O crescimento nas queimadas e desmatamentos na Amazônia nos últimos anos fez com que mais de 200 cientistas do mundo inteiro, sobretudo dos países amazônicos, se juntassem num grande projeto de sistematização e síntese dos conhecimentos existentes sobre a bacia amazônica. Assim foi criado o Painel Científico para a Amazônia (SPA), em 2020, cujo relatório de avaliação publicado em 2021 na COP26, em Glasgow, já é conhecido como a “Enciclopédia da Amazônia”.

O SPA foi tema do encontro da Rede InterAmericana de Academias de Ciências (Ianas) “Science By and For the Amazon”, que ocorre nos dias 2 e 3 de agosto, no Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas (Inpa), em Manaus. A apresentadora foi  Andrea Encalada, que foi co-chair do SPA e é membra da Academia de Ciências do Equador. Ela é bióloga, especializada em ecologia de rios tropicais. Graduou-se na Pontifícia Universidade Católica do Quito e obteve seu Ph.D.na Universidade de Cornell, em Ítaca, Nova Iorque, EUA. Fez pós-doutorado no Instituto de Pesquisas Aquáticas e Marinhas (IMAR) da Universidade de Coimbra, em Portugal. É vice-reitora da Universidade San Francisco de Quito, onde dirigiu o Laboratório de Ecologia Aquática e coordenou a área de Recursos Naturais e Ecologia. Encalada apresentou alguns dos principais pontos do Painel.

 

Uma autoridade científica global

O SPA foi criado não só para produzir ciência, mas principalmente para sistematizar e difundir a ciência já existente sobre o tema, que estava pulverizada entre os vários países e centros de pesquisa. Além dos cientistas, o painel conta também com um Comitê Estratégico, composto por 12 personalidades globais cuja missão é trazer luz a esse tema urgente.

Os trabalhos do Painel envolvem a caracterização do sistema amazônico como uma entidade fundamental do Planeta Terra, analisando aspectos físicos, geológicos, climáticos e sociais da região.

 

A fotografia atual da Amazônia

A Amazônia tem a maior biodiversidade do planeta, grande parte da qual permanece desconhecida. Uma das conclusões do SPA foi a identificação de lacunas de informação e conhecimento, que são agravadas pela alta diversidade local da região. Enquanto as altas taxas de especiação geram organismos altamente endêmicos na região, a dificuldade da ciência de chegar até eles faz com que muitos estejam ameaçados mesmo antes de serem conhecidos.

Encalada fez questão de lembrar que a Amazônia não é um monólito de floresta tropical, mas um mosaico de ecossistemas, com variações importantes desde as altas montanhas dos Andes à savanas muito ricas nas regiões de borda, todos intimamente conectados. “Estamos unidos, os países amazônicos, e essa conectividade é uma das coisas mais importantes da região. Nós enxergamos as fronteiras políticas, mas as espécies não”, sumarizou.

Além dessa diversidade de organismos e biomas, a região é peça chave para o clima global. Estima-se que a floresta armazene entre 150 e 200 bilhões de toneladas de carbono que, se jogadas na atmosfera, impossibilitariam qualquer meta climática. A importância da floresta para o ciclo hídrico também é fundamental: quando atinge a cordilheira dos Andes, a evaporação massiva da floresta forma verdadeiros “rios voadores” que terminam por banhar as regiões mais ao sul do continente. “Ao alterarmos a Amazônia, alteramos o planeta inteiro”, alertou Encalada.

 

Pressões e soluções humanas sobre a floresta

A bacia amazônica é lar de 47 milhões de pessoas, das quais 2,2 milhões são indígenas de 410 grupos e mais de 300 línguas diferentes. Preservar essa diversidade cultural riquíssima dos povos tradicionais é sinônimo de proteger a floresta, já que as maiores taxas de conservação estão nas terras indígenas.

Mas as maiores pressões sobre o bioma também vêm do homem. A agropecuária movimenta 53% da economia local e sua expansão sobre a floresta é uma das principais vias de destruição. Enquanto 18% da floresta original já foi derrubada, outros 17% estão degradados, e a consequência para a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos – estocagem de carbono, por exemplo – é quase tão devastadora quanto o desmatamento total. “Precisamos de uma moratória urgente sobre o desmatamento, não dá para esperar dez anos”, ressaltou Encalada.

Outra mudança no uso da terra citada pela palestrante foram as construções de barragens para hidroelétricas. Apesar de ser considerada energia “limpa’, esses empreendimentos causam enormes distúrbios socioambientais nos locais onde são feitos. “Parte importante da união entre os países amazônicos é definir planos multilaterais para construções de barragens, de forma a conseguir a maior produtividade com os menores impactos”, lembrou.

Outro aspecto da questão hídrica é a poluição. A grande maioria das cidades amazônicas não possui tratamento de água e rejeitos industriais adequados, o que afeta todo o sistema hídrico da região e também do Oceano Atlântico, cujo sistema depende crucialmente da produtividade do Rio Amazonas.

As mudanças climáticas também são um fator de risco. Enquanto as secas se tornam mais frequentes, a dinâmica de ecossistemas inteiros se vê ameaçada, sobretudo nas regiões que evoluíram durante anos em ciclos de inundação. “Enquanto a média global de aquecimento é de 1,1 graus, na Amazonia é 1,2. Pode não parecer muito, mas faz toda a diferença no aumento de eventos climáticos extremos e para a floresta se tornar uma fonte de emissões e não mais um sumidouro de carbono”.

 

Uma nova bioeconomia

Nos últimos anos a ciência ambiental e climática criou um novo slogan para a Amazônia: O desenvolvimento de uma nova bioeconomia com as florestas em pé e os rios fluindo. Mas o que isso significa na prática?

Enquanto os vetores de destruição da floresta advém das atividades econômicas da região o problema se torna incontornável. Parte da solução depende de inovação, encontrando novas formas de gerar valor sem agredir o ambiente. “Os cultivos agroflorestais de açaí e cacau e formas sustentáveis de pescaria e piscicultura são exemplos importantes de como se alia a produção com a preservação da floresta. O que falta é dar escala”, exemplificou Encalada.

Outra forma de inclusão das populações locais é na promoção de campanhas de reflorestamento, sobretudo nas regiões da fronteira agrícola no Leste e Sul do bioma. Para isso, é preciso investimento robusto em educação, ciência e tecnologia. Apenas 3% do orçamento de C,T&I no Brasil são destinados a Amazônia. “O tempo biológico está passando mais rápido que o tempo político”, alertou o Acadêmico Adalberto Val, também membro do SPA.

“Nosso objetivo é escrever um relatório a cada ano, mobilizar formuladores de políticas públicas e também o setor empresarial. Mas sobretudo, compreender o nosso papel enquanto acadêmicos, e o papel das academias nacionais de ciência seja a mensagem chave dessa reunião”, finalizou Encalada.

 

 


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