Inteligências Artificiais já foram capazes de vencer o campeão humano de xadrez e de passar em concursos de universidades de ponta, mas são capazes de contar histórias melhor do que nós?
Um recente estudo mostrou que não. Pesquisadores espanhóis pediram que o premiado romancista argentino Patricio Pron e o ChatGPT-4 escrevessem histórias curtas sobre os mesmos temas. Em seguida, eles compararam os resultados com base na opinião de centenas de críticos literários. O desafio, que foi chamado de “Pron vs Prompt”, mostrou que as máquinas ainda estão longe de vencer o talento humano quando o assunto é criatividade.
Esse exemplo foi trazido pelo Acadêmico Edmundo de Souza e Silva durante mesa-redonda na 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). “São essencialmente máquinas de estatística, com uma capacidade imensa de entender padrões, mas elas estão limitadas à sua base de dados, não vão criar nada”, afirmou o cientista da computação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O que está ocorrendo nessa revolução de IA é que as bases de dados se tornaram imensas, para além até da nossa capacidade de curadoria. Aliadas a um poder de processamento cada vez maior, surgiram máquinas com capacidade de dominar a linguagem natural (inglês, português, etc…) para muito além do que os especialistas imaginavam ser possível. “Muitos imaginavam que quando as máquinas dominassem a linguagem natural seriam verdadeiramente inteligentes. Pois bem, está acontecendo”, refletiu o Acadêmico Osvaldo Novais Jr, professor da Física da USP e especializado em linguística computacional.
Por isso, embora ainda longe de dominarem a atividade criativa nas artes, as IA já estão perto de dominar outro ramo da cultura: a ciência. “Creio que estamos nos aproximando de um novo paradigma científico, segundo o qual a própria máquina vai gerar conhecimento. Essa será a maior de todas as revoluções tecnológicas, pois não precisará mais do humano no processo”, afirmou Novais.
Para essa nova era, o pesquisador afirma que cabe à sociedade humana se preparar. “Teremos as supermáquinas, a difusão de assistentes virtuais inteligentes, mudanças grandes no mercado de trabalho. Precisamos preparar a sociedade, ensinar as pessoas a usá-las e criar mecanismos de seguridade para mitigar a perda de ocupações”, afirmou.
Os riscos são muitos e foram abordados pela Acadêmica Teresa Ludermir, professora de IA da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Começando pelo Brasil, ela acredita que a maior dificuldade seja a formação e a manutenção de especialistas nacionais, já que empresas e instituições de países ricos conseguem oferecer salários muito mais competitivos. “O rio só corre pro mar. Países com mais dinheiro investem em melhores sistemas, melhores usos, melhores profissionais, acelerando a desigualdade”, disse.
Por isso, IA é um tema de soberania nacional e tem implicações políticas graves. Além de ser um instrumento poderoso para a criação de notícias falsas, a forma como algoritmos de recomendação em redes sociais atuam leva seus usuários para os extremos. Edmundo alertou que é preciso cobrar transparência e controle pessoal sobre os algoritmos. A transparência, aliás, deve ser um dos pilares da ética em IA, junto com a explicabilidade dos modelos, o consentimento dos usuários, o benefício aos humanos e a justiça. “O problema é que sabemos o que fazer, mas não como fazer”, refletiu Teresa Ludermir.
Mas ao tratar de regulação é preciso ter cuidado. Edmundo e Osvaldo são receosos quanto a uma regulação da pesquisa. “A regulação deve ser no produto final. Regular o desenvolvimento é inócuo, já que os outros países continuarão criando e isso chegará aqui. Regular no final é mais fácil e não atrasa o desenvolvimento”, refletiu Osvaldo.
A Academia Brasileira de Ciências lançou recentemente um documento com recomendações para políticas de pesquisa em IA. Acesse aqui.
Assista à mesa redonda: