Confira a matéria publicada no O Globo no dia 25/5, com uma breve entrevista da professora Claudia Figueiredo, que foi afiliada da ABC entre 2014 e 2019. Claudia é uma das coordenadoras de um recente estudo realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que mostra como inflamações generalizadas desenvolvidas após a contaminação por COVID-19 podem influenciar no risco de uma pessoa desenvolver Alzheimer.
Cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) descobriram como a sepse, a inflamação generalizada quase sempre deflagrada por uma infecção fora de controle, aumenta o risco de uma pessoa desenvolver mal de Alzheimer. A descoberta é particularmente importante porque a sepse, já muito comum, se tornou ainda mais frequente com a pandemia de COVID-19.
Se sabia que a sepse estava relacionada ao risco de demência, mas o estudo é o primeiro a explicar por que e como isso ocorre. Ele abre caminho para a prevenção do mal de Alzheimer, doença que permanece incurável e para a qual não existe remédio eficaz. E indica também que, devido à explosão de casos de sepse com a pandemia, há um enorme risco de aumento de casos de demência. Devido à relevância dos achados, o estudo foi publicado na revista Brain, Behavior and Immunity.
— Infelizmente, a sepse se tornou corriqueira na pandemia, pois acomete a grande maioria dos pacientes graves de COVID-19. Mas nosso estudo abre caminho para estratégias capazes de evitar ou reduzir o risco de mal de Alzheimer e outras doenças neurodegenerativas, explicaCláudia Pinto Figueiredo, do Núcleo de Neurociências da Faculdade de Farmácia da UFRJ.
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O novo estudo mostrou que a sepse deixa uma espécie de “carimbo”, uma marca de risco aumentado de Alzheimer, mesmo em indivíduos que se recuperam da inflamação sem sequelas aparentes.
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Figueiredo frisa que a associação entre doença inflamatória grave, como sepse e Covid-19, e doenças neurodegenerativas mostra que é necessário acompanhamento neuropsicológico desses pacientes após a alta hospitalar.
— Temos uma grave questão, que precisa ser contemplada com políticas públicas de saúde — destaca a cientista.
A sepse é literalmente uma filha de tempestade. É gerada pela chamada tempestade de citocinas — substâncias produzidas pelo sistema de defesa para debelar infecções. Em alguns casos, porém, o sistema imunológico perde o controle e o corpo acaba vítima de fogo amigo, as citocinas.
Na sepse, é como se o organismo entrasse em combustão, fica todo inflamado devido à tempestade. Bombardeados, os órgãos começam a apagar. As bactérias ou vírus causadores da infecção original podem já não estar presentes. Mas o corpo continua a sofrer a inflamação. Se esta não for contida, a pessoa morre.
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O cérebro é particularmente bem protegido pelo sistema imune. Mas se for afetado pela inflamação, as células de defesa ficam “irritadiças” e passam a reagir a qualquer coisa de forma exagerada e desproporcional.
Pequenos danos que para a maioria das pessoas não teriam relevância, nos sobreviventes de sepse são verdadeiros insultos. E esses insultos custam caro. Podem levar à perda de memória e ao desenvolvimento do mal de Alzheimer, explica Figueiredo, que coordenou a pesquisa com Júlia Clarke, também do Núcleo de Neurociências.
O trabalho se originou da dissertação de mestrado de Virginia de Sousa, do Programa de Pós-graduação em Ciências Farmacêuticas. E, além de cientistas da Faculdade de Farmácia, contou com a colaboração de pesquisadores dos institutos de Biofísica Carlos Chagas Filho e Bioquímica Médica Leopoldo de Meis, com financiamento da Faperj.
Num estudo com camundongos, os cientistas puderam ver o que acontece em função de pequenos acúmulos de beta-amiloide, a proteína cujas placas são características no mal de Alzheimer. Em animais sem sepse, esses “pequenos insultos” não têm impacto algum. Porém, nos animais sobreviventes de sepse, há uma resposta desequilibrada. As células de defesa que deveriam proteger os neurônios começam a atacá-los. Destroem as sinapses (comunicação de sinais nervosas). Enlouquecidas, as antigas defensoras se tornam devoradoras de memórias.
Julia Clarke, uma das coordenadoras do estudo, destaca que o trabalho mostra a importância da ciência brasileira na resolução de questões de saúde mundial.
— Se não estivéssemos passando pela maior crise de financiamento da ciência e tecnologia de nossa história, o Brasil poderia ter papel pioneiro no estudo da Covid-19 — salienta Clarke.