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Roberto Kant de Lima: ‘Interesses das polícias são, essencialmente, corporativos’

Confira trechos da entrevista feita pelo Estadão com o antropólogo Roberto Kant de Lima, membro titular da ABC, publicada em 6 de setembro:

O antropólogo Roberto Kant de Lima vê com ceticismo a possibilidade de uma tentativa de ruptura institucional a partir das Polícias Militares em favor do presidente Jair Bolsonaro. “A hierarquia policial está subordinada à hierarquia do Exército”, afirmou, em entrevista ao Estadão, o pesquisador da Universidade Federal Fluminense (UFF), especialista na área de Segurança Pública. “Fugir disso seria motim, ou então os oficiais-generais teriam que aderir à insubordinação.” Lima observou ainda que a agenda das Polícias Militares é corporativa, e é a combinação desse corporativismo com o conservadorismo que dá força a Bolsonaro nas PMs. Leia trechos da entrevista.

-As PMs querem ter um papel político, como no passado tiveram as Forças Públicas?

O interesse dos policiais pode até ser, por parte de alguns, o de ter acesso ao poder. Mas os interesses das polícias são, essencialmente, corporativos, no sentido de obtenção de benefícios para a sua categoria profissional, sem considerar, necessariamente, as conveniências e os reflexos disso no resto da sociedade.

(…)

-Essa agenda é anterior a Bolsonaro, que apenas a adotou, ou ele teve papel decisivo na sua formulação e agitação?

Bolsonaro sempre se identificou politicamente, na qualidade de ex-integrante do Exército, como defensor de interesses militares corporativos. As Polícias Militares no Brasil, desde a Constituição de 1988, são definidas como “militares estaduais”. Entraram nessa categoria inclusive os soldados. Vai daí, as vantagens corporativas militares também passaram a ser reivindicadas por elas, inclusive para a tropa. Expandiu-se o público envolvido.

– O que favorece a expansão do bolsonarismo nas PMs?

Esse corporativismo. Além disso, a adoção de uma pauta conservadora e, ultimamente, de uma certa inclinação obscurantista, negacionista de valores contemporâneos, conduzida por alguns líderes que se apresentam como representantes da moral cristã evangélica, também colaboram para a conformação e fortalecimento de análogos pontos de vista: guerra às drogas, homofobia, extermínio de transgressores, etc…

(…)

– Como fica a segurança pública se as PMs se politizarem definitivamente?

Depende do que você chama de politizado. Se quer dizer que o ethos institucional das polícias não está voltado para proteção da sociedade, mas do Estado – e, mais, de alguns funcionários do Estado –, elas estão politizadas desde o século 19. Se for para dizer que empregam meios impróprios para administrar a segurança pública especialmente em desfavor de segmentos específicos da população, elas já fazem isso há bastante tempo.

– As PMs podem ser usadas para um golpe de Estado, como ocorreu na Bolívia?

Não sou cientista político, mas comungo com a ideia de muitos, de que golpes de Estado em países das dimensões econômicas, políticas e sociais do Brasil têm que ser apoiados pelas classes produtoras, pelos servidores do Estado e pelas Forças Armadas. Um lado só não basta. Ademais, no Brasil não há generais na polícia, como há em outros países. A hierarquia policial está subordinada à hierarquia do Exército. Fugir disso seria motim, ou então os oficiais-generais teriam que aderir à insubordinação, para levá-la à frente, comandando-a. Aí já não seria uma insubordinação policial. Isso seria possível? O Exército continua controlando o armamento pesado. A polícia tem efetivo combatente maior, mas, como já apontei, é subordinada constitucionalmente e corporativamente ao Exército. Para um golpe, ou o Exército controla, ou se alia e comanda.

– Quais reformas deveriam ser feitas para despolitizar e profissionalizar as PMs?

As polícias nas sociedades capitalistas burguesas têm a função de investigar infrações, neutralizar distúrbios de massas e administrar conflitos entre os cidadãos. A nossa polícia não tem nenhuma dessas “missões” como prioridade institucional. Nem mesmo essas atividades contam pontos na produtividade individual e coletiva. O que vale é apreensão de armas e drogas, etc… É a atividade criminal. Esta deveria, sempre, ter como prioridade a investigação. É como no filme O Nome da Rosa: de um lado tem o Sean Connery investigando para descobrir as evidências e definir o transgressor; de outro tem o abade inquisidor punindo os suspeitos.

– Que tipo de PMs o Brasil terá depois de Bolsonaro?

Se nada mudar, com ou sem Bolsonaro, o mesmo, provavelmente. Infelizmente.


Veja a entrevista na íntegra no Estado de S.Paulo.

O impulso pelo acesso aberto está tornando a ciência menos inclusiva

Confira a tradução do artigo publicado em 31 de agosto por quatro pesquisadores brasileiros na revista  Times Higher Education. O texto, que expõe como os preços para se publicar em acesso aberto podem inviabilizar publicações de países emergentes, é assinado pelos membros titulares da ABC Alicia Kowaltowski e Hernan Chaimovich, em conjunto com os professores Ariel Silber e Marcus Oliveira.

“É difícil argumentar contra a noção de que a pesquisa desenvolvida predominantemente com financiamento público deve ser acessível a todos.

Claro, sempre foi possível solicitar uma cópia de um artigo aos autores, mas enquanto isso facilitava o contato entre leitores e autores, era inconveniente. Também não são os preprints substitutos adequado. Sua qualidade é altamente variável e sua quantidade é tal que mesmo um trabalho sólido normalmente atrai a atenção somente depois de ser revisado por pares e publicado em um periódico reconhecido.

Mas a remoção de paywalls tem um custo para cientistas e instituições – e, nos países em desenvolvimento, esse custo ameaça ser proibitivo. À medida que os mandados de acesso aberto proliferam, fica cada vez mais claro que nós, cientistas do mundo em desenvolvimento, provavelmente seremos cada vez mais excluídos da publicação em um grande número de periódicos.

Os custos de processamento de artigos (CPAs) têm subido bem acima da inflação e bem acima dos custos estimados para serviços de acesso aberto – que variam entre US $ 200 (£ 146) e US $ 1.000 por artigo. Existem provedores de acesso aberto que operam nessa faixa de preço, como o SciELO: Scientific Electronic Library Online, biblioteca digital latino-americana com mais de 1.000 periódicos. No entanto, as revistas disciplinares nas quais pretendemos publicar cobram pelo menos US $ 2.500, enquanto CPAs de US $ 4.000 são considerados dentro da faixa normal. A Springer Nature anunciou recentemente que cobrará $ 11.390 por mais de 30 de seus prestigiosos periódicos Nature.

Aqui no Brasil, as bolsas federais de dois anos para pesquisa são limitadas entre US $ 5.640 e US $ 22.560, dependendo da experiência do pesquisador. Até mesmo nossa agência de fomento à pesquisa mais generosa, a Fapesp, do Estado de São Paulo, limita suas bolsas regulares de pesquisa em pouco menos de US $ 30.000 por ano. Esta soma é usada para cobrir todos os equipamentos, insumos e serviços, incluindo CPAs.

Quando mencionamos essas barreiras econômicas para colegas internacionais, muitas vezes ouvimos que a solução é um sistema de isenção para economias em dificuldades. Na verdade, o Plano S, que lidera a pressão pelo acesso aberto, estipula que “o periódico/plataforma deve fornecer isenções de APC para autores de economias de baixa renda e descontos para autores de economias de renda média-baixa”. Mas a maioria dos países latino-americanos com produção científica significativa, como Brasil, Argentina e México, bem como países grandes como China e Federação Russa, são classificados pelo Banco Mundial como economias de renda média-alta. Os cientistas dessas nações devem, portanto, pedir dispensas individuais (com base, como diz o Plano S, em “necessidades demonstráveis”) após a aceitação do manuscrito. Se a dispensa for negada ou o desconto for insuficiente, o único direito do autor é levar o manuscrito para outro lugar, reiniciando o já demorado processo de revisão.

É claro que, quando todas as publicações estiverem em acesso aberto, os investimentos atualmente feitos em assinaturas de periódicos podem ser transferidos para cobrir CPAs. Mas, no Brasil, as assinaturas de periódicos são negociadas pelo consórcio de bibliotecas da Capes Periódicos, que fornece acesso a livros, periódicos e bases de dados científicas para instituições de pesquisa de todo o país. Seu orçamento para 2021 é de cerca de US $ 75 milhões, dos quais cerca de 70% provavelmente serão gastos no acesso a textos completos – ou seja, cerca de US $ 50 milhões. O Brasil publica cerca de 56.000 artigos em periódicos acadêmicos anualmente; portanto, mesmo que todo esse valor fosse destinado a artigos científicos (em detrimento de outros acessos de texto completo que o portal oferece atualmente, como livros), o valor médio disponível por artigo seria menor de $ 1.000.

Para evitar que a publicação se torne economicamente proibitiva, a pressão pelo acesso aberto acima de todas as outras prioridades de publicação deve ser substituída por uma pressão pela verdadeira inclusão. As medidas necessárias incluem, no mínimo, a extensão de isenções totais para países de renda média-baixa e a extensão de descontos automáticos substanciais para países de renda média-alta como o nosso.

A comunidade científica também deve garantir práticas e preços justos na publicação acadêmica. Consórcios de agências nacionais de fomento podem coletar e analisar os orçamentos dos editores, comparando-os com os custos de publicação estimados e decidindo sobre um preço justo máximo que estão dispostos a pagar.

Individualmente, os cientistas devem priorizar periódicos apoiados por sociedades científicas e cientistas ativos em seus campos, garantindo que pelo menos parte dos lucros dos periódicos retorne à comunidade científica. Idealmente, coletivos de pesquisadores deveriam criar seus próprios periódicos não comerciais “diamantes”, que são gratuitos para autores e leitores, como um grupo de pesquisadores em nossa área, a bioenergética, fez recentemente. Mas os pesquisadores precisarão apoiá-los; para esse fim, elogiamos o plano francês de apoiar especificamente os periódicos “diamantes”, em uma tentativa de quebrar o superfaturado glamour das revistas.

Como professores bem estabelecidos na América Latina, somos resilientes e capazes de produzir ciência de qualidade em condições desafiadoras. No entanto, se a tendência atual continuar, seremos limitados em nossas opções de publicação pelo preço que podemos pagar. Tememos, em particular, que este estado de coisas faça com que os resultados de nossos alunos sejam avaliados desfavoravelmente, diminuindo suas chances de obter posições competitivas em todo o mundo, nas quais eles poderiam se destacar.

O impulso para o acesso aberto unicamente, sem uma reforma mais abrangente na publicação acadêmica, tornará a ciência um pouco mais acessível. Mas também será muito menos inclusiva.

11ª Mentoria da ABC teve como tema a Escrita Científica de Alto Impacto

Os participantes da 11ª edição das Mentorias da ABC

 

No dia 27 de agosto aconteceu a 11ª edição das Mentorias da ABC e o tema da vez foi “Escrita Científica de Alto Impacto”. O encontro foi mediado pela afiliada Andreza Fabro de Bem, e contou com apresentações de Simone Sarmento, coordenadora adjunta do Programa de Pós Graduação em Letras da UFRGS; Valtencir Zucolotto, físico e coordenador do curso ZucoEscrita para escrita científica, além de ter sido membro afiliado da ABC no período 2009-14; e Gilson Volpato, biólogo e cofundador do Instituto Gilson Volpato de Educação Científica (IGVEC).

Línguas de publicação

A primeira palestra ficou a cargo de Simone Sarmento e trouxe um panorama da utilização do inglês e português nas publicações científicas brasileiras. A pesquisadora apresentou um levantamento de publicações anexadas ao currículo Lattes de cientistas brasileiros, mostrando uma clara prevalência do inglês nas ciências exatas e naturais e um aumento no uso do português a medida que nos deslocamos para as humanidades.

A explicação mais óbvia para esse fenômeno está no objeto de estudo. Resultados obtidos em hard sciences devem ser reprodutíveis e aplicáveis em qualquer lugar do mundo, e as pesquisas naturalmente dialogam mais com outras nacionalidades. As chamadas soft sciences geralmente lidam com temas mais locais e específicos e, portanto, são mais acessíveis a interlocutores regionais se publicadas em português.

A professora ressaltou também que nas humanidades existe uma maior ênfase no discurso, e as habilidades de escrita tendem a se sobressair. Já nas ciências exatas e naturais o papel do escriba tende a ser de apenas expor seus resultados da forma mais clara e direta possível.

A escrita como parte integrante do trabalho científico

As palestras de Valtencir Zucolotto e Gilson Volpato destacaram que a escrita científica é tão importante quanto qualquer outra etapa da pesquisa. Nas palavras de Volpato, “qualquer estudo só passa a constituir conhecimento científico quando é publicado e lido”.

Zucolotto ressaltou que uma publicação só será de alto impacto se a ciência por trás também for, mas que mesmo bons trabalhos podem encontrar barreiras na hora de publicar se não estiverem bem redigidos. Para melhor desenvolver um artigo, é importante pensá-lo como um caminho que vai do geral para o específico, e depois retorna ao geral.

Ele exemplificou esse percurso. “Um bom artigo tem uma introdução que contextualiza o problema geral, identifica uma lacuna de conhecimento específica e expõe os objetivos daquele trabalho, visando preenchê-la. Após metodologias e resultados, a conclusão deve estar relacionada ao que foi observado, tentando contextualizar as novas descobertas dentro do panorama geral. Essa mesma linha de pensamento se aplica ao abstract, onde também conta muito a habilidade de síntese”, disse Zucolotto.

Os professores explicaram um pouco mais sobre a parte editorial das revistas científicas, destacando que o cientista deve entender o processo e o público do periódico escolhido para adequar seu texto .

Terminadas as palestras, foi aberto o espaço para debate com participação do público. Os temas variaram desde a divulgação de ciência para sociedade até aspectos mais técnicos do desenvolvimento de pesquisadores e orientação.

Diálogo com a sociedade

A pandemia da Covid-19 trouxe a ciência para o front. Se por um lado esse destaque fez com que a população discutisse o trabalho científico como nunca antes, por outro lado também trouxe sérios problemas, sobretudo relacionados a notícias falsas promovendo a desinformação, muitas vezes deliberada, por parte de agentes influentes. “O que aconteceu foi que, quando as evidências não bateram com o discurso, mudaram-se as evidências. Isso é um crime dentro da ciência”, sumarizou Volpato.

Os três palestrantes ressaltaram a necessidade de deixar os fatos em primeiro plano, sustentando as análises. A importância de dividir funções, sobretudo na hora de divulgar ciência, foi destacada. Contudo, a primeira etapa da difusão, que parte do cientista para seus pares e divulgadores, sempre estará a cargo do próprio pesquisador, e por isso é importante que os cientistas estejam sempre dispostos a explicar seus estudos e não se fecharem dentro dos seus laboratórios.

O papel do jornalista especializado em ciência também foi lembrado, “sem jornalismo científico não tem divulgação em massa”, salientou Zucolotto.

Pressões institucionais por quantidade e não qualidade

Foi levantada a questão do sistema de bonificações por quantidade de publicações e citações, que pode estimular a produção de artigos inócuos e sem objetivos claros. Volpato e Zucolotto explicaram que esse sistema deve ser melhorado, mas que ele não é um impeditivo para a produção científica de qualidade e que o cientista deve buscar sempre uma pesquisa relevante e de alto impacto.

Zucolotto terminou sua fala com uma mensagem importante para os jovens pesquisadores: “Deixem-se guiar pelos seus princípios, façam a melhor ciência que puderem, publiquem nas melhores revistas que puderem, independente de números. No médio e longo prazo, prevalecem as boas práticas”.

Orientação de jovens cientistas

Outro ponto discutido foi a orientação de alunos na hora de escrever artigos. Simone destacou que o orientador deve ter responsabilidade por desenvolver a escrita dos orientandos e que trocas e revisões de texto entre os próprios alunos é um bom incentivo para desenvolver o texto de todos. “Ciência é uma atividade de grupo”, resumiu.

Foi frisado que o orientador nunca deve descartar o texto de um aluno e que correções são mais eficazes quando feitas em conjunto, respeitando as escolhas do orientando quando estas não constituírem um erro crasso. Volpato sugeriu também desenvolver apresentações curtas sobre o tema, como forma de assentar ideias e identificar partes do processo que não fluem da forma ideal.

Imagens

Figuras são parte fundamental de uma publicação científica, e seu papel ganhou destaque ao longo dos anos, acompanhando a crescente facilidade em desenvolvê-las. O papel desses elementos visuais é dar ênfase às mensagens cruciais do texto, evidenciando da forma mais direta possível os resultados principais.

A gerente de comunicação da ABC Elisa Oswaldo-Cruz participou do debate, ressaltando a necessidade de profissionais de design durante essa etapa. “A ciência precisa se aproximar dos profissionais especializados. Um cientista sabe fazer gráficos, expor seus dados, mas na hora de divulgar isso de uma forma eficiente, com infográficos e outros tipos de imagens comunicativas, quem sabe fazer realmente é o designer, que se especializou na área. Contratem estagiários de design e de jornalismo para os seus departamentos, muitas vezes um de cada pode atender a vários laboratórios. Aproveitem os cursos que as suas universidades oferecem e promovam a interdisciplinaridade, de fato”.

Futuro das publicações

Finalizando o evento, foram discutidas as tendências futuras para publicações científicas. Volpato acredita que o formato do artigo científico tende a ficar mais flexível, assim como os requerimentos para publicação em periódicos de destaque. O pesquisador afirmou também que nas próximas décadas as barreiras linguísticas tendem a ser superadas, com o avanço das ferramentas de tradução de texto.

Simone acrescentou que ferramentas de auxílio a escrita, sobretudo em inglês, estão cada vez mais aprimoradas e podem contribuir muito com a escrita científica. Da mesma forma, Zucolotto lembrou que também existem plataformas  para auxiliar no processo editorial das revistas que podem aprimorar o tempo e a qualidade das revisões no futuro.

Reportagens especiais do UOL abordam renomados cientistas brasileiros

O blog Tilt, que aborda conteúdo de tecnologia para o Portal UOL, publicou duas reportagens especiais sobre o trabalho de renomados cientistas brasileiros. A série intitulada “Made in Brazil” busca divulgar as pesquisas desenvolvidas por esses profissionais e valorizar a ciência nacional.

A primeira reportagem selecionou dez cientistas que atuaram no combate a pandemia de Covid-19. Entre os escolhidos estão os Acadêmicos Patricia Rocco, Cesar Victora, Jorge Kalil e Amilcar Tanuri. Além destes, foram pautados também os trabalhos de Edison Durigon, Ester Sabino, Felipe Naveca, Marilda Siqueira, Ana Paula Fernandes e Marisa Dolhnikoff.

Nessa mesma linha, a segunda reportagem fala sobre 12 cientistas brasileiros com pesquisas de inovação em materiais. Nesse grupo estão os Acadêmicos Adalberto Fazzio, Ado Jório, Aldo Zarbin, Antonio Gomes, Fernando Galembeck, Marcos Pimenta e também o ex-vice-presidente da ABC para a região de São Paulo Oswaldo Luiz Alves, falecido em julho. A reportagem inclui também os pesquisadores André Farias de Moura, André Galembeck, Carlos Bufon, Juliana Bernardes e Rubia Gouveia.

As publicações são altamente interativas e com linguagem acessível e didática. Vale a pena conferir!

MADE IN BRAZIL: Nossos cientistas estão revolucionando o combate ao coronavírus; conheça a história e trabalho de 10 deles.

MADE IN BRAZIL: Nossos cientistas brilham mundo afora criando supermateriais; conheça a história e o trabalho de 12 deles.

3ª Edição do Prêmio Carolina Bori para Mulheres Cientistas está com inscrições abertas

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), cujo novo vice-presidente é o Acadêmico Paulo Artaxo, abriu hoje (1 de setembro) as indicações para a 3ª edição do Prêmio Carolina Bori Ciência & Mulher. A premiação busca homenagear mulheres cientistas de instituições nacionais que tenham notórias contribuições para o avanço da ciência brasileira. Serão três vencedoras, de cada uma das grandes áreas do conhecimento: Humanidades; Biológicas e Saúde; e Engenharias, Exatas e Ciências da Terra.

O Prêmio Carolina Bori carrega o nome da primeira mulher presidente da SBPC e visa prestigiar todas as mulheres que foram protagonistas na história da Sociedade e da ciência nacional. A cerimônia de premiação ocorrerá no dia 11 de fevereiro, Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, instituído pela Unesco. A princípio o evento será virtual, porém se as condições de segurança sanitária forem reestabelecidas, ocorrerá no Salão Nobre do Centro Universitário Maria Antonia da USP, em São Paulo.

As indicações podem ser feitas através das Sociedades Científicas Afiliadas à SBPC até o dia 31 de outubro. As submissões devem conter (I) uma pequena biografia da candidata (até 500 caracteres, com espaços), (II) currículo Lattes atualizado e (III) carta de recomendação justificando a indicação (até 2000 caracteres, com espaços), a serem enviadas para o e-mail premiocarolinabori@sbpcnet.org.br.

As vencedoras serão anunciadas no dia 20 de janeiro.

Confira o edital da premiação.

Academia Nacional de Medicina promove evento sobre prevenção de suicídio

A Academia Nacional de Medicina (ANM) aderiu à campanha Setembro Amarelo, da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), para prevenção de suicídio. Na quinta-feira, 2 de setembro, será realizado um simpósio online, coordenado pelo membro titular da ABC Antonio Egídio Nardi e com palestras de diversos especialistas nacionais e internacionais.

No Brasil, cerca de 12 mil pessoas tiram a própria vida todo ano, sendo essa a terceira maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. O evento discutirá a identificação de tendências suicidas, transtornos de ansiedade, suicídio em tempos de pandemia, transtornos psicóticos, suicídio de jovens, transtornos psicóticos, entre outros temas.

Outros dois titulares da ABC participarão, são eles: Rubens Belfort Jr, presidente da ANM, e Flávio Kapczinski.

Além do simpósio, durante este mês de setembro a ANM lançará em suas redes uma série de vídeos educativos sobre o tema. 


SERVIÇO
Evento: Setembro Amarelo: Prevenção de suicídio.
Data: Quinta-feira, dia 2/9/21
Horário: Das 14h às 20h
Como acessar: canais Zoom/anmbr ou pelo Facebook/acadnacmed.
Evento gratuito.

Confira a programação completa no site da ANM.

Acadêmico discute o marco temporal no II Encontro Virtual sobre Liberdade de Expressão

Confira a transcrição da palestra proferida pelo antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, membro titular da ABC, durante o II Encontro Virtual sobre Liberdade de Expressão em 23 de agosto de 2021.

 

Eduardo Viveiros de Castro, antropólogo

A questão da liberdade de expressão dos povos indígenas, para além das recentes e repugnantes iniciativas da FUNAI de atacar a liberdade de expressão de lideranças indígenas, diz respeito primeiro de tudo à liberdade dos povos indígenas de continuarem a ser indígenas, de continuarem a exprimir sua indigeneidade, exercendo os direitos originários que lhes são reconhecidos pela Constituição Federal de 1988 no caput do artigo 231.[i]

O nome da mobilização indígena que está acontecendo nestes dias em Brasília é eloquente.[ii] Pois se trata de fato de uma luta pela vida. Uma luta de resistência à verdadeira ofensiva final lançada contra os povos indígenas, que agora inclui a arma da pandemia, acionada pelo gatilho da incúria, da incompetência e – impossível não suspeitar – de um sinistro oportunismo genocida. Essa ofensiva tem múltiplos objetivos, desde o mais odiosamente supremacista, que é a consumação do projeto de extinção de todas as identidades coletivas infranacionais (ou supranacionais), em nome de uma homogeneização cultural e racial sob a tutela dos que se pretendem ser as encarnações da civilização ocidental, até o objetivo mais grosseiramente ganancioso, que é a redução da máxima extensão possível de terras públicas do país – de todos os bens públicos, de fato – com vistas a uma privatização idealmente integral do território nacional e de seus “recursos”, e aparentemente de todas as funções e deveres do Estado. Nada mais será público na república.

A Constituição Federal decerto não é perfeita (penso na porta deixada aberta pelo art. 142 a um golpe militar “constitucional”), mas representou um avanço histórico inédito e gigantesco no que concerne à garantia de direitos coletivos, como se constata na leitura do Título VII (Da Ordem Social), do qual cada um dos oito capítulos é hoje alvo de um processo de destruição sistemática por parte das forças no poder: a saúde; a previdência; a educação; a cultura; a ciência; o meio ambiente; e, por fim (sempre por fim), os povos indígenas.

A história dos últimos trinta anos foi marcada ao mesmo tempo pela efetivação das conquistas trazidas pela CF, que literalmente mudou o rosto do país, e pela determinação maligna e rancorosa, manifesta pela larga fração predatória da elite nacional e por diversas iniciativas na esfera dos Três Poderes, em neutralizar, reverter e liquidar tais conquistas. Essas iniciativas atingem hoje um máximo de intensidade, e uma licença governamental (mais que isso, um incentivo) parece ter sido concedida para invadir, devastar, matar ou deixar morrer a população indígena – e não só ela. O Haiti é aqui, como cantou Caetano Veloso. Eu acrescentaria: para os povos indígenas, a Faixa de Gaza também é aqui. Ou pior.

A campanha para desmontar os artigos mais progressistas da Constituição, na verdade, começou antes de sua promulgação. Em 1987, o jornal O Estado de São Paulo publicou durante uma semana reportagens de capa, com grandes manchetes caluniosas, contra o Conselho Indigenista Missionário e outras instituições, para atacar os direitos indígenas na Constituição em construção. A campanha do Estadão não perdeu nada, lamento dizer, de sua atualidade. Ontem, o mesmo jornal publicou duas páginas de matérias p(r)agas, prometendo o caos se a tese do marco temporal for rejeitada pelo STF. Como se o caos já não estivesse instalado.

Sabemos que a tese do marco temporal remonta ao casamento entre interesses contrariados do agronegócio e de alguns setores das forças armadas, por ocasião da criação de da TI Raposa Serra do Sol. Não surpreende que grandes empresários, alguns deles instalados na Amazônia nos tempos da ditadura com o estímulo de gordos subsídios, busquem a extinção de direitos que garantem que as terras de posse tradicional indígena permaneçam bens inalienáveis da União. Surpreende, porém, que membros de instituições que “se destinam à defesa da pátria” (CF, art 142) defendam na verdade coisa bem diferente, a saber, a entrega de terras públicas à grilagem, ao desmatamento, ao fogo, à especulação fundiária e a uma produção agropecuária que não visa e nunca visou garantir a segurança alimentar da população.[iii]

Ao congelar a situação das terras indígenas em 1988 (e recordemos que o prazo de cinco anos para finalizar as demarcações das terras indígenas não foi cumprido, como não o foi depois de 1973, como estipulado pelo morto-vivo Estatuto do Índio)[iv], a tese legaliza e legitima as violências a que os povos foram submetidos até a promulgação da Constituição, em especial durante a ditadura. Além disso, ela ignora o fato de que, até 1988, os povos indígenas não tinham autonomia para lutar judicialmente por seus direitos. Esses povos diziam, em manifestações e mobilizações após a promulgação da Constituição: “Nossa história não começa em 1988”. Pois bem, a tese do marco temporal quer que a história dos povos indígenas acabe em 1988. Pretende que a história pare ali.

Considerem o absurdo de um direito originário que só vale até uma certa data. A tese do marco temporal congela uma situação multissecular de expoliação territorial, transformando-a em “direito” (inclusive com insinuação solerte de “privilégio”). Ela equivale a recusar aos povos indígenas seu futuro; a expulsá-los da história como agentes, relegando-os ao passado. A intenção mal oculta de tudo isso é fazer com que os povos originários desapareçam aos poucos como povos. Aos poucos ou rapidamente, porque há pressa: é preciso acabar com tudo antes que tudo acabe.

“Nem um centímetro a mais”, disse o presidente eleito em sua campanha: nem um centímetro a mais para as terras indígenas, para terras quilombolas, para unidades de conservação. A tese do marco temporal coincide espantosamente com os objetivos e valores professados pelo atual mandatário supremo da nação. Guardemos bem isso.

A anulação de terras indígenas com base em um marco temporal de 05/10/88, como observou a advogada Juliana de Paula Batista, torna regularizáveis todas as invasões recentes. Isto é uma distorção radical do direito originário, anulando o D 6° do artigo 231. Extingue-se a tese do indigenato? Reedita-se o Requerimento, a infame ordem de despejo lida pelos conquistadores espanhóis diante dos povos indígenas?[v] Com que direito moral (se me permitem a expressão) se recusa aos povos indígenas os seus direitos constitucionais? Como ousam?

E cabe perguntar: quantos brasileiros não-indígenas têm sua vida melhorada a cada centímetro de terra que se recusa aos povos indígenas? A vida de quais brasileiros? Ou, aliás, e também, a vida de quais estrangeiros? Quem lucra com o esbulho das terras indígenas? A preocupação dos autodesignados tutores da nacionalidade com a “internacionalização da Amazônia” parece sempre mirar nos povos originários. Enquanto isso, há mais de 28 mil propriedades de terra em nome de estrangeiros. Juntas, essas áreas somam 3,617 milhões de hectares, uma área do território nacional quase equivalente à do Estado do Rio de Janeiro. Pela lei, estrangeiros podem adquirir ou arrendar até 25% da área territorial de cada município, e estão presentes em 60% dos municípios brasileiros. Mas o perigo são os indígenas, isto é, os menos estrangeiros de todos os habitantes do território nacional.

E por fim… Enquanto se discute a validade da tese do marco temporal, os “marcos temporais” do processo de legalização da grilagem das terras da União só fazem andar para a frente. O PL 2.633/2020, o “PL da Grilagem”, estabelece que as terras ocupadas até 2008 (por que não só até 05/10/1988?) podem ser regularizadas, mas prevê que áreas de ocupação posterior possam ser legalizadas por licitação, com regras definidas por decreto do Poder Executivo![vi] Sabemos todos o que isso pode significar do ponto de vista de uma explosão da invasão de terras públicas na Amazônia e do consequente aumento do desmatamento, com os efeitos, agora impossíveis de ignorar, sobre a estabilidade climática do país. Sabemos todos o papel fundamental que as terras e os povos indígenas desempenham na manutenção do equilíbrio dinâmico do ambiente amazônico. A tese do marco temporal não leva em conta o tempo em que vivemos – ela trabalha contra a corrida contra o tempo, contra o escasso tempo que temos para garantir que o planeta continue habitável para a espécie humana.

Publicado originalmente no site da Editora n-1 .

Notas

[i] “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”

[ii] https://apiboficial.org/luta-pela-vida/

[iii] 41% dos brasileiros (84 milhões) convive com algum grau de insegurança alimentar, 9% destes com afome pura e simples.

[iv] Disposições Transitórias da CF 1988, art. 67. “A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição.” Em 1973, o Estatuto do Índio determinava o mesmo prazo. Em 1988, repete-se o prazo, já que ele não fora cumprido nos 15 anos que separa o Estatuto da Constituição. Esse “marco temporal” não é respeitado.

[v] Paulo Brabo, https://www.baciadasalmas.com/requerimiento/

[vi] Imaginem o barulho que faria a proposta de marco temporal com a mesma data da promulgação da CF, congelando todas as terras públicas que não eram então propriedade privada devidamente legalizada e registrada nos cartórios e cadastros competentes (CAR, CIR, verificação de APP etc).

“Economia é importante demais para ficar só na mão dos economistas”, diz Davidovich

Confira trechos da matéria do Valor Econômico, publicada na última quarta-feira (25/08), a partir de entrevista com o presidente da Academia Brasileira de Ciências Luiz Davidovich. Os trechos selecionados destacam as sucessivas tentativas de contingenciamento de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Para saber tudo que foi discutido, confira a live na íntegra no canal do Valor Econômico no YouTube.

Físico laureado e presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich não poupou a equipe econômica do ministro da Economia na live do Valor desta quarta-feira. O cientista define as seguidas estratégias da pasta para não liberar os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) como “sabotagem” ao desenvolvimento da ciência no país. Para ele, a fixação em limitar gastos a qualquer preço limita a recuperação econômica a longo prazo.

“A economia é importante demais para ficar só na mão de economistas. É uma questão nacional. Precisamos urgentemente de uma política que aponte para o futuro, de um governo que tenha um planejamento, que indique uma direção. E não é o caso do governo atual, certamente não é”, disse Davidovich ao esmiuçar os seguidos movimentos do governo para impedir a liberação de recursos à ciência.

Com perspectiva de arrecadação de R$ 7,3 bilhões em 2021, o FNDCT é formado por 16 fundos que arrecadam impostos de empresas de diferentes setores para utilização em subvenção e financiamento de ciência e tecnologia. Esse é o motivo do cabo de guerra entre o ministro da Economia, cientistas e empresas de inovação. Curiosamente, ao seu lado, os estudiosos contam com parte importante das forças militares, que têm voz dentro do governo.

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Segundo Davidovich, em 2021, a primeira investida do governo foi contingenciar R$ 5 bilhões desse montante no orçamento. A iniciativa só intensificou o hábito de outras administrações que, nos últimos dez anos, transferiu mais de R$ 28 bilhões ao Tesouro Nacional para superávit primário ou cobertura de gastos do Ministério de Ciência e Tecnologia e Inovações (MCTI). A estratégia, no entanto, se viu frustrada pela aprovação da lei 177/2021 pelo Congresso, nos mesmos dias em que se discutiam o orçamento. No texto, os parlamentares proibiram contingenciamentos ao FNDCT e o converteram de fundo contábil a financeiro, o que permite rendimentos de aplicação e acúmulo ao longo dos anos.

Ao ser obrigado por lei a liberar os valores à empresas e centros de pesquisa por meio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), o governo passou a utilizar outras táticas, afirma o físico. Enviou ao Congresso, um projeto de emenda constitucional para garantir a devolução ao Tesouro dos recursos não utilizados de fundos federais e para aumentar a parcela prevista para crédito do FNDCT de 25% para 50%. Segundo Davidovich, como as condições desses empréstimos, realizados a juros mais altos que os de mercado, não são interessantes para as empresas de inovação, elas não tomam os valores emprestados e eles ficam parados ou, na ótica do governo, “protegidos” no FNDCT.

“A estratégia é ‘ótima’. [Membros do governo] estão dando com uma mão para tirar com a outra. Esses créditos não são usados. Os juros são altos e eles não interessam à indústria. A indústria inovadora está contra [esse aumento da parcela reembolsável dos recursos] porque não usam. Encontram crédito mais barato em outros lugares”, diz Davidovich.

Retirados esses 50% reservados à empréstimos desinteressantes e mais a parcela referente à equalização de juros, sobraria para subvenção pura de empresas, institutos federais e universidades R$ 2,7 bilhões, os quais o governo mostra pouca inclinação a liberar. Estratégia antiga, lembra o presidente da ABC noutras entrevistas, é liberar os valores no apagar das luzes do exercício, nos meses de novembro e dezembro, para dificultar sua execução.

Ainda completaria a lista de “sabotagens”, segundo Davidovich, a retomada de um processo que corre no Supremo Tribunal Federal (STF) para desobrigar empresas de pagarem a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), imposto que responderia por 40% da arrecadação do FNDCT. O processo é movido por empresas da indústria de informática, sob a alegação de que os recursos não encontram a sua finalidade original, e teria sido trazido à baila por um procurador do Ministério da Economia.

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“Uma política econômica tem de contemplar o futuro do país e não só o equilíbrio. Precisamos de uma estrutura que permita recuperar a economia e isso passa pelas universidades e institutos federais de pesquisa, que estão sendo enormemente sacrificadas “, diz.

Ao fim da conversa, o físico destacou a importância do investimento na ciência básica, que está por trás da ciência aplicada e do desenvolvimento de produtos pelo setor privado, e citou como possível norte o livro Projeto de Ciência para o Brasil, editado pela ABC e que reúne as proposições de 180 cientistas brasileiros para o futuro do setor.

 

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Confira a entrevista completa com Luiz Davidovich:

 

 

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