O engenheiro Ramón Raudel Peña García, membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências (ABC), se descreve orgulhosamente como um “guajiro”. A palavra vem de Cuba, assim como ele, e é usada para descrever alguém de origem camponesa. Ramón nasceu no pequeno município de Bartolomé Masó Marques, no coração da Sierra Maestra cubana.
O pai de Ramón trabalhava produzindo peças para uma usina de açúcar, enquanto a mãe cuidava dele e da irmã mais velha. “Tive uma infância tranquila e uma educação rigorosa”, contou o Acadêmico. Seguindo a forte tradição esportiva do país, ele foi estimulado a praticar xadrez, atletismo, boxe, beisebol, handebol e basquete, ao mesmo tempo que cursava o ensino fundamental.
Mas sua paixão verdadeira era pelas ciências. A facilidade que demonstrava para resolver problemas matemáticos e de física o estimulou a competir também nessa modalidade e ele participou de vários concursos regionais. Até que, já no fim do ensino médio, resolveu participar de uma convocatória da Universidade do Oriente, localizada na província vizinha de Santiago de Cuba, que mudaria sua vida. “Apesar do amor pelas ciências puras, confesso que na época fiz o exame apenas para descobrir em que consistia. Não tinha ideia de que seria o início deste caminho científico pelo qual hoje sou apaixonado”, relembrou.
E foi assim que, aos 18 anos, Ramón saiu da casa dos pais, foi morar na cidade de Santiago de Cuba e estudar na Universidade do Oriente, onde passou a habitar um mundo completamente diferente do que estava acostumado. Incentivado pela faculdade a procurar um orientador, ele encontrou o professor Luis Enrique Bergues Cabrales, da biofísica médica, cuja especialidade era a eletroterapia para o tratamento de câncer. A partir do posicionamento de eletrodos, Ramón podia analisar e descrever a evolução dos tumores, e com esse tema fez sua dissertação de conclusão de curso e escreveu seu primeiro artigo.
Ao terminar a graduação, o pesquisador e outros dois colegas de curso foram convidados a ingressar no quadro de professores da universidade. “Aqueles que, em algum momento foram meus professores, se tornaram meus companheiros de trabalho. Isso foi muito estimulante para eu seguir na carreira científica”, contou.
Esse convívio com pesquisadores mais experientes trouxe novas ideias para Ramón, que decidiu embarcar no mestrado em uma área radicalmente nova, a engenharia de materiais, sob orientação do professor Fidel Guerrero Sayaz. “Saí de um trabalho muito teórico para uma parte muito mais experimental e, aos 25 anos, me formei mestre pela Universidade de Havana”.
Em 2013, através dos contatos de Sayaz com o Brasil, Ramón ficou sabendo de um edital para doutorado em ciência dos materiais na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). “Cheguei ao Brasil com 27 anos e tive de me adaptar a mais essa mudança, tanto do ponto de vista social e cultural quanto do ponto de vista científico”, disse.
Entrando mais uma vez num campo de pesquisa novo, Ramón passou a focar seus estudos em magnetismo e spintrônica, tecnologia emergente que se utiliza de propriedades quânticas dos elétrons para gerar inovações em armazenamento para chips e outros produtos eletrônicos. Sob orientação do professor Eduardo Padrón Hernández e com bolsa do CNPq, ele se tornaria doutor em 2017.
Após esse período, Ramón ainda fez dois anos e meio de pós-doutorado, quando trabalhou em novas ideias de materiais semicondutores. Em 2019, ingressou como professor visitante na Universidade Federal do Piauí (UFPI), retomando sua caminhada na docência. Além da UFPI, o Acadêmico lecionou também na UFPE, até chegar na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), onde trabalha atualmente. “Junto ao meu grupo de pesquisa, buscamos por materiais menos custosos, mais simples e com mais aplicações ambientais”, resumiu.
Sobre o título de membro afiliado da ABC, Ramón Raudel diz que é um reconhecimento ao seu amor pela ciência. “Sempre que me perguntam por que eu faço pesquisa, respondo: ‘por amor e prazer’. É muito gratificante que estudantes se interessem pelas suas linhas de pesquisas. Cada dia tem mais deles se aproximando, querendo trabalhar, fazer ciência. Isso me encanta”, finalizou.