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Conferência Livre do GT de Educação Superior: Segunda Sessão

A segunda sessão do evento promovido pelo GT de Educação Superior da ABC com o tema “Modernização da estrutura de ensino superior brasileira para o desenvolvimento socioeconômico sustentável” contou com apresentações de Luiz Augusto Campos e dos Acadêmicos Débora Foguel e Marcelo Knobel. O Acadêmico Ado Jório de Vasconcelos foi o moderador.

O foco da mesa era o combate à evasão, melhorias do processo de seleção dos ingressantes e o estímulo à sua permanência na instituição, pela adoção de um modelo flexível que permita ao estudante definir seu itinerário acadêmico.

Diploma de nível superior no Brasil hoje tem vários significados

O doutor em Sociologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Luiz Augusto de Souza Carneiro de Campos, onde atua como professor adjunto de Sociologia e Ciência Política no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP-UERJ), atua em pesquisas sobre desigualdades raciais e democracia, e cienciometria. Ele é editor-chefe da revista DADOS e colunista do jornal Nexo. Coordena o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA) e o Observatório das Ciências Sociais (OCS). Na ocasião, falou sobre as mudanças recentes e os desafios futuros para o ensino superior público no Brasil.

“Havia um sistema de transição específico. No ensino básico, as escolas públicas têm menor qualidade e o ensino privado, pago, tem qualidade superior.  Já no nível superior, a relação era inversa. Então o sistema era invertido, havia uma reprodução das desigualdades”, ressaltou Campos.

O processo de massificação e diversificação, com as ações afirmativas, mudou o sistema como um todo. “Essas mudanças serviram para mitigar as desigualdades. Houve uma diversificação étnico-racial e socioeconômica, sendo esta última a maior diferenciação interna.

Luiz Augusto Campos mostrou que, em 2001, a classe A ocupava 55% das vagas no ensino superior público e hoje ocupa 28%. A soma das classes C, D e E reponde por 50% das matrículas. “A universidade não estava preparada para isso e passou a procurar ‘dar seu jeito’.  Alguns cursos conseguiram resolver bem o desafio; outros, nem tanto. “Nos cursos de engenharia e medicina houve inclusão, mas muito menor do que nas outras áreas”, destacou.

Tratando do problema da evasão, Campos apontou que ela não se distribui de forma equânime em relação a gênero, raça e socioeconômica. “Não há diferença entre cotistas e não cotistas, mas ocorre com muito mais frequência com as mulheres e os homens negros”, relatou.

A evasão, de acordo com o sociólogo, tem questões internas. Campos ressaltou que o SISU demora muito a oferecer opções para os alunos. “O indivíduo queria medicina, não passou, mas deu pra entrar em enfermagem. Aí ele não gosta e consegue uma vaga em outra universidade ou na mesma; abandona a enfermagem e ocupa essa outra vaga. Então ele é computado como evadido, sendo que às vezes foi apenas transferido”, explicou. Outro problema são as milhares de opções que, quando apresentadas, provocam muitos erros de escolha por parte dos alunos, já que nosso ensino médio não prepara para a escolha de carreira.

Mas Campos vai além do diagnóstico, aponta soluções. Ele propôs a adoção de ciclos básicos, num sistema baseado em seleção por grandes áreas e especializações posteriores. Essa organização em grandes áreas implicaria na redução do número de opções no SISU e viria acompanhada das diplomações do ciclo completado, o que facilitaria a entrada no mercado de trabalho e reduziria o abandono.

“Além dos diplomas intermediários, que existem na maioria dos países, o novo sistema abriria múltiplas entradas no ensino superior e possibilitara também um maior trânsito entre áreas. A pessoa poderia receber um diploma com dois anos de curso, outro depois de mais dois anos numa área macro e mais um, depois de um ano se especializando numa área micro”, avaliou Luiz Campos.

O sociólogo abordou ainda o problema crônico da permanência dos alunos nos cursos. “É preciso que haja uma política de permanência unificada, que venha a fundir as políticas nacionais existentes e unificar os programas locais. E precisam ser simplificadas, com redução das complexidades burocráticas”.​

Fatores que podem levar à mobilidade ou evasão são extremamente diversificados

A Acadêmica Débora Foguel, doutora em Bioquímica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é professora titular do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis da UFRJ. Segundo seus estudos e sua experiência, a evasão é maior é nos dois primeiros anos, período que Foguel chama de “Vale da Morte”. “Nas licenciaturas, a evasão é muito grande. Na licenciatura em física, 70% evadem”, apontou.

Ela falou sobre as dificuldades de se obter informações sobre evasão. “Não temos dados, não sabemos quando é evasão ou quando é mobilidade. Os levantamentos não possibilitam identificar as razões ou os fatores que ocasionaram a evasão, que podem estar relacionadas aos próprios estudantes, ao curso e à instituição ou a aspectos socioculturais e econômicos externos”, relatou.​ De fato, conhecer as causas da evasão permitiria que a instituição e os governos desenhassem estratégias e políticas adequadas para mitiga-la.​ “Nada é monitorado, é preciso termos dados robustos”, apontou. 

Procurando então identificar os fatores que podem levar à mobilidade ou evasão, Foguel compreendeu o quanto são diversificados. Podem ser relacionados a características individuais dos estudantes, como habilidades de estudo​, formação escolar anterior​ deficiente, incompatibilidade entre a vida acadêmica e as exigências do mundo do trabalho. “Muitas vezes há uma desmotivação dos alunos com cursos escolhidos em segunda ou terceira opção​. Já vi turmas inteiras em odontologia, por exemplo, onde nenhum tinha escolhido o curso como primeira opção”.

Há também fatores internos das instituições que levam o aluno a abandonar o curso, como currículos desatualizados, falta de formação pedagógica ou desinteresse dos docentes, o que pode levar a ​critérios impróprios de avaliação do desempenho discente​, uma cultura institucional de desvalorização da docência na graduação​. “O pequeno número de programas institucionais para o estudante, como iniciação científica, monitoria etc.​, também desestimula ou até impossibilita a permanência do estudante no curso, assim como a estrutura de apoio insuficiente, como laboratórios de ensino e equipamentos de informática, por exemplo”. E há os fatores externos, como necessidade de trabalhar e consequente falta de tempo para estudar, por exemplo. 

Pesquisando sobre o tema, Débora Foguel encontrou num relatório do grupo SoU_Ciencia (um centro de estudos formado por pesquisadores e em diálogo com a sociedade que visa contribuir para as políticas públicas e a valorização da ciência brasileira), uma tese de doutorado de um aluno da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Gustavo Bruno de Paula, intitulada “Desigualdades Sociais e Evasão no Ensino Superior: uma Análise em Diferentes Níveis do Setor Federal Brasileiro” ​e orientada pelo Prof. Cláudio Marques Martins Nogueira.

Eles analisaram uma amostra de 184.936 estudantes ingressantes em 2016 e estudaram cuidadosamente a evasão. “Conseguiram separar as duas categorias, evasão ou mobilidade, e a pesquisa mostrou que 93% dos evadidos estavam cursando outra coisa um ano depois”, apontou a Acadêmica. Ela levantou alguns tópicos que mereciam destaque:

  • A maior parte dos ingressantes era composta por estudantes negros e por aqueles que concluíram o ensino médio nas escolas públicas.
  • Estudantes brancos vindos da rede privada estavam nos bacharelados de maior prestígio, ao passo que os negros estavam mais nas licenciaturas.
  • Estudantes de licenciaturas e bacharelados de menor prestígio tinham mais probabilidade de evadir mais do curso.
  • Cursos noturnos tinham mais negros oriundos de escolas públicas.
  • Negros oriundos de escola pública receberam mais apoio social.
  • Não havia diferença quanto a participação de negros e brancos em atividades extracurriculares.
  • Estudantes que recebiam apoio social ou participavam de atividades extracurriculares tinham mais probabilidade de permanência.
  • Estudantes mais velhos evadiam mais do que os mais jovens.
  • Mulheres não evadiam mais que homens.
  • Cotistas não evadiam mais que não-cotistas.
  • Negros não evadiam mais que brancos
  • Estudantes dos cursos noturnos não evadiam mais que os dos cursos diurnos.

Enfim, Foguel alertou para a urgência de uma reforma do modelo de universidade e questionou alguns tópicos repetidos em discussões sobre o tema. Ela apontou que sim, é preciso que a universidade seja mais relevante. “Mas para quem?” É preciso que esteja mais conectada às necessidades do setor empresarial. “Sim. E por que não para as necessidades dos pequenos produtores, movimentos sociais, governos e outros setores da sociedade?” Precismos de uma universidade que dê menos aula e que deixe mais tempo livre para os estudantes. “Pode ser. Mas quando eu fecho a porta da minha sala de aula, ali é meu mundo com minhas alunas e alunos”.

Uma nova abordagem para o sucesso da educação superior brasileira 

O Acadêmico Marcelo Knobel, físico, reitor da Unicamp entre 2017 e 2021, apresentou um caso de sucesso: o Programa de Formação Interdisciplinar Superior (ProFIS) da Unicamp, que ele ajudou a criar e que provou que é possível se implementar soluções muito simples e alcançar excelentes resultados.

Quando foi reitor, Knobel tinha metas. Uma delas era desconstruir o vestibular, para oferecer um futuro a estudantes com menos oportunidades. Foram criadas, então, outras formas de ingresso na Unicamp: a entrada pelas Olimpíadas de Matemática, pelas cotas raciais, um vestibular indígena feito em São Gabriel da Cachoeira, no estado do Amazonas, além do ProFIS. Hoje são seis modalidades diferentes pelas quais alguém pode se tornar aluno da Unicamp.

O Acadêmico contou que pensava que o ProFIS seria replicado pelo Brasil afora, que outros fariam algo parecido, mas isso não aconteceu. “Internacionalmente repercutiu muito, até hoje eu sou chamado pra falar do programa. Mas aqui ainda é novidade”.

Para contextualizar, ele apontou que 60% das escolas públicas de Campinas nunca tinham colocado um aluno na Unicamp.  “O vestibular da Unicamp tem 70 mil candidatos para 3.300 vagas. Sabendo da dificuldade pra entrar, os jovens de baixa renda ou de escolas mais fracas nem prestavam o vestibular”, destacou. A proposta então era tentar furar essa bolha.

A distribuição das 120 vagas é feita por meio de cotas geográficas para as 96 escolas de ensino médio de Campinas, oferecendo no mínimo uma vaga por escola. “Temos escolas de excelência e outras fracas.  A vaga é para o melhor estudante daquela escola, naquele ano. Ora, há estudantes excelentes em escolas ruins e vice-versa. Então, alunos não tão bons, que são os melhores de escolas fracas, entram”.

Depois de dois anos de discussões, foi estabelecido, em 2011, o ProFIS – um programa universitário interdisciplinar de educação geral, de dois anos, visando a inclusão social. Nesse período, os estudantes têm acesso a um currículo bastante diverso, visando o desenvolvimento das chamadas “soft skills”. As disciplinas envolvem análise crítica, comunicação oral e escrita, trabalho em equipe e solução de problemas, pesquisa quantitativa e qualitativa, inglês, literatura, matemática, estatística, humanidades, artes, ciências naturais, mudanças climáticas, ciências da saúde, enfim, oferecem uma ampliação da visão de mundo.

Depois desses dois anos iniciais, cada estudante, baseado no seu desempenho, pode escolher qualquer curso dentro da Unicamp, de acordo com as vagas oferecidas. Os cursos têm liberdade para oferecer vagas para egressos do ProFIS. “Usamos as vagas ociosas, não precisamos criar vagas novas”. No início, a medicina ofereceu duas vagas. Mas, segundo Knobel, deu tão certo que agora a medicina oferece dez vagas. “É um curso com 300 candidatos por vaga no vestibular. Dez delas são oferecidas para os alunos egressos do ProFIS.”

Com a implementação do programa, o perfil da Unicamp mudou. “O percentual de pretos e pardos aumentou muito. No ProFIS, 80% dos estudantes tem renda familiar per capita menor que um salário mínimo e meio”.

No caso de alunos em situação de renda familiar muito baixa, o ProFIS oferece bolsa especial de um salário mínimo e meio. Outros alunos têm bolsas de valor menor. “Mas todos recebem transporte, alimentação, suporte médico e psicológico, assistência social e têm muitos monitores para ajudar no estudo de línguas, por exemplo, e dar apoio em outras dificuldades que os alunos do ProFIS possam ter.”

Enfim, o programa conseguiu de fato efetivar a inclusão social. Hoje, existe uma fila de professores da Unicamp querendo ensinar no ProFIS, de acordo com Knobel. Ele afirmou que os estudantes são diferenciados e que depois que entram nos cursos tradicionais, performam no mesmo nível dos estudantes que entraram pelo vestibular.

“Temos que pensar fora da caixa para conseguir não mudar nada que já existe, mas criar coisas novas”, concluiu o Acadêmico.


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Conferência Livre do GT de Educação Superior: Primeira Sessão

Conferência Livre do GT de Ensino Superior: 3ª e 4ª Sessões

Conferência Livre do GT de Educação Superior

Na manhã de 8 de abril, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) promoveu o evento híbrido “Modernização da estrutura de ensino superior brasileira para o desenvolvimento socioeconômico sustentável”. A organização foi do Grupo de Trabalho sobre o Ensino Superior Brasileiro da ABC e o evento foi caracterizado como uma Conferência Livre Preparatória para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e inovação (5CNCTI).

A primeira mesa tratou de análises e propostas para o sistema de instituições de ensino superior públicas, com o objetivo de ampliar fortemente, de forma economicamente viável, a contribuição do setor público na formação de bacharéis e licenciados.

A mesa contou com o Acadêmico Ado Jório de Vasconcelos como moderador e os professores Alexandre Brasil (on-line, de Brasília), o Acadêmico Rodrigo Barbosa Capaz e Ronaldo Mota como palestrantes.

O desafio da educação sem deixar ninguém para trás

O secretário de Educação Superior do Ministério da Educação (SESU/MEC) Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca, doutor em sociologia e professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), está há um mês na função.

Em sua análise, houve uma descontinuidade nas políticas de ensino superior, desde 2016. “O programa de extensão universitária, por exemplo, foi totalmente destruído. Em 2013 o orçamento era de três, quatro milhões. Aí vai subindo até 2015, quando esteve em 82 milhões. Em 2016, era de cinquenta e poucos milhões, e nos anos de 2017, 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022 o orçamento para extensão foi de ZERO reais”, destacou Brasil.

No momento, ele está avaliando a dimensão do ingresso nas universidades federais, a permanência e, após a formatura, a empregabilidade destes ex-alunos. Na política adotada pelo ministério de não deixar ninguém para trás, esses são os três focos da SESU. “Estamos em discussão com os outros ministérios, do Desenvolvimento, da Indústria, para discutir isso”, ressaltou Alexandre Brasil.

Nas estatísticas apresentadas pelo secretário da SESU, metade dos jovens que terminam o ensino médio no país nem tenta entrar na universidade. “Há muitas vagas ociosas no sistema público de educação superior hoje em dia”, relatou o secretário. De fato, o número de ingressantes está aquém da média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e corresponde à metade dos indices europeus.

Alexandre Brasil apontou que as políticas públicas de alcance nacional têm que incluir as universidades públicas, que estão distribuídas por todo o território brasileiro. “A prioridade não é ampliar as vagas e sim preencher as vagas. É preciso analisar que cursos devem ser oferecidos em cada local, ter uma visão estratégica. “

Sobre o sistema de cotas, ele observou que neste ano de 2024, 23 mil estudantes não ingressariam sem essa oportunidade. “Estes cotistas apresentam melhor resultado no sentido da permanência na universidade, mostrando que as políticas de assistência estudantil mais dedicadas colaboram para evitar a evasão.”

Apontar soluções e pensar fora da caixa

O Acadêmico Rodrigo Barbosa Capaz, membro do GT da ABC sobre Educação Superior, é professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É também presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF), eleito para o período de 2023 a 2025, e diretor do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).

Capaz contextualizou sua fala explicando que quando foi convidado para participar do Grupo de Trabalho da ABC sobre Educação Superior, a tarefa que lhe foi dada desde o inicio foi apontar soluções e pensar fora da caixa.

Apresentando seu diagnóstico, Capaz mostrou que apenas 23% dos jovens brasileiras entre 21 e 34 anos estão cursando ou cursaram a educação superior, enquanto a média da OCDE é de 47%. E dentre esses 23%, apenas 22% estão em universidades públicas. 88% estão nas privadas. “Estas cresceram nos últimos anos a uma taxa de dois milhões de matrículas em dez anos, especialmente nos cursos de ensino a distância (EAD)”, alertou o palestrante.

Esse não é o melhor quadro, se queremos indicativos de qualidade na educação superior. De acordo com Capaz, “85% das universidades públicas federais têm IGC [Índice Geral de Cursos] 4 e 5​, enquanto apenas 21% das IES [instituições de ensino superior] privadas com fins lucrativos têm IGC 4 e 5​”, informou, reiterando que os dados eram de 2022.

E quais seriam possíveis estratégias pra mudar esse cenário? Como aumentar as matrículas no ensino superior público, de modo a garantir a formação de profissionais devidamente qualificados?

Para começar, Capaz concorda com Alexandre Brasil: é preciso preencher as vagas ociosas e, ao mesmo tempo, pensar em expansão. “E a expansão dificilmente virá através das universidades federais, que são as nossas ‘universidades de pesquisa’, que materializam o preceito constitucional da indissociabilidade de ensino, pesquisa e extensão”, destacou.

Outra estratégia básica é trabalhar profundamente a maneira de ensinar, porque, pelo visto, ela não está adequada ao público atual, seja em universidades públicas ou privadas. O Acadêmico mostrou um gráfico que compara instituições públicas e privadas, acompanhando alunos que entraram em 2013 e que, portanto, deveriam terminar o curso em 2016 ou 2017. “Podemos ver que houve evasão de 52% nas públicas e 59% nas privadas. Ou seja, falhamos em formar recursos humanos”.

Capaz apresentou um interessante estudo de caso de ensino superior público da California. São três tipos de ensino superior. Apenas 10% das matrículas estão nas universidades de pesquisa (University of California – UC); 18% dos estudantes estão nas California State Universities (CSU). A maioria dos estudantes universitários – 54% –, estão nas California Community Colleges (CCC), que oferecem cursos de dois anos com foco no mercado de trabalho, podendo seguir posteriormente para um curso completo de bacharelado. Elas têm taxas de aceitação mais altas, custo menor e campi localizados em uma mistura de áreas urbanas e rurais. “O sistema oferece mobilidade, flexibilidade, muito diferente do brasileiro, que é engessado. O gasto por aluno nas universidades de pesquisa é muito maior, e a massificação é feita principalmente pelas CCCs”, relatou o Acadêmico.

No Brasil também existem os cursos tecnológicos, que duram de dois a três anos. “Mas 91% são nas universidades privadas e 82% destes, em EAD”, observou Rodrigo Capaz.

As recomendações do GT para reverter o quadro são objetivas.

A primeira foca na recuperação da infraestrutura e o combate à evasão nas universidades federais, com metas de retenção dos alunos nos cursos, maior flexibilidade de horários no regime presencial e adoção de EAD de forma complementar, em regime híbrido. “As nossas universidades de pesquisa precisam de infraestrutura condizente com sua missão”, defendeu.

A segunda visa encarar de frente a realidade: a EAD veio para ficar. “Então, é preciso qualificar e ampliar a oferta de EAD no sistema público de ensino superior, dado que, de fato, ela é um instrumento poderoso de expansão do ensino”, avaliou Capaz.

A terceira e última recomendação é a reestruturação do ensino superior público brasileiro, por meio da criação de um novo sistema de instituições de ensino superior (IES), no modelo de “college” (faculdade), com foco em ensino, para atuar de forma complementar às universidades e aos institutos federais. A proposta inclui mecanismos para evitar a escolha precoce do curso de graduação e oferecer flexibilidade, mobilidade, agilidade e diversidade de opções aos estudantes. “Isso pode ajudar muito o ensino superior público a absorver uma fração substancial dos estudantes que hoje precisam pagar pelo ensino privado.”

“Sabemos fazer coisas boas e para muitos, desde que nunca ao mesmo tempo”

Ronaldo Mota, professor titular aposentado de Física da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), atualmente diretor-secretário da Academia Brasileira de Educação e ex-reitor da Estácio, lançou a questão: como fazer coisas boas e para muitos, ao mesmo tempo? “Essa é a nossa dificuldade. O desafio é transformar quantidade em qualidade qualificada”, apontou.

Mota focou nos problemas metodológicos, da forma de ensinar. “Agora há uma boa oportunidade de mudança, com a revolução digital e metacogniçao. Hoje temos que preparar pessoas para se desenvolver e estudar coisas novas para o resto da vida. Isso exige uma mudança radical na forma de ensinar e na maneira de aprender”, disse Ronaldo Mota.

O palestrante apontou que os seres humanos “dominaram’ o planeta por conta de três características funcionando juntas: força física, habilidades cognitivas e as habilidades metacognitivas.Estas se referem ao fato de sabermos aprender com os erros, refletir sobre a nossa própria reflexão”.

No entanto, como se distribui a transferência do conhecimento hoje nas universidades? Em módulos, com avaliação no fim de cada módulo. “Isso é o ensino cognitivo”, explicou. Ora, segundo o professor, o momento principal da aprendizagem é quando o indivíduo reflete sobre o seu proprio processo de aprendizagem. “É quando ele ganha consciência do seu processo. Em que horário aprende melhor, em que condições… É quando ele é capaz de criar percursos de aprendizagem e a consciência de que ele tem um compromisso com a educação permanente”, esclareceu Mota.

“A realidade atual, nós gostando ou não, é da educação digital”, como Mota prefere nomear. Entre 2010 e 2021, a EAD cresceu 307% no país, enquanto o ensino presencial decaiu 48%, afirmou o palestrante. “Então, precisamos aprimorá-la”.

Na percepção de Ronaldo Mota, as plataformas de aprendizagem no sistema público federal são muito limitadas. “Precisamos construir um sistema público federal de plataformas de aprendizagem, colocar em escala nacional. Um sistema que interligue todas as universidades, institutos e universidades estaduais. A qualidade das plataformas é o diferencial.”

As universidades públicas, que detém 90% da pesquisa feita no Brasil, padecem de muitas amarras, a começar da própria figura jurídica. “São autarquias da administração indireta, sob controle do TCU. Uma ideia que sempre surge é transformá-las em organizações sociais.” A OS é um tipo de associação privada, com personalidade jurídica, sem fins lucrativos, que recebe subvenção do Estado para prestar serviços de relevante interesse público.​ “Na minha opinião há demasiados riscos envolvidos, mas é uma opção a ser considerada, se assim entenderem os gestores responsáveis e a comunidade acadêmica diretamente envolvida.”


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Conferência Livre do GT de Educação Superior

Conferência Livre do GT de Ensino Superior: 3ª e 4ª Sessões

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Acadêmico conquista o “grand slam” das palestras sobre ciência dos materiais vítreos

O Acadêmico Edgar Dutra Zanotto, professor sênior do Departamento de Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e coordenador do Lab de Materiais Vítreos (LaMaV), foi agraciado com a Frontiers of Glass Science Lecture, um dos prêmios mundiais mais importantes da área de ciência dos materiais vítreos, concedido pela American Ceramic Society (ACerS).

Essa distinção é concedida anualmente a um cientista que tenha feito contribuições excepcionais para o avanço da ciência dos materiais vítreos. A lista de palestrantes anteriores desde 2013 inclui nomes de destaque dos Estados Unidos, Canadá, França, Alemanha e Japão.

A Frontiers of Glass Science Lecture se junta a outras três palestras de prestígio que o Professor já ministrou:

Willian E.S. Turner Memorial Lecture 2014 (Society of Glass Technology, Reino Unido)
Alfred Cooper Distinguished Speaker 2016 Lecture (ACerS, USA) e
Samuel Scholes Memorial Lecture 2019 (Alfred University, USA).

Com este prêmio, Zanotto é o primeiro pesquisador a completar o “grand slam” das palestras em sua área de expertise, um feito que consolida a posição do LaMaV como um dos principais grupos do planeta sobre materiais vítreos.

A palestra, intitulada “Desvendando a Nucleação de Cristais em Líquidos Super-resfriados e Vidros”, será ministrada em maio, em Las Vegas, nos Estados Unidos. Nela, o  Acadêmico compartilhará suas pesquisas sobre a cristalização de vidros, um tema fundamental para o entendimento e desenvolvimento de novos materiais.

Zanotto se mostrou surpreso e honrado com a premiação. “Ainda estou tentando descobrir quem me indicou secretamente, mas me sinto motivado a apresentar uma palestra que inspire a próxima geração de cientistas de materiais. É sempre prazeroso e motivador ver a ciência nacional brilhar no exterior”, comentou. “Aproveito a oportunidade para agradecer aos meus inúmeros estudantes e colaboradores, assim como ao apoio contínuo da Fapesp, Capes e CNPq durante quase cinco décadas décadas.”

Acadêmica Niède Guidon é contemplada com o Prêmio Almirante Álvaro Alberto 2024

Diretora presidente Emérita da Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM), a arqueóloga [e Acadêmica]  Niède Guidon será a laureada da edição 2024 do Prêmio Almirante Álvaro Alberto para a Ciência e Tecnologia, concedido pelo CNPq em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e com apoio da Marinha do Brasil. A cerimônia de premiação será na Escola Naval do Rio de Janeiro, no dia 8 de maio de 2024, [em cerimônia que também dará posse aos novos membros da Academia Brasileira de Ciências].

Graduada em História Natural pela Universidade de São Paulo, em 1959, e com doutorado em Pré-História, realizado na Université Paris 1 Pantheon-Sorbonne (1975), Guidon foi diretora presidente da FUMDHAM de 1986 a 2019 e é membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Ao longo de sua carreira, ela identificou mais de 700 sítios pré-históricos, entre os quais 426 paredes de pinturas antigas e evidências de habitações humanas antigas no Parque Nacional Serra de Capivara, no Piauí.

Responsável pela preservação, desenvolvimento e gestão desse parque, bem como pela proteção da flora e fauna ameaçadas de extinção, Guidon criou no parque um centro cultural e museu, além da FUMDHAM, no município piauiense de São Raimundo Nonato.

Reconhecendo a importância da participação local para o desenvolvimento social, a pesquisadora criou núcleos de apoio comunitário que prestam serviços sociais e cuidados de saúde e educação às comunidades locais, bem como treinam pessoal local em ecologia, restauro e pré-história.

Com seus estudos, Guidon gravou mais de 35 mil imagens, publicou mais de 100 artigos e formou número relevante de alunos de pós-graduação. Ela também foi premiada diversas vezes. Em 2005, recebeu a Ordem do Mérito Científico, Grã-Cruz, do MCTI; o Green Prize, Paliber; e o Prêmio Príncipe Klaus, esse último concedido pelo governo holandês. Em 2013 recebeu o Prêmio Fundação Conrado Wessel de Cultura. Em 2014, Guidon foi agraciada com o prêmio Cientista do Ano, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), e com o Prêmio Chevalier de La Légion d’Honneur, do governo francês. Por sua defesa à sustentabilidade, a pesquisadora recebeu, ainda, homenagem em 2010, no 5º Fórum Mundial de Meio Ambiente. Ela é bolsista de Produtividade em Pesquisa Sênior do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Sobre o prêmio

O Prêmio Álvaro Alberto constitui um reconhecimento aos cientistas brasileiros que contribuíram de forma significativa para a ciência e tecnologia do país e é concedido em caráter individual e indivisível, de forma anual, em sistema de rodízio, a uma das três grandes áreas do conhecimento: Ciências da Vida; Ciências da Terra e Engenharias; e Ciências Humanas e Sociais, Letras e Artes, área contemplada na edição de 2024.

Na mesma cerimônia de entrega do Prêmio Álvaro Alberto também ocorrerá a premiação dos contemplados este ano com a Menção Especial de Agradecimento e com o título de Pesquisador Emérito do CNPq. Instituída em 2005, a Menção Especial de Agradecimentos constitui reconhecimento a pessoas físicas ou jurídicas pelos serviços significativos prestados ao crescimento, desenvolvimento, aprimoramento e divulgação do CNPq no ano anterior à entrega da Menção. O título de Pesquisador Emérito, por seu turno, é outorgado aos pesquisadores brasileiros ou estrangeiros radicados no Brasil como reconhecimento do conjunto das respectivas obras científico-tecnológicas e do renome junto à comunidade científica.

Em 2024, recebem a Menção Especial de Agradecimentos a deputada federal pelo estado do Rio Grande do Sul e autora do Requerimento n° 428/2024, para instituição de Frente Parlamentar em defesa das universidades públicas, Maria do Rosário Nunes; a senadora pelo estado de Pernambuco e membro titular da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e Informática, Maria Teresa Leitão de Melo; a bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, professora da Universidade de Brasília (UnB) e ex-presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), [a Acadêmica] Mercedes Bustamante; e uma pessoa jurídica, o Ministério da Igualdade Racial.

Entre os contemplados com o título de Pesquisador Emérito estão dois estudiosos que serão agraciados de forma póstuma: Antônio Ricardo Droher Rodrigues, pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), e Clóvis Caesar Gonzaga, que era professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Os demais agraciados com o título são o ex-presidente do CNPq, membro da Academia Brasileira de Ciência Agronômica (ABCA) e dad Academia Brasileira de Ciências, Evaldo Ferreira Vilela; Josefa Salete Barbosa Cavalcanti, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Pedro Alberto Morettin, da Universidade de São Paulo (USP/IME); e Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses, também da USP.

Centenário do Professor Aziz Nacib Ab’saber

Há cem anos, em 24 de outubro de 1924, nascia o professor Aziz Nacib Ab’Saber. Dono de uma importante trajetória intelectual associada à Geografia, às Geociências e à sociedade em geral, ao longo de mais de seis décadas, produziu e consolidou vasta obra científica, além de ter se dedicado a um público mais amplo, abordando diversos campos do conhecimento, sempre objetivando compreender o mundo na sua totalidade. Sua produção acadêmica tem grande relevância para a ciência brasileira e mundial, em especial para as questões associadas à dinâmica da natureza e sua relação com a sociedade. 

O centenário de seu nascimento, a ser celebrado em 2024, marca a vida de um profissional que ultrapassou os limites do ensino e da pesquisa, tendo atuado em várias lutas sociais e ambientais do país. Por isso foi reconhecido tanto por criar teorias quanto por seu engajamento político e institucional, participando em importantes debates nacionais, como, por exemplo, a Assembleia Constituinte, a defesa do patrimônio público, as questões relacionadas à Amazônia, com destaque para a elaboração do visionário Projeto FLORAM, nos anos 1980 e 1990, e outros biomas brasileiros.

O professor Aziz Ab’Saber foi dirigente de importantes associações e sociedades científicas, e pertencia a um grupo de expoentes intelectuais que via a universidade como um lugar de saberes e produção de conhecimento destinada a cumprir o seu papel social. Conscientes da importância de divulgar e valorizar seu legado intelectual, nós, as entidades que assinam este documento, nos unimos para propor o “Centenário Aziz Ab’Saber – 1924–2024”.

Este convite é dirigido a todos os interessados em celebrar o legado do Professor Aziz Ab’Saber. Convidamos docentes, pesquisadores e demais lideranças a organizarem atividades com o intuito de chamar a atenção da sociedade para as contribuições desse grande geógrafo brasileiro. Palestras, debates, edições especiais em revistas acadêmicas e exposições são algumas das iniciativas que podem ser consideradas.

Nosso objetivo é, ao final de 2024, elaborar um documento que compile todas as ações realizadas ao longo deste ano. Para facilitar o acompanhamento das atividades planejadas e executadas, solicitamos gentilmente que estas sejam registradas no formulário disponível neste link. Desta forma, ao término das comemorações, teremos uma visão abrangente das celebrações realizadas.

O selo comemorativo

O selo comemorativo, proposto abaixo, tem como finalidade acompanhar a divulgação de todas as atividades vinculadas a esta iniciativa, para o qual também foi elaborado um pequeno texto para segui-lo:

 

 

“Este selo comemorativo pelo centenário do professor Aziz Nacib Ab’Saber representa nossa homenagem àquele que, além de professor e pesquisador, foi atuante e protagonista em grandes debates ambientais e sociais do Brasil. Desejamos que o professor Aziz Ab’Saber, através de sua produção intelectual e ensinamentos, possa servir de exemplo e estímulo às presentes e futuras gerações.”

 

 

Brasil, 22 de março de 2024.

União da Geomorfologia Brasileira (UGB)
Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB)
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia (Anpege)
Associação Brasileira de Climatologia (ABClima)
Revista Brasileira de Geomorfologia (RBG)
Serviço Geológico do Brasil (SGB/CPRM)
Associação Brasileira de Biogeografia (ABBIOGEO)
Sistema Brasileiro de Classificação do Relevo (SBCR)
Sociedade Brasileira de Geologia (SBG)

Faleceu o Acadêmico Eliezer Barreiro

O Acadêmico Eliezer Jesus de Lacerda Barreiro nos deixou, aos 76 anos, nesta segunda-feira, 8 de abril. Sua carreira e suas contribuições científicas são facilmente buscadas e localizadas na internet. O que não está em seu currículo é a grandeza de caráter desse pesquisador singular, sempre à frente de seus tempos, com uma visão nacionalista para a ciência brasileira, pela qual sempre lutou, com uma plêiade de amigos e colaboradores de diferentes idades e regiões do nosso país.

A Diretoria da Academia Brasileira de Ciências se despede de você querido amigo, com esse texto de Mario Quintana, “O confidente sumido”:

“Quando um amigo morre, uma coisa não lhe perdoamos: como nos deixou assim sem mais nem menos, assim no ar, em meio de algo que lhe queríamos dizer ou — pior ainda — em meio do silêncio a dois no bar costumeiro? Que outros hábitos, que outras relações terá ele arranjado? Que novas aventuras ou desventuras de que não nos conta nada?

A nós, que sempre fomos tão bons confidentes…

Que poderemos fazer?”

Helena Nader, em nome da Diretoria da ABC


O velório será às 10h do dia 11 de abril, 5a feira, no cemitério São João Batista.

 


A Reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde o Acadêmico desenvolveu sua carreira, publicou um obituário, intitulado “Adeus a Eliezer Barreiro“. Leia aqui


Assista o vídeo realizado pela Sociedade Brasileira de Química (SBQ) na ocasião dos 70 anos do Prof. Eliezer Barreiro. 

A memória é a consciência inserida no tempo

A Acadêmica Marcia Castro, membro correspondente da ABC e professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da da Escola de Saúde Pública de Harvard, publicou o seguinte artigo na Folha de S. Paulo em 7 de abril, no qual destaca que é relembrando, entendendo e aprendendo com o passado que se constrói um futuro melhor.

Para o título da coluna de hoje, pego emprestadas as palavras de Fernando Pessoa.

Este ano marca os 60 anos do golpe militar. A decisão do governo de não relembrar o golpe é lamentável. É relembrando, entendendo e aprendendo com o passado que se constrói um futuro melhor.

Foi durante a ditadura militar que a Amazônia começou a sofrer uma destruição ambiental sem precedentes. Ancoradas em ideais de integração regional e segurança nacional, as então chamadas políticas de desenvolvimento promoviam a exploração de recursos naturais ignorando por completo as demandas e cultura locais.

Isso fica claro no lema “homens sem terra para terra sem homens” promovido pelo presidente Médici que, em 1970, criou o Programa de Integração Nacional (PIN). O presidente via a Amazônia como a solução para problemas fundiários no Nordeste.

Abertura de rodovias, construção de barragens, subsídios fiscais para a agroindústria e a promoção de assentamentos agrícolas, que atraíram milhões de migrantes, transformaram a Amazônia.

Essas mudanças tiveram consequências ambientais devastadoras e impactaram a saúde pública. Entre 1964 e 1990, o número de casos de malária aumentou 412%. Em meados dos anos 80, Rondônia era considerada a capital da malária no Brasil.

A retomada da exploração desenfreada da Amazônia durante o governo Bolsonaro deixou um rastro de destruição cujas consequências ainda são sentidas. Considerando o garimpo em áreas indígenas (o que é ilegal), 62% da área garimpada desde 1985 foi aberta entre 2018 e 2022!

O resultado é semelhante ao visto durante a ditadura: malária, desnutrição, contaminação por mercúrio, violência etc. Problemas ainda não resolvidos dada a dificuldade em unir diferentes setores no efetivo restabelecimento dos serviços destruídos durante o governo anterior. Um trabalho recentemente divulgado pela Fiocruz revela as condições sanitárias precárias que yanomamis vivendo na região do alto rio Mucajaí (em Roraima) enfrentavam em outubro de 2022.

Cerca de 15% apresentavam anemia, com maior prevalência entre menores de 5 anos (27%). Com relação a medidas antropométricas, 47% apresentavam baixo peso. Entre os menores de 12 anos, 92% apresentavam baixo peso.

(…)

Somente 15,5% dos menores de 12 anos que possuíam caderneta de saúde estavam com a vacinação em dia. Além disso, anemia e deficiências na capacidade cognitiva estavam associadas a contaminação por mercúrio.

É provável que outros povos indígenas estejam enfrentando desafios semelhantes. Especialmente os Kayapó e Mundukuru que, junto com o povo Yanomami, são os mais atingidos pelo garimpo predatório. Digo “provável” pois não há dados nem monitoramento detalhados.

Esse problema foi ressaltado no plano de aperfeiçoamento da saúde indígena preparado pela Secretaria de Saúde Indígena do Ministério da Saúde. A solução precisa ser rápida!

Entretanto, apesar da contaminação por mercúrio ser algo amplamente discutido, a necessidade de monitorar a presença de mercúrio na água e em alimentos consumidos pelos indígenas não foi incluída no plano de aperfeiçoamento, conforme eu já havia destacado em fevereiro.

O legado da ditadura militar para a Amazônia e os indígenas persiste. Não o relembrar é uma via para repeti-lo no futuro.


Leia a coluna íntegra na Folha de S. Paulo

Morreu o Acadêmico David John Randall

David Randall era professor distinguido do Departamento de Ciências Atmosféricas da Universidade Estadual do Colorado. Obteve seu doutorado em Ciências Atmosféricas, pela Universidade da Califórnia, Los Angeles. O mestrado e a graduação ele cursou na Universidade Estadual de Ohio, Columbus em Engenharia Aeronáutica e Astronáutica.

O Professor Randall ingressou no Departamento de Ciências Atmosféricas da CSU em 1988. Antes de sua chegada, ele ocupou cargos no Instituto de Tecnologia de Massachusetts e na NASA.

Como professor, Randall gostava de ministrar disciplinas relacionadas a modelagem numérica da atmosfera, dinâmica atmosférica, camada limite atmosférica, convecção e clima. Como pesquisador, tinha interesse no estudo de nuvens e clima, dinâmica climática, parametrização de nuvens e métodos numéricos. Seus projetos em andamento incluíam o desenvolvimento de métodos de parametrização de nuvens aprimorados, experimentos numéricos para determinar o papel das nuvens na manutenção do clima atual e uma investigação sobre o papel das nuvens na dinâmica climática.

O porf. Adalberto Val, vice-presidente da ABC para a região Norte comentou sobre essa perda: “Um homem excepcional, um cientista singular, um professor atento. Contribuiu como ninguém com a fisiologia comparada. Chefiou a expedição Alpha Helix à Amazônia em 1976. Minha vida profissional representa muito do que aprendi com Dave.”

Dave Randall fazendo uma palestra a bordo de um barco em Manaus, na ocasião em que recebeu o diploma de membro correspondente da ABC. Observem a projeção ao fundo.

 

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