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‘Brasil precisa recuperar protagonismo no âmbito climático’, diz Paulo Artaxo

O mundo enfrenta uma realidade assustadora à medida que a crise climática ganha destaque, amplificando emergências globais e ameaçando desfazer décadas de progresso em saúde pública. O ano de 2023 foi confirmado como o período mais quente nos registros de dados de temperatura global desde 1850, segundo o Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus, implementado pela Comissão Europeia. As reverberações desse calor se expressam das mais diversas formas, incluindo a exacerbação da insegurança alimentar, o aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, além da proliferação de doenças sensíveis ao clima.

Por mais que existam iniciativas importantes como o Acordo de Paris, que propõe a meta de limitar o aumento da temperatura média global para 1,5 °C, há fortes indícios que que esses “combinados”, só existentes no mundo das ideias, não terão efetividade. Inclusive, é provável que atinjamos 2,7 °C até o final do século XXI e cheguemos a casa dos 2°C já em 2050, o que acarretaria em um aumento de 370% nas mortes relacionadas ao calor, de acordo com projeções divulgadas pelo periódico científico The Lancet. 

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Leia a matéria completa na Veja.

Seis pontos-chave onde a biodiversidade pode mitigar a crise climática

Proteger o planeta das mudanças climáticas exigirá um compromisso conjunto entre tomadores de decisão, empresas e sociedade civil, não apenas na escala nacional, mas também de coalizões emergentes e modelos de governança em todos os níveis. Nesse sentido, um time de renomados especialistas em biodiversidade, mudanças climáticas e sociobiodiversidade publicou um novo artigo no periódico norte-americano BioScience onde listam seis pontos-chave que contribuem significativamente para mitigar as mudanças climáticas:

  1. Conservar estoques e sumidouros de carbono

Esqueça a ideia de que é preciso plantar árvores para estocar carbono! O princípio não está totalmente errado, mas o modo como esse plantio é feito pode aumentar as emissões. A substituição equivocada da vegetação nativa por plantações de árvores exóticas, como Pinus ou Eucalyptus, pode gerar efeito contrário, emitindo mais carbono do que estocando.

Isso porque grande parte do carbono é armazenada no solo e não nas árvores. O solo preservado de uma pastagem atua como um sumidouro de carbono, mas quando a vegetação é removida ou substituída pela plantação homogênea de espécies, o sumidouro de carbono pode se tornar uma fonte.

Por isso, a proteção dos estoques de carbono nativos nos ecossistemas deve ser a primeira prioridade, e não o plantio indiscriminado de florestas de monocultura. Isso contribui significativamente não só para o sequestro de carbono, mas também para a manutenção da biodiversidade nativa.

  1. Restaurar adequadamente áreas degradadas

Quando a restauração é a prioridade, a maneira como ela é feita tem consequências importantes. Muitos países se comprometeram a restaurar terras degradadas, em somas que totalizam milhões de hectares até 2030. Mas a restauração exige muito mais do que plantar árvores e cobrir a terra nua com qualquer tipo de vegetação.

Em geral, os projetos de restauração têm usado um padrão para todos os tipos de ecossistemas, com pouca diversidade de espécies e sem sequer conhecer a vegetação vizinha ao local onde a restauração é realizada. Estamos criando novos ecossistemas que não atendem a um dos objetivos mais importantes da restauração: aumentar a conectividade ambiental.

Ao introduzirmos um número limitado de espécies não nativas em uma determinada região, podemos, inadvertidamente, destruir a funcionalidade ecológica do ambiente, e isso refletir na capacidade de fornecer nascentes de água, manter polinizadores para agricultura, controlar a umidade e o clima e influenciar o regime de chuvas. Somente a restauração com um conjunto diversificado de espécies nativas pode promover mais rapidamente a conectividade ambiental e restaurar os benefícios que os ecossistemas podem proporcionar aos seres humanos.

  1. Conservar fauna e flora locais de maneira integrada

Os animais selvagens têm papel fundamental nas soluções naturais para as mudanças climáticas. Diferentemente dos animais da pecuária, responsáveis por grande parte da emissão de gases de efeito estufa, os animais selvagens sequestram carbono. Ao se alimentarem de grandes massas de material orgânico, os animais ingerem e fixam carbono em seus corpos, mais especificamente, 6,5 bilhão de toneladas por ano, ou 6,5 PgC (pentagramas de carbono)

A fauna selvagem influencia o regime de incêndios e o microclima, a polinização da agricultura, a dispersão e propagação de plantas; aumenta a complexidade das cadeias alimentares, a heterogeneidade dos habitats e os estoques de carbono. São parte essencial para adaptação às mudanças climáticas. Por isso, a conservação das florestas deve ser integrada à conservação de sua fauna, para que possamos atingir nossas metas globais para evitar o aumento da temperatura além do ideal para a sobrevivência dos seres humanos.

  1. Trocar a expansão de áreas agrícolas pelo aumento de produtividade

Apesar da importância da agricultura para a subsistência humana, a expansão de áreas agrícolas está entre os principais fatores de fragmentação e perda de biodiversidade, de degradação do solo, desmatamento e emissões de carbono, gerando impactos de grandes proporções. A perda de florestas está afetando desproporcionalmente a biodiversidade em paisagens de todo o mundo.

Um melhor gerenciamento da terra em áreas de agricultura, pecuária e silvicultura poderia sequestrar mais de 13,7 bilhão de toneladas de carbono por ano. As áreas de plantações existentes no mundo são suficientes para a subsistência da população humana e não há necessidade de devastar novas áreas naturais para o cultivo. A desigualdade alimentar resulta de escolhas inadequadas de uso da terra, da concentração econômica e de barreiras de distribuição impostas por guerras e desastres naturais.

Pedimos aos formuladores de políticas públicas que não aprovem projetos de lei que permitam a descaracterização de áreas de proteção e a expansão de áreas agrícolas. Só assim, será possível desacelerar a perda de ecossistemas terrestres e aquáticos em todo o mundo.

  1. Incorporar a biodiversidade aos modelos de negócios

As soluções para as crises conjuntas do clima e da biodiversidade podem estar, em parte, no setor privado. Décadas de experiência ajudaram os governos e as empresas a entenderem como incorporar as mudanças climáticas em seus modelos de negócios. Mas os incentivos econômicos para a conservação da sociobiodiversidade estão muito atrasados.

Uma análise da Fortune Global 500 mostrou que 83% das empresas têm metas relacionadas ao clima, principalmente no setor de transportes; enquanto apenas 51% das empresas reconhecem a perda de biodiversidade como preocupação, e apenas 5% estabeleceram metas quantificadas para esse tema.

As empresas e as instituições financeiras precisam definir a sustentabilidade com mais precisão em termos de conservação da biodiversidade, e é preciso oferecer incentivos para isso. O Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) está no caminho certo ao alocar recursos essenciais para a Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD). Da mesma forma, o setor privado pode aumentar o seu Impacto Líquido Positivo (NPI) – meta de gestão corporativa de biodiversidade.

  1. Unir as COPs de Biodiversidade e Clima

Para atingir emissões líquidas zero propostas pela Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP), é necessário alinhar políticas e ações entre setores e escalas. Em 2021, o primeiro relatório conjunto produzido pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e pela Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) concluiu que o mundo deve enfrentar as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade em conjunto para que ambas as questões sejam tratadas com sucesso.

Nesse sentido, a integração das conferências ambientais aumentaria as sinergias entre os acordos ambientais multilaterais e as instituições internacionais. Isso promoveria a colaboração entre especialistas em tópicos relacionados, alinhando métodos e modelos e levando a uma melhor avaliação das compensações e interações entre diferentes tipos de impactos e políticas ambientais.

Em comum, todos os pontos-chave destacam o protagonismo da natureza para reverter as ações humanas, desde que contribuamos para isso.

Desespero, raiva e sensação de fracasso atingem cientistas climáticos diante da falta de ações efetivas

Leia matéria de Giuliana Miranda para Folha de SP, publicada em 2/6:

Ao ver as primeiras imagens das enchentes no Rio Grande do Sul, no começo do mês, a bióloga Erika Berenguer, pesquisadora da Universidade de Oxford e referência nos estudos sobre impactos do fogo nas florestas tropicais, voltou a ter problemas digestivos. Em regressão até aquele momento, o quadro de gastroparesia – mais conhecido como síndrome de atraso no esvaziamento gástrico– piorou. Ela passou a ter dores, inchaço no corpo e dificuldades para se alimentar.

Sem ter nenhum dos principais fatores de risco para a doença, o distúrbio foi atribuído pela equipe médica à exposição elevada ao estresse. Erika conta que, desde 2015, ano em que o El Niño contribuiu para incêndios devastadores na amazônia, vem enfrentando episódios de ansiedade e outras manifestações físicas relacionadas à situação da floresta e às mudanças climáticas. “Ainda é bem difícil de falar sobre isso”, afirma.

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Em entrevista à Folha, o físico Paulo Artaxo, professor da USP (Universidade de São Paulo) e membro do IPCC, afirma que, nos últimos anos, há um desânimo notável entre parte dos cientistas da área climática. “Há uma sensação de desespero e de fadiga em parte da comunidade. Obviamente a gente vê isso”, afirma.

Segundo Artaxo, os pesquisadores têm se dividido entre duas vertentes. “Há quem pense que não tem mais o que fazer, que nós vamos extinguir 3 bilhões de pessoas no planeta e vamos perder boa parte da biodiversidade. E pronto, isso é um cenário do qual não tem volta”, exemplifica. “A outra metade, da qual eu faço parte, coloca que nós temos de desenvolver a melhor estratégia possível para orientar políticas públicas de redução de gases-estufa, que é a única coisa que pode ajudar a salvar o planeta.”

Artaxo afirma que a situação o tem motivado a falar cada vez mais sobre as alterações climáticas, tentando atingir o público mais abrangente possível. “Eu dou três ou quatro palestras por semana, desde universidades e escolas até para o agronegócio”, conta. El eavalia que o planeta está se encaminhando para um aquecimento médio de 3°C. “Muito poucas pessoas na sociedade têm noção do que isso significa”, avalia. “Nesse cenário, vamos ter eventos como esses do Rio Grande do Sul praticamente todos os meses.”

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Leia a matéria na íntegra no site da Folha de SP

Crise climática e a saúde: integrar conceitos e unir esforços

Leia carta conjunta da ABC, ANM e SBPC sobre a situação do Rio Grande do Sul:

Crise climática e a saúde: integrar conceitos e unir esforços

A devastadora crise no sul do Brasil completa 30 dias como uma trágica consequência de eventos climáticos extremos. A comunidade científica já havia alertado para as condições de clima e geografia vulneráveis do Rio Grande do Sul, mas não foi prevista a magnitude dessa catástrofe, diferente de tudo que já se observou. Cientistas do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul divulgaram na imprensa estimativas de que 14.2 trilhões de litros de água foram despejados no estuário do Guaíba nos primeiros 7 dias da enchente. Isso corresponde à metade do volume de água do reservatório da usina de Itaipu, que tem o triplo do tamanho do Guaíba. Hoje se contabilizam 169 mortos, 50 desaparecidos, 600 mil desalojados em 471 cidades, estando a capital ainda duramente atingida. Os abrigos em todo estado acolhem hoje 50 mil pessoas. As redes de apoio comunitário são gigantescas e comovem pelo trabalho diligente, longe da luz dos holofotes. A ajuda chega de todo o país que solidariamente se mobiliza.

Na área da saúde preocupam os casos de leptospirose que passaram de um único registro nas semanas que antecederam o desastre, para mil registros na última semana de maio. Ainda não foram contabilizados os problemas de saúde decorrentes das interrupções em redes sensíveis como a dos cuidados de pacientes em situação crítica, transplantes e tratamentos oncológicos. Muitos desses tratamentos indispensáveis para manutenção de vidas foram interrompidos no meio do caminho. Os impactos em saúde mental chegam num momento em que a recuperação da pandemia do COVID-19 não estava consolidada. Lidar com o estresse pós-traumático e a depressão são desafios crescentes. A solidariedade e empatia não serão suficientes e procedimentos eficazes testados à luz da ciência devem ser implementados para atender a população em tempo hábil. É o momento de unir esforços para reconstruir o Rio Grande do Sul. E também tempo de reflexão. O lado mais sombrio dessa crise é seu aspecto premonitório. Os eventos climáticos extremos serão recorrentes e afetarão mais e mais as águas das bacias do RS, nossos mananciais, nossas matas e outros biomas. No Brasil e no mundo.

Hoje, quem percorre as ruas da cidade de Porto Alegre, observa um cenário de guerra. As imagens obtidas por satélite mostram os fluxos d’água entumecidos. A própria água que transborda tem a cor barrenta da terra que derrete, misturada com detritos orgânicos. A densidade da água com os sedimentos e a rapidez na descida das encostas estão associadas ao dano em estruturas como pontes. Como as bandeiras hasteadas ao contrário, no RS pessoas e animais estão nos telhados das casas, aeroportos estão submersos e embarcações foram encontradas sobre estaleiros nos locais onde o nível da água já baixou. Não é apenas um pedido de socorro. É mais um e dessa vez, agonizante sinal de alerta. Um alerta para que as leis existentes para lidar com desastres transicionem para legislações preventivas, com permanente gestão de riscos futuros.

As ações para atender as vítimas estão a caminho e o mundo acadêmico tem muito a contribuir para que a ciência ilumine as ações de saúde e auxilie no cálculo da retaguarda necessária. Há também que observar as inovações dos atendimentos on-line e a saúde digital – essa crise deve acelerar o uso da tecnologia como ferramenta central no funcionamento do SUS. Da área das engenharias surgem soluções para o manejo da água em casos de inundação, tornando tragédias como essa evitáveis. Em suma, a ciência terá protagonismo nas ações de saúde. Os cientistas já lideram a avaliação dos impactos do desastre e criação de modelos preditivos para informar estratégias de prevenção. Esse momento de crise é também a oportunidade de adequar o próprio conceito de saúde, que deve englobar o cuidado com o ambiente e considerar as alterações do clima. Todos esses elementos interagem e deles emerge o conceito de uma saúde única. A situação no Rio Grande do Sul é um exemplo eloquente da necessidade desse enfoque.

As Academias Nacional de Medicina e Brasileira de Ciências, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e o Ministério da Saúde trabalham unidos na mitigação da atual crise de saúde e prevenção de agravos. O futuro dos eventos climáticos extremos já chegou. Estejamos atentos ao que a ciência tem a dizer para preservar vidas e evitar futuras catástrofes.

Academia Nacional de Medicina (ANM), Academia Brasileira de Ciências (ABC) e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)

“Não tem mais volta”, diz Carlos Nobre sobre catástrofes climáticas

Enquanto pessoas ilhadas ainda aguardam resgate e mais de 300 municípios do Rio Grande do Sul nem conseguem calcular o prejuízo causado pelas enchentes, cientistas alertam que eventos com chuvas extremas chegaram para ficar.

O que chama a atenção, diz Carlos Nobre, climatologista brasileiro que fez carreira no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), é que essas tragédias estão acontecendo mais cedo do que se previa. Em 2007, o quarto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) da ONU previu que esses fenômenos se tornariam recorrentes por volta de 2030 ou 2040.

A antecipação se deve ao aumento rápido da temperatura média do planeta: em 2023, o recorde de aquecimento foi batido, com 1,5° C a mais que no período pré-industrial. Em 2024, o calor acima da média continua.

“Os modelos indicavam que, quando a gente atingisse 1,5°C, já deveríamos esperar fenômenos muito extremos, de chuvas muito intensas e prolongadas, como vimos no Rio Grande do Sul”, afirma Nobre.

O desafio, aponta o cientista, será adaptar as cidades e retirar cerca de 3 milhões de brasileiros que vivem em áreas de risco. “Aumentar a resiliência e ter uma política de adaptação às mudanças climáticas é um investimento de centenas de bilhões de reais”, diz ele em entrevista à DW.

DW: As tragédias recentes que vimos no Brasil, como a enchente em Santa Catarina no fim de 2023, a seca extrema na Amazônia e a catástrofe recente do Rio Grande do Sul estão de alguma forma interconectadas? Quais relações a ciência consegue traçar?

Carlos Nobre: Essas tragédias têm uma interconexão, sem dúvida. Começando pela bacia do rio Taquari, no centro-norte do Rio Grande do Sul: ela registrou o maior recorde de chuvas e inundações em setembro de 2023. Ali, houve uma relação direta com o El Niño, que estava se desenvolvendo, provocado pelo aquecimento acima do normal no Oceano Pacífico Equatorial.

O El Niño induz uma seca na Amazônia e um aumento da velocidade do jato subtropical, que passa sobre o Uruguai, Paraguai, centro-leste da Argentina e Sul do Brasil. Quando o vento desse jato fica mais forte, a uma altura de 10 a 15 quilômetros, ele faz com que as frentes frias parem ali. Chove muito. O El Niño faz com que esse jato subtropical forte induza chuvas muito fortes no Sul do país.

Essa chuva extrema que vimos semana passada no Rio Grande do Sul, que chegou até o sul de Santa Catarina, é um fenômeno meteorológico um pouco diferente. É um sistema de ondas de todo o Hemisfério Sul entre a região subpolar e as latitudes subtropicais. Esse sistema na última semana estava quase que estacionário, o que a gente chama de bloqueio atmosférico. Havia esse sistema de baixa pressão ao sul e outro de altíssima pressão ao norte. Quando tem um bloqueio de alta pressão, o ar fica mais quente e impede a formação de nuvens. Como está muito quente, cria esta onda de calor, ou domo de calor. No sul, a baixa pressão traz as frentes frias, que ficam estacionadas porque há este sistema de bloqueio.

O El Niño já está numa fase de perder força, o jato subtropical já não está muito forte. Mas, sim, tudo isso tem a ver com o aquecimento global. Os oceanos bateram todos os recordes de aquecimento da história desse o último período interglacial, ou seja, dos últimos 125 mil anos. E quando o oceano está muito quente, evapora muita água e essa água é a fonte de energia para todos os sistema de chuva e indução de áreas de seca. O El Niño existe há milhões de anos, sempre induziu chuvas fortes no Sul, mas bateu-se o recorde agora.

Carlos Nobre

As previsões climáticas feitas anos atrás previam mais chuvas extremas para o Sul do Brasil. Elas estão acertando?

Os modelos matemáticos climáticos rodados há muitos anos já previam. Os modelos com aquecimento global mostram um aumento da chuva anual no Sul do Brasil. Um aumento de 10% a 20%.

O que chama a atenção é que isso está acontecendo de forma muito mais antecipada. Se a gente pegar o relatório do IPCC [Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas] de 2007, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz, eu estava inclusive entre os autores, ele indicava que este tipo de fenômeno poderia acontecer por volta de 2030, 2040. Mas eles [fenômenos dos eventos climáticos extremos] já se anteciparam muito.

No ano passado atingimos o recorde de aquecimento, a temperatura média global já subiu 1,5° C mais quente que o período pré-industrial. Este ano continua quente. A temperatura média do planeta em fevereiro e março de 2024 já bateu 1,56°C mais quente, é o recorde histórico.

Os modelos indicavam que quando a gente atingisse 1,5°C nós já deveríamos já esperar fenômenos muito extremos de chuvas muito intensas e prolongadas como vimos no Rio Grande do Sul.

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Leia a entrevista completa, sem barreiras, na DW.

Rio Grande do Sul ainda vai viver muitos eventos extremos, dizem cientistas do IPCC

Em um relatório publicado em 2023, os especialistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) apontaram pela primeira vez uma relação entre as fortes precipitações observadas na região que engloba o Rio Grande do Sul desde a década de 1950 e as alterações climáticas provocadas pela ação humana.

Segundo a pesquisadora Thelma Krug, vice-presidente do órgão entre 2015 e julho de 2023, a constatação é apenas reforçada pelas fortes chuvas e a subsequente tragédia que afeta o Estado Desde a semana passada.

Os últimos eventos “de certa forma confirmam algo que estamos dizendo há tempos: que, para além das variabilidades naturais que levam aos eventos extremos, existe uma contribuição ou influência humana”, afirma a matemática, que hoje atua como presidente do Comitê de Direção do Sistema Global de Observação do Clima, à BBC News Brasil.

Ainda segundo Krug, apesar da chamada ciência da atribuição climática – que estuda o impacto da atividade humana na probabilidade de ocorrência de fenômenos específicos – ser ainda muito nova, as relações respaldadas pelo IPCC indicam que fortes precipitações como as observadas atualmente podem se tornar mais recorrentes.

“Infelizmente, acredito que há uma probabilidade muito grande de que esses eventos voltem a ocorrer de uma forma mais frequente e intensa”, diz.

O IPCC é um grupo de cientistas definido pelas Nações Unidas que monitora e avalia a ciência relacionada às mudanças climáticas.

Em seu relatório, o IPCC aponta a contribuição humana para o aumento das chuvas na região chamada de Sudeste da América do Sul (SES), que engloba não apenas o Rio Grande do Sul, mas também outros Estado da região sul do Brasil e algumas áreas de nações como Argentina e Uruguai.

A SES é a única que engloba o Brasil onde o IPCC detectou evidências de fortes precipitações relacionadas à ação humana.

O painel classifica sua conclusão como de “baixa confiança”, mas segundo Krug esse é o maior nível de evidência disponível atualmente para a região devido à dificuldade dos cálculos envolvidos.

[A Acadêmica] Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília (UnB) e colaboradora de alguns dos relatórios do IPCC, também vê fortes indícios da influência das mudanças climáticas provocadas pelas atividades antrópicas nas chuvas que provocaram 83 mortes e afetaram 345 dos 497 municípios gaúchos.

Segundo a ecologista, membra da Academia Brasileira de Ciências (ABC), o Rio Grande do Sul sempre foi o ponto de encontro de sistemas tropicais e sistemas polares, o que cria um padrão que inclui períodos de chuvas intensas e outros de seca.

E a tendência é que essa alternância continue se repetindo, mas com cada vez mais intensidade.

“Essa é uma região onde vamos viver muito mais extremos, segundo os modelos climáticos”, diz a especialista.

Transformação dos Biomas

As fortes chuvas que atingem o Rio Grande do Sul atualmente podem ser explicadas por uma conjunção de fatores de risco, entre eles uma massa de ar quente sobre a área central do país, que bloqueia a frente fria que está na região Sul e faz com que a instabilidade fique sobre o Estado, causando chuvas intensas e contínuas.

Aliado a isso, o período entre o final de abril e o início de maio de 2024 ainda tem influência do fenômeno El Niño, responsável por aquecer as águas do Oceano Pacífico, contribuindo também para que áreas de instabilidade fiquem sobre o Estado.

Essa combinação de diversos fatores de uma única vez é considerada rara pelos especialistas.

No entanto, segundo Mercedes Bustamante, a maior frequência desses “riscos compostos” é apontada na compilação de dados sobre mudança climática do IPCC.

“Há uma convergência de variáveis diferentes que atuam em sinergia e ampliam esse fator de risco”, diz. “Muitas das discussões sobre preparação se referiam a riscos de forma isolada, mas precisamos olhar para os efeitos em cascata e os riscos de forma integrada.”

Bustamante explica que o desmatamento em larga escala do Cerrado nas últimas décadas aumentou a temperatura superficial e reduziu a quantidade de evapotranspiração, ou a devolução da água à atmosfera, na região central do país.

Com menos retorno de umidade, a atmosfera fica mais quente e seca. Em convergência com o El Niño, é essa massa de ar quente que está bloqueando e mantendo a área de instabilidade sobre o Rio Grande do Sul.

“Há um fenômeno regional, que é o El Niño, mas também uma questão associada à transformação dos nossos biomas”, diz.

Ao mesmo tempo, essa mesma massa de ar quente bloqueia os chamados ‘rios voadores’ da Amazônia, uma espécie de curso d’água invisível que circula pela atmosfera. Trata-se da umidade gerada pela Amazônia e que se dispersa por todo o continente sul-americano.

Se esse curso d’água encontrasse um ambiente menos seco na região central do Brasil, parte dele precipitaria ali. Mas nas circunstâncias atuais a umidade é obrigada a desviar pelas bordas da massa quente e úmida, de forma que esbarra nos Andes e é canalizada para o sul do país.

“Tivemos frentes frias que não conseguem ‘subir’ e massas de ar úmido que não conseguem se distribuir para o Brasil central e ‘vazam’ pelos lados”, resume.

Segundo a pesquisadora, esse contexto tornou as chuvas registradas na última semana mais extremas e disseminadas do que as que abateram o Rio Grande do Sul em setembro de 2023.

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Leia a reportagem completa, sem barreiras, no site da BBC News Brasil.

Mudanças climáticas e o novo anormal

*Texto originalmente publicado no portal Sul 21.

O aquecimento da Terra por efeitos antropocêntricos não gera um padrão único de mudanças climáticas. São anomalias que combinadas a fatores locais criam comportamentos de intensidade não observados anteriormente.  A região central do Brasil encontra-se com a atuação de um bloqueio atmosférico, este impede o deslocamento de sistemas frontais, os quais ficam aprisionados na região sul, causando as chamadas frentes estacionárias, que tem como consequência a ocorrência de chuvas intensas e tempestades mais severas.

A novidade na equação anual do clima riograndense é o excesso de vapor vindo da região sudoeste (rios voadores) e o oceano mais quente. Parte deste comportamento tem autoria do El Niño, mas a parte mais substantiva vem do Atlântico mais quente que é um efeito do aquecimento global. A frequência destas chuvas excepcionais demonstram que efeitos extremos são um novo normal. Estas anomalias, no entanto, podem ocorrer não somente sob a forma de chuvas, vendavais e ciclones, mas igualmente secas.

Desastres farão parte da realidade do Rio Grande do Sul. Enfrentá-los requer uma combinação de ciência e administração pública. Conforme a Organização Meteorológica Mundial os Serviços Climáticos (SC) baseiam-se nos resultados da previsão meteorológica e, mais importante, na adaptação desta previsão para as ameaças decorrentes do tempo, e do clima, com o fornecimento de alertas de riscos a setores de hidrologia, agricultura, desastres naturais, aviação, navegação, energia, saúde e muitos outros.  Em síntese, SC não é meramente uma previsão de tempo e de clima e sim uma rede de instituições trabalhando em parceria para minimizar os riscos que a população vem enfrentando.

Isto significa inclusive preparar a população através do ensino nas escolas. 

Temos a necessidade urgente de organizar os diferentes setores da sociedade para formar uma rede unificada entre as diferentes instituições que de forma conjunta possam auxiliar os órgãos governamentais e privados, e aos cidadãos de forma geral, para o planejamento aos riscos decorrentes de eventos extremos de tempo e de clima, associados ou não com mudanças climáticas, bem como se preparar para tomada adequada de ações. 

A intervenção institucional e articulada da UFRGS nesse cenário é crucial. Uma das maiores universidades públicas do Brasil não pode ficar inerte frente a um quadro tão grave. Seja por meio de ações de apoio e suporte a socorro emergencial, ou por meio de ações continuadas de pesquisa e extensão que possam gerar dados e subsídios para decisões e políticas públicas de reversão ou mitigação do quadro de mudanças climáticas. Há no tecido da universidade iniciativas que atuam nessa direção, mas elas precisam ser direcionadas por uma orientação estratégica central, com apoio e articulação institucional que as potencialize e as direcione para as questões emergenciais, sob pena de não realizarem toda sua potência de incidência sobre o quadro que vivemos.

O estabelecimento de um Programa de Serviços Climáticos é estratégico para o estado e temos certeza que tanto a UFRGS como as demais Universidades públicas e privadas do RS certamente seriam parceiras para uma iniciativa como esta. O excepcional é o novo anormal.

Márcia Cristina Bernardes Barbosa, Professora titular do Instituto de Física

Pedro de Almeida Costa, professor associado da Escola de Administração

Rita de Cássia Marques Alves, professora do Instituto de Geociências e PPG de sensoriamento remoto

Leia o artigo na Sul 21.

Morreu o Acadêmico David John Randall

David Randall era professor distinguido do Departamento de Ciências Atmosféricas da Universidade Estadual do Colorado. Obteve seu doutorado em Ciências Atmosféricas, pela Universidade da Califórnia, Los Angeles. O mestrado e a graduação ele cursou na Universidade Estadual de Ohio, Columbus em Engenharia Aeronáutica e Astronáutica.

O Professor Randall ingressou no Departamento de Ciências Atmosféricas da CSU em 1988. Antes de sua chegada, ele ocupou cargos no Instituto de Tecnologia de Massachusetts e na NASA.

Como professor, Randall gostava de ministrar disciplinas relacionadas a modelagem numérica da atmosfera, dinâmica atmosférica, camada limite atmosférica, convecção e clima. Como pesquisador, tinha interesse no estudo de nuvens e clima, dinâmica climática, parametrização de nuvens e métodos numéricos. Seus projetos em andamento incluíam o desenvolvimento de métodos de parametrização de nuvens aprimorados, experimentos numéricos para determinar o papel das nuvens na manutenção do clima atual e uma investigação sobre o papel das nuvens na dinâmica climática.

O porf. Adalberto Val, vice-presidente da ABC para a região Norte comentou sobre essa perda: “Um homem excepcional, um cientista singular, um professor atento. Contribuiu como ninguém com a fisiologia comparada. Chefiou a expedição Alpha Helix à Amazônia em 1976. Minha vida profissional representa muito do que aprendi com Dave.”

Dave Randall fazendo uma palestra a bordo de um barco em Manaus, na ocasião em que recebeu o diploma de membro correspondente da ABC. Observem a projeção ao fundo.

 

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