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Uma abordagem regional para salvar a Amazônia

A edição da Science de 22 de setembro abre com um editorial escrito pelo climatologista Carlos Nobre, membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), e pela ecóloga Marielos Peña-Claros. Ambos são co-presidentes do Painel Científico para a Amazônia (SPA, da sigla em inglês), um esforço internacional de centenas de cientistas e personalidades para trazer dados de ponta sobre o bioma e buscar soluções para sua preservação.

O texto alerta para a rapidez com que a destruição florestal caminha para se tornar irreversível e aponta para a urgência de se criar uma economia sustentável na região. A necessidade de que políticos e tomadores de decisão se envolvam na questão faz com que os pesquisadores clamem por um Painel Intergovernamental para o bioma, nos moldes do que já existe para as mudanças climáticas. Cabe reforçar que ambos desafios – preservação da Amazônia e mudanças climáticas – estão intimamente interligados.

Leia o editorial:

Uma abordagem regional para salvar a Amazônia

No início de agosto deste ano, uma cúpula de alto nível foi realizada em Belém, Brasil, onde os oito países amazônicos discutiram o futuro da Amazônia. As nações reconheceram que a Amazônia está muito próxima de atingir um ponto crítico para se transformar em um ecossistema degradado. O resultado das discussões foi a Declaração de Belém, um plano ambicioso para proteger e conservar as florestas amazônicas e para apoiar os povos indígenas e as comunidades locais. A preocupação surgiu, no entanto, porque não conseguiram chegar a acordo sobre atingir a desflorestação zero até 2030 e sobre evitar novas explorações de combustíveis fósseis na Amazónia. A Declaração também carece de indicadores específicos e mensuráveis. Os ministros das Relações Exteriores têm, portanto, um papel muito importante no aperfeiçoamento da agenda e dos prazos para que a Declaração de Belém possa ser implementada.

Por mais de três décadas, a ciência apontou para os riscos de a Amazônia atingir um ponto crítico. Vários estudos recentes demonstram agora quão próximo está: a estação seca no sul da Amazónia prolongou-se entre 4 a 5 semanas ao longo dos últimos 40 anos, a mortalidade de espécies de árvores que gostam de humidade aumentou e a perda de árvores está a transformar as florestas em uma fonte de carbono em vez de um sumidouro de carbono.

(…)”

Leia o editorial completo na Science.

Carlos Nobre e Marielos Peã-Claros, co-presidentes do Painel Científico para a Amazônia

Especialistas debatem a Amazônia na Cúpula de Ciências da 78ª Assembleia Geral da ONU

Agência FAPESP – A Amazônia foi pauta da nona edição da Cúpula de Ciências em 15/9, em Nova York. O evento integrou a agenda da 78ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (UNGA78) que, neste ano, teve como tema central “Paz, Prosperidade, Progresso e Sustentabilidade”.

O “Amazon Day: Science for the Amazon”, organizado pela Fapesp, reuniu pesquisadores, especialistas e lideranças de povos indígenas, entre outros, para discutir o papel da ciência, tecnologia e inovação na transição para um modelo de desenvolvimento sustentável da região amazônica.

“A Fapesp, ao longo da história, junto com agências nacionais de fomento, tem ajudado a financiar muitas pesquisas na Amazônia, sobretudo sobre as mudanças climáticas e o papel da floresta tropical no que diz respeito ao regime de absorção e emissão de CO2 [dióxido de carbono] e todas as outras consequências sobre a modelagem climática que a região tem para o Brasil, para a América do Sul e para o mundo como um todo”, disse Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo (CTA) da Fapesp, durante a abertura do evento.

“A novidade agora é que, além de olharmos para os serviços ambientais da floresta, a gente também tenta endereçar questões relacionadas à população que vive na região, buscando alternativas de criação de emprego e renda compatíveis com o objetivo de manter a floresta em pé”, completou, citando o exemplo da Iniciativa Amazônia+10, liderada pelo Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), que reúne 25 Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) estaduais, entre elas a Fapesp.

O evento foi dividido em quatro painéis de discussão. O primeiro deles, mediado por Pacheco, abordou o uso de satélites e análise geoespacial como ferramentas de pesquisa e de monitoramento do desmatamento na Amazônia, a partir da experiência brasileira com o tema nos anos 2000, com os sistemas Prodes e Deter.

“Foi no Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais] que se treinaram as primeiras equipes para entender o que era uma imagem de satélite, o que a gente poderia fazer com aquilo, como podíamos analisá-las. Criou-se uma cultura de sensoriamento remoto que, do Inpe, se espalhou pelo mundo todo”, disse Thelma Krug, presidente do Global Climate Observing System, ex-vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) e membro do Conselho Superior da Fapesp.

Ima Vieira, assessora da Presidência da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e pesquisadora titular do Museu Paraense Emílio Goeldi – do qual foi diretora na gestão 2005-2009 –, destacou a importância dos programas de monitoramento da região. “Têm sido muito importantes, principalmente para a aplicação de políticas públicas. Graças a esses programas nós pudemos ter a taxa de desmatamento anual. E o Inpe foi além. Começou a observar como a extração madeireira também estava destruindo a Amazônia, mas de uma forma mais sutil. As árvores ficam de pé, mas estão sendo degradadas”, disse.

Clarissa Gandour, professora na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EESP), e que anteriormente foi pesquisadora sênior e coordenadora de Avaliação de Políticas Públicas para Conservação no Climate Policy Initiative (CPI/PUC-Rio), afirmou que hoje o gargalo não está no monitoramento e sim na capacidade de resposta. “Já estamos enxergando em altíssima definição o que está acontecendo. Os esforços de comando e controle continuam fundamentais, mas a gente tem de assegurar o cumprimento da lei. Recuperar e fortalecer a capacidade de Estado”, ressaltou.


Várias Amazônias

O segundo painel contou com a presença de representantes do setor privado, do setor público e do terceiro setor, num debate sobre o uso do paradigma da inovação orientada por missões para estruturar o financiamento à pesquisa e desenvolvimento (P&D) na Amazônia, direcionando esforços de inovação para a resolução dos desafios sociais e ambientais complexos da região.

“A ideia de ter missões ou de orientar pesquisas por meio de missões é uma ideia antiga, inspirada na ida do homem à Lua, que busca tentar resolver problemas de natureza complexa, que não envolvem só uma área do conhecimento e sim um conjunto integrado de ações. Hoje, uma grande parte dos esforços mundiais, em paralelo com os desafios globais, está se organizando dessa maneira. No caso do Brasil, temos um desafio muito claro para a agenda de futuro: a Amazônia, pela complexidade do assunto.”

Na avaliação de Lívia Pagotto, secretária-executiva da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia e gerente sênior de Conhecimento no Instituto Arapyaú, o primeiro passo para pensar em qualquer alternativa econômica para a região é reconhecer que a Amazônia é diversa. “Existem várias Amazônias. E é fundamental valorizar o conhecimento local. Fica evidente que há muito conhecimento local, mas faltam recursos. Este é um vasto campo para trabalharmos juntos”, afirmou.

Patrícia Ellen, presidente da Systemiq no Brasil e ex-secretária de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia de São Paulo, reforçou a urgência de uma ação conjunta. “O Brasil é um país que envelheceu como a Suécia, mas em que ainda se morre como na África do Sul e se mata como na Síria. Essa frase sempre assusta as pessoas, mas é verdade. Nosso dever é integrar essa agenda de saúde, clima, economia e gente. Nosso maior desafio é nossa maior solução; não tem outra saída senão nos unir. A abordagem de missões vai permitir que a gente alcance esses objetivos”, defendeu. 


O potencial da bioeconomia

A bioeconomia como política de desenvolvimento econômico foi o tema do terceiro painel. “Esta é uma oportunidade única para avançarmos nas discussões do tema, que de um lado traz a extraordinária biodiversidade da região e, do outro, o desenvolvimento econômico e social. Vamos discutir como, por meio da bioeconomia e sobretudo com a ciência, tecnologia e inovação, poderemos dirigir políticas na região”, disse Marcio de Castro Silva Filho, diretor científico da Fapesp e mediador da mesa.

“É muito importante a academia estar promovendo debates como este, trazendo pessoas dos territórios, pessoas indígenas, para participar”, disse Raquel Tupinambá, coordenadora do Conselho Indígena Tupinambá do baixo Tapajós Amazônia (Citupi), localizado na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, onde existem 23 aldeias. “Nós, enquanto amazônidas, temos uma trajetória de genocídio e de inferiorização. Durante muito tempo nos encaixaram no lugar de selvagens e diziam que a Amazônia deveria ser um espaço a ser ocupado, integrado. Nós ocupamos a Amazônia há pelo menos 12 mil anos e, nesse período, sempre esteve sendo desenvolvida ciência e tecnologia ali.”

Para Salo Coslovsky, professor associado da Universidade de Nova York (Estados Unidos), coordenador do Infloresta e pesquisador associado do projeto Amazônia 2030, a Amazônia, em termos globais, sempre foi a periferia da periferia. “O Brasil se desenvolveu muito tempo de costas para a Amazônia. Muito do que a gente vê na região foi levado de fora, não foi desenvolvido localmente. São interesses, produtos, técnicas e modelos econômicos de fora. Quem é de lá sempre sentiu esse contraste. Mas só agora, com a Amazônia no epicentro das batalhas contra as mudanças climáticas, que se percebeu a necessidade de buscar um modelo novo, aprendendo com quem está lá e dando destaque para o papel importante do conhecimento tradicional”, disse. Para Salo, o potencial da bioeconomia na região é ilimitado. “Difícil mensurar em dinheiro. Pode vir a ser astronômico”, avaliou.

Francisco Costa Assis, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA), alertou para a necessidade de readequar a visão sobre a economia local, especialmente em relação à exportação dos produtos regionais. “Dada a característica afetiva dessa economia, as estratégias devem ter outro ponto de partida. A base de exportação dessa economia da sociobiodiversidade não é o mundo, é o Brasil. O principal mercado do açaí, por exemplo, é local. O segundo é nacional. O açaí cresceu, ganhou escala, potência, mas o mercado externo representa só 2%. O mesmo com a castanha. O desafio da ciência é dar conta de estratégias desse nível, levando em conta as características da região”, destacou.

Para André Baniwa, diretor no Ministério dos Povos Indígenas e liderança do povo Baniwa, e, desde janeiro de 2005, vice-presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), na perspectiva indígena, a bioeconomia não tem a ótica econômica como prioridade. “Gerar milhões, bilhões, trilhões não é o primeiro lugar no pensamento indígena. Ainda estamos na luta pela aceitação da sociedade. Tem uma grande parte que não aceita a nossa existência. Quando alguém reconhece a pimenta Baniwa, a cestaria Baniwa, eles passam a te respeitar, te reconhecem”, disse.

“Com esse panorama tão diverso, fica evidente que não há uma solução única, não tem uma bala de prata para resolver a questão, em função dessa extraordinária diversidade das diferentes Amazônias”, complementou o diretor científico da FAPESP. 


Três crises interligadas

No quarto e último painel, a discussão girou em torno da sociobiodiversidade e das mudanças climáticas. Mediado pelo biólogo Adalberto Luís Val, pesquisador e professor no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico e membro titular da Academia Brasileira de Ciências desde 2005.

“Temos três crises em curso hoje: a crise climática, a crise da biodiversidade e a crise social extremamente pronunciada. Duas dessas crises, paradoxalmente, são tratadas de forma independente. Inclusive pela própria ONU. Está na hora de a gente começar a pensar numa integração disso. As três crises estão interligadas”, afirmou Adalberto.

Patrícia Pinho, diretora científica adjunta do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), foi a autora principal do último relatório do IPCC sobre impacto, vulnerabilidade e adaptação às mudanças climáticas. Ela traçou um panorama sobre a região. “A Amazônia é listada como a primeira das cinco razões para se preocupar com as mudanças climáticas, segundo o IPCC. A região é altamente suscetível ao aumento das temperaturas globais. Cerca de 20% dessa floresta já foi desmatada. Em torno de 38% do que resta já está degradada, ou seja, já perdeu as funcionalidades que exercia. E o Brasil tem esquecido do tecido social, da economia que ali circula, e que também é vulnerável a essas crises. Esquecemos desses pontos de não retorno não só ecológicos, mas sociais também.”

A liderança indígena Vanda Witoto, educadora, ativista e consultora de Cultura Indígena no Estado do Amazonas e membro de Uma Concertação pela Amazônia, falou sobre a defesa dos territórios dos povos originários. “A garantia do território ainda é uma luta muito grande para os povos indígenas. E esses territórios, como apontam as pesquisas de vocês, são fundamentais para o enfrentamento das mudanças climáticas. Porque é dentro desses territórios que ainda se tem a maior diversidade de floresta preservada, a maior porcentagem de floresta viva.” E complementou: “[A sociedade] não se reconhece enquanto natureza. E, por isso, não temos capacidade nenhuma de olhar para esses elementos sagrados e cuidar, proteger, não desmatar, não escavar para mineração. O meu corpo fala: ‘precisamos voltar para a roça’. É lá que se ensinam valores dessa relação. A Amazônia foi plantada originalmente pelos povos indígenas. Foi semeada e continua sendo por nossas gerações. Mas, com todos esses impactos nos nossos territórios, nós também estamos saindo de lá.”

“Eu me iludi que a gente tinha feito algumas conquistas civilizatórias no Brasil e no mundo e que elas estavam lá para ficar. É uma visão ingênua e linear do processo histórico. Na verdade, a gente perdeu muito nos últimos anos”, disse Eduardo Neves, diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP) e membro do Brazil Lab na Universidade Princeton (Estados Unidos), que realiza pesquisa na Amazônia desde 1999. “Mas é impressionante ver que, mesmo frente a essas derrotas, que foram muito pesadas, algumas instituições como o Museu, o Inpa, a Federal do Pará, permanecem. Mostra que existe uma força na ciência amazônica do Brasil. Temos de aproveitar esse momento para fortalecer, investir nas instituições de ensino e pesquisa da região e no Brasil como um todo, repovoar essas universidades e criar uma massa crítica.” 


O conteúdo na íntegra dos quatro painéis pode ser acessado aqui.

Acesse a matéria original no site da Agência Fapesp

‘Começar novas explorações de petróleo é ecossuicídio’, diz Carlos Nobre

O climatologista Carlos Nobre, membro titular da ABC

O cientista Carlos Nobre, o primeiro a simular o colapso da Amazônia a partir de uma combinação de desmatamento com mudança climática, diz que não faz sentido abrir novas explorações de petróleo se a meta é cortar emissões. O raciocínio, afirma o pesquisador da USP e copresidente do Painel Científico para a Amazônia em entrevista ao GLOBO em Belém, vale também para explorações na Foz do Amazonas, algo que vem sendo defendido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O senhor está otimista com o possível resultado da cúpula?

Me digo otimista porque estamos num momento crítico para Amazônia, mas neste mesmo momento ocorre a reunião mais importante que já houve na História dos países amazônicos. Nunca houve tanta representatividade de comunidades indígenas e povos locais. Os países amazônicos têm de sair daqui com um mega-acordo para zerar o desmatamento, a degradação florestal e atacar o crime, que explodiu em toda Amazônia. Meu otimismo é de que não terá muito discursozinho político. Sairá algum acordo de todos os países Amazônicos para zerar o desmatamento e a degradação antes de 2030.

O senhor sempre defendeu a bioeconomia também como caminho para isso. Nesse ponto haverá avanço?

Nessa questão, não há uma concordância de todos os países, mas acho que haverá um caminho. Tenho certeza de que uma das mensagens desta cúpula será: “Países desenvolvidos, nos ajudem.” Eles precisam colocar dezenas de bilhões aqui, para não dizer mais de uma centena de bilhão de dólares, para desenvolver essa nova economia.

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Leia a entrevista completa no O Globo.

Evento em Manaus tem grande repercussão na mídia

O evento organizado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Rede InterAmericana de Academias de Ciências (Ianas), “Ciência Para e Pela Amazônia”, realizado no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia nos dias 2 e 3 de agosto, repercutiu bastante na grande mídia. Veja as principais notícias!

 


Leia as matérias da ABC sobre o evento:


Acesse aqui a gravação do evento “Science By and For the Amazon” na íntegra.

Apresentação das Academias de Ciências dos países amazônicos

Dentro da perspectiva de promover integração entre os representantes de academias de ciências das Américas, o encontro “Ciência Sobre e Para a Amazônia”, promovido pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Rede InterAmericana de Academias de Ciências (Ianas), foi um sucesso. No dia 3 de agosto, segundo dia do evento, representantes da Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela apresentaram sua visão sobre o tema.

A Bolívia tem 40% do seu território na Amazônia. De acordo com a presidente da Academia Nacional de Ciências da Bolívia, Monica Moraes, que é doutora em biologia pela Universidade de Aarhus, na Dinamarca, formar redes de colaboração a longo prazo é crucial. Ela ressaltou o papel das academias no assessoramento às autoridades públicas e defendeu encontros periódicos no âmbito da Ianas sobre o tema. “Se por um lado temos um país com baixos investimentos em ciência, tecnologia e inovação, por outro temos uma comunidade científica acostumada à cooperação internacional”, disse.

O vice-presidente da ABC para a Região Norte, Adalberto Luis Val, lembrou que no Brasil o volume de investimentos ainda é incompatível com as necessidades e os desafios da Amazônia. “Apenas 3% dos investimentos em CT&I do Brasil vão para a região. Manter esses valores significa manter as coisas como estão.” Ele ressaltou a ideia de uma nova bioeconomia para a região. “A ideia de que a floresta precisa ser substituída para produzir valor levou à usos insustentáveis e improdutivos, já que o solo da região não é propício para a agropecuária. Precisamos encontrar formas de manter a floresta em pé e os rios fluindo.”

A presidente da Academia da Colômbia, Helena Groot, ressaltou a importância da educação e da cultura como parte fundamental da proteção da Amazônia, fomentando a inclusão de povos tradicionais e outros setores marginalizados da sociedade. Ela tratou também do financiamento à ciência no país, pasta que recebeu um dos menores aportes do governo. “O financiamento de projetos não é contínuo, é instável e baixo”, criticou. “Ciência é fundamental, precisamos de cientistas e cidadãos responsáveis pela educação”, finalizou.

Andrea Encalada, membra da Academia de Ciências do Equador, representou a jovem entidade, fundada em 2013. Apesar de recente, a academia já teve atuação importante na pandemia e planeja ter o mesmo papel quanto à Amazônia. Ela afirmou que a maior pressão sobre a Amazônia equatoriana é a mineração e destacou o papel das universidades na criação de expertise interna e externa. “Pertencer a uma Academia não é apenas uma honra, mas um dever de fomentar políticas e avanços com base no conhecimento”.

A representante do Capítulo Guiana da Academia Caribenha de Ciências, Heetasmin Singh, explicou que a Guiana é um país pequeno, com apenas 700 mil pessoas e sua economia gira principalmente em torno do petróleo. O país só tem uma universidade, onde o Capítulo Guiana está sediado. Na área ambiental, o país tem um acordo com a Noruega para manter a floresta em pé, o que permite manter 80% de suas florestas preservadas. “Estamos comprometidos com a colaboração internacional e a integração entre conhecimento científico e políticas públicas. Entendemos que a Amazônia é vital para todos os países que a integram”.

Fernando Roca e Nicole Weiss, membros da Academia Nacional de Ciências do Peru, destacaram as paisagens naturais da Amazônia peruana e as particularidades dos ecossistemas da cordilheira dos Andes. Os pesquisadores trouxeram exemplos de iniciativas públicas e privadas que estão explorando possibilidades de bioeconomia para a região, desde produções agroflorestais, passando por criação de pirarucus até um moderno laboratório dedicado à pesquisa genética na Amazônia. “O que falta é um trabalho comum para toda a Amazônia”, disse Weiss.

Stephen Vreden, representando a comunidade científica do Suriname, denunciou o envolvimento do governo local com o garimpo de ouro na Amazônia. Vreden representa o NZCS/ZMO, que busca fortalecer a ciência sobre a Amazônia. “Trazer dados sobre a floresta tropical é um dos nossos focos principais”, afirmou.

Ismardo Bonalde, presidente da Academia de Ciências Físicas, Matemáticas e Naturais da Venezuela, afirmou que assessorar os tomadores de decisão é tarefa comum de todas as academias. Ele destacou o papel de organizações não-governamentais na conservação e na produção de dados sobre a Amazônia venezuelana. “A força das academias de ciência está em sua capacidade de convocar e mobilizar os especialistas para traçar planos de ação em torno de um problema em particular”, finalizou.

 

 

 


Acesse aqui a gravação na íntegra.


Leia as matérias da ABC sobre o evento:

Tratado de Cooperação Amazônica em debate no evento ABC-Ianas

Para abrir a primeira tarde do encontro “Science By and For the Amazon”, que reúne representantes das academias membras da Rede InterAmericana de Academias de Ciências (Ianas), a Academia Brasileira de Ciências (ABC) convidou a secretária-geral da Organização do Tratado de Cooperação Amazonica (OTCA), Maria Alexandra Moreira Lópes, advogada com especialização em direito econômico e ambiental que foi ministra a do Meio Ambiente e Água (2015 a 2017) e atuou por anos no Ministério das Relações Exteriores.

O Tratado de Cooperação Amazônica foi assinado em 1978 pelos oito países amazônicos, exceto a Guiana Francesa. O espírito do documento é servir como um acordo entre Estados, não governos, fortalecendo o intercambio científico entre os membros e focando nos vastos recursos ambientais da região. Em 1995, para supervisionar a implementação do acordo, foi criada a OTCA.

A partir desse breve histórico, Lópes tratou das questões atuais do bioma, algumas das quais são problemáticas e persistem por décadas. “Até a década de 80, a Amazônia era vista como periférica por todos os países. Lamentavelmente, muito desse pensamento continuou”, ressaltou.

A OTCA articula iniciativas como Observatório Regional Amazônico (ORA), que monitora as condições da floresta e propicia um fluxo constante de informações entre instituições científicas e autoridades. Agora, o mais novo projeto da organização é o mapeamento e o estudo dos aquíferos amazônicos. “Conhecemos muito sobre o aquífero Guaraní, mas quase nada sabemos sobre os sistemas de águas subterrâneas da Amazônia”.

Projetos como esse cumprem com as diretrizes do tratado, mas nada impede que iniciativas fora da OTCA também sigam o mesmo espírito. É o caso do Painel Cientifico para a Amazônia (SPA), que reuniu cientistas do mundo inteiro para gerar o maior levantamento de dados e conhecimento sobre a região já feitos. Essas ações são cruciais, mas demandam continuidade. “Relatórios demoram anos para serem feitos, então já nascem desatualizados. É preciso manter um esforço constante para manter as informações atuais”, afirmou López.

Outro ponto abordado foi a questão da bioeconomia. Para López, não existe uma definição concreta para a palavra, mas sua definição varia para cada país. “Se estamos buscando uma definição concreta é porque não entendemos a multiplicidade do tema”.

Segundo ela, já existem mais de 64 tipos de produção e manufaturas espalhadas pela Amazônia que podem ser consideradas bioeconomias. Juntos, esses empreendimentos movimentam valores na casa dos 170 bilhões de dólares anuais. “Para se ter uma ideia, o mercado de carbono ainda está na casa dos milhões de dólares. É preciso entender onde estão as verdadeiras soluções”.

Mas para que essas ações evoluam e ganhem escala, é preciso ciência. Em especial, é preciso pesquisa aplicada que gere dados e inovações em culturas e produtividade sustentável. “Se não fornecermos opções para os modos de produção de valor baseados no extrativismo, não conseguiremos nunca trazer as populações locais para o nosso lado”, finalizou.

 

 


Acesse aqui a gravação na íntegra.


Leia as matérias da ABC sobre o evento:

Andrea Encalada apresenta o SPA em evento ABC-Ianas, em Manaus

O crescimento nas queimadas e desmatamentos na Amazônia nos últimos anos fez com que mais de 200 cientistas do mundo inteiro, sobretudo dos países amazônicos, se juntassem num grande projeto de sistematização e síntese dos conhecimentos existentes sobre a bacia amazônica. Assim foi criado o Painel Científico para a Amazônia (SPA), em 2020, cujo relatório de avaliação publicado em 2021 na COP26, em Glasgow, já é conhecido como a “Enciclopédia da Amazônia”.

O SPA foi tema do encontro da Rede InterAmericana de Academias de Ciências (Ianas) “Science By and For the Amazon”, que ocorre nos dias 2 e 3 de agosto, no Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas (Inpa), em Manaus. A apresentadora foi  Andrea Encalada, que foi co-chair do SPA e é membra da Academia de Ciências do Equador. Ela é bióloga, especializada em ecologia de rios tropicais. Graduou-se na Pontifícia Universidade Católica do Quito e obteve seu Ph.D.na Universidade de Cornell, em Ítaca, Nova Iorque, EUA. Fez pós-doutorado no Instituto de Pesquisas Aquáticas e Marinhas (IMAR) da Universidade de Coimbra, em Portugal. É vice-reitora da Universidade San Francisco de Quito, onde dirigiu o Laboratório de Ecologia Aquática e coordenou a área de Recursos Naturais e Ecologia. Encalada apresentou alguns dos principais pontos do Painel.

 

Uma autoridade científica global

O SPA foi criado não só para produzir ciência, mas principalmente para sistematizar e difundir a ciência já existente sobre o tema, que estava pulverizada entre os vários países e centros de pesquisa. Além dos cientistas, o painel conta também com um Comitê Estratégico, composto por 12 personalidades globais cuja missão é trazer luz a esse tema urgente.

Os trabalhos do Painel envolvem a caracterização do sistema amazônico como uma entidade fundamental do Planeta Terra, analisando aspectos físicos, geológicos, climáticos e sociais da região.

 

A fotografia atual da Amazônia

A Amazônia tem a maior biodiversidade do planeta, grande parte da qual permanece desconhecida. Uma das conclusões do SPA foi a identificação de lacunas de informação e conhecimento, que são agravadas pela alta diversidade local da região. Enquanto as altas taxas de especiação geram organismos altamente endêmicos na região, a dificuldade da ciência de chegar até eles faz com que muitos estejam ameaçados mesmo antes de serem conhecidos.

Encalada fez questão de lembrar que a Amazônia não é um monólito de floresta tropical, mas um mosaico de ecossistemas, com variações importantes desde as altas montanhas dos Andes à savanas muito ricas nas regiões de borda, todos intimamente conectados. “Estamos unidos, os países amazônicos, e essa conectividade é uma das coisas mais importantes da região. Nós enxergamos as fronteiras políticas, mas as espécies não”, sumarizou.

Além dessa diversidade de organismos e biomas, a região é peça chave para o clima global. Estima-se que a floresta armazene entre 150 e 200 bilhões de toneladas de carbono que, se jogadas na atmosfera, impossibilitariam qualquer meta climática. A importância da floresta para o ciclo hídrico também é fundamental: quando atinge a cordilheira dos Andes, a evaporação massiva da floresta forma verdadeiros “rios voadores” que terminam por banhar as regiões mais ao sul do continente. “Ao alterarmos a Amazônia, alteramos o planeta inteiro”, alertou Encalada.

 

Pressões e soluções humanas sobre a floresta

A bacia amazônica é lar de 47 milhões de pessoas, das quais 2,2 milhões são indígenas de 410 grupos e mais de 300 línguas diferentes. Preservar essa diversidade cultural riquíssima dos povos tradicionais é sinônimo de proteger a floresta, já que as maiores taxas de conservação estão nas terras indígenas.

Mas as maiores pressões sobre o bioma também vêm do homem. A agropecuária movimenta 53% da economia local e sua expansão sobre a floresta é uma das principais vias de destruição. Enquanto 18% da floresta original já foi derrubada, outros 17% estão degradados, e a consequência para a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos – estocagem de carbono, por exemplo – é quase tão devastadora quanto o desmatamento total. “Precisamos de uma moratória urgente sobre o desmatamento, não dá para esperar dez anos”, ressaltou Encalada.

Outra mudança no uso da terra citada pela palestrante foram as construções de barragens para hidroelétricas. Apesar de ser considerada energia “limpa’, esses empreendimentos causam enormes distúrbios socioambientais nos locais onde são feitos. “Parte importante da união entre os países amazônicos é definir planos multilaterais para construções de barragens, de forma a conseguir a maior produtividade com os menores impactos”, lembrou.

Outro aspecto da questão hídrica é a poluição. A grande maioria das cidades amazônicas não possui tratamento de água e rejeitos industriais adequados, o que afeta todo o sistema hídrico da região e também do Oceano Atlântico, cujo sistema depende crucialmente da produtividade do Rio Amazonas.

As mudanças climáticas também são um fator de risco. Enquanto as secas se tornam mais frequentes, a dinâmica de ecossistemas inteiros se vê ameaçada, sobretudo nas regiões que evoluíram durante anos em ciclos de inundação. “Enquanto a média global de aquecimento é de 1,1 graus, na Amazonia é 1,2. Pode não parecer muito, mas faz toda a diferença no aumento de eventos climáticos extremos e para a floresta se tornar uma fonte de emissões e não mais um sumidouro de carbono”.

 

Uma nova bioeconomia

Nos últimos anos a ciência ambiental e climática criou um novo slogan para a Amazônia: O desenvolvimento de uma nova bioeconomia com as florestas em pé e os rios fluindo. Mas o que isso significa na prática?

Enquanto os vetores de destruição da floresta advém das atividades econômicas da região o problema se torna incontornável. Parte da solução depende de inovação, encontrando novas formas de gerar valor sem agredir o ambiente. “Os cultivos agroflorestais de açaí e cacau e formas sustentáveis de pescaria e piscicultura são exemplos importantes de como se alia a produção com a preservação da floresta. O que falta é dar escala”, exemplificou Encalada.

Outra forma de inclusão das populações locais é na promoção de campanhas de reflorestamento, sobretudo nas regiões da fronteira agrícola no Leste e Sul do bioma. Para isso, é preciso investimento robusto em educação, ciência e tecnologia. Apenas 3% do orçamento de C,T&I no Brasil são destinados a Amazônia. “O tempo biológico está passando mais rápido que o tempo político”, alertou o Acadêmico Adalberto Val, também membro do SPA.

“Nosso objetivo é escrever um relatório a cada ano, mobilizar formuladores de políticas públicas e também o setor empresarial. Mas sobretudo, compreender o nosso papel enquanto acadêmicos, e o papel das academias nacionais de ciência seja a mensagem chave dessa reunião”, finalizou Encalada.

 

 


Acesse no YouTube da ABC a gravação na íntegra.


Leia as matérias da ABC sobre o evento:

Membros afiliados da ABC participam do 8° Fórum de Jovens Cientistas do BRICS

Nos dias 31 de julho a 2 de agosto está sendo realizado o 8° Fórum de Jovens Cientistas do BRICS e o Prêmio Jovem Inovador do BRICS, na cidade de Gqeberha, África do Sul. A delegação brasileira foi composta por 25 jovens cientistas, veja aqui a lista dos selecionados

A ABC foi representada pelos membros afiliados Allan Klynger da Silva Lobato, pesquisador e professor da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), e Tiago Antônio de Oliveira Mendes, pesquisador e professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV). O professor e pesquisador Guilherme Baldo, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), foi membro afiliado da ABC no período de 2014 a 2018.

Em 2023 o evento teve como tema “Construindo a parceria BRICS – África para aceleração mútua do crescimento, desenvolvimento sustentável e multilateralismo inclusivo”.

O objetivo do fórum é discutir as mudanças climáticas e sustentabilidade ambiental, o futuro da educação, skills e conjunto de habilidades e o futuro da sociedade, apresentar pesquisas e propor soluções que possam ser aplicadas nos países do BRICS (Brasil, Rússia, índia, China e África do Sul).

Ambos os membros afiliados fizeram suas apresentações na sessão “Climatic change and environmental sustainability”.

O membro afiliado Allan Lobato ressaltou que “o BRICS é um bloco que possui grande relevância no cenário global, pois os países que o compõem possuem um terço da população mundial, assim como possuem longas faixas territoriais utilizadas para a atividade agropecuária, contribuindo para a segurança alimentar mundial”. 

Ainda de acordo com Lobato, os jovens cientistas presentes no fórum têm clareza sobre o quanto são essenciais as pesquisas feitas em seus países para o desenvolvimento de suas nações e a qualidade de vida de suas populações.

Tiago Mendes destacou que “o evento é um importante momento para prospectar potenciais colaborações com pesquisadores do bloco, incluindo captação de recursos para pesquisa e desenvolvimento tecnológico”.

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