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ABC na SBPC | Inteligência Artificial não faz literatura, mas pode fazer ciência

Inteligências Artificiais já foram capazes de vencer o campeão humano de xadrez e de passar em concursos de universidades de ponta, mas são capazes de contar histórias melhor do que nós?

Um recente estudo mostrou que não. Pesquisadores espanhóis pediram que o premiado romancista argentino Patricio Pron e o ChatGPT-4 escrevessem histórias curtas sobre os mesmos temas. Em seguida, eles compararam os resultados com base na opinião de centenas de críticos literários. O desafio, que foi chamado de “Pron vs Prompt”, mostrou que as máquinas ainda estão longe de vencer o talento humano quando o assunto é criatividade.

Esse exemplo foi trazido pelo Acadêmico Edmundo de Souza e Silva durante mesa-redonda na 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). “São essencialmente máquinas de estatística, com uma capacidade imensa de entender padrões, mas elas estão limitadas à sua base de dados, não vão criar nada”, afirmou o cientista da computação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O que está ocorrendo nessa revolução de IA é que as bases de dados se tornaram imensas, para além até da nossa capacidade de curadoria. Aliadas a um poder de processamento cada vez maior, surgiram máquinas com capacidade de dominar a linguagem natural (inglês, português, etc…) para muito além do que os especialistas imaginavam ser possível. “Muitos imaginavam que quando as máquinas dominassem a linguagem natural seriam verdadeiramente inteligentes. Pois bem, está acontecendo”, refletiu o Acadêmico Osvaldo Novais Jr, professor da Física da USP e especializado em linguística computacional.

Por isso, embora ainda longe de dominarem a atividade criativa nas artes, as IA já estão perto de dominar outro ramo da cultura: a ciência. “Creio que estamos nos aproximando de um novo paradigma científico, segundo o qual a própria máquina vai gerar conhecimento. Essa será a maior de todas as revoluções tecnológicas, pois não precisará mais do humano no processo”, afirmou Novais.

Para essa nova era, o pesquisador afirma que cabe à sociedade humana se preparar. “Teremos as supermáquinas, a difusão de assistentes virtuais inteligentes, mudanças grandes no mercado de trabalho. Precisamos preparar a sociedade, ensinar as pessoas a usá-las e criar mecanismos de seguridade para mitigar a perda de ocupações”, afirmou.

Osvaldo Novais Jr, Edmundo de Souza e Teresa Ludermir

Os riscos são muitos e foram abordados pela Acadêmica Teresa Ludermir, professora de IA da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Começando pelo Brasil, ela acredita que a maior dificuldade seja a formação e a manutenção de especialistas nacionais, já que empresas e instituições de países ricos conseguem oferecer salários muito mais competitivos. “O rio só corre pro mar. Países com mais dinheiro investem em melhores sistemas, melhores usos, melhores profissionais, acelerando a desigualdade”, disse.

Por isso, IA é um tema de soberania nacional e tem implicações políticas graves. Além de ser um instrumento poderoso para a criação de notícias falsas, a forma como algoritmos de recomendação em redes sociais atuam leva seus usuários para os extremos. Edmundo alertou que é preciso cobrar transparência e controle pessoal sobre os algoritmos. A transparência, aliás, deve ser um dos pilares da ética em IA, junto com a explicabilidade dos modelos, o consentimento dos usuários, o benefício aos humanos e a justiça. “O problema é que sabemos o que fazer, mas não como fazer”, refletiu Teresa Ludermir.

Mas ao tratar de regulação é preciso ter cuidado. Edmundo e Osvaldo são receosos quanto a uma regulação da pesquisa. “A regulação deve ser no produto final. Regular o desenvolvimento é inócuo, já que os outros países continuarão criando e isso chegará aqui. Regular no final é mais fácil e não atrasa o desenvolvimento”, refletiu Osvaldo.


A Academia Brasileira de Ciências lançou recentemente um documento com recomendações para políticas de pesquisa em IA. Acesse aqui.


Assista à mesa redonda:

ABC na SBPC | Yvonne Mascarenhas: Prêmio Carolina Bori 2024 nas Engenharias

A 76a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência recebeu, em 11 de julho, a Acadêmica Yvonne Mascarenhas, ganhadora do prêmio Carolina Bori Ciência e Mulher 2024. Aos 92 anos, com sua elegância e delicadeza características,  a física e química foi a Belém apresentar sua palestra em agradecimento ao recebimento do prêmio oferecido pela SBPC.

Inovadora e pioneira em sua carreira, a Acadêmica Yvonne Mascarenhas foi apelidada na comunidade científica de Rainha da Cristalografia, área da ciência aplicada a proteínas, novos fármacos e doenças negligenciadas, sua área de atuação. Fundou, em 1971, a Sociedade Brasileira de Cristalografia, sediada em São Carlos desde então, que mais tarde passou a se chamar Associação Brasileira de Cristalografia (ABCr). Yvonne presidiu a entidade em diversas ocasiões, mesmo depois de aposentada. Saiba mais sobre a brilhante carreira da premiada.

Em vez de falar sobre si e sua carreira, Yvonne apresentou dados para embasar sua avaliação sobre a busca e as perspectivas do desenvolvimento científico, tecnológico e social do Brasil. Dando sua visão sobre o tema, Yvonne destacou que o Brasil precisa investir na indústria, especialmente passando a produzir aquilo que mais importa de outros países. Ela avalia que a indústria precisa atuar em estreita colaboração com a ciência, absorvendo novas tecnologia. “Temos capacidade instalada para  desenvolver bioinsumos para o agronegócio, de modo a preservar a qualidade do solo, da água e a biodiversidade. Precisamos fazer inseticidas menos tóxicos, p produzir insumos farmacêuticos… e desenvolver legislação adequada e fazer um controle rigoroso.

“Sabemos que o país é agro. Temos os melhores resultados nessa área. Temos sucesso com as bactérias fixadoras de nitrogênio em plantações, sistema descoberto e desenvolvido inicialmente pela pesquisadora brasileira Johanna Dobereiner”. Ela foi vice-presidente da ABC em 1995. Segundo Yvonne, o produto atende completamente à produção de soja, destaque nas exportações brasileiras. “As pesquisas de Johanna tiveram continuidade na Embrapa, com a busca de microrganismos que façam o mesmo papel em outras plantações, como arroz e trigo.”

Referindo-se ao manejo integrado de pragas, prática que evita o uso de pesticidas, Yvonne diz que o país também está obtendo bons resultados nessa área, resultados estes que mostram claramente o valor das unidades de pesquisa do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, dos laboratórios científicos e das agências de fomento. “Estamos tendo algum sucesso, ainda, no incentivo ao empreendedorismo em ciência e tecnologia através de programas de pesquisa junto às empresas, para melhorar seus produtos e processos de gestão”, apontou.

Ela acha fundamental que a população tenha confiança na capacidade nacional de pesquisa, nos institutos de pesquisa, nas universidades, e  que os governos passem a investir cada vez mais na formação em recursos humanos. “Temos instituições de ponta, com produção científica considerável, com um desenvolvimento ágil… e por que não conseguimos deslanchar? Por que continuamos usuários do desenvolvimento científico dos outros países e não protagonistas?”

Para Yvonne, o “brain drain” está aí comprovando a qualidade da formação de nossos pesquisadores.  “A falta de oportunidades aqui está fazendo com que muitos dos nossos melhores cientistas estejam sendo atraídos para instituições com infraestrutura e recursos de países mais avançados. “É preciso ter segurança aos empreendimentos. Os investimentos têm que ser de médio e longo prazo.”

Educação, educação e educação

Porém, a luta contra o pior inimigo do país é longa e ainda é a mesma: a pobreza. Porque, na visão de Yvonne Mascarenhas, a base de toda a inovação e desenvolvimento científico é composta de pessoas devidamente qualificadas. “Tudo é questão de educação. Mas a pobreza dificulta muito, quando não impede, que as pessoas estudem”.

Desde 2010, Yvonne se dedica a divulgação científica no ensino básico, procurando contribuir nessa área tão carente. “É nessa fase que precisa ser estimulado o interesse pelo conhecimento”, afirmou. A situação dos estudantes brasileiros nesse segmento, no entanto, não é nada boa. Os indicadores de analfabetismo funcional no Brasil mostram que o segmento da população considerado de fato proficiente é bastante restrito. “E o mercado exige cada vez mais capacidade técnica”, alertou.

Para o desenvolvimento do país é fundamental, ao seu ver, o aperfeiçoamento do ensino básico público, sem descontinuidade, com um plano de desenvolvimento com políticas públicas de Estado. “A educação precisa atingir a população mais pobre do país. As políticas para esse segmento têm que ser amplas e urgentes e devem considerar a diversidade regional”, ressaltou.

Mas onde estão os professores para esse ensino básico? É preciso qualificar a população, mas a formação inicial para uma ciência inclusiva está nas mãos de pessoas com menos formação acadêmica. Para Yvonne, é necessário valorizar o professor com salário e reconhecimento social. “Muita gente fala mal do professor público, eu não. Em qualquer área existem profissionais bons e ruins. Encontrei muitos professores bons, dedicados. E alunos também. Vi diretoras de escolas lutando pessoalmente contra a evasão, indo nas casas dos estudantes para trazê-los de volta para a escola”, pontuou.

Ela contou que o que melhorou os resultados dos estudantes em São Paulo, desde 2007, foi o programa “Vem pra USP”, uma parceria da Universidade de São Paulo com a Secretaria de Educação do Estado. O programa envolve ações para incentivar o acesso de estudantes dos 1º, 2º e 3º anos do ensino médio da rede pública de ensino aos cursos de graduação da  universidade, além de aproximar os professores do ensino médio da USP e contribuir na formação dos jovens como cidadãos. “Eles participam da Competição USP de Conhecimentos. Através de uma plataforma, os estudantes podem se inscrever e os três melhores de cada escola ganham como prêmio a isenção da taxa de inscrição do Enem”, explicou Yvonne. Saiba mais sobre o programa

Enfim, Yvonne reforçou sua premissa inicial: a maioria dos estudantes e professores tem um problema em comum: a pobreza. “Essa é a raiz de todo mal. As políticas de assistência têm que ter mais efetividade. Conforme dizia Paulo Freire, a educação não resolve todos os problemas, mas sem ela não se resolve nenhum”.


Assista ao vídeo produzido pela SBPC sobre a Acadêmica Yvonne Mascarenhas por ocasião da premiação!

ABC na SBPC | Burocracia é um dos maiores entraves da ciência brasileira

Imagine-se na seguinte situação: você é um cientista e precisa importar um equipamento usando verbas já aprovadas para o seu projeto. Parece coisa simples, não é? No entanto, para fazer isso, precisará arranjar 117 documentos e ainda traduzir os que não estiverem em português. Além disso, para pagar pelo equipamento, você precisará ir presencialmente ao banco e, dependendo do preço, pode ter que repetir isso três ou quatro vezes, pois existe um limite diário de transferência. E, é claro, em meio a tudo isso você ainda precisa arranjar tempo para trabalhar – e, de preferência, fazendo pesquisas inovadoras e disruptivas.

O Acadêmico Aldo Zarbin | Foto: Jardel Rodrigues/SBPC

Pode parecer absurdo, mas essas situações aconteceram com o químico Aldo Zarbin, membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Zarbin está longe de ser uma exceção. Estima-se que, em média, pesquisadores brasileiros precisem gastar metade de seu tempo de trabalho com atividades burocráticas. Todo esse tempo deveria estar sendo dedicado à pesquisa.

Ricardo Galvão, Jorge Audy, Paulo Artaxo, Aldo Zarbin e Fernando Peregrino | Foto: Jardel Rodrigues/SBPC

Para discutir essa freio à ciência nacional, a 76ª Reunião Nacional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência organizou uma mesa-redonda com Aldo Zarbin, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR); Ricardo Galvão, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); Fernando Peregrino, chefe de gabinete da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e Jorge Audy, superintendente de Inovação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). A mesa foi idealizada e seria coordenada pela presidente da ABC, que não pôde ir por questões pessoais. Ocupou seu lugar o também Acadêmico Paulo Artaxo, vice-presidente da SBPC.

O excesso de burocracia afasta o setor privado

Por ser um problema tão comum, a mesa-redonda logo se tornou uma grande reunião de apoio em que cada participante contava histórias sobre as formas mais inacreditáveis com que a burocracia já atrasou suas vidas. Todos reconheceram a importância de ferramentas de controle; o problema é que, no caso do Brasil, boa parte das normas, leis e requerimentos já deixaram de fazer sentido. “O pior é que, quando fazemos essas requisições, geralmente é tudo aprovado. É muito difícil que realmente barrem algo. É só para gastar o tempo”, refletiu Jorge Audy.

Sobre a prestação de contas dos projetos, o pesquisador criticou o foco nos meios e não nos fins. “Todo o interesse das instâncias de controle é a atividade meio, o que comprou, com qual tipo de verba. Depois que o projeto acaba, se ele não deu resultado nenhum, não importa, não se cobra, ninguém fica sabendo. O foco está no lugar errado”.

Audy é superintendente de inovação da PUC-RS e está em contato contínuo com o setor privado. Para ele, explicar as amarras da pesquisa para um empresário é difícil e constrangedor. “Para empresários isso é inexplicável, ficam horrorizados. Nunca nenhuma empresa me perguntou como eu usei o dinheiro, apenas se atingi o resultado. O excesso de burocracia afasta o setor privado”.

Risco zero é mortal para a ciência

Parte da burocracia não está escrita em lei, mas se deve a normas e protocolos criados pelas próprias instituições. Ricardo Galvão, presidente do CNPq, pediu atenção para essa distinção, pois significa que muita burocracia é criada pelos próprios pesquisadores quando assumem cargos de gestão. “Sou cético quanto à mudanças radicais, acho que precisamos avaliar caso a caso e entender o que é fácil de mudar dentro das próprias instituições. Há muita diferença entre elas”, alertou.

Contudo, grande parte do problema está escrito em lei, ou melhor, se deve a interpretações excessivamente restritivas das leis existentes. Os departamentos jurídicos dos institutos obedecem a uma lógica de risco zero. “É mentira que quanto mais regulação, mais eficiência. O que temos hoje são gestores com medo. Risco zero na inovação não existe, é mortal para a ciência”.

Os debatedores defenderam o Marco Legal de CT&I, mas afirmaram que sua aplicação ainda depende de pareceres restritivos de procuradores da Advocacia Geral da União (AGU). “A própria Controladoria Geral da União (CGU) lançou um relatório recente criticando as interpretações da AGU. Isso impede que o Marco Legal seja usado como deveria”, afirmou Galvão.

O modelo ideal

O Acadêmico Aldo Zarbin trouxe um estudo recente que comparou institutos e departamentos com três ou mais prêmios Nobel. “Os autores mostraram que há muito em comum entre eles. Esses departamentos se organizam de modo que seus cientistas se concentrem somente na ciência, através de uma gestão de apoio eficaz, comunicativa e com compreensão dos processos científicos. É o completo oposto do que temos”, concluiu.

Assista à mesa-redonda:

ABC na SBPC | Mesa-redonda reúne os presidentes das três principais agências federais de fomento

No dia 8 de julho, uma conferência na 76ª Reunião Anual SBPC, intitulada “Ciência e Inovação: 18 meses passados e o porvir”, reuniu os presidentes das principais agências de fomento federais: Denise Pires de Carvalho, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Ricardo Galvão, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Celso Pansera, da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

Odir Dellagostin (Confap), Denise Pires de Carvalho (Capes), Renato Janine Ribeiro (SBPC), Ricardo Galvão (CNPq),  Vinicius Soares (ANPG) e Celso Pansera (Finep) | Foto: Jardel Rodrigues/SBPC

Interiorização da pós-graduação

A Acadêmica Denise Pires de Carvalho fez um panorama da interiorização da ciência brasileira. Nas últimas duas décadas, se intensificou a chegada de institutos de qualidade nas regiões mais afastadas do eixo Sul – Sudeste. Entretanto, as assimetrias persistem, e as regiões Norte e Nordeste ainda têm uma menor proporção de mestres e doutores do que a média nacional. “Por isso, o atual governo tem como política sempre destinar em torno de um terço dos recursos de seus programas para essas regiões”.

Para tanto, a presidente da Capes afirma ser crucial o trabalho conjunto das agências federais com as fundações de amparo à pesquisa estaduais (FAPs), pois elas conhecem as necessidades regionais e têm maior capilaridade no interior de cada estado. “Temos o exemplo do Programa de Incentivo à Pesquisa no Centro-Oeste, em que as FAPs apresentam propostas reunindo programas de pós-graduação de seus estados em torno de eixos prioritários definidos”, relatou Denise.

Número de pós-graduandos e inserção no setor privado

A média de mestres e doutores na população brasileira ainda é três vezes menor que a dos países desenvolvidos. Essa diferença é, ao mesmo tempo, um diagnóstico e uma causa do subdesenvolvimento do país. “Ainda há maior empregabilidade entre mestres e doutores, com maiores salários. Portanto, o ensino superior precisa ser alavancado como forma de combate à desigualdade social”, definiu a presidente da Capes

Para o também Acadêmico Ricardo Galvão, entretanto, é preciso fazer uma importante distinção quando comparamos os números de Brasil e de países ricos: a quantidade de doutores empregados no setor privado. “No MIT, nos EUA, 82% dos doutores formados vai trabalhar em empresas. Aqui a grande maioria é empregada nas universidades, que não tem como absorver todo mundo”, afirmou.

As universidades brasileiras já experimentam há algum tempo a interação público-privado. São exemplos as empresas juniores, que reúnem milhares de alunos pelo país, e os departamentos de inovação que tentam estimular a criação de startups. Entretanto, a percepção da comunidade científica é de que o interesse do setor privado no conhecimento produzido nacionalmente ainda deixa a desejar. Pensando nisso, o CNPq e a Capes desenvolveram conjuntamente um novo edital do Programa de Mestrado e Doutorado Acadêmico para a Inovação (MAI/DAI), que investiu R$ 60 milhões para que pós-graduandos desenvolvessem seus projetos em orientação conjunta entre universidade e empresa.

Demora para Chamada Universal ilustra falta de orçamento

Uma das maiores preocupações expressas pela plateia foi com a falta de uma Chamada Universal do CNPq em 2024. A chamada é a mais básica forma de fomento da ciência brasileira, conforme disse o próprio presidente da entidade, mas sua realização está travada até entrarem mais recursos. Na edição anterior, em 2023, das 10 mil propostas, pouco mais de 2.700 foram atendidas, mostrando uma demanda represada.

“Estamos estudando uma nova chamada universal ainda este ano que entraria em efeito no ano que vem. Estamos discutindo, inclusive, tirar um pouco de recursos das bolsas para colocar na Chamada Universal. Mas para isso é preciso que o recurso esteja previsto na Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA). Peço que as entidades científicas se unam por um aumento nos recursos para fomento do CNPq na PLOA. O atual simplesmente não dá conta”, disse Galvão.

Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT)

Outra preocupação recorrente da comunidade científica é sobre a continuidade do programa dos INCTs, grandes redes de pesquisa temáticas que alavancam diversas áreas de pesquisa no Brasil inteiro. Segundo Galvão, nunca se cogitou acabar com o programa, mas também nunca se propôs que os atuais INCT fossem eternos. “Os INCT de 2014 terminam esse ano, seu prazo já havia sido prorrogado devido à pandemia. Então, lançaremos uma nova chamada que permitirá reaplicação, mas todos competirão igualmente. Não haverá privilégio para INCTs existentes.”, afirmou o presidente do CNPq.

Programa de Repatriação de Talentos

Lançado em abril deste ano, o Programa Conhecimento Brasil para a repatriação de cientistas brasileiros no exterior causou polêmica. A ideia é investir R$1 bi para atrair esses pesquisadores com bolsas de quatro anos, que equivalem ao salário de um professor adjunto numa universidade federal. Apesar do investimento, o programa foi percebido por parte da comunidade como uma desvalorização do pesquisador que permaneceu no Brasil.

“Não é verdade que todos os pesquisadores brasileiros no exterior estão em ótimas posições e não querem voltar. Muitos dizem que querem retornar, mas não tem posição. Alguns estão muito bem, mas podem contribuir de lá formando redes de pesquisa com quem está aqui”, respondeu Galvão.

O renascimento do FNDCT

O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) foi um alvo constante de contingenciamentos entre 2016 e 2021. Isso mudou com a aprovação da Lei Complementar 177, de 2021, que proibiu seu contingenciamento e estabeleceu novas bases para o seu uso. Com a chegada do novo governo, foi definido que o fundo voltaria à sua missão original de financiar projetos estratégicos, ao invés de ser usado como “tapa buraco” para gastos correntes das agências, como vinha ocorrendo.

A Finep é a agência responsável por executar o FNDCT, e seu presidente Celso Pansera trouxe boas notícias. Segundo ele, os recursos reembolsáveis, oferecidos na forma de empréstimo, voltaram a ser atrativos e já superaram, em um ano e meio, o valor que havia sido emprestado nos últimos quatro anos. Uma consequência disso é que o FNDCT está crescendo e se auto sustentando. “Com isso, podemos começar a pensar em editais de longo prazo, com mais dinheiro, para que as instituições não precisem pleitear todos os anos”, afirmou Pansera, otimista.

ABC na SBPC | Ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação ouve demandas da comunidade científica

Na semana de 7 a 13 de julho, na Universidade Federal do Pará, em Belém, acontece a 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (76ª SBPC), maior encontro científico da América Latina. A Academia Brasileira esteve representada na cerimônia de abertura, no histórico Theatro da Paz, por sua presidente, Helena Nader. Ao longo de todo o evento, a equipe da ABC estará cobrindo conferências com a participação de alguns de seus Acadêmicos.

Para abrir o segundo dia, o presidente da SBPC e membro titular da ABC, Renato Janine Ribeiro, recebeu a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos. Em seu discurso, a ministra afirmou seu compromisso com a comunidade científica e destacou a importância da bioeconomia nas perspectivas do governo. “Não queremos transformar a Amazônia num santuário e sim num grande centro de pesquisa para que o país produza o conhecimento.”

O presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro e a ministra de CT&I, Luciana Santos | Foto ABC

Demandas da comunidade científica

Após o discurso, Renato Janine Ribeiro transmitiu algumas das críticas e preocupações da comunidade para a chefe do MCTI. A principal foi sobre a participação da ciência nas discussões. Segundo Janine, reuniões dos conselhos de assessoramento com o governo são raras e com pouca participação dos representantes da ciência. “Na última reunião do Conselho de Ciência e Tecnologia (CCT) apenas os indicados do ministério falaram. A comunidade quer ser ouvida.”

Também segundo Janine, o mesmo ocorre no conselho gestor do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e nos demais fundos setoriais. No caso do FNDCT, o presidente da SBPC lembrou que o conselho defendia um acréscimo de 10% na proporção de recursos não-reembolsáveis do fundo – que não são oferecidos na forma de empréstimo e, por isso, são um dispositivo de maior impacto no fomento à ciência. A ideia era de que, já para 2024, esses recursos seriam 60% do total do fundo, mas o governo decidiu por manter a taxa em 50%, mínimo exigido por lei.

Luciana Santos defendeu que as decisões tomadas pelo governo estão levando em conta o parecer da comunidade científica, mas se comprometeu a dar mais espaço aos cientistas nos próximos encontros. A começar pela nova reunião do CCT, no dia 29 de julho, que tratará do plano nacional sobre Inteligência Artificial. Segundo a ministra, as discussões em tono do assunto estão usando como base o documento Recomendações para o Avanço da Inteligência Artificial no Brasil, publicado pela ABC em 2023.

No caso dos recursos não-reembolsáveis do FNDCT, Santos afirmou que o ministério defendeu o aumento na proporção, mas não foi atendido pelo governo. Ela lembrou que a questão faz parte de um debate mais amplo sobre a gestão fiscal no governo. Dentro dessa mesma preocupação está o dinheiro para a ciência no orçamento do próximo ano, já que órgãos importantes, como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), perderam espaço em 2024. “O MCTI estará lutando pelos recursos no próximo Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA)”, finalizou a ministra.

Assista à conferência na íntegra:


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