Na manhã de 17 de abril, o Centro de Difusão Internacional da Universidade de São Paulo (CDI-USP) recebeu mais um Diálogo Nobel Brasil 2024, onde alunos e professores da comunidade acadêmica brasileira e alguns representantes  de outros países da América Latina tiveram a oportunidade de debater com três ganhadores do célebre Prêmio Nobel. No dia 15, o encontro aconteceu na  Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

O evento é fruto de uma parceria entre a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e o Nobel Prize Outreach, braço da Fundação Nobel, e só foi possível graças ao viabilizada pelo apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Antes do evento, os três nobelistas foram recebidos pelo reitor da USP, Carlos Carlotti Júnior.


Os laureados

Os laureados presentes foram: May-Britt Moser, que recebee o Nobel de Medicina em 2014 por suas descobertas em neurociências, ajudando a avançar significativamente pesquisas sobre cognição espacial humana; Serge Haroche, ganhador do Nobel de Física em 2012 por desenvolver novos métodos experimentais que permitiram medir e manipular partículas quânticas individuais, algo considerado impossível até então; e David MacMillan, que recebeu o Nobel de Química em 2021 pela criação de catalisadores sustentáveis com diversas aplicações industriais, sobretudo na produção de medicamentos.

David MacMillan, Serge Haroche e May-Britt Moser interagiram com estudantes na USP (Foto: Julio Cesar Guimarães)

Abertura

A presidente da ABC, Helena Bonciani Nader, recepcionou o público lembrando que 2024 é um ano especial para a ciência brasileira. Com o país na presidência rotativa do G20, coube a ABC organizar o Science 20 – braço científico do grupo – e estabelecer a construção de um mundo mais justo e sustentável como meta prioritária.

“Em 2015, 193 países aprovaram uma agenda global, a ser alcançada até 2030, com o objetivo de proteger o planeta e libertar a humanidade da tirania da pobreza. Foram delineadas metas ousadas e transformadoras, e nossos governos se comprometerem a abraçá-las e orientar o mundo para um caminho sustentável e resiliente. Esses objetivos são integrados e indivisíveis e devem equilibrar as três dimensões do desenvolvimento sustentável: econômica, social e ambiental. Além disso, essa jornada coletiva está ancorada no compromisso de não deixar ninguém para trás. Estamos a sete anos do prazo estabelecido e, com preocupação, percebemos que estamos longe dos objetivos desejados e acordados”, alertou Nader.

A presidente da ABC, Helena Nader, recepcionou os nobelistas (Foto: Julio Cesar Guimarães)

De cientistas para cientistas

Os três laureados foram convidados ao palco para falar sobre vários aspectos da carreira de um cientista. A mediação foi feita por Adam Smith, diretor científico do Diálogos Nobel.

David MacMillan: estabilidade para tentar

MacMillan lembrou que, no início da carreira, sua maior preocupação era conseguir um emprego estável. “Quando fui para os EUA e comecei como professor assistente em Berkeley, o único impacto que eu queria era manter meu emprego. Conforme o tempo passou, e observando como eram feitas as coisas, comecei a perceber o que fazia sentido e o que não fazia. Comecei a pensar: ‘Há outra forma de fazer?’, e foi quando comecei a ter ideias disruptivas”.

“É muito difícil balancear essas ideias com o trabalho tradicional, principalmente quando se é jovem. Os revisores estão procurando por algo que faça sentido baseado no que já sabemos, então evitamos fazer o que não é usual. Por isso precisamos encorajar mais esses caminhos desafiadores”, completou.

Mac Millan, que foi premiado em 2021, conta que ainda está se acostumando ao Nobel. “Uma das coisas legais é que você começa fazendo algo aque ninguém dá atenção e, 20 anos depois, se torna algo que todos querem saber sobre, a indústria começa a utilizar. As pessoas do meu grupo começaram a perceber que aquele mundo fechado em que vivíamos se expandiu, perceber o impacto do nosso trabalho. Isso é muito positivo, é mostrar que o pensar, o aprender, impacta a sociedade como um todo.

Questionado por um aluno, ele respondeu como um cientista deve lidar com o fracasso. “Tem dias em que nos sentimos cansados, sobrecarregados, mas também há dias em que as coisas funcionam. Quando isso acontece é maravilhoso, é a melhor coisa da ciência. Quando você estiver pensando em desistir, lembre-se desse sentimento, lembre-se de como é bom estar contribuindo com um pedaço de conhecimento que permanecerá para sempre. Você percebe que precisa continuar tentando, continuar se entusiasmando. Fracassamos muito mais do que acertamos, mas quando chegamos a uma resposta, vale por todo o processo”.

Chefe de laboratório, MacMillan também aconselhou professores sobre como lidar com seus orientandos. “Acima de tudo, é preciso ter responsabilidade com seus estudantes, ajudá-los a crescer como indivíduos, além de cientistas. É importante que sejam independentes, que não precisem fazer só o que uma agência governamental quer que eles façam. Uma das maravilhas da ciência é que todos podem decidir por si mesmos qual caminho seguir”.

Adam Smith e David MacMillan (Foto: Julio Cesar Guimarães)

May-Britt Moser: laboratórios felizes e ciência de ponta

Vencedora do Nobel em 2014, May-Britt Moser já teve uma década para se acostumar, mas ainda reluta em deixar que a notoriedade a afaste de sua pesquisa, principal paixão na carreira. “Nós somos cientistas porque temos esse talento e devemos usá-lo. Às vezes sinto que nos dão responsabilidades demais. Eu não viajo muito porque, apesar da importância desses encontros, me pergunto se consigo lidar com todas as demandas. Me pergunto todos os dias, como estarei contribuindo mais com o mundo?”

O laboratório é sua segunda casa, e por isso Moser busca todas as maneiras de tornar esse ambiente agradável. “Eu me sinto responsável não só pela ciência, mas pelas pessoas. Se não estamos felizes no trabalho a vida fica miserável. Uma coisa é ter uma ideia abstrata de felicidade, mas para criar esse ambiente de fato é preciso enxergar a todos, conversar com todos”.

“Fazer ciência é difícil, há muitos fracassos, às vezes você se sente batendo a cabeça no muro. Mas, de repente, surge uma resposta. Quando isso acontece, se torna viciante. De certa forma somos loucos, pois quando você se vicia no que faz, não consegue mais parar. Por isso tenho muito orgulho do ambiente que criamos no laboratório, pois tentamos resolver problemas juntos, e aí quando vem o sucesso é um sucesso de todos, comemoramos todos juntos e nos tornamos mais próximos”, completou.

Mas seu campo de atuação, assim como qualquer área da ciência, é complexo, tendo um progresso lento. Às vezes, as ferramentas para avançar ainda nem sequer existem. “Tivemos que começar por algum lugar, Decidimos pelas estruturas ao redor do hipocampo e descobrimos coisas a partir dela. Não era suficiente entender como os sistemas funcionavam, mas como eles interagiam. Então percebemos que precisávamos de ferramentas. Foi quando, na década passada, tivemos acesso a novas ferramentas que nos permitiram ir além, encontrar coisas novas, entender melhor como as estruturas celulares estavam interagindo”.

“Quanto mais complexo o problema, mais campos precisamos explorar, então começamos a colaborar com especialistas de outras áreas e a precisar de mais gente. Em nosso instituto temos hoje pessoas de 30 países, pessoas de todas as cores e amamos isso. Precisamos de gente diferente, com diferentes atitudes, diferentes treinamentos, pois isso aumenta o alcance da ciência. Nós amamos a ciência juntos”, afirmou.

Inquirida por um professor sobre inovação, Moser defendeu a transferência tecnológica como fundamental para o avanço científico global. “Uma vez recebemos em nosso laboratório um brilhante cientista chinês que desenvolveu um microscópio portátil de ponta. Logo apareceram alguns pensando em como poderíamos vender aquilo, mas optamos por abrir o conhecimento, compartilhar cada pequeno detalhe, para que pessoas do mundo todo pudessem desenvolvê-lo. Isso é o que faz a ciência avançar”.

May-Britt Moser interage com o público (Foto: Julio Cesar Guimarães)

Serge Haroche: no lugar certo, na hora certa

Laureado em Física em 2012, Serge Haroche lembrou que ganhar o Prêmio Nobel não é apenas sobre mérito científico, mas também sobre estar no lugar certo na hora certa. “Eu percebi que era possível aumentar a sensibilidade ótica para enxergar um único átomo interagindo com um único próton. No início eu não tinha ideia do quão longe a ideia poderia ir, tive a sorte de ter o que precisava em mãos. Quando Einstein ou Schrödinger imaginavam esse tipo de experimento, eles não tinham as ferramentas necessárias”.

Haroche é um defensor ferrenho da ciência básica, pilar de todo o processo de construção do conhecimento. “Mesmo antes de qualquer aplicação, o que move um cientista é observar um fenômeno e descobrir sobre ele coisas que ninguém sabe. Perceber depois que essas coisas são uteis é muito gratificante, mas não é o motor”.

“Quando eu era jovem eu não imaginava tudo isso, de jeito nenhum. Eu era fascinado pela física quântica, tive a sorte de trabalhar com ótimos professores e ter liberdade para explorar. Isso era mais comum no passado, a pesquisa era mais de baixo para cima. Agora há uma tendência de organização mais centralizada e isso coloca uma serie de amarras. Não é assim que a pesquisa funciona. Primeiro você explora e depois surgem as aplicações, muitas vezes, em direções inimagináveis. Quem faz políticas de ciência precisa entender isso”, completou.

Para ele, fazer ciência é uma arte, que requer imaginação e criatividade Mas, diferente das artes tradicionais, é uma arte que precisa respeitar os limites do mundo físico. “Você tem que ser curioso, tem que focar e reconhecer o valor da sua pesquisa. Depende da sua personalidade. Quando trabalhando em pequenos grupos, você consegue criar uma sinergia e o suporte dos colegas se torna importante para lidar com o fracasso. Em campos que envolvem muitos pesquisadores, você precisa ter em mente que você precisará achar o seu nicho e criar seu espaço”.

Respondendo a um aluno sobre o porquê de o Brasil não ter prêmios Nobel, Serge Haroche reforçou que é preciso ter compromisso com investimentos na educação básica. “Na ciência moderna é preciso ter muitos recursos e isso dificulta a competição com laboratórios de países ricos. Mas em termos de talento, o Brasil tem o que precisa. O necessário é explorar melhor esse recurso, dar condições iguais a todos os jovens e educação básica de qualidade”. No entanto, haroche reconhece que o Prêmio Nobel deveria rever certos critérios. “No meu caso, eu sempre quis compartilhar meu Nobel com as pessoas com quem cooperei durante toda a minha carreira”, concluiu.

Serge Haroche se dirige à platéia (Foto: Julio Cesar Guimarães)

Assista à transmissão no canal do Prêmio Nobel:


Saiba como foram os outros eventos!

Diálogos Nobel Brasil: Universidade do Estado do Rio de Janeiro

A ABC juntou três laureados do Prêmio Nobel com alunos e professores das comunidades cientificas do Brasil e da América Latina. Primeiro dia foi perante o teatro lotado da UERJ!

Diálogos Nobel Brasil: Federação das Indústrias do Estado de São Paulo

A última tarde do Diálogos Nobel Brasil levou os laureados para uma conversa na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, onde se discutiu a ponte entre academia e setor privado na corrida pela inovação.