Ocorreu ontem, 09/03, o 32º Webinário da ABC, “Genética, Vacina e COVID-19”. Em comemoração ao Dia da Mulher, a Academia Brasileira de Ciências convidou grandes mulheres cientistas para fomentar o debate, sendo elas: Mayana Zatz (USP, membro titular da ABC), Mara Hutz (UFRGS, membro titular da ABC), Selma Bezerra Jerônimo (UFRN) e Leda Castilho (UFRJ, ex membro afiliado da ABC). O debate foi mediado pela biomédica Helena Nader, vice-presidente da ABC .
Antes mesmo do início, o Webinário já dava indícios de que seria um sucesso: bateu recorde de inscrições com mais de 1.700 registros. Durante a transmissão ao vivo no YouTube, houve picos de 900 pessoas assistindo simultaneamente. Vale ressaltar que o evento completo está disponível em nosso canal.
O evento começou com uma breve introdução do presidente da ABC Luiz Davidovich, que apresentou a temática do Webinário e divulgou as recentes ações da ABC para a Semana da Mulher, incluido o vídeo de Veridiana Vitória Rossetti no Ciência Gera Desenvolvimento. O presidente aproveitou a oportunidade para divulgar o próximo webinário, que ocorrerá no dia 23 de março e contará com a presença do vencedor do prêmio Nobel de economia James Heckman falando sobre educação infantil.
Duas pessoas vivem juntas, mas só uma tem COVID-19. Como isso é possível? A ciência quer entender!
A professora do Instituto de Biociências da USP Mayana Zatz apresentou sua palestra “Diferentes abordagens utilizadas para investigar quanto o genoma de pessoas infectadas pelo SARS-Cov-2 influencia a enorme variabilidade clínica da COVID-19”.
Zatz mencionou dois estudos de caso que mais lhe chamaram a atenção: a análise de dois extremos, idosos resistentes e jovens letais; e os casais discordantes, ou seja, casais que vivem na mesma casa, estão expostos ao mesmo vírus, e apenas um se contaminou. A pesquisa busca descobrir qual o mecanismo imunológico que confere “proteção” e qual a frequência de pessoas assintomáticas e resistentes na população. No momento, os pesquisadores do projeto estão analisando os genomas coletados, porém, já é possível afirmar que 65% dos assintomáticos são mulheres.
A pesquisadora adaptou um projeto antigo de pesquisa, sobre quais genomas tornavam possível uma pessoa viver mais de 100 anos, para a realidade da COVID-19: será que esse mesmo material genético pode conferir algum tipo de imunidade a nonagenários e centenários? A pesquisadora vem trabalhando com material genético de 13 centenários. Ela também destacou que visitou uma casa de repouso com 16 idosos assintomáticos com PGR positivo.
Uma das dúvidas recorrentes no chat era sobre a possibilidade de o tipo sanguíneo A ser mais suscetível a doença do que o grupo sanguíneo O. Zatz mostrou seus recentes estudos sobre o tema, que apresenta resultados inconclusivos.
Entre os próximos objetivos da pesquisa, Zatz destacou que pretende investigar se pessoas soronegativas e assintomáticas desenvolvem anticorpos – porém, para isso, é preciso que o paciente esteja vacinado.
Povos indígenas estão mais vulneráveis?
Mara Hutz, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Genética (SBG), tem como enfoque de pesquisa a suscetibilidade genética de distúrbios neuropsiquiátricos e doenças infecciosas em populações altamente miscigenadas. Foi sob esse ponto de vista sobre a pandemia de COVID-19 que ela fez sua apresentação, “Imunogenética e suscetibilidade ao Sars-Cov-2 em populações nativas sul-americanas”.
A pesquisadora iniciou sua apresentação se aprofundando sobre o tema da imunogenética de ameríndios, mencionando a distância genética entre esses povos, povos asiáticos e europeus, além da investigação dos genes.
Como resultado de sua pesquisa, Hutz aponta que os indígenas nativos americanos são particularmente suscetíveis a contaminação e devastação pela COVID-19 devido às suas características imunológicas e vulnerabilidades epidemiológicas. Apesar de a modificação da exposição ambiental ser importante para melhoria da saúde dos povos indígenas, as diferenças genéticas também devem ser levadas em consideração, pois há a necessidade de um tratamento personalizado ao padrão imunológico observado nos indígenas.
Gripe espanhola x pandemia
Selma Bezerra Jerônimo iniciou sua apresentação “Pandemias em um mundo globalizado e de mídias sociais: o caso COVID” com uma breve comparação sobre a gripe espanhola e a atual pandemia. A professora explicou detalhadamente a evolução da infecção por SARS-Cov-2, como a doença afeta o corpo em cada um de seus estágios e apontou a variação no número de casos nas principais cidades do Rio Grande do Norte, onde já há circulação das variantes P1 e P2.
Jerônimo traçou uma linha entre a associação de sintomas e o diagnóstico da doença. Ela afirma que um indivíduo que esteja com pelo menos um dos quatro principais sintomas – ou seja, tosse, dor de garganta, cefaleia e febre – tem 90% de probabilidade de estar infectado.
Ela destacou os efeitos colaterais da pandemia, que incluem complicações cardiovasculares, neoplasias e doenças autoimunes.
Proteína S: de soro anti-COVID testado em equinos a remédio para humanos
A pesquisadora da UFRJ Leda Castilho apresentou seu projeto baseado na produção e nas aplicações da proteína spike de Sars-Cov-2, que atualmente está sendo produzida em escala piloto nos laboratórios da COPPE/UFRJ.
Entre as aplicações da proteína S recombinante, Leda destaca as três principais: o teste sorológico S-UFRJ, os anticorpos de cavalos e a vacina candidata S-UFRJvac.
O teste sorológico S-UFRJ está em desenvolvimento e tem como objetivo aumentar a qualidade e a disponibilidade de kits de testagem no país, além de reduzir custos. O teste, também baseado na proteína S, está sendo desenvolvido em parceria com a FK Biotecnologia/Imunobiotech e tem como diferencial a dispensa do uso de sangue venoso. O teste possui sensibilidade maior que 90% já a partir de 10 dias após o início dos sintomas.
Outro uso da proteína S recombinante é o soro anti-COVID feito com anticorpos de cavalos. Uma das mais citadas descobertas científicas para tratamento da COVID-19 nos últimos meses, o soro equino é feito da seguinte forma: os cavalos recebem seis doses de proteína S sob a pele e, com isso, começam a gerar anticorpos. A resposta de neutralização do vírus é surpreendente: o número de anticorpos produzidos por equinos chega a ser até 150 vezes maior do que o produzido por humanos que contraíram a doença. O plasma coletado de apenas um desses animais é capaz de tratar centenas de pacientes.
A terceiro principal aplicação da proteína é a Vacina S-UFRJvac está sendo idealizada junto com o INCA. A vacina também utiliza como base a proteína S recombinante e atua na formação de anticorpos estilo IgG. Os resultados obtidos com testes em camundongos são positivos, e destacam o potencial de neutralização do vírus. A vacina está caminhando para as fases de toxicologia antes de poder ser oficialmente apresentada à Anvisa.
Há também o estudo do soro monoclonal humano recombinante anti Sars-Cov-2, um remédio biossimilar ao Actemra (Roche) para tratamento de artrite reumatoide. O remédio seria utilizado na fase inflamatória de casos graves de COVID.
As falas das palestrantes inspiraram o público, que enviou muitos elogios e perguntas. O webinário foi estendido por 30 minutos para que as pesquisadoras pudessem responder a mais dúvidas e interagir com os acompanhantes de todos os canais de transmissão (YouTube, Zoom e Facebook). As principais questões levantadas foram relativas aos cuidados éticos das pesquisas, o porquê de a maioria dos assintomáticos serem mulheres, o risco de disseminação das novas variantes da COVID. THouve, inclusive, interesse por parte de espectadores em participar dos estudos das pesquisadoras.
Este webinário foi planejado para exaltar as cientistas mulheres e ressaltar sua importância na pesquisa nacional. Atualmente, 18% dos membros da Academia Brasileira de Ciências são mulheres – é um número ainda pequeno, mas o dobro do que era 10 anos atrás. A ABC espera que o evento tenha inspirado universitárias e jovens pesquisadoras que desejem seguir na carreira científica. A todas, os sinceros votos de jornada de igualdade, sucesso e representatividade!
Perdeu? Que rever? Assista o webinário na íntegra aqui.