Um evento no Espaço Brasil da COP-28, coordenado por Aloizio Mercadante, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), lançou um novo programa voltado para a restauração em larga escala na Amazônia. A proposta é substituir o “Arco do Desmatamento” – região da fronteira agrícola, onde estão os maiores índices de desmatamento da Amazônia – pelo “Arco da Restauração”. A base da proposta é que restaurar florestas tropicais é o meio mais fácil, rápido e barato de remoção de CO2 da atmosfera, condição essencial para limitar o aquecimento a 2°C.

A proposta coloca que é fundamental a mobilização internacional de recursos para criar um cinturão de restauro e de proteção da Amazônia e de todas as florestas tropicais. A ideia é restaurar 24 milhões de hectares, em duas fases: até 2030, será necessário um investimento de US$10 bilhões em áreas prioritárias, começando por unidades de conservação, terras indígenas e quilombolas e áreas públicas não destinadas. No período de 2030 a 2050, a proposta envolve o investimento de US$30 bilhões adicionais. Pretende-se capturar mais de 1 bilhão de toneladas de carbono. O financiamento está sendo planejado com recursos não reembolsáveis do Novo Fundo Clima e de parte dos recursos recentemente captados pelo Tesouro Nacional via títulos sustentáveis (Sustainable Bonds), além de outras fontes de recursos em planejamento.

A proposta certamente tem desafios enormes, precisa envolver a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e muitos órgãos do governo, além de pesquisas para desenvolver tecnologias para que este restauro ecológico seja feito de maneira efetiva. É também necessário o envolvimento da iniciativa privada, bem como as unidades de pesquisas do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e das universidades. O processo deve combinar, além da questão da captura de carbono, a preservação da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos. E também precisa beneficiar as comunidades locais, e integrar a proposta com os governos estaduais e municipais, para que seja efetivamente implementada.

Evidentemente a proposta só faz sentido se conseguirmos eliminar o desmatamento, pois não faz sentido desmatar de um lado e restaurar de outro. Temos que acabar com o desmatamento antes de 2030. É importante também que o país atue diplomaticamente para que os demais países que possuem florestas tropicais (principalmente o Congo, Indonésia, Peru e Bolívia, entre outros) promovam iniciativas similares. Esta iniciativa, em conjunto com a extinção da exploração e queima de petróleo, pode ajudar o planeta a limitar o aumento médio de temperatura em 2°C ou 3°C. Evidentemente, o governo brasileiro tem que acabar com a ideia de explorar petróleo na foz do Amazonas e transformar a Petrobrás em uma companhia de energias limpas, focando na geração eólica e solar. É o único caminho para o Brasil e o planeta assegurar um futuro climático mais ou menos sustentável.

Mesa de lançamento do Arco da Restauração contou com o Acadêmico Carlos Nobre, no canto direito (Foto: Paulo Artaxo)

Paulo Artaxo é climatologista e membro titular da Academia Brasileira de Ciências. É professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. É membro do Comite Orientador do Fundo Amazônia, do Fundo Nacional de Meio Ambiente e do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia. Está presente em Dubai para a COP 28.

 


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