Confira o artigo escrito pelo membro titular da ABC Luiz Carlos Dias, publicado Jornal da Unicamp no dia 5/7. Em novo texto sobre a pandemia de COVID-19, o Acadêmico esclarece dúvidas sobre a recente notícia de que lotes vencidos da vacina Oxford/AstraZeneca foram aplicadas em cidadãos brasileiros. Dias é professor titular do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e bolsista 1A do CNPq.

Segundo matéria publicada no jornal “Folha de São Paulo” no dia 02/07/2021, 25.935 mil doses da vacina Oxford/AstraZeneca teriam sido aplicadas fora do prazo de validade em 1.532 cidades brasileiras. Aparentemente, oito lotes (4120Z001, 4120Z004, 4120Z005, 4120Z025, CTMAV501, CTMAV505, CTMAV506 e CTMAV520) indicavam data de vencimento entre 29/03/2021 e 4/06/2021. O levantamento publicado na Folha cita cruzamento de dados dos sistemas DataSUS (do Ministério da Saúde) e Sage (Sala de Apoio à Gestão Estratégica), que armazena os dados dos imunizantes entregues para os estados com número de lote e data de validade. O montante de 25.935 mil doses supostamente vencidas corresponde a 0.025% do total de 103.454,255 milhões de doses aplicadas.

As secretarias de saúde da grande maioria dos municípios citados na matéria negam que aplicaram doses fora do prazo de validade. Muitas prefeituras informam que se trata de um problema de notificação, sendo que as vacinas foram aplicadas na data correta, dentro do prazo de validade, mas os dados foram inseridos, alimentados no aplicativo do programa DataSus após a data de aplicação. As prefeituras estão se explicando, isto será esclarecido provavelmente em breve. As prefeituras não possuem a mesma infraestrutura e modo de operação para lançar os dados nos aplicativos e nem todas lançam os dados em tempo real.

 

Seria um erro vacinal?

Em termos de protocolo de saúde pública, se de fato as vacinas foram aplicadas fora do prazo de validade, caracteriza erro vacinal. Não é comum acontecer isso, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) é confiável e uma das coisas que temos de melhor no País. Vacinação é algo que o Brasil sabe fazer muito bem.

Vamos ter calma e equilíbrio e aguardar os desdobramentos e esclarecimentos, pois as vacinas podem ter sido aplicadas no tempo certo e lançadas no sistema posteriormente. Se for assim, elas não perdem a integridade vacinal e vida que segue. 

 

O que se pode fazer?

Segundo a Sociedade Brasileira de Imunizações/SBIm, quando uma vacina com prazo de validade vencido é aplicada, isso é considerado um tipo de erro programático e a dose deve ser repetida. O Ministério da Saúde informou que todas as doses são enviadas dentro do prazo e que, caso aplicações fora do período ocorram, essa dose não é considerada válida e as pessoas envolvidas precisam passar por uma nova aplicação no intervalo de 28 dias após a aplicação da dose com validade vencida.

 

Prazos de validade subestimados

No caso destas vacinas para Covid-19, que estão sendo desenvolvidas para aplicação rápida na população, por questões de segurança, como essas vacinas são novas, certamente os prazos de validade estão muito subestimados. Isto é normal acontecer para fármacos como medicamentos e vacinas. Não tem nem um ano que essas vacinas foram desenvolvidas, com o tempo, e com confirmação da estabilidade, da qualidade e da integridade vacinal, os prazos de validade serão provavelmente maiores que os atuais. Vamos lembrar que alguns lotes de outras vacinas tiveram prazo de validade estendido pela Anvisa, como a vacina Johnson & Johnson/Janssen que teve o prazo de validade ampliado de 30 para 45 dias.

 

Vacinas com prazo de validade vencida podem fazer mal?

Não existe qualquer estudo de eficácia e segurança conhecido com vacinas com validade vencida, só se estudam vacinas cuja integridade é confirmada por testes de qualidade. A data de validade indica a data em que o fabricante da vacina atesta a qualidade do IFA (Ingrediente Farmacêutico Ativo). As vacinas com prazo de validade vencido não têm garantia de eficácia e segurança por parte do fabricante, que não pode ser responsabilizado por eventual falta de eficácia e nem por eventuais efeitos adversos, caso seja confirmado que as doses aplicadas estavam com prazo de validade vencido. 

Nós precisaríamos ter uma análise de estabilidade e qualidade das vacinas com data de validade vencidas, feita pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade da Fiocruz/INCQS para confirmar a esterilidade, se essas vacinas mantêm ou não o mesmo padrão de qualidade de quando foram produzidas e poder prever eventuais danos.

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Muito provavelmente, as pessoas que tomaram essas vacinas não correm riscos de desenvolver problemas de saúde, mas nós não temos certeza se essas vacinas vão gerar resposta imunológica esperada. No entanto, é possível sim que as pessoas podem até adquirir algum nível de proteção mesmo com a validade vencida, porque as vacinas podem ter uma quantidade suficiente do IFA, do adenovírus viável em número suficiente para despertar a resposta de proteção do sistema imunológico.

 

Momento pede equilíbrio e informação confiável

Essa matéria na Folha, sendo confirmada ou não a veracidade do levantamento, causou pânico na população. Não precisava ser assim. Eu não teria divulgado sem confirmar antes, com as secretarias estaduais e municipais de saúde, se de fato, essas doses foram aplicadas com prazo de validade vencido. Eu respeito o trabalho jornalístico, mas espero que os autores da matéria tenham feito contato com as secretarias municipais, pois o momento pede equilíbrio e já há muita desinformação. Tomara que esta questão seja esclarecida o mais rapidamente possível e não cause mais prejuízos. Fato é que esta matéria não trouxe nenhum tipo de benefícios, não ajudou em nada na adesão da população à campanha de vacinação em massa.

 

 Manifestações da Anvisa, Fiocruz e Conass

Veja aqui manifestações a respeito desta questão, por parte da Anvisa, da Fiocruz e do Conass. A Fiocruz informou que os lotes supostamente com validade vencida não foram produzidos pela instituição, mas foram doses importadas prontas do Instituto Serum, da Índia, a vacina Covishield, além de lotes fornecidos pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas/OMS).

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A população brasileira precisa acreditar nas vacinas e ter consciência de que todas e todos devem tomar as vacinas logo. Vamos vacinar, vacinar é um pacto coletivo, um exercício coletivo de cidadania.

 

Sobre os efeitos colaterais das vacinas? Eles são bem-vindos

Um artigo muito legal, publicado na revista Science Immunology no dia 22/6/2021 mostra que os efeitos colaterais das vacinas de RNA mensageiro da Pfizer e da Moderna, em uso contra o vírus SARS-CoV-2, refletem a produção transitória de interferons do tipo I, uma resposta fisiológica normal do organismo quando tem contato com microorganismos invasores. Os efeitos colaterais mais comuns são um pouco de febre, dor de cabeça, fadiga muscular, mialgia e mal-estar geral, que normalmente afetam cerca de 60% das pessoas vacinadas após a segunda dose. A maioria dos sintomas é atribuído à produção de uma citocina que desempenha papel vital na potencialização dos estágios iniciais da resposta imune, ou seja, o interferon tipo I (IFN-I). Os efeitos colaterais da vacinação quase sempre serão leves e transitórios e indicam apenas que a vacina está fazendo seu trabalho de estimular a produção de interferon, um imunoestimulador.

Eu já tinha comentado sobre os efeitos adversos com a vacina de Oxford/AstraZeneca. Em suma, sentir os efeitos colaterais até as primeiras 48h pós-vacinação, é normal e até desejável para uma resposta imunológica eficaz. O medo desses efeitos colaterais não pode ser maior que o medo da infecção pelo SARS-CoV-2. O vírus SARS-CoV-2, mata. Isso é Ciência e Ciência salva vidas.

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Comprovado: as máscaras salvam vidas!

Um artigo publicado no dia 25/6/2021 na prestigiosa revista Science, por cientistas da Alemanha, China e Estados Unidos, traz ainda mais evidências de que o uso de máscaras salva vidas, reduzindo muito o espalhamento e a disseminação do vírus Sars-CoV-2, causador da Covid-19. Os autores desenvolveram um modelo matemático de propagação do vírus, considerando tanto quem emite como quem recebe as partículas que contém o vírus, estando com e sem máscaras. Os resultados mostram de forma inequívoca que tanto máscaras cirúrgicas, como a N95, ou PFF2 ou as máscaras de pano, são muito eficazes em reduzir a transmissão do vírus Sars-CoV-2, especialmente em locais com boa ventilação e distanciamento físico. Nos locais com baixa concentração de vírus, as máscaras cirúrgicas são eficazes em prevenir o espalhamento do vírus, enquanto nos locais fechados, principalmente centros médicos e hospitais, onde a concentração de vírus tende a ser maior, máscaras como N95 e PFF2, consideradas mais filtrantes, são necessárias. Nos locais com maior concentração de vírus, distanciamento social e ventilação eficiente também são fundamentais. As máscaras protegem tanto quem está usando como quem está nas proximidades.

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Mesmo vacinado você pode ser infectado e transmitir o vírus

Não acreditem na ideia ridícula de quem quer que seja, de liberar o uso de máscaras para pessoas vacinadas ou que já contraíram a Covid-19. Se essas pessoas ficarem expostas ao vírus, tendo contato com alguém com Covid-19, podem ser infectadas pelas novas variantes, a Gamma, (a nossa P.1) e a Delta, a variante indiana. Não há vacina 100% eficaz e as vacinas atualmente disponíveis protegem principalmente contra o desenvolvimento de formas graves da Covid-19. Então, mesmo após 2 ou 3 semanas da aplicação da segunda dose, quando se completa o ciclo de imunização, ainda é possível contrair o vírus se você relaxar na manutenção das medidas não farmacológicas, como o uso de máscaras, o distanciamento físico e os hábitos de higiene das mãos. E sendo infectado, mesmo vacinado você pode transmitir o vírus. Então, se você não quer correr risco de ser infectado e perder alguém próximo, alguém da sua família, mantenha as medidas não farmacológicas.

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Não é assim que nós vamos ter nossas vidas de volta, não será assim que a economia será reativada. Milhares de pessoas podem morrer e poderá ser alguém da sua família. Então, nós não podemos dar chance ao vírus. Vamos todos e todas aderir às campanhas de vacinação em massa e continuar usando máscaras, mantendo o distanciamento físico e os hábitos de higiene das mãos.
Com relação à eficácia das vacinas em uso contra a Covid-19, até o momento, o pior resultado foi obtido com a vacina de Oxford/AstraZeneca, que teve eficácia reduzida contra a variante Beta, da África do Sul. No Brasil, todos os estudos disponíveis até o momento indicam que as vacinas em uso aqui não perdem efetividade em relação às variantes de atenção circulando no Brasil, particularmente as variantes Gamma e Delta.

 

Leia a matéria completa no Jornal da Unicamp.