Finalmente, a COP-28 acabou. E o documento final diz muito sobre as fortes tensões que dominam a geopolítica de nosso planeta. Mais de 100 países, incluindo o Brasil, lutaram até o fim para que o texto mencionasse explicitamente que os combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás) deveriam ser banidos do planeta o mais rápido possível. Ao invés disso, os países produtores de petróleo forçaram um texto mencionando o estímulo à transição energética, saindo gradualmente das fontes fósseis de geração de energia.

Isso é exatamente o que a maioria dos países já estão fazendo há 20 anos, com a geração de energia solar e eólica, eletrificação do setor de transporte, entre muitas outras medidas já em andamento. O texto original menciona que os países devem “realizar uma transição dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos, de uma forma justa, ordenada e equitativa” (“transitioning away from fossil fuels in energy systems, in a just, orderly and equitable manner”). Para alguns, esta menção já é uma vitória expressiva, enquanto outros acham muito fraca a recomendação. A luta para a inclusão desta frase foi até o último minuto, com fortes ameaças de países não assinarem a declaração final, o que é um sintoma grave para nossa sociedade atual. Recomendar fazer algo que já está sendo feito, não pode ser caracterizado como progresso. A Ciência já recomenda há mais de 30 anos que seja eliminada a exploração e queima de combustíveis fósseis.

Outro importante passo que a COP-28 deu logo no primeiro dia, foi a estruturação do fundo de perdas e danos, destinado a compensar os países e regiões mais vulneráveis quando forem impactadas por eventos extremos, como elevação do nível do mar, incêndios florestais, secas, enchentes e outros problemas ligados à mudança do clima. Este fundo será administrado pelo Banco Mundial, a partir de doações voluntárias dos países e talvez empresas. Importante salientar que não se trata de obrigação dos países. Os valores projetados para este fundo de perdas e danos são extremamente reduzidos (algumas centenas de milhões de dólares, quando a necessidade é de centenas de bilhões de dólares). E nenhum acordo foi feito para ajudar financeiramente os países em desenvolvimento a reduzir suas emissões e se adaptar ao novo clima.

A falta de governança global ficou muito evidente nesta COP. Um único país dos 192 países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCC) pode bloquear resoluções propostas por mais de 100 países, pois tudo tem que ser aprovado por consenso. Com os interesses econômicos e políticos dos países sendo tão diversos, claro que o consenso é algo impossível.

A diplomacia brasileira voltou aos seus melhores dias, com forte atuação do governo brasileiro nas negociações. Dez ministros estiveram presentes na COP-28, Fernando Haddad e Aloizio Mercadante lançaram programas de transição para uma economia de baixo carbono. Marina Silva brilhou, bem como Lula, com exceção do desastrado anúncio de entrada do Brasil na OPEP+, e de declarações de fixação aos combustíveis fósseis do Ministro de Minas e Energia e do presidente da Petrobrás.

A intensificação da mudança climática sendo observada recentemente, particularmente com o aumento expressivo de eventos climáticos extremos só mostra a urgência de decisões efetivas e rápida na contenção das mudanças do clima. Com as atuais emissões estamos indo para uma trajetória de aumento de 3°C, com aceleração do derretimento de geleiras e aumento dos eventos climáticos extremos. O ano de 2023 foi o mais quente em mais de 125 mil anos, e isso diz muito da urgência de alterarmos a trajetória climática que estamos seguindo.

Esta COP-28 coloca pressão sobre o Brasil, para que a COP-30 seja a COP que marque o fim dos combustíveis fósseis e a construção de uma sociedade com geração de energia sustentável. Além, claro, do fim do desmatamento de florestas tropicais. Temos que fazer nossa lição de casa, explorando os nossos enormes potenciais de geração de energia eólica e solar. E a Petrobrás tem que se ajustar aos novos tempos de energia renovável e engavetar o equivocado projeto de iniciar a exploração de petróleo na foz do Amazonas. O Brasil, com suas fortes contradições internas, tem que trabalhar muito para definir a trajetória que devemos seguir na questão climática e ambiental.

O presidente da COP 28, Al Jaber, que também preside a companhia estatal de petróleo dos Emirados Árabes Unidos, comemorou o acordo final do encontro

Paulo Artaxo é climatologista e membro titular da Academia Brasileira de Ciências. É professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. É membro do Comite Orientador do Fundo Amazônia, do Fundo Nacional de Meio Ambiente e do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia. Está presente em Dubai para a COP 28.

 


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