O Simpósio e Diplomação dos Membros Afiliados da ABC para a Regional Nordeste e Espírito Santo 2023 – 2027 ocorreu em 10 de outubro, na Universidade de Fortaleza (Unifor).

Na ocasião, a Academia Brasileira de Ciências recebeu os cinco jovens cientistas de destaque que agora integram seu corpo acadêmico – Bruna Leal Lima Maciel (Ciências da Saúde, UFRN), Débora Castelo Branco de Souza Collares Maia (Ciências Biológicas, UFC), Gardênia de Sousa Pinheiro (Ciências Físicas, UFPI), Márcio Henrique Batista da Silva (Ciências Matemáticas, UFAL) e Ramón Raudel Peña Garcia (Ciências da Engenharia, UFRPE).

Débora Maia, Bruna Maciel, Gardênia Pinheiro, Ramón Garcia e Márcio Batista

A mesa de abertura foi coordenada pelo vice-presidente da ABC para a Regional NE & ES, Anderson Stevens Gomes, e contou com a presença do vice-reitor de Pesquisa da Unifor, José Milton de Souza Filho; da secretária de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Ceará, Sandra Monteiro; da vice-reitora da Universidade Federal do Ceará (UFC), Diana Cristina Silva de Azevedo; e do presidente da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), Raimundo Costa Filho.

Anderson Gomes destacou que a Academia está sempre atenta aos desafios nacionais, atuando de forma positiva e propositiva. Para ele, a ABC deve embasar os órgãos de governo com evidências científicas, interagindo com os formuladores de políticas públicas e difundindo informações sobre o que a pesquisa pode fazer pela sociedade. Nesse sentido, o VP regional destacou a importância dos jovens cientistas: “A Academia está contando com a contribuição de vocês.”

José Milton de Souza Filho, Sandra Monteiro, Raimundo Costa Filho, Anderson Gomes e Diana Azevedo

Para a professora Diana Azevedo, as Academias são um farol para a sociedade e que, depois de tempos tão obscurantistas, mais do que nunca essa luz é necessária. Na mesma linha, Raimundo Costa Filho, presidente da Funcap, entidade que é membro institucional da ABC, reforçou a importância das Academias pelo mundo, especialmente a brasileira. “Precisamos de um farol cujos lúmens possamos amplificar, se possível até regionalmente”, disse.

Sandra Monteiro parabenizou a Academia tanto por seu papel científico, quanto pela sua defesa da cidadania e, portanto, do desenvolvimento nacional. Já José Milton de Souza Filho, vice-reitor de Pesquisa da Unifor, colocou a instituição à disposição para futuras parcerias que visem o interesse da sociedade, objetivo final de uma universidade.

Estavam presentes no evento os seguintes membros da ABC: Adalberto Val, Antonio Gomes, Hans Herrmann (membro correspondente), José Soares de Andrade, Luiz Drude de Lacerda e Patrícia Bozza.

Conheça os novos membros afiliados:


Paixão pela Nutrição
A nutricionista e professora da UFRN Bruna Maciel estuda a relação da nutrição com a função de barreira intestinal e as relações entre culinária e saúde.


Amor pelos animais que ajuda a salvar vidas humanas
A professora da UFC Débora Castelo Branco escolheu a veterinária devido à paixão pelos bichos. Agora, ela estuda doenças e pesquisa tratamentos dentro do conceito de Saúde Única.


Conhecendo mais a fundo os cristais
A física e docente da UFPI Gardênia de Sousa Pinheiro dedica-se ao estudo de cristais, materiais sólidos com aplicações em diversas áreas, incluindo a indústria e a medicina.


A matemática é a linguagem da natureza
O professor da Ufal Márcio Batista da Silva destaca o caráter universal da matemática em sua pesquisa, que se concentra em formas geométricas inovadoras.


Um “guajiro” na ABC
Nascido na zona rural de Cuba, o engenheiro de materiais e professor da UFRPE Ramón Raudel Peña García estuda tecnologias quânticas para armazenamento de dados.


Saudação dos novos membros, por Bruna Maciel

Para representá-los, os cinco afiliados escolheram a pesquisadora Bruna Maciel, que leu uma saudação conjunta. Nela, eles cumprimentaram os presentes e os que acompanhavam virtualmente, agradecendo à Academia pela oportunidade, a qual qualificam como “um estímulo para seguir pesquisando”.

Destacaram também o papel das agências de fomento, citando nominalmente a Capes, o CNPq e as Fundações de Amparo (FAPs) estaduais, além das pró-reitorias e programas das universidades por onde passaram. “Ciência não se faz sem fomento. Até hoje dependemos dessas instituições para realizar nosso trabalho. Seja com equipamentos, reagentes, materiais, taxas de publicação e, principalmente, no apoio ao desenvolvimento de pessoas, pois sem elas não há ciência”.

Nesse sentido, recorreram às ideias do célebre educador brasileiro Rubem Alves, que qualificava equipamentos científicos – como telescópios e microscópios – como nada mais que extensões de capacidades inerentes ao ser humano. “A ciência é uma especialização, um refinamento de capacidades comuns a todos. É isso que desejamos para cada um de nossos trabalhos, que sejam compreendidos em sua essência, que sirvam para o bem, que fomentem o bem e façam o bem”.

Os afiliados ressaltaram que não chegaram até aqui sozinhos. “Estivemos apoiados em gigantes. Professores, colegas, orientandos, alunos e colaboradores que nos deram luz e apoio durante a trajetória e que, tanto quanto nós, são merecedores destes diplomas”.

A ciência passa por um momento novo quanto à paridade de gênero. Helena Nader, primeira mulher presidente da ABC, destaca sempre um levantamento da Elsevier que mostra o país finalmente atingindo a igualdade entre publicações feitas por homens e mulheres. Entretanto, os desafios permanecem. “Apesar de mulheres receberem a maior parte das bolsas de pós-graduação da Capes, elas ainda são apenas 35% das bolsas de produtividade para pesquisadores em topo de carreira”.

Outra questão é a equidade regional no fomento à ciência. “Dos 568 membros titulares da ABC, apenas 43 são da regional Nordeste e Espírito Santo. É histórica a necessidade de maior reconhecimento aos programas de pós-graduação do Nordeste e de maior apoio às agências estaduais de fomento à pesquisa. Esperamos, enquanto afiliados desta região, contribuir para a discussão sobre o desequilíbrio e que, de alguma forma, tenhamos todos a prospecção necessária”.

Bruna lembrou que, em ciência, o reconhecimento nem sempre é imediato, trazendo o exemplo dos laureados com o Nobel em Medicina de 2023. O trabalho de Katalin Karikó e Drew Weissman, quando publicado, recebeu pouca atenção. Mas, 20 anos depois, foi reconhecido como fundamental para o desenvolvimento das vacinas de mRNA que venceram a pandemia. “Esperamos ser sementes,  contribuindo para a disseminação do conhecimento científico de qualidade e com responsabilidade”.

“Estamos honrados em fazer parte dessa instituição centenária. É fundamental a característica supra-institucional da ABC e a diversidade de áreas de interesse e atuação de seus membros. Em um país onde a discussão em torno da democracia ganha cada vez mais voz, nada mais propício que o envolvimento das diversas ciências. A diversidade que vimos hoje corrobora essa riqueza”, finalizou.

Patricia Bozza: Ciência, saúde e pandemia – aprendizados e desafios do presente

A primeira palestra magna foi proferida por Patricia Bozza, pesquisadora titular do Instituto Oswaldo Cruz e pesquisadora 1A do CNPq. Seus estudos concentram-se nos mecanismos celulares e moleculares envolvidos na resposta inflamatória e metabólica à diversas doenças.

Bozza apontou que, embora a pandemia tenha acabado, os desafios da covid-19 continuam. Após seis milhões de mortes confirmadas globalmente, foram as vacinas que nos permitiram voltar à normalidade. Entretanto, problemas ligados a novas variantes continuam e precisamos estar vigilantes.

A covid-19 revolucionou as ciências da saúde. O número de trabalhos produzidos sobre ela, global e nacionalmente, já é maior do que para qualquer outra doença, mesmo com apenas três anos de seu surgimento. “Nunca antes desenvolvemos vacinas tão rapidamente. A descoberta de mecanismos de mRNA que possibilitaram vacinas eficazes – que não fossem rejeitadas pelo organismo – é um exemplo de pesquisa básica, feita há mais de 20 anos, cujo impacto nos salvou da pandemia e rendeu um prêmio Nobel”, destacou Patricia Bozza.

Mas, globalmente, ainda não podemos colocar a pandemia no passado. Isso porque países de renda baixa ainda têm, em média, apenas 35% de sua população imunizada, exemplo da cruel desigualdade mundial em saúde. “O Brasil, a despeito de seu governo à época, só atingiu altas coberturas vacinais graças à instituições fortes e consolidadas, como Fiocruz e Butantan”, lembrou.

A pesquisadora pôde verificar essa desigualdade em seus próprios estudos. Seu grupo de pesquisa fez parte de uma rede colaborativa global, em 54 países, com pacientes de doenças respiratórias agudas. O grupo verificou que a coagulopatia – condição em que o sangue não coagula, levando à hemorragias prolongadas – estão fortemente associadas à mortalidade. “O que observamos foi que, apesar de serem mais frequentes em países ricos, a mortalidade por coagulopatias é muito maior em pacientes de países pobres”, exemplificou.

A chamada covid longa, quando os sintomas persistem por meses e anos, também está muito associada à fatores de inflamação e coagulação. Nesse campo ainda existem muitas questões em aberto e pesquisas de longo prazo, sobretudo estudos de coorte, são fundamentais. Nesse sentido, a pesquisadora destacou o projeto Vacinas Maré, que além de promover a imunização no complexo, também realiza acompanhamento médico e genômico com coortes da população, gerando resultados cruciais.

“O progresso humano está diretamente ligado ao avanço da ciência. Informação e conhecimento são as principais riquezas das nações no século XXI. Só estaremos preparados para a próxima pandemia se tivermos um Sistema Nacional de C,T&I pujante, com forte colaboração público-privado e também com instituições e cientistas do exterior”, finalizou a Acadêmica.

Adalberto Val: Peixes da Amazônia no Antropoceno

A Amazônia é um bioma em constante mutação, mas mesmo isso não a preparou para o que está em curso. Com o soerguimento da cordilheira dos Andes, nos últimos 85 milhões de anos, ocorreram alterações radicais no sistema amazônico, com mudanças na trajetória de rios, surgimento e desaparecimento de vales, lagos e paisagens diversas. Alterações climáticas também ocorreram e, por isso, a floresta comporta uma biodiversidade extremamente dinâmica, adaptada a picos de cheias e secas e ao surgimento e desaparecimento de barreiras geográficas sazonais. “A Amazônia tem uma longa historia de tectonismos e mudanças climáticas”, sumarizou o vice-presidente da ABC para a Região Norte, Adalberto Luis Val.

Essa diversidade de ecossistemas se reflete na diversidade de peixes, especialidade do Acadêmico, que é biólogo do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Os rios amazônicos possuem tipos diferentes de águas. O Solimões é mais barrento, com as chamadas “águas brancas”; o Rio Negro, como o próprio nome já diz, possui águas escuras devido à forte concentração de matéria orgânica; já o Rio Tapajós possui as chamadas “águas claras”, que são basicamente às águas negras com menor concentração desses compostos orgânicos em decomposição.

Esse acúmulo de matéria orgânica nas águas negras torna os rios ácidos. As partes centrais tem pH 5, mas regiões periféricas de menor correnteza chegam a ter pH de 2,8. A acidez tem influência fundamental na biodiversidade aquática. “As sardinhas de água doce vivem nos três tipos de água, ajustando o fenótipo de acordo. Genes relacionados à regulação iônica são ativados de forma diferente, produzindo fenótipos diferentes”, exemplificou Val.

A esse fenômeno chamamos “plasticidade fenotípica”, quando os mesmos genes são expressos de forma diferente dependendo da situação, produzindo mais ou menos de suas proteínas associadas. Esse é apenas um tipo de adaptação. Outras adaptações dizem respeito à respiração. Alguns dos peixes mais importantes para a economia da Amazônia, como o pirarucu, realizam respiração aérea, ou seja, precisam do oxigênio do ar para sobreviver. Essas adaptações surgiram em resposta à ambientes aquáticos com baixa concentração de oxigênio, mas as mudanças climáticas ameaçam agravar esse problema. “Águas quentes estão mais quentes, águas ácidas estão mais ácidas e águas com pouco oxigênio estão com menos ainda”, alertou Val.

A gigantesca diversidade de peixes amazônicos evoluiu para sobreviver à mudanças que ocorrem numa escala de milhões de anos, e não em séculos, como ocorrem hoje. “Estamos a um ou dois graus do ponto de não-retorno para as espécies mais resistentes. Agora, para peixes menos resistentes ao aquecimento, como os characiformes, que englobam, por exemplo, os tambaquis, nós já chegamos nesse ponto”, apontou.

Justamente os peixes menos resistentes são os mais utilizados como alimento, numa região onde 90% do consumo proteico vem da pesca. “Preservação depende de pesquisa e pesquisa depende de qualificação de pessoal numa região que ainda recebe apenas 5% dos investimentos em ciência brasileiro. É uma questão de sobrevivência, de segurança alimentar para milhões de pessoas”, finalizou Val.

Assista à cerimônia na íntegra:

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