Na última quarta-feira, 25 de agosto, o presidente da Academia Brasileira de Ciências Luiz Davidovich concedeu entrevista ao jornal Valor Econômico para falar sobre a atual situação da ciência brasileira.
A matéria publicada pelo jornal deu ênfase ao contingenciamento de recursos do Fundo Nacional ´de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), discutido em detalhes por Davidovich. Durante a entrevista, o presidente da ABC passou também por outros temas relevantes, destacados a seguir.
Atuação da ciência brasileira na pandemia
“Temos inúmeros grupos que se adaptaram rapidamente ao enfrentamento da COVID-19. Temos na UFRJ um exemplo disso, profissionais da engenharia que rapidamente converteram seus laboratórios para produção de ventiladores e respiradores. Há exemplos assim por todo o país, publicando nas melhores revistas internacionais, e isso é fruto de décadas de investimento”.
Importância da pesquisa na economia
“Temos uma competência instalada no Brasil que está favorecendo o país em diversas áreas. Empresas como a Petrobras, por exemplo. O petróleo do pré-sal responde por mais de 50% da produção brasileira, isso se deve a ciência. A proeminência internacional da Vale, da Embraco, da WEG, da Natura, todas essas empresas têm forte relação com laboratórios de pesquisa”.
Corte de verbas para importação de insumos
“No Brasil, laboratórios podem importar insumos sem pagar impostos, porque são cruciais para a pesquisa brasileira. No ano passado, o CNPq tinha uma cota de R$ 300 milhões para importação de insumos, esse ano caiu para R$ 93 milhões. Isso significa que vários laboratórios pararam de funcionar antes do meio do ano”.
Fuga de cérebros
“Se pegarmos o período de 2013 até 2020, os investimentos [em ciência e tecnologia] recuaram 37% em termos reais, corrigidos pela inflação. Voltamos ao nível de 2009. Estamos formando mais gente, mas o apoio à pesquisa vem sendo reduzido drasticamente”.
“Estamos perdendo jovens pesquisadores brilhantes. O país investiu na formação deles, mas não forneceu condições para o desenvolvimento de suas carreiras. Esse problema da fuga de cérebros já é antigo, mas hoje estamos vendo cientistas cada vez mais jovens saindo do Brasil. Eu tenho esperanças de que essa situação melhore, mas até lá o prejuízo é enorme”.
Dependência de importações
“As consequências [da falta de investimentos] nós vimos na pandemia. Essa situação de dependermos de que outros países nos mandem vacinas, não era algo que tínhamos décadas atrás. A indústria farmacêutica na década de 80 fabricava 50% de seus insumos, hoje fabrica apenas 5%. Isso representa uma dependência muito grande, e afeta a saúde dos brasileiros”.
Atuação da ABC
“Há publicações da Academia, por exemplo, o Projeto de Ciência para o Brasil, que pode ser baixado gratuitamente no site da ABC. Esse livro foi uma colaboração de 180 cientistas, levou dois anos para ser concluído. Lá temos um leque de temas importantes para o Brasil, analisados a partir do que cada tema pode fornecer e com sugestões de políticas públicas que os estimulem”.
“Além disso, realizamos mais de 40 webinários sobre as várias áreas da ciência. Tivemos uma audiência fantástica, que não tínhamos nos eventos presenciais. Temos contribuições importantes em projetos de divulgação científica para o ensino médio, ensinando os jovens sobre o método científico a partir da orientação de seus professores. Para ampliar esses projetos para o Brasil inteiro precisamos da participação do governo”.
Importância da pesquisa de base
“As vacinas são um exemplo fantástico do valor da pesquisa básica. Elas foram produzidas a partir do trabalho de duas químicas que ganharam o prêmio Nobel ano passado. A técnica desenvolvida pode ser aplicada na cura de diversas doenças. As descobertas feitas por elas vieram a partir de perguntas sobre a origem da vida, pesquisa básica. Assim como esse existem outros vários exemplos”.
Empreendedorismo científico
“O empreendedorismo científico é muito importante, e existe muito no Brasil. São vários os exemplos de parceria entre instituições de pesquisa e empresas, mas poderia ser muito mais. Em primeiro lugar, é preciso que haja maiores incentivos para as empresas inovarem. É interessante para as próprias empresas que o Estado invista em pesquisa básica, pois é a partir disso que o setor privado pode desenvolver produtos e realizar pesquisa aplicada”.
Projetos nacionais de desenvolvimento
“Precisamos de grandes projetos nacionais, falta isso no Brasil. Podíamos ser uma potência na área de bioeconomia, na área de energias alternativas, temos condições para isso. Mas precisa ter programas de longo prazo do governo”.
Negacionismo científico durante a pandemia
“A população vem aprendendo cada vez mais sobre o funcionamento da ciência e isso é muito bom. A atividade científica é feita de discussões, de produção de verdades, que podem vir a ser contestadas com novos dados. Então eu vejo como um desastre essa desinformação produzida pelas fake news: pessoas receitando remédios sem o menor conhecimento de biologia ou medicina – e isso se aplica as maiores autoridades do país. O negacionismo se aplica a outras áreas também, como por exemplo as mudanças climáticas”.
Confira trechos da matéria publicada pelo Valor Econômico sobre a entrevista.