o estado cada vez mais vulnerável do financiamento à pesquisa científica. Nader expressou profunda preocupação com a suscetibilidade dos programas de financiamento à pesquisa científica às flutuações políticas. “Não temos uma política científica que seja indiferente a quem está no poder”, lamentou. Várias eleições no último ano evidenciaram como mudanças potenciais de liderança podem impactar dramaticamente as políticas científicas e as prioridades de pesquisa.

Essa imprevisibilidade cria incertezas para pesquisadores e instituições,  sufocando potencialmente o progresso científico de longo prazo. Um exemplo pungente disso é a Argentina, que já foi um líder regional e global em políticas educacionais e alfabetização científica, mas que agora reverteu drasticamente o curso, com o governo atual cortando o financiamento ao Conicet e às universidades. Conforme explicou Nader, tudo isso é apoiado por uma geração jovem, de forma um tanto contraintuitiva, em busca de mudanças indefinidas no status quo, apesar das potenciais consequências negativas de longo prazo para a pesquisa científica e a educação.

O declínio na atratividade das carreiras científicas

Um dos pontos mais reforçados por Helena Nader foi o desinteresse dos jovens pelas carreiras em ciência, particularmente nos países ocidentais. Ela observou um declínio dramático nas matrículas em programas de pós-graduação, atribuindo essa tendência à redução do prestígio profissional e às mudanças nos valores sociais. “Ser cientista era uma profissão prestigiada. Ser professor era uma profissão prestigiada”, refletiu. Agora, salários reduzidos, reconhecimento social limitado e o apelo de carreiras alternativas por meio das mídias sociais contribuíram para essa tendência preocupante.

Com convicção apaixonada, Nader também defendeu a importância crítica da pesquisa científica básica, argumentando contra a tendência de priorizar inovações imediatas em detrimento da exploração científica fundamental. Esquemas de financiamento que se concentram apenas na inovação resultarão em uma escassez de novas ideias científicas. “Haverá uma seca [de ideias], porque o ingrediente inicial da inovação é a ciência básica”, alertou.

Ela ilustrou a necessidade de compromisso de longo prazo no financiamento de pesquisas de ponta por meio dos exemplos da computação quântica e do desenvolvimento de vacinas de mRNA. No primeiro caso, estamos investindo em uma tecnologia cujos benefícios serão vistos apenas mais tarde (talvez em algumas décadas), enquanto no segundo temos uma tecnologia revolucionária que emergiu de quase meio século de pesquisa científica fundamental. O desenvolvimento de vacinas de mRNA ressoou particularmente como um testemunho do valor de longo prazo da pesquisa científica básica. “Tudo o que foi necessário [para desenvolver esse tipo de vacina] foi descoberto por meio da ciência básica que começou nos anos 1980.”

Ao final da discussão, a Profa. Nader fez um apelo para que a sociedade reconheça o papel fundamental da ciência no progresso tecnológico e humano. “Se não fizermos ciência agora, vamos sentir o impacto em 20 anos”, alertou, sublinhando as profundas consequências de longo prazo de políticas científicas míopes e do apoio público diminuído.

Sua mensagem foi clara: a pesquisa científica não é um luxo, mas uma necessidade. Ela exige investimento contínuo, compreensão pública e um compromisso com o aprendizado e a exploração constantes.

Os recifes da Amazônia existem

Ronaldo Francini Filho, biólogo da Universidade de São Paulo (USP), e a Acadêmica Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília (UnB), publicaram artigo na piauí em 25 de novembro, no qual apontam que esses corais estarão em risco se forem abertos novoes poços de petóleo na região. Leia mais!

Recentemente, fomos surpreendidos por declarações da diretora de exploração e produção da Petrobras, Sylvia dos Anjos, questionando as contribuições humanas para a mudança climática e a existência de corais e recifes vivos na Amazônia. Os argumentos causam espanto pela fragilidade, por já terem sido refutados por evidências científicas e, acima de tudo, porque foram vocalizados por uma gestora da mais importante estatal do Brasil.

A discussão sobre os recifes entrou para o manual negacionista. A criação de falsas controvérsias prejudica o debate e planta dúvidas sem fundamento. Alegações de que os recifes da Amazônia não passam de uma “fake news” científica, como disse a diretora da Petrobras, são improcedentes e desconsideram a vasta literatura científica que atesta a existência e a relevância ecológica desses ecossistemas recifais, conhecidos no meio acadêmico como o Grande Sistema de Recifes da Amazônia (Gars, na sigla em inglês).

Piraúna (Cephalopholis fulva) se refugiando em uma esponja a cerca de 110 m de profundidade, na costa do Pará, região contemplada pelo Grande Sistema de Recifes da Amazônia  Foto: Ronaldo Francini-Filho/Greenpeace

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Os recifes da Amazônia, embora constituídos principalmente de algas calcárias, abrigam em abundância diversos grupos de corais, incluindo os “corais verdadeiros” (Scleractinia), os corais-negros (Antipatharia) e as gorgônias (Octocorallia). Contemplam também outros organismos, como esponjas, briozoários e diferentes grupos de algas. O Gars é um importante corredor de migração que conecta organismos marinhos do Sul do Caribe e do Brasil. Oferece aos pescadores brasileiros uma profusão de peixes, entre eles o pargo (Lutjanus purpureus). A cadeia produtiva do pargo movimenta a economia de muitas cidades do Norte brasileiro. Só em Bragança (PA), foram 110 milhões de reais em 2019.

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A exploração de petróleo na Foz do Amazonas, defendida por diretores da Petrobras e integrantes do governo federal, impõe escolhas complexas e potencialmente impactantes para o Brasil. Estão em jogo não apenas ecossistemas sensíveis, como também o possível agravamento da crise climática. É fundamental, neste momento, preservarmos a cautela e a boa ciência.

Leia a matéria na integra no site da piauí

Qual o futuro da saúde e da ciência dos Estados Unidos

Leia texto da Acadêmica Alicia Kowaltowski para o jornal Nexo, publicado em 11/11:

Lembro claramente de minha sensação de incredulidade ao acordar numa madrugada de novembro de 2016 e descobrir que Trump havia sido eleito presidente dos EUA. E cá estamos, num déjà vu bizarro em 2024, vendo o mesmo indivíduo novamente eleito, mesmo tendo passado pela maior crise de saúde mundial do século sob sua questionável liderança, e mesmo após o Trump ter sido condenado como criminoso. E nem temos como culpar o peculiar sistema eleitoral norte-americano; a vitória de Trump é a inquestionável vontade da maioria, como mostram os resultados das urnas. 

Mas o que é democrático não é necessariamente o melhor para uma sociedade, mesmo sendo a democracia o melhor sistema que temos. Me preocupo sobremaneira nesse sentido com os planos do novo governo Trump em relação à saúde e à ciência estadunidenses, que são norteadores para o resto do mundo. O ex-presidente poderia se vangloriar com seu protagonismo anterior em iniciativas de inegável sucesso do seu próprio governo como o “Operation Warp Speed”, parceria público-privada responsável pelo desenvolvimento, produção e distribuição de vacinas contra a covid-19, uma incrível vitória da ciência e saúde pública na pandemia. Mas essa operação nem sequer foi mencionada em sua campanha atual. Muito pelo contrário: em campanha, o presidente eleito reforçou que um líder do movimento antivacina, Robert F. Kennedy Jr., será central para as ações de saúde de seu segundo mandato como presidente.

Já escrevi sobre RFK Jr anteriormente, pois ele faz parte da “Dúzia de Desinformantes”, grupo de apenas 12 pessoas influentes que gera a vasta maioria de informações falsas na internet sobre o efeito de vacinas, catalisando o mortífero movimento de hesitação vacinal. A atuação de RFK Jr não se limita a ações antivacinas, e também inclui teorias conspiratórios bizarras, que seriam risíveis se não tivessem tantos seguidores, como a de que celulares causam câncer no cérebro, de que pasteurização do leite (que garante sua higiene) geraria de alguma forma não especificada um risco de saúde, e que a presença de flúor na água (uma medida segura e universalmente reconhecida por aumentar a saúde bucal da população) é a causa de doenças crônicas.

É justamente em doenças crônicas e na infância que os discursos atuais de RFK Jr se focam, com o slogan “Make America Healthy Again” (faça a América saudável novamente), adaptação do slogan trumpista “Make America Great Again”. Embora uma ou outra de suas propostas possua base lógica, como a vontade de diminuir alimentos ultraprocessados nas refeições das escolas, a grande maioria de seus discursos são conspiratórios e mostram enorme desconhecimento de causa em procedimentos de saúde pública, como é de fato esperado para uma pessoa que não possui nenhuma experiência ou formação na área.

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Essa ameaça vai de encontro a um plano do primeiro governo Trump que promete ser reavivado em 2025 de se reclassificar funcionários públicos, incluindo cientistas, de modo que suas posições não sejam mais protegidas de mudanças políticas. RFK Jr culpa o FDA por aprovar vacinas, que ele erroneamente ainda diz ter relação com autismo, e não aprovar o uso de ivermectina para tratamento de covid, algo que paradoxalmente ele liga a práticas corruptas da “grande Farma”, que ironicamente vende drogas como a própria ivermectina. 


*[A Acadêmica] Alicia Kowaltowskié médica formada pela Unicamp, com doutorado em ciências médicas. Atua como cientista na área de Metabolismo Energético. É professora titular do Departamento de Bioquímica, Instituto de Química da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. É autora de mais de 150 artigos científicos especializados, além do livro de divulgação Científica “O que é Metabolismo: como nossos corpos transformam o que comemos no que somos”. Escreve quinzenalmente às quintas-feiras.

Leia a matéria original no jornal Nexo

Astrofísica da NASA Rosaly Lopes fará palestra na ABC

No dia 27 de novembro às 16h, na sede da ABC, a astrofísica brasileira Rosaly Mutel Crocce Lopes da NASA, fará uma palestra intitulada “Luas geladas e criovulcanismo: Descobertas da missão Cassini”. Ela será apresentada pelo Acadêmico Álvaro Penteado Crósta.

A missão Cassini-Huygens orbitou Saturno de 2004 a 2017 fazendo novas descobertas sobre a atmosfera, os anéis e as muitas luas de Saturno. A Cassini carregava uma sonda, Huygens, que pousou em Titã, a maior lua de Saturno, revelando sua superfície pela primeira vez. Nos últimos meses da missão a Cassini orbitou mais perto de Saturno e, finalmente, mergulhou no planeta em setembro de 2017, encerrando a missão. A palestra analisará as muitas descobertas feitas pela missão e por sua equipe internacional de cientistas, principalmente a geologia da paisagem de Titã, desvendada pelo sensor imageador de radar, e o vulcanismo de gelo nas luas Encélado e Titã. A palestra também abordará a possibilidade da lua Titã ser habitável.

Sobre a palestrante 

Rosaly Mutel Crocce Lopes é brasileira, carioca. Mudou-se para Londres aos 18 anos e ingressou no curso de astronomia na Universidade de Londres, onde formou-se como uma das primeiras da classe em 1978. No seu último semestre, fez um curso de ciência planetária com o geólogo John Guest e na terceira semana de curso, o Monte Etna, na Itália, explodiu. Rosaly então resolveu mudar de área e estudar vulcões, tanto na Terra quanto no espaço.

Fez o mestrado e o doutorado na mesma universidade. Em seu doutorado, Rosaly se especializou em geologia e vulcanologia planetária, terminando seu Ph.D. em ciência planetária em 1986 com uma tese que comparava os processos vulcânicos em Marte e na Terra. Durante o doutoramento, viajou bastante, visitando vulcões ativos e tornou-se membro do time de vigilância de erupções vulcânicas do Reino Unido. Estudou ainda criovulcanismo em luas geladas.

Ingressou no Jet Propulsion Laboratory, da NASA, em Pasadena, EUA, como pesquisadora residente, em 1989 e depois de dois anos, tornou-se membro do projeto da sonda Galileo, onde identificou 71 vulcões ativos na superfície de Io, satélite de Júpiter. Em 2002 passou a integrar a equipe do Radar Cassini, no qual atuou até 2019. Integrou também a missão New Horizons, como colaboradora nas observações do sobrevoo de Júpiter. Atualmente ela é vice-diretora e cientista-chefe da Diretoria de Ciências Planetárias do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA. Seus trabalhos incluem 156 publicações revisadas por pares e dez livros. 

Foi homenageada com diversos prêmios e títulos, dentre os quais o Prêmio de Serviço Público Excepcional da NASA (2019) e Medalha de Serviço Excepcional (2007); Prêmio Embaixadora da American Geophysical Union (AGU) e membro honorário (2018); Membro da Geological Society of America (2015); Membro da American Association for the Advancement of Science (2006). O asteroide (22454) foi batizado como Rosalylopes.

INSCREVA-SE para participar presencialmente 


O evento será transmitido pelo YouTube da ABC

Centenário da Acadêmica Eloisa Mano na ABC

O Instituto de Macromoléculas Professora Eloisa Mano (IMA-UFRJ) da Universidade Federal do Rio de Janeiro convida os membros da ABC para a Cerimônia Comemorativa do Centenário da Profa. Eloisa Mano no dia 24 de outubro, 5a feira, às 14h. A diretora da Academia Brasileira de Ciências, profa. Maria Vargas, representará a presidente da ABC, profa. Helena Nader.

Integrarão a cerimônia a vice-reitora da UFRJ Profa. Cássia Curan Turci (A CONFIRMAR), o pró-reitor de pesquisa Prof. João Torres (A CONFIRMAR), a diretora do IMA e vice-decana do CT, profa. Maria Inês Bruno Tavares, o decano do Centro de Tecnologia (CT) Walter Suemitsu, o vice-diretor do IMA prof. Emerson Oliveira da Silva, o representante do Itamaraty diplomata Francisco Nelson de Almeida Linhares Junior e representantes da família.

A cerimônia será fechada para convidados e transmitida pelo YouTube da ABC e pelo YouTube do IMA.

Os Acadêmicos interessados em comparecer por gentileza confirmem presença até a próxima 3a feira, dia 22/10 pelo e-mail gfmello@abc.org.br, colocando no Assunto: confirmação de presença Centenário Acadêmica Eloisa Mano.

 

Entrevista: quando os primeiros humanos chegaram às Américas?

Leia entrevista de Bela Lobato com a Acadêmica Mara Hutz, uma das autoras do novo livro da ABC “Evolução é Fato”, para a revista SuperInteressante, publicada em 20/10:

Os Homo sapiens surgiram na África há cerca de 200 mil anos. Desde então, as comunidades humanas viveram a maior parte da sua existência de forma nômade, migrando de um lugar para o outro. Os primeiros dois terços da nossa história se passaram exclusivamente na África, e foi só há cerca de 60 mil anos que as populações começaram, lentamente, a migrar para outros continentes.

Saindo da África, os humanos seguiram se espalhando pelo norte, em direção à Ásia e à Europa. A migração para a Oceania se deu através das ilhas do sul da Ásia há cerca de 60 mil anos, e a América foi o último continente a ser ocupado.

A data exata da chegada às Américas, porém, é um tópico de debate acirrado entre os cientistas, já que existem teorias que disputam entre si. O consenso científico – ou seja, o que a maioria dos cientistas acredita – é que o povoamento veio da Sibéria para o Alasca, no norte da América do Norte, através de uma passagem chamada Estreito de Bering, há cerca de 14 mil anos. Seria algo relativamente recente, então.

Entretanto, existe outra versão que se baseia em evidências muito mais antigas do que essas, e argumenta que os humanos já viviam nas Américas há mais de 20 mil anos. Essa teoria é fundamentada por achados arqueológicos diversos, como adornos feitos de ossos de preguiça-gigante de 25 mil anos atrás encontrados no Mato Grosso.

(…)

Todas essas informações são obtidas a partir de evidências de vários tipos: a arqueologia e a paleontologia podem estudar restos de humanos que morreram há muito tempo, de ferramentas que eles deixaram, restos de animais domesticados ou atacados por humanos, vestígios de construções, cemitérios etc. Tudo isso pode ser analisado geneticamente, anatomicamente e culturalmente, além de comparado entre si e com outros materiais
encontrados pelo mundo.

Com todas essas peças, os cientistas tentam montar um panorama histórico complexo, que vive sendo atualizado e rediscutido. Para entender um pouco mais sobre a história dos humanos nas Américas, a Super conversou com [a Acadêmica] Mara Hutz, doutora em genética e biologia molecular e professora da Universidad  Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Em parceria com o biólogo [e Acadêmico] Fabrício Rodrigues dos Santos, ela é autora de um dos capítulos do livro A Evolução é Fato, que conta com a participação de 28 pesquisadores brasileiros. Você pode baixá-lo gratuitamente aqui. A obra aborda diferentes fases da evolução na Terra, de um jeito simples e fácil de ler. O livro levou três anos para ficar pronto, e foi feito pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), que se manteve atualizada das descobertas científicas durante todo o processo.

A professora enfatiza que o conhecimento sobre essa história das Américas pode ser um elemento para a defesa dos povos nativos. “Conhecer essa história evolutiva é muito importante para para reconhecer os direitos dos povos indígenas atuais, para a demarcação das terras indígenas e a preservação da cultura ameríndia”, diz. “Eu não vejo isso nas discussões sobre demarcação de terras indígenas, sobre a preservação da cultura indígena. Essa é uma posição pessoal minha: eu acho que isso tem que ser levado em consideração, porque indica a importância de preservar essa cultura que está praticamente em extinção. E a gente não deve deixar isso acontecer”, acrescenta Hutz.

(…)

Leia a matéria na íntegra no site da SuperInteressante

 

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