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ANM faz 191 anos

Fundada no reinado do imperador D. Pedro I, a Academia Nacional de Medicina (ANM), de forma frequente, recebia D. Pedro II que, por mais de 50 anos, foi um assíduo ouvinte das conferências sobre ciência e saúde. Sua cadeira permanece no Salão Nobre da ANM, até os dias atuais. Com enfermidade avançada, no dia 30 de junho de 1889 presidiu, pela última vez, a sessão de aniversário da instituição.

Nesta terça-feira (30/6), a ANM completará 191 anos e, como já é tradição, uma cerimônia solene marcará a comemoração. Considerada a mais antiga instituição na área da saúde em funcionamento permanente, foi criada em 1829 pelo médico cirurgião Joaquim Cândido Soares de Meirelles, sob o nome de Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro. A finalidade sempre foi responder às perguntas dos governos sobre todos os assuntos de interesse da saúde.

Em 2020, com a chegada da pandemia pelo novo coronavírus, suas habituais sessões científicas foram transferidas para o universo online, no qual o atual presidente, professor da Unifesp e oftalmologista Rubens Belfort Jr., estabeleceu uma agenda que aborda, exclusivamente, vários aspectos do SARS-CoV-2, desde março. Já os tradicionais chás acadêmicos foram suspensos pela primeira vez.

Durante a cerimônia de aniversário, nesta terça, serão anunciados os ganhadores dos prêmios da ANM. Foram 63 candidaturas – um número recorde -, que concorrem aos nove prêmios nesta edição. As premiações da ANM são também consideradas as mais antigas, pois foram criadas junto à idealização da instituição.

De 1829 a 2020, a Academia elegeu apenas um seleto grupo de 674 médicos brasileiros que ocupam as 100 cadeiras divididas entre as três Secções de Cirurgia, de Medicina e Ciências Aplicadas à Medicina.

Histórias pitorescas recheiam a trajetória da Academia Nacional de Medicina, como a entrada da primeira mulher, Marie Josephine Mathilde Durocher, eleita em 1871. Parisiense, veio para o Brasil aos sete anos e, já naturalizada, matriculou-se no curso de Partos da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1833. Para trabalhar como parteira e não sofrer discriminação, adotou uma indumentária masculinizada, vestindo-se de preto, com casaco, gravata, cartola e saia e esclareceu em uma publicação de 1871:

“Como primeira brasileira formada parteira, aos vinte e quatro anos, eu decidi que estava autorizada, ou melhor, obrigada a servir como um modelo para aqueles que viriam depois de mim.”

Famosas também foram as atuações da Academia Nacional de Medicina nas campanhas de saneamento, vacinação e durante o enfrentamento de outras epidemias como a de febre amarela, no início do século passado, e a pandemia de 1917. Credenciais que atraem novos médicos para o seu Programa de Jovens Lideranças Médicas. Outras iniciativas da ANM também são relevantes para a história da medicina em nosso país. A criação do Arquivo, cujo rico acervo possui informações relacionadas não só à história da medicina e da ciência brasileira com as fotos de Madamme Durocher, a parteira da família real portuguesa, mas também importantes acontecimentos da história política e social do país como o atestado de óbito do Imperador D. Pedro II; e a Biblioteca repleta de obras raras que contam os avanços ao longo desses quase dois séculos.

Serviço:
Dia: 30/06 – terça-feira
Horário: das 18:00 às 20:00
Local: Web Hall da ANM na plataforma Zoom

Webinário da ABC: Desafios sociais e econômicos da pandemia

Os DESAFIOS SOCIAIS E ECONÔMICOS DA PANDEMIA foram tema da 12a edição da série de WEBINÁRIOS DA ABC | CONHECER PARA ENTENDER sobre O mundo a partir do coronavírus, que foi realizado no dia 23 de junho, 3ª feira, às 16h.

Os processos de saúde e doença são fenômenos, a um só tempo, biológicos e sociais. Epidemias provocam perdas de vida, redução da atividade econômica e desemprego. Ademais, os custos sociais das epidemias não se distribuem de forma igualitária. O enfrentamento desses problemas envolve desafios gigantescos que requerem, com urgência, políticas públicas efetivas.

Para debater essas questões, a Academia Brasileira de Ciências convidou:

  • A cientista política Marta Arretche, professora titular do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP), onde dirige o Centro de Estudos da Metrópole, que abordou a desigual distribuição dos custos sociais da pandemia e as políticas que podem ser desenhadas no curto prazo para interferir na extensão do crescimento da extrema pobreza.
  • O economista Eustáquio Reis, pesquisador aposentado e ex-diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que discutiu políticas para a equidade social e a sustentabilidade fiscal, tendo em vista enfrentar as consequências da pandemia de covid-19.
  • A socióloga Nísia Trindade Lima, presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), onde é pesquisadora titular. Ela abordou as relações sociais que medeiam a relação biológica entre os corpos humanos e os vírus.

Os moderadores foram o presidente da ABC, Luiz Davidovich, e a vice-presidente, Helena B. Nader.


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Coppe debate “Desafios tecnológicos nacionais no pós-pandemia”

A Coppe/UFRJ promove no próximo domingo, 21 de junho, o sétimo debate do fórum virtual: O Brasil após a pandemia.

Nesta edição, o tema será “Desafios tecnológicos nacionais no pós-pandemia”, e o Fórum contará com a presença do diretor da Coppe, o Acadêmico Romildo Toledo; do reitor da USP, professor Vahan Agopyan; do professor do Programa de Engenharia Oceânica da Coppe, Segen Estefen; e do vice-presidente de Engenharia e Tecnologia da Embraer, Daniel Moczydlower. O evento será transmitido ao vivo na página da Coppe no Facebook, a partir das 18h.

O encontro contará com a mediação do Acadêmico Luiz Pinguelli Rosa, professorda Coppe. O público poderá assistir e participar do debate, ao vivo, com perguntas que serão encaminhadas aos debatedores, no próprio link da transmissão.

Webinário da ABC em 16/6 foi sobre educação superior na pandemia

O webinário da ABC da série CONHECER PARA ENTENDER: O MUNDO A PARTIR DO CORONAVÍRUS teve sua 11a edição no dia 16/6 voltada para os DESAFIOS DA EDUCAÇÃO SUPERIOR EM TEMPOS DE PANDEMIA.

A educação à distância não é uma “adaptação” das aulas presenciais aos meios digitais: tem uma sofisticação própria, requer criatividade e técnica.  A maior parte dos professores e estudantes brasileiros não estava preparada para seu uso quando a pandemia chegou. A adaptação à nova realidade não é simples. Nem todos têm os equipamentos necessários nem internet disponível. No contexto da doença, muitos estão sem tempo para os estudos e o aprendizado de novas tecnologias, pois têm que cuidar da família e ajudar pessoas em situação de risco. Como lidar com essas realidades contrastantes, novas e urgentes?

Para discutir o tema, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) convidou: 

  • João Carlos Salles, professor titular do Departamento de Filosofia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), da qual é reitor atualmente. Preside a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), é membro titular fundador da Academia de Ciências da Bahia e membro da Academia de Letras da Bahia. Salles abordou o atual cenário da educação remota no país e apresentou projetos em desenvolvimento pela Andifes que levam em consideração aspectos diversos, como acesso a tecnologias digitais e capacitação, tanto de estudantes quanto de professores.
  • Carlos Eduardo Bielschowsky, professor associado do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atua há 30 anos na área de educação. Coordenou a elaboração e a implementação do Consórcio Cederj, do qual foi presidente. Foi secretário de Educação à Distância do Ministério de Educação.  É o editor chefe da Revista Brasileira de Educação a Distância da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED). Ele mostrou avanços e retrocessos no ensino superior decorrentes da utilização de educação à distância e os desafios para utilização emergencial do ensino remoto.
  • Marcelo Knobel, professor titular do Departamento de Física da Matéria Condensada da Universidade de Campinas (Unicamp), da qual é o atual reitor. Foi pró-reitor de Graduação, responsável pela implantação do Programa Interdisciplinar de Educação Superior (ProFIS). Além da investigação experimental de materiais magnéticos nanoestruturados, dedica-se também à divulgação científica. Knobel falou sobre as possíveis respostas das universidades a este momento complexo que estamos vivendo, com uma crise sanitária, econômica e política, de modo a mostrar à sociedade o seu imenso impacto para o futuro do país.

Os moderadores foram o presidente da ABC, Luiz Davidovich, e a Acadêmica Débora Foguel.


Perdeu? Quer rever? Acesse aqui a gravação do webinário.

Sobre os primeiros dez webinários da ABC

Essa série de webinários que a Academia Brasileira de Ciências está organizando sobre o mundo a partir do coronavírus está nos permitindo alcançar um público bem maior do que tínhamos nas reuniões presenciais, salvo as grandes reuniões anuais, como a Reunião Magna da ABC.

Nossos eventos on line tiveram, na média de pico, entre 300 e 400 pessoas assistindo cada um. Estamos todos sendo levados a pensar sobre os problemas que vêm sendo levantados pela pandemia, problemas que não vêm de agora e que precisam ser enfrentados. Tanto nós, organizadores e Acadêmicos, como o público, estamos refletindo sobre como está sendo o enfrentamento dessa pandemia, especialmente na área da saúde e na área da economia.

Precisamos pensar o mundo e o Brasil pós-pandemia, planejar a transformação da nossa economia baseada em commodities numa economia baseada em indústria com valor agregado, em prol da sociedade brasileira. Temos vários desafios pela frente e os webinários estão nos permitindo ampliar a discussão sobre esses desafios para tentar construir um país melhor.

Essa iniciativa vem se mostrando muito útil em estabelecer uma comunicação direta com a sociedade, com pessoas de todo o país e de fora do Brasil também. Vamos pensar em como dar continuidade a ela quando a covid-19 deixar de ser uma ameaça.

Luiz Davidovich
Presidente da ABC


Acesse a página com todos os webinários: leia as matérias, veja os vídeos na íntegra, vídeos-resumo e perguntas e respostas de internautas/webinaristas!

 

Populações fragilizadas e a pandemia

As políticas públicas brasileiras, especialmente as do atual governo, não são adequadas aos povos indígenas, levando-os a uma situação de extremo risco no contexto da atual pandemia. As populações de favelas e periferias, especialmente os negros pobres, são afetados também de forma desigual e perversa. Como promover políticas para combater a propagação da COVID-19 nestes territórios, que dialoguem com a realidade concreta destas populações, incluindo pessoas de situação de rua?

Para conversar sobre esse quadro, a Academia Brasileira de Ciências convidou a antropóloga e Acadêmica Maria Manuela Carneiro da Cunha, professora titular aposentada da USP e emérita da Universidade de Chicago; a socióloga Márcia Lima, professora do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP); e a educadora e ativista social Eliana Sousa Silva, fundadora da Associação Redes de Desenvolvimento da Maré. Elas foram as palestrantes do oitavo webinário da série “O mundo a partir do coronavírus”, realizado no dia 26 de maio. O moderador foi o presidente da ABC, Luiz Davidovich.

Direitos garantidos pela Constituição são solapados com “estratagemas”

Manuela Carneiro da Cunha apontou que a COVID-19 é uma imensa tragédia e não é igualitária: ela afeta diferentemente certas populações, as mais frágeis e vulneráveis, como os sem teto, os moradores das comunidades, das periferias, negros, quilombolas, caiçaras, ribeirinhos e os indígenas. “Estas populações são ainda mais fragilizadas pelas políticas públicas assistenciais, que sempre foram desenhadas para um cidadão padrão, urbano, de classe média -nunca foram elaboradas pensando na diversidade, como a situação dos indígenas aldeados, por exemplo. As políticas assistenciais não foram planejadas para essas populações”, afirmou a antropóloga.

No caso dos povos indígenas, a situação vai além, na medida em que o atual governo é abertamente hostil aos direitos indígenas de modo geral, mas especialmente aos seus direitos territoriais. “Na fala do ministro Salles, em particular, que tivemos o desprazer de ouvir na lamentável reunião ministerial de 22 de abril, a COVID-19 é mencionada não como uma tragédia, mas como uma oportunidade para fazer passar despercebida a desregulamentação, que afeta tanto a proteção ambiental quanto os direitos indígenas”, ressaltou Manuela.

Ela abordou as políticas públicas que estão tendo efeitos nefastos tomando como exemplo o alto Rio Negro, que tem 23 povos indígenas cada um com sua língua própria, de três ramos linguísticos diferentes. “Esses municípios são muito grandes e só acessíveis por rio ou pelo ar. O que está acontecendo lá? Esses povos tiveram acesso ao programa Bolsa Família há alguns anos, mas foi uma política introduzida sem nenhuma consideração pelos modos de vida desses povos. São distribuídas a famílias nas sedes dos municípios. Levam esses povos a fazerem longas viagens e se submeterem a aglomerações para receber os benefícios”.

Manuela relatou que há povos relativamente recém contatados, como os hupda, que “levam sete dias para chegar à sede do município, em São Gabriel da Cachoeira. Eles vão com toda a família e não têm onde ficar. Acampam no ‘beiradão’. Foi preciso que o Ministério Público Federal fizesse várias recomendações para que se pudesse adaptar minimamente essa forma de acesso pelo menos à atual situação de pandemia”.

Quando conseguem chegar a São Gabriel, a situação é a seguinte: como em muitos outros lugares, esses benefícios sociais são distribuídos por uma casa lotérica e são os comerciantes ou os donos das casas lotéricas que ficam com os cartões dos beneficiários. Então há longas filas, com horas de espera. “Só que grupos como os hupda, que não estão habituados ao contato outras populações, ficam expostos a contágio nessas circunstâncias. Então, receber o benefício de proteção social, por conta da centralização na distribuição, se torna uma situação de risco,” disse.

Mas há outras razões também para o risco que correm os povos indígenas. O contágio também é atribuível a políticas específicas deste governo.  O discurso do atual presidente enquanto candidato, de acordo com Manuela, estimulou invasões do garimpo, dos madeireiros, a grilagem e, evidentemente, os incêndios e o desmatamento. “O relatório que saiu hoje [26/5/2020] mostrou que 99% do desmatamento feito em 2019 foi ilegal, com maior impacto na Amazônia e no Cerrado, atingindo fortemente os territórios indígenas e as unidades de conservação”, apontou a Acadêmica. Ela afirmou que, depois da posse do novo governo, a fiscalização exercida pelos órgãos públicos diminuiu sensivelmente. “Funcionários do Ibama chegaram a ser punidos quando, seguindo a lei, destruíram maquinário de garimpo ilegal. Hoje, os Yanomami, inclusive os seus grupos que são isolados, estão à mercê do contágio trazido por dezenas de milhares de garimpeiros em seu território.”

O artigo 231 da Constituição Federal de 1988 garante as terras aos indígenas em caráter originário: “Art. 231 – São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”

O direito a essas terras ser “originário” significa, na explicação de Manuela, que é anterior à formação do próprio Estado, existindo, portanto, independentemente de qualquer reconhecimento oficial. O texto em vigor determina a obrigação da União obrigação é a de demarcar e proteger as terras dos indígenas e seus bens.

No entanto, a pesquisadora afirma que estão em curso “estratagemas”, nas palavras do próprio Ministério Público Federal, para desmontar esses direitos. Ela relata que no governo Temer, em 2017, a AGU [Advocacia Geral da União] publicou um Parecer que limitava o reconhecimento dos direitos territoriais apenas aos povos indígenas que estivessem no local no dia da promulgação da Constituição Federal, 5 de outubro de 1988. “Foi o início de uma teoria absurda, conhecida como ‘Marco Temporal’. Sabendo que não se podem retirar direitos territoriais de quem houvesse sido expulso pela força, passou-se a exigir a comprovação de que os indígenas tivessem mantido uma resistência fatual ou por vias jurídicas desde a data de sua expulsão” , relatou Manuela.

A Acadêmica lembra que isso afetou, entre outros, os guarani-kaiowá e outros povos do oeste do Paraná e sul do Mato Grosso do Sul, que na década de 40 foram expulsos de suas terras. Ela informou que a inconstitucionalidade desse Parecer 001 da AGU de 2017 está sendo novamente julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Embora as terras indígenas existam por um direito anterior à própria Constituição, cabendo à União apenas reconhecê-las, não as outorgar, por meio de mais um estratagema, desta vez mais recente, que remonta a 2019, a Funai está agindo e interpretando que apenas as terras indígenas já homologadas teriam direito à proteção da União. “Isso é manifestamente inconstitucional. Com isso, o governo pretende deixar de fora terras indígenas que ainda estão no demorado processo de homologação”, explicou a antropóloga.

“O que o ministro Salles do Meio Ambiente recomendou, na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, é exatamente o que está sendo feito, pois nesse mesmo dia a Funai publicou uma instrução normativa, a IN 9, uma disposição infralegal, como sugerido pelo ministro, declarando que as terras indígenas que não estivessem ainda homologadas simplesmente tinham que desaparecer do cadastro oficial de terras, o Sigef.  Com isso, poderiam ser distribuídos títulos sobre invasões de terras indígenas”, alertou a pesquisadora.  De fato, até o final do mês de abril, ou seja, em oito dias, 74 grileiros conseguiram certificação de terras dentro de áreas indígenas por causa dessa instrução normativa. “Isso mostra como funcionam os vários modos de solapar os direitos indígenas.”

Na visão da pesquisadora, são políticas como essas que incentivam invasões e que, além de toda a violência e conflitos que acarretam, provocam um enorme aumento de risco para os indígenas na situação de pandemia que estamos vivendo. “É isso que no momento está colocando em perigo os Yanomami”, alertou Manuela Carneiro da Cunha.

A questão racial e as desigualdades no cenário brasileiro

A socióloga da USP Marcia Lima atua numa linha de pesquisa que, desde os anos 70, procura entender a condição racial como elemento que atua por si sobre a chance de vida dos indivíduos. “Raça não é mais diretamente ligada à classe social. Quando se considera mobilidade social, educação e renda, vemos que a condição racial tem um efeito específico na vida das pessoas.” Márcia destaca que o país experimentou avanços nas políticas públicas voltadas para redução da pobreza e da desigualdade por 15 anos, mas que a situação mudou radicalmente.

Ela destacou inicialmente a questão do território. “A segregação residencial tem um viés racial, não só de classe, e essa é uma dimensão fundamental no entendimento da desigualdade. E não penso apenas os territórios negros urbanos, mas também os quilombos. Marcia é pesquisadora sênior associada ao Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), onde coordena o AFRO-Núcleo de Pesquisa e Formação em Raça, Gênero e Justiça Racial. Ela apresentou os primeiros dados de uma investigação em curso no AFRO sobre desigualdades raciais e COVID, a partir de dados regionais e territoriais, financiada pela Fundação Ford.

Os mapas mostrados pela pesquisadora, que fez estágio de pós-doutorado na Universidade de Columbia e foi professora visitante no Hutchins Center for African and African American Studies da Universidade de Harvard, são muito claros. Mostram a relação entre raça e território em quatro cidades brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Belém com proporções de população preta e parda muito distintas, com configurações muito diferentes, onde vemos o que se vê é o mesmo fenômeno de segregação residencial. “Em São Paulo a população branca está concentrada no centro e a preta e parda, essa em maior quantidade, se distribui na periferia. O mesmo ocorre em Belém. Já no Rio de Janeiro e Salvador, a população branca está concentrada na orla,” indicou Marcia.

Uma de suas fontes é a pesquisa do Metrô de São Paulo, que tem dados socioeconômicos dos usuários. “Se consideramos a renda familiar ponderada ou a pontuação socioeconômica, que está relacionada ao consumo, ou a proporção da população com educação superior completa, independente da medida, a distribuição é a mesma: concentração dos bens e recursos no centro e difusão na periferia”. Marcia mostrou que usando referências relacionadas à pandemia, como número de banheiros disponíveis, proporção da população que usa transporte coletivo e número de moradores por domicílio (relacionado ao isolamento social), o cenário se repete. “Então, o que vemos é que as mortes e contágios da pandemia têm distribuição semelhante. Nas periferias morrem mais jovens do que nas regiões ricas da cidade. As taxas de desemprego, que cresceram nos últimos anos, acentuaram imensamente a desigualdade racial. As desigualdades, que já eram grandes, vão se acentuar mais ainda”, alertou.

Outra fonte que Marcia Lima e seu grupo utilizam é a Pesquisa de Acesso a Oportunidades de 2019 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). “Usamos dados dessa pesquisa para saber da possibilidade de acesso aos hospitais com emergência. Nas regiões mais ricas da cidade, o acesso pode ocorrer em 20 minutos, enquanto que nas regiões periféricas a distância a ser percorrida leva 70 minutos. Ou seja, a pandemia na cidade de São Paulo encontra muitas diferenças na distribuição de capacidades e recursos.”

Moradores de favelas e periferias: invisibilidade é anterior à COVID-19

Mestre em Educação e doutora em Serviço Social pela PUC-Rio, Eliana Sousa Silva falou sobre o contexto das favelas e periferias, os efeitos da COVID-19 nesse cotidiano e quais são os enfrentamentos que vêm sendo feitos pela sociedade civil em relação à pandemia.

Ela, que hoje tem um título de Doutora Honoris Causa pela Queen Mary University of London, conta que saiu criança da Paraíba para morar no Rio de Janeiro, numa das 16 favelas que constituem o Complexo da Maré. E este é o seu principal foco de pesquisa, com a perspectiva de defender os direitos e melhorar a qualidade de vida dos moradores locais.

Eliana relata que desde que assumiu, em 2018, a Cátedra Olavo Setúbal de Artes, Cultura e Ciência no Instituto de Estudos Avançados (IEA-USP) entrou em contato com as favelas de São Paulo e observou as diferenças e similaridades entre elas e as favelas do Rio de Janeiro. “Um ponto em comum é que, historicamente, os direitos destas populações de favelas e periferias não são reconhecidos”, apontou a pesquisadora. O que existe, segundo Eliana, é fruto de muita luta para conquistá-los – tanto os direitos mais básicos, como educação e saúde, quanto os históricos. “Os recursos da Prefeitura, por exemplo, chegam de forma diferente, os serviços chegam de maneira diferente. Enfim, existe um contexto anterior à pandemia que coloca essas regiões em pior situação para o enfrentamento da COVID-19.”

As favelas a que Eliana se refere têm unidades de saúde e escolas municipais, mas são muito diferentes umas das outras em termos de qualidade e, ainda, do reconhecimento desse serviço como um direito.  A Maré, por exemplo, tem 44 escolas de ensino fundamental. “Foi uma luta para que fossem instaladas, elas estão estabelecidas, mas o serviço que é oferecido não é de qualidade. Existe o prédio, mas não o direito à educação estabelecido de uma maneira plena, como deveria”, aponta a cientista social.

Ela reforça o argumento, dizendo que os direitos à educação e saúde atualmente estão sendo sucateados e desmontados, mas existem. Alguns outros direitos, no entanto, nunca chegaram a ser estabelecidos, como o direito à segurança pública. “Por conta de nunca ter sido estabelecido como direito fundamental, a falta de segurança impede que os outros direitos, como saúde e educação, sejam implementados de forma integral. São totalmente negligenciados, porque não se pode expor os médicos e os professores ao risco de vida, diante da violência”, disse.

Ela mostra os números: em 2017, foram 47 operações policiais dentro da Maré, que provocaram 35 dias de escolas fechadas, 45 dias sem funcionamento dos postos de saúde e 42 homicídios. “Em 2018 foram 16 operações policiais, 10 dias sem aula, 11 dias sem postos de saúde e 24 homicídios. Essa diferença ocorreu porque conseguimos, junto com a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, uma Ação Civil Pública que fez com que as operações policiais passassem a funcionar com algum protocolo”, explicou Eliana. Já em 2019, com um novo governo que montou uma política bélica, os números subiram novamente. “Foram 39 operações policiais, 24 dias sem aula, 25 dias sem postos de saúde e 49 homicídios”, relatou.

Para Eliana, se não houver uma conscientização pública da necessidade de reconhecimento dos moradores das favelas e periferias como cidadãos iguais aos outros que vivem na mesma cidade e que devem ter o mesmo tratamento, dificilmente as políticas públicas irão ser estabelecidas de fato.

Em 2020, quando chegou a pandemia, os referidos serviços públicos que já tinham um funcionamento questionável e que já não atingiam a totalidade dessas populações, a situação ficou muito complicada. “As Clínicas da Família em São Paulo e as Unidades de Pronto Atendimento (UPA) no Rio de Janeiro já não cumpriam sua missão e esse problema se aprofundou bastante”, apontou Eliana.  Ela diz que a situação das favelas do Rio de Janeiro é de abandono completo. “As escolas estão fechadas e não existe nenhum outro trabalho direcionado para as crianças das favelas. Essa total negligência do Estado leva a uma maior contaminação pela COVID-19 e uma grave preocupação com essas populações.”

O isolamento social e as medidas preconizadas para evitar a contaminação não são viáveis na realidade das favelas, explica Eliana, com casas de 50 m2, com famílias extensas, desde idosos até crianças. “São famílias em que as pessoas perderam renda, não têm condições materiais para lidar com os requisitos para evitar a contaminação e não existe nenhuma proteção social do Estado.”

A negligência histórica do Estado brasileiro ficou evidente com a pandemia e o que tem ocorrido para socorrer essas populações são iniciativas da sociedade civil.  “No Rio de Janeiro, estamos conduzindo um plano junto com a Fiocruz e com algumas universidades, procurando viabilizar a prevenção no contexto das favelas e outras iniciativas de assistência robusta a essas populações. Há muitas ações acontecendo em parceria com a iniciativa privada para prover demandas emergenciais que deveriam ser supridas pelo Estado”, contou Eliana.

Na Maré, está sendo conduzida a campanha “Maré diz NÃO ao coronavírus”, que hoje tem cinco ou seis frentes. “Na frente relativa à segurança alimentar, temos atendido um número significativo de famílias sem ter o que comer, passando fome, uma situação cruel que eu não via na Maré há algum tempo”, relatou. Existe também uma população de rua significativa, de acordo com Eliana: são quase 300 pessoas envolvidas com uso de crack e outras drogas, abandonadas pelas políticas públicas. “Fazemos um trabalho de produção de refeições diárias para essas pessoas e para pessoas domiciliadas doentes – são 10.300 idosos em situação muito precária.”

Outra frente de atuação está ligada à perda de renda, promovida especialmente com mulheres. “Estamos organizando essa nova frente de renda para elas por meio da produção dessas refeições e também produzindo máscaras”, disse. A ajuda emergencial de R$ 600 do governo só alcança algumas pessoas, ainda que com dificuldade. E a maioria não tem acesso, não tem nem CPF, muito menos conta bancária.

Eliana falou ainda sobre outra frente relacionada à comunicação em saúde. “A partir de um canal de zap que foi criado com os moradores, soltamos um boletim semanal que reporta situações de risco à uma equipe composta por assistentes sociais, psicólogos e uma advogada. A Fiocruz está ajudando, na medida do possível, a atender essas pessoas. Conseguimos apoio para comprar EPIs [equipamentos de proteção individual] pra os agentes de saúde que vão ao encontro das pessoas em risco, porque eles que não tinham como trabalhar sem isso. E nesse boletim, que sai às 5as feiras, vemos uma diferença de 200% em relação às notificações que o painel COVID da que a Prefeitura divulga. É uma situação crítica.”

 “O rei está nu”

Davidovich concluiu observando que as webinaristas deixaram clara a importância das ciências sociais nesse esforço para mitigar os efeitos da pandemia. Trazem uma luz muito útil para a situação social do país e para o fato de que a pandemia está atingindo principalmente essas populações que já eram fragilizadas antes e que estão em situação crítica nessa pandemia. “Os webinários anteriores estão relacionados com estes. O desmatamento nas terras indígenas está relacionado com a liberação de centenas de vírus que entram em contato com humanos. Se não tomarmos cuidado, uma nova pandemia pode surgir a partir do Brasil, com a liberação de novos vírus com efeitos desconhecidos sobre os humanos. São problemas que exigem transdisciplinaridade.”

A vice-presidente da ABC, Helena Bonciani Nader, avaliou que o webinário falou sobre os “invisíveis”. “Nós, cidadãos ‘visíveis’,  temos que fortalecer ações de modo a exigir do poder público que se cumpra o que está na Constituição brasileira, já que grande parte desses segmentos da sociedade, que somam a maior parte da população brasileira, não tem acesso nem à água nem à esgoto, além dos outros direitos básicos aqui citados, como educação, saúde e segurança. O Brasil está mostrando para o mundo que ‘o rei está nu’.”

 

Confira o vídeo com os principais destaques desta edição.


Veja aqui tudo sobre os Webinários da ABC | Conhecer para Entender: O mundo a partir do coronavírus

Modelos computacionais e isolamento social

“Modelos computacionais e isolamento social” foi o tema da nona edição dos Webinários da ABC, que ocorreu no dia 2/6, com mediação do presidente da ABC, Luiz Davidovich. Os encontros da série “Conhecer para entender: o mundo a partir do coronavírus” vão ao ar todas as terças-feiras, e abarcam aspectos diversos do cenário pós-pandemia, com perspectivas interdisciplinares.

Nesta edição, o epidemiologista e Acadêmico Cesar Victora (UFPel), o pesquisador Marcelo Gomes (Fiocruz) e o médico Claudio José Struchiner (FGV) foram convidados a debater sobre os modelos que estão sendo utilizados para a coleta, o registro e a divulgação de dados referentes à COVID-19 no Brasil.

Não é uma, são várias epidemias ao mesmo tempo

O Acadêmico Cesar Victora, médico e doutor em epidemiologia, apresentou o estudo Epicovid-19, conduzido por pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Esse é o primeiro estudo brasileiro a investigar o número de infectados pelo novo coronavírus em nível nacional e questiona, segundo o epidemiologista, até que ponto modelos matemáticos podem fazer previsões para áreas geográficas especificas.

O estudo Epicovid-19 foi lançado no Rio Grande do Sul no início de abril, um mês depois do diagnóstico dos primeiros casos no Estado. A pesquisa consiste em visitas domiciliares, nas quais são realizados testes rápidos para anticorpos contra o SARS-CoV-2. Envolvendo inicialmente nove cidades no sul do país, o estudo conseguiu abranger, posteriormente, 133 cidades de 26 estados e do Distrito Federal, em duas ondas de coleta de dados, em 14 a 21 de maio e 4 a 6 de junho. As cidades amostradas correspondem a todas as sedes de regiões intermediárias segundo o IBGE, incluindo todas as capitais e polos regionais.

“Desejamos saber quantas pessoas foram infectadas, a evolução da epidemia, quais regiões foram mais afetadas e a taxa de letalidade”, disse o epidemiologista. Utilizando um teste rápido e entrevistas, o estudo conseguiu analisar também o comportamento da população em relação ao distanciamento social. Mostrou, ainda, o aumento significativo do número de casos em cidades à margem do Rio Amazonas, enquanto as regiões Sul e Centro-Oeste apresentaram prevalência inferior a 1% em praticamente todas as cidades amostradas. “A região Norte decolou, mas ainda é imprevisível tentar entender o que está acontecendo lá. Não é uma epidemia, são várias epidemias ao mesmo tempo dentro do Brasil”, afirmou.

Victora foi enfático ao afirmar que não seria possível fazer essa pesquisa se não houvesse, em anos anteriores, tanto investimento em saúde pública. Porém, a falta de coordenação entre as esferas federal, estaduais e municipais de saúde chegou a levar alguns dos entrevistadores à prisão quando iniciavam a coleta de dados no campo durante a primeira fase. “Tivemos problemas com secretarias municipais de saúde em 20 municípios. Alguns testes foram até destruídos pela polícia, devido à falta de comunicação.” relatou Victora. Esses percalços reduziram o escopo da pesquisa e atrasaram os resultados da primeira fase. De qualquer modo, o estudo foi completado em 90 municípios e obteve resultados parciais em outros 43 deles.

Registro e vigilância epidemiológica

Para o monitoramento dos números relacionados à pandemia, existem sistemas específicos que registram os dados e são responsáveis por manter os profissionais de saúde e a sociedade informados sobre a evolução da COVID-19. Marcelo Gomes, pesquisador da Fiocruz, coordena o InfoGripe, um sistema responsável por registrar novos casos de SRAG e de COVID-19 no país. Além desse, há o Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-gripe), o e-SUS VE, com notificação de internações, e o Painel Coronavírus do Ministério da Saúde.

Para Gomes, a análise de dados ajuda a entender melhor as fases da pandemia no país. “Os dados mostram que os sacrifícios que fizemos, como o isolamento social, funcionam – e podemos mensurar esses resultados”, disse. De acordo com o pesquisador, somente até maio de 2020 foram registrados cerca de 96 mil casos de SRAG, um dos sintomas que servem como índice para novos contágios, enquanto em todo o ano de 2019 foram registrados cerca de 90 mil.

O pesquisador explica os dados gerados pelos registros de SRAG no país são importantes pela mudança no perfil de vítimas durante a pandemia. “O perfil etário de pessoas que tiveram SRAG mudou, apontando agora um volume muito grande de indivíduos acima de 30 anos. É justamente nessa faixa etária que está o maior número de casos de COVID-19”, ressaltou.

A demora entre a coleta de dados e os registros nos sistemas de informação pode atrapalhar o acompanhamento da evolução da pandemia no país. Marcelo destacou a burocracia para os processos de notificação da SRAG. Mesmo com prontuários eletrônicos, a coleta das informações pelos profissionais de saúde pode ser ineficiente e, com unidades de saúde sobrecarregadas com os atendimentos, a prioridade não é voltada para o preenchimento de registros. “Diversos municípios concentram a atividade de registro nas secretarias municipais de saúde, ou seja, as fichas são preenchidas pelos profissionais de saúde nas unidades e são enviadas para as secretarias para a inserção dos dados nos sistemas”, completou o pesquisador.

Estatísticas para entender a realidade

Acompanhar os dados de detecção de novos casos de COVID-19, como visto, pode ser muito importante para entender a evolução da doença. A modelagem estatística, como os gráficos e mapas, é aliada no desafio de disponibilizar esses dados aos profissionais envolvidos e à população. O pesquisador Claudio Struchiner explicou como os registros desses casos correspondem à realidade da propagação da doença.

Na China, ao acompanharem o surgimento da epidemia do novo coronavírus e os primeiros casos, foram testadas diversas práticas a fim de conter a propagação da doença, como o isolamento social. À medida que a epidemia avançava pelo mundo, além dos limites territoriais do Oriente, outros países adotaram diferentes precauções para tentar conter a propagação do novo vírus, que foram mensuradas e podem ser entendidas por meio de dados hoje disponíveis. “A Inglaterra apostou em um pequeno distanciamento social e na possibilidade de uma imunidade de rebanho. Já em Cingapura e em Hong Kong, apostaram em um rastreamento em massa. Vimos que a pressão aos sistemas de saúde seria muito grande independente dessas medidas”, disse.

A descoberta do isolamento social como medida eficaz contra o novo coronavírus foi importante, na visão de Struchiner, para conter novos surtos. “Qualquer tentativa de relaxamento desse distanciamento é seguida de um surto epidêmico. Todos os modelos apontam para isso e acho que não deixam margem de dúvida”, afirmou. Segundo o pesquisador, o Brasil, até aquele momento, estava caminhando para uma estabilização do número de casos, mas ainda com um nível alto de novas infecções, por um longo período de tempo.

Struchiner ressaltou a importância da administração responsável dos danos causados pela pandemia no Brasil, no que diz respeito ao sistema de saúde. “Acredito que qualquer pressão ao sistema de saúde mata não só indivíduos com o vírus, que terão um pior atendimento, como também aqueles que não terão acesso aos cuidados necessários de saúde porque o sistema estará saturado”, disse.

Enfim, vimos que modelos matemáticos e estatísticos que acompanham a evolução da COVID-19 no Brasil e no mundo podem ser importantes para a criação de estratégias. Além disso, esses dados podem informar a população para manter as práticas preventivas de acordo com o risco real de novas infecções.

 

Confira o vídeo com os principais destaques desta edição.


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O mundo a partir do coronavírus: salvando vidas hoje

A décima edição da série de webinários da ABC “Conhecer para Entender: O mundo a partir do coronavírus” trouxe três médicos convidados que estão na linha de frente na luta contra o novo coronavírus. Esta edição, realizada em 9 de junho, contou com o médico Mauro Teixeira, vice-presidente da ABC para MG&CO, mediando o encontro, e foi realizada em outro horário, devido à participação da ABC na Marcha pela Vida, movimento em defesa da saúde, da ciência e da democracia.

Participaram do encontro a Acadêmica Patricia Rocco, pesquisadora do Laboratório de Investigação Pulmonar do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IBCCF-UFRJ) e coordenadora de três estudos clínicos sobre COVID-19; Matheus Moraes Mourão, coordenador da unidade de terapia intensiva do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo; e o médico infectologista e ex-membro afiliado da ABC (2011-2015) Marcus Lacerda, que coordena o Instituto de Pesquisa Clínica Carlos Borborema da Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD) e trabalha, também, na Fiocruz Amazonas. Suas pesquisas em doenças emergentes e malária o levaram a desenvolver pesquisas clínicas sobre o efeito da cloroquina em Manaus.

O alcance da infecção pelo novo coronavírus

Quando o coronavírus se instala no organismo humano, como contou a a médica Patricia Rocco, ele pode gerar uma infecção pulmonar com pelo menos três formas de apresentação, o que requer diferentes estratégias de tratamento.

“O vírus não causa somente pneumonia, ele pode causar lesão no cérebro, no coração, nos rins, no intestino, no fígado”, disse Rocco. Para a médica, em vez de SARS-CoV-2, sigla em inglês para Síndrome Respiratória Aguda Grave” e “coronavírus” (CoV), o vírus deveria ser chamado de MODS-CoV-2, sigla que em português significa “Síndrome de Disfunção Orgânica Múltipla”, em referência a sua capacidade de comprometimento sistêmico do organismo humano.

Naturalmente, o combate à pandemia do novo coronavírus deveria ser iniciado por meio da testagem ampla da população. Porém, além do país não ter testes suficientes, mesmo os que existem não têm eficácia comprovada para detecção do vírus, afora o RT-PCR (em português, a sigla se refere ao termo “Transcrição Reversa seguida de Reação em Cadeia da Polimerase”), que detecta o material genético do SARS-CoV-2 apenas em período ativo no organismo humano e, dependendo do local onde é realizado, pode levar até dois dias para apresentar o resultado. “Os 50 testes sorológicos existentes para coronavírus distribuídos no mundo inteiro não têm sensibilidade muito grande para detectar a doença. Precisamos ter testes sorológicos mais precisos”, alertou.

A definição para a estratégia de tratamento de um paciente internado com COVID-19 começa com uma a avaliação do quadro radiológico e funcional do doente. “Os doentes exibem manifestações diferentes. O esforço respiratório deve ser avaliado para que seja prescrita uma estratégia individualizada de ventilação mecânica, por exemplo”, afirmou. As arritmias, lesões renais e desordens de coagulação geradas pela doença, segundo a médica, aumentam o risco de complicações para o paciente, como uma embolia pulmonar. O acompanhamento médico de qualidade, nesses casos, é essencial.

A terapia intensiva para pacientes com COVID-19

Durante a pandemia, o número de pacientes que precisaram ser internados em UTIs sobrecarregou os serviços hospitalares. Muitos deles apresentam a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e precisam passar pelo processo de ventilação mecânica. Matheus Mourão coordena uma unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital Sírio-Libanês, em Brasília, que integra o grupo de hospitais reservado a pacientes com quadros mais graves.

Os protocolos de internação de pacientes com COVID-19 podem variar de acordo com a estrutura hospitalar, mas costumam seguir alguns parâmetros. “Pacientes que apresentam um desconforto respiratório grande ou alguma comorbidade associada, como diabetes ou hipertensão, são internados”, explicou o médico. Mourão destacou as dificuldades de manejo nestes casos. “O transporte destes pacientes para a realização de exames é difícil e pode oferecer risco de contaminação para a equipe. Por isso, alguns exames são feitos no próprio leito e é necessário o uso de equipamentos de proteção individual [EPIs]”, informou.

No hospital, Matheus observou que a doença apresenta um período crítico a partir do sexto dia de infecção. Nesse estágio, é possível notar o comprometimento provocado pela COVID-19 por meio de tomografias do tórax. “A partir desse momento, ficamos atentos à possibilidade de falência respiratória, quando há baixa oxigenação nos pulmões”, disse. Quando o paciente internado apresenta esse quadro de sintomas respiratórios, o médico pode oferecer o procedimento de ventilação mecânica não invasiva para evitar uma situação mais grave e até retardar a possibilidade da intubação orotraqueal, mais invasiva.

O tratamento de pessoas diagnosticadas com COVID-19 e que precisaram ser internadas teve de ser adaptado às condições dos hospitais. “Quando a pandemia chegou no Brasil, não tínhamos EPIs suficientes. Isso impactou o uso de algumas terapêuticas, obrigando o uso do tipo de ventilação pulmonar mais invasivo antes da apresentação de um quadro mais grave do paciente”, disse. “Espero que daqui para frente tenhamos uma estrutura melhor nos hospitais”, completou.

Uma chacina epidemiológica

O médico infectologista Marcus Lacerda esteve à frente dos primeiros estudos brasileiros para verificar a eficácia da cloroquina em pacientes com o novo coronavírus e acompanhou a evolução da pandemia em Manaus, um dos primeiros epicentros da COVID-19 no Brasil.

Hoje, após o pico, a capital do Amazonas vive uma queda no número de sepultamentos, do índice de mortalidade e da ocupação de leitos em hospitais. O isolamento social, como em outras partes do país, não foi feito de forma correta. “Manaus começou uma abertura do comércio, em etapas, após a queda do número de sepultamentos. Por meio de modelagem matemática, avalia-se que quase 100% de pessoas suscetíveis à infecção se expuseram ao vírus”, disse.

“É interessante como a pandemia surge na China, chega na Europa e, aqui, vivenciamos um processo de negação. Poderíamos ter desenhado nossos estudos e protocolos com meses de antecedência. A experiência dos outros países não foi absorvida pelo Brasil”, lamentou o médico.

Lacerda relatou que ele e outros pesquisadores de Manaus começaram a realizar estudos antes de vários centros porque a epidemia foi mais agressiva no seu estado. Pelo interesse de saúde pública internacional, partes de seu estudo CloroCovid-19, que obteve resultados negativos quanto à utilização da cloroquina contra a COVID-19, foi motivo para que o médico, sua família e sua equipe fossem ameaçados até de morte.

Além do que foi publicado, outras etapas do trabalho ainda estão em processo de análise. “Só vamos continuar quando nossa sociedade permitir que os pesquisadores façam suas publicações em paz, sem o risco de serem ameaçados, processados ou inquiridos”, disse.

Os riscos decorrentes da suspensão do isolamento social em diversas cidades brasileiras são vistos com preocupação pelos webinaristas. As estatísticas que comparam os cenários de propagação e contágio do novo coronavírus em cidades como São Paulo preveem um acúmulo de mortes. Para Lacerda, é uma decisão precipitada, pois ainda pode provocar a morte de milhares de pessoas, dependendo da curva de cada região. “Ainda não há medicamentos nem vacinas capazes de prevenir ou tratar com eficácia a COVID-19. Uma chacina pode passar despercebida, no interior e em populações negligenciadas, como as indígenas, por causa da subnotificação, tanto maior quanto a desigualdade social do país”, alertou o médico.

 

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