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Apoio à pesquisa vem de reality show acadêmico

realityshow_academico_copia_edit.jpgTrinta pessoas foram confinadas por 72 horas em um hotel na região metropolitana de Londres com o objetivo de ganhar 1 milhão de libras (cerca de R$ 4,3 milhões). A descrição pode lembrar um reality show, mas foi a maratona pela qual passaram cientistas do mundo inteiro em busca de financiamento para as suas pesquisas. E quem venceu a disputa foi um time liderado por um psiquiatra brasileiro.
Christian Kieling, professor de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ganhou a verba milionária depois de vencer o desafio de elaborar um projeto de saúde mental proposto pela organização britânica MQ.
Os 30 pesquisadores se reuniram durante três dias em um hotel em Hawthorne com a meta de formar grupos de acordo com as afinidades e elaborar uma proposta de estudo – uma espécie de “workshop de inovação” da área médica. Ao final, os times defenderam suas ideias para uma banca que definiu o destino do financiamento.
“Quando arriscamos, às vezes, corremos o risco de ganhar. Ao nosso lado havia uma mesa com pesquisadores de Harvard, de Yale, e eles ficaram em segundo lugar. Foi como ganhar um ouro olímpico em um esporte no qual o Brasil não tem tradição”, compara Kieling, em entrevista à BBC Brasil.
O pesquisador da UFRGS será um dos líderes do estudo, ao lado da psiquiatra Valeria Mondelli, do Kings College de Londres. O trabalho busca identificar indivíduos em risco de desenvolver depressão na adolescência. Além de Brasil e Reino Unido, o projeto também coletará informações na Nigéria e no Nepal, por meio de pesquisadores que se juntaram ao grupo durante o encontro na Inglaterra.
Alternativa para crise
O dinheiro chega em um momento de cortes profundos nos investimentos para a pesquisa científica no Brasil. Em 2013, último ano antes de as reduções começarem, o orçamento para Ciência e Tecnologia havia chegado a R$ 10,2 bilhões. Em 2017, o valor previsto é de R$ 3,2 bilhões, uma diminuição de 44% em relação ao ano passado.
O último edital universal do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo pelo qual são selecionados projetos de pesquisa para receber financiamento, distribuiu um valor de R$ 120 mil com vigência de 36 meses na faixa mais alta.
Trata-se de um montante 10 vezes menor do que receberá o braço brasileiro do estudo, capitaneado por Kieling. O cientista estima que cerca de um terço do total (em torno de R$ 1,4 milhão) será destinado à pesquisa no país.
“É impossível manter pesquisadores no Brasil com esses cortes”, aponta o físico da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Artaxo Netto, membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e considerado um dos cientistas brasileiros mais influentes do mundo pela Fundação Thomson Reuters.
“O orçamento do ministério não está sendo reduzido por falta de dinheiro. O que está em jogo é um novo projeto de país, que vê a mão de obra qualificada e a inovação tecnológica como desnecessárias”, diz Artaxo, em entrevista à BBC Brasil.
Uma alternativa para evitar a debandada de cérebros é, como no caso de Christian Kieling, atrair recursos vindos do exterior, caminho ainda pouco usual no país. O psiquiatra espera que a conquista da verba britânica sirva de incentivo a outros cientistas brasileiros.
“O Brasil possui grupos fortes que, apesar das dificuldades internas, podem, sim, disputar recursos com centros mundiais de excelência”, diz o pesquisador, coordenador do Programa de Depressão na Infância e na Adolescência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (ProDIA/HCPA).
Depressão em adolescentes
Intitulado IDEA, sigla em inglês para Identificando a Depressão Precocemente na Adolescência, o trabalho liderado por Kieling busca elaborar uma abordagem individualizada para detectar jovens com risco de desenvolver a doença.
“Em vários estudos já foram testadas estratégias de prevenção universal, por exemplo, com programas dedicados a todos os alunos de uma escola. Infelizmente, os resultados dessas pesquisas mostram que isso não parece ter muito benefício, pois o efeito se dilui”, aponta.
Estudos de prevenção voltados a indivíduos com risco elevado, por outro lado, têm se mostrado mais eficazes.
O novo estudo pretende selecionar inicialmente cem pacientes em Porto Alegre. Compostos por alunos da rede pública, o grupo será dividido em três: jovens com alta probabilidade de desenvolver depressão, um segundo grupo em que as chances são baixas em relação à população em geral e aqueles que já têm a doença.
O acompanhamento inclui exames de neuroimagem e coleta de sangue, para verificar marcadores inflamatórios que estariam relacionados à condição.
Conforme o estudo for avançando, os resultados dos quatro países envolvidos (Brasil, Reino Unido, Nigéria e Nepal) serão comparados para determinar o peso de fatores locais na equação. Prevista para começar oficialmente em abril de 2018, a pesquisa tem duração inicial de dois anos. Não está descartada, porém, sua continuidade depois desse período.
Mantida por doações de seus apoiadores, a MQ informou à BBC Brasil que continuará arrecadando fundos para investir nas novas ideias que se desenvolvam a partir de projetos como o IDEA.
“Queremos entender o fenômeno do surgimento da depressão, ainda no início da vida, para depois tentar reduzir seu impacto como a doença crônica que ela é”, diz Kieling.

Por uma ciência mais igualitária

O Prêmio “Para Mulheres na Ciência” valoriza a presença feminina em estudos de diversas áreas. Elisa Orth (foto) foi estuda o desenvolvimento de novos materiais que podem ser aplicados na cura de doenças genéticas (foto: Acervo pessoal / Elisa Orth)
Variações genéticas em nativos americanos. Códigos para resolver falhas na transmissão de informação por sistemas de comunicação. Formações de galáxias. As vencedoras da décima edição do prêmio nacional “Para Mulheres na Ciência”, anunciadas no dia 10 de agosto, têm estudos bem diferentes e uma característica em comum: representam uma geração de talentos que lutam por igualdade de condições entre homens e mulheres na ciência brasileira.
Oferecido pela LOréal Brasil em parceria com a Unesco Brasil e com a Academia Brasileira de Ciências (ABC), o prêmio teve mais de 400 projetos inscritos em 2015. As sete ganhadoras receberão US$ 20 mil (convertidos em reais) como incentivo para seguir com seus estudos.
Premiada por um projeto que utiliza a matemática pura para estudar códigos corretores de erros, fundamentais na solução de falhas na transmissão de informação por sistemas de comunicação, como linhas telefônicas, Cecília Salgado diz que a conquista vai além da questão financeira. “Esse tipo de iniciativa é importante para dar visibilidade a pesquisas feitas por mulheres e mostrar que a mulher não tem uma forma diferente de fazer ciência. Muitas vezes o que falta é o estímulo – quase todos os grandes nomes da ciência são homens”, ressalta a matemática da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que torce para que outros pesquisadores se interessem pelo seu campo de estudos a partir de agora.
Para Elisa Orth, do Departamento de Química da Universidade Federal do Paraná, o prêmio pode ser justamente um incentivo para que jovens do ensino médio e superior desejem se tornar cientistas, como ocorreu com ela mesma durante a graduação. “As mulheres vêm conquistando muito espaço e têm assumido cargos importantes na ciência brasileira. Prêmios como esse vão atrair cada vez mais mulheres para a pesquisa”, acredita a laureada, que trabalha com pesquisas no desenvolvimento de novos catalisadores que acelerem diversas classes de reações químicas, como enzimas artificiais que poderiam ser usadas para resolver problemas genéticos – relacionados a doenças como câncer, fibrose, mal de Parkinson, mal de Alzheimer, entre outras. Outro interesse de aplicação é destruir substâncias químicas nocivas à saúde humana, presentes em muitos agrotóxicos ainda utilizados no Brasil.
Segundo levantamento do chefe de gabinete da ABC, Fernando Carlos Azeredo Veríssimo, as mulheres representam atualmente 13% dos membros da instituição. O número, pequeno, já foi muito menor: em 2005, primeiro ano do “Para mulheres na ciência”, elas eram apenas 8% do total. “Já houve melhora, mas esse contingente ainda é baixo. Podemos fazer mais que isso, temos mais mulheres que merecem ocupar esse lugar”, afirma Jacob Palis, presidente da ABC.
Se a lentidão das mudanças nos últimos dez anos ainda mostra que há muito a avançar, Orth argumenta que as novas gerações estão dispostas a provar que são capazes de mudar este quadro. “Eu acredito que esse número irá aumentar cada vez mais, visto que temos uma geração de muitas mulheres cientistas extremamente competentes. Claro que enfrentamos alguns preconceitos, mas só nós podemos provar o contrário: fazendo ciência de qualidade com ética e dedicação”, ressalta.
Conheça as vencedoras
Alline Campos, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, foi premiada por pesquisas sobre medicamentos mais efetivos e com menos efeitos adversos para tratar pacientes que sofrem de ansiedade e depressão.
Daiana Ávila, da Universidade Federal do Pampa, no interior do Rio Grande do Sul, foi reconhecida por liderar um estudo sobre uma nova terapia para a Esclerose Lateral Amiotrófica, doença genética, degenerativa e sem cura.
Elisa Brietzke, do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo, estuda o envelhecimento precoce de pacientes bipolares para desenvolver e testar medicamentos capazes de bloquear o avanço da doença.
Tábita Hunemeier, do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, investiga as bases genéticas de características morfológicas dos nativos americanos (indígenas) para tentar encontrar variações que os diferenciam fisicamente das populações de outros continentes.
Cecília Salgado, pesquisadora de ciências matemáticas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, estuda códigos corretores de erros, fundamentais para consertar de falhas na transmissão de informação por sistemas de comunicação.
Elisa Orth, do Departamento de Química da Universidade Federal do Paraná, estuda como resolver problemas genéticos – relacionados a doenças como câncer, Parkinson e Alzheimer, entre outras – e destruir substâncias químicas nocivas à saúde, presentes em agrotóxicos ainda utilizados no Brasil.
Karin Menéndez-Delmestre, do Observatório do Valongo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, analisa a formação e a evolução das galáxias por meio de observações da Via Láctea e de universos distantes.
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