O desenvolvimento sustentável da região amazônica norteou os debates na 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (76ª SBPC), realizada entre os dias 7 e 13 de julho na Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém. Na tarde do dia 12, o tema foi abordado em sessões com a participação de membros da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e outros pesquisadores proeminentes na área sócio-ambiental.

O Fundo Amazônia e a Ciência

Defensor de longa data de maiores investimentos na região, o biólogo e vice-presidente da ABC para a Região Norte, Adalberto Val, reforçou que os valores atuais não correspondem nem aos 9% do PIB nacional produzidos na Amazônia. “O bioma amazônico é do tamanho dos Estados Unidos, quantas universidades existem por lá? Precisamos pensar a Amazônia na escala correta”, apontou.

A floresta é um mosaico de regiões menores muito distintas entre si, com biodiversidades complexas cujas diferenças precisam ser consideradas em qualquer programa de conservação ou restauração. Além disso, é um ambiente social muito diverso, e isso precisa aparecer nas discussões. “Precisamos parar de discutir clima, biodiversidade e sociedade de forma separada. Ações ambientais só são maximizadas quando consideram o social”, insistiu Val.

Uma importante fonte de fomento ao desenvolvimento sustentável do bioma é o Fundo Amazônia, uma iniciativa internacional onde países aportam recursos para a região. O fundo foi suspenso entre 2019 e 2022 devido à forma como o governo brasileiro tratou a questão ambiental, mas foi retomado em 2023 com novos investimentos. Para Val, entretanto, o Fundo Amazônia ainda financia pouca produção científica. “Não adianta considerar cenário dos países desenvolvidos, precisamos usar as informações que temos aqui. Na Amazônia não dá para importar ciência”, alertou o Acadêmico.

A socióloga Edna Maria Ramos de Castro, professora da UFPA e especialista em sociologia ambiental, criticou ainda não haver um edital do Fundo Amazônia específico para a ciência. “As dinâmicas que vivemos hoje estavam apontadas nas pesquisas há 40 anos. Modelamos o desmatamento que iria ocorrer com a BR 163 Cuiabá-Santarém, modelamos o avanço para o Sul do Pará, está tudo publicado”, lembrou.

Mesa redonda “FUNDO AMAZÔNIA E A ESTRATÉGIA DE DESMATAMENTO ZERO EM 2030”: Adalberto Val, Edna Castro e Francisco Assis Mendonça (Foto: reprodução SBPC)

A sociobioeconomia que queremos

O conceito de bioeconomia se tornou um jargão entre pesquisadores e demais atores envolvidos na busca por um futuro sustentável para a Amazônia. Trata-se da transição da economia regional para novas bases, que podem, inclusive, ser mais rentáveis que o modelo predatório atual. A inclusão das populações locais nesse processo é tão fundamental que já se fala em um novo termo, sociobioeconomia, para explicitar ainda mais esse ponto.

Reconhecendo a importância que os termos têm na formação de discursos favoráveis à sustentabilidade, é mais importante entender do que se trata essa sociobioeconomia. Produtos florestais como o açaí, o cacau, a castanha e os diversos peixes amazônicos – que já são muito difundidos na cultura local – podem e devem conquistar o mercado nacional e internacional, gerando renda para a região. O mesmo ocorre com o ecoturismo. Mas tudo isso precisa ser feito de forma sustentável. Segundo o climatologista e Acadêmico Carlos Nobre, existem em toda a Amazônia cerca de 170 iniciativas regionais nesse sentido, o que ainda é muito pouco.

De acordo com o economista Francisco de Assis Costa, as formas de produção “bioeconômicas” dividem-se em dois grupos: extrativismo não-intensivo e agroflorestas. O açaí, por exemplo, está nesse segundo grupo e já movimenta recursos na casa dos bilhões de reais, a maior parte para o mercado regional e nacional. “Precisamos fugir da commoditiezação, da generalização do produto, e valorizar a diversidade e as especificidades locais. Para isso precisaremos de inovação em toda a cadeia produtiva”, explicou.

Edna Castro vai na mesma linha, afirmando que a Amazônia é insustentável como produtora de commodities. “O que ocorre com o açaí hoje é um processo que ganha magnitude a partir de uma base de pequenos produtores. Se essa produção se tornar empresarial, passará a funcionar na lógica do mercado global, produzindo numa escala acima e se tornando insustentável”, avaliou.

A bióloga da Embrapa e especialista em agroflorestas Joice Ferreira, destacou que a rentabilidade por hectare dos produtos da bioeconomia é três vezes maior que a da soja e dez vezes maior que a da pecuária. “Ainda assim, o cenário atual é de commoditiezação, o que só leva a baixos indicadores sociais e desigualdades”, lamentou.

Mesa-redonda “CAMINHOS PARA AFASTAR A AMAZÔNIA DO PONTO DE NÃO-RETORNO COM UMA NOVA SOCIOBIOECONOMIA”: Harley Silva, Francisco de Assis Costa, Joice Ferreira e Carlos Nobre (Foto: UFPA)

Assista às mesas-redondas:

CAMINHOS PARA AFASTAR A AMAZÔNIA DO PONTO DE NÃO-RETORNO COM UMA NOVA SOCIOBIOECONOMIA

FUNDO AMAZÔNIA E A ESTRATÉGIA DE DESMATAMENTO ZERO EM 2030 (a imagem de capa do vídeo a seguir não corresponde à sessão correta)