O Simpósio e Diplomação dos Membros Afiliados da ABC para a Regional Sul 2023 – 2027 foi realizado no dia 17 de outubro, no Centro Cultural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre.
Na ocasião, a Academia Brasileira de Ciências recepcionou os cinco jovens e destacados cientistas que se juntam ao seu quadro de Acadêmicos por cinco anos, são eles: Cristiane Regina Guerino Furini (PUC-RS), Cristina Furlanetto (UFRGS), Ethel Antunes Wilhelm (UFPel), Jaime Andrés Lozano Cadena (UFSC) e Marcos Britto Correa (UFPel).
Conheça os novos afiliados:
Um refresco na inovação
O engenheiro mecânico Jaime Lozano, professor da UFSC com formação em engenharia mecânica, destaca-se como especialista em tecnologias inovadoras de refrigeração.
Abertura
A abertura foi conduzida vice-presidente regional da ABC, Ruben Oliven, que convidou para compor a mesa representantes da UFRGS, UFPel, PUC-RS e Fapergs. A pró-reitora de Extensão da UFRGS, Adelina Mezzari, que cordialmente cedeu o espaço à ABC para a cerimônia, parabenizou os novos afiliados. “Nossas portas estarão sempre abertas a vocês”, disse.
Flávio Fernando Demarco, pró-reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação da UFPel, afirmou ser uma satisfação muito grande homenagear jovens cientistas. “Ao longo dos últimos anos vivenciamos um momento muito ruim, de discursos anticiência, e agora vivemos uma retomada. Temos agora uma perspectiva de continuidade.”
Carlos Eduardo Lobo e Silva, pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da PUC-RS, disse que os membros afiliados eleitos para a ABC são provas da resiliência da ciência do Sul . “Recebemos a notícia da possibilidade de corte de R$116 milhões em verbas da Capes, o que esperamos que não ocorra. O mérito dos afiliados é também o de resistir a todos esses problemas que a produção científica vem sofrendo”.
Odir Dellagostin, diretor-presidente da Fapergs e membro titular da ABC, valorizou os cientistas diplomados na ocasião, que representam uma nova geração com a responsabilidade de carregar o bastão da ciência nacional. “Parabéns, continuem esse bom trabalho. O Brasil precisa disso.”
José Antonio Poli de Figueiredo, pró-reitor de Pesquisa da UFRGS, lembrou da importância de reconhecer os jovens talentos num momento em que tantos são tentados a deixar o país em busca de melhores oportunidades. “Precisamos reconhecer e prestigiar os destaques da nova geração de pesquisadores.”
Ruben Oliven destacou a diversidade de instituições e de gênero entre os novos afiliados. Em uma nota mais pessoal, ressaltou o papel dos familiares na trajetória dos cientistas. “A conquista não é puramente individual, pois envolve muitas pessoas. Pais, cônjuges, companheiros, certamente acompanharam o crescimento dessas pessoas, estando presente nos momentos importantes. Eles também merecem os parabéns”.
Saudação aos novos membros afiliados: Daiana Silva de Ávila
Como tradição, a ABC convidou uma Acadêmica que encerra seu ciclo como afiliada em 2023 para saudar os que estão ingressando. A professora da Unipampa Daiana Ávila destacou o papel da Academia, em especial de seus afiliados, durante a crise sanitária e os ataques à ciência.
Para a pesquisadora, a ABC ajuda no fortalecimento dos cientistas em meio de carreira, criando redes e vínculos para além de suas instituições e áreas de atuação. “Peço que façamos sempre a diferença onde estivermos. Atuando em divulgação científica, fazendo a melhor ciência possível, inspirando pessoas, em especial minorias invisibilizadas. Que sempre possamos atuar junto aos tomadores de decisão, nos engajando em comitês e comissões. Não podemos fugir dessas responsabilidades.”
“Desejo a vocês cinco anos de muito trabalho, conquistas, oportunidades e sucesso. Espero encontrá-los no futuro. Aproveito para agradecer a ABC pela oportunidade de ter feito parte e de contribuir com a instituição nesses últimos cinco anos”, finalizou.
Saudação pelos novos membros: Ethel Antunes Wilhelm
Para representá-los em saudação, os novos afiliados escolheram a pesquisadora Ethel Wilhelm para ler uma carta feita em conjunto. No texto, os afiliados reafirmaram seu compromisso e paixão pela ciência brasileira.
“Termos sido eleitos para a ABC é um marco em nossas carreiras e estamos empenhados em ter papel ativo na defesa da ciência, por um país capaz de enfrentar os desafios do futuro (…) Pretendemos cumprir ativamente com a missão da Academia, influenciando políticas científicas, colaborando em pesquisas interdisciplinares e inspirando jovens talentos. Em particular, esperamos contribuir na luta por mais oportunidades de financiamento para cientistas jovens e lutar por mais representatividade deste grupo em comitês de gestão e avaliação”, reforçou a fala de Wilhelm.
Quanto às três afiliadas diplomadas no evento, Ethel Wilhelm afirmou que “a presença de mulheres na ABC é sempre um passo significativo na direção correta. Continuaremos a lutar por representatividade e igualdade de oportunidade para todas as vozes na ciência.”
Por fim, os afiliados agradeceram às suas instituições, financiadores, colegas, alunos, familiares e todos aqueles que contribuíram em suas trajetórias. “Juntos continuaremos a trabalhar incansavelmente pelo avanço da ciência e pelo desenvolvimento de nosso país. Muito obrigado”.
Palestras Magnas
Como parte da cerimônia, a ABC convidou duas de suas membras titulares para ministrar Palestras Magnas. Confira:
Angela Wyse: Hiper-homocisteinemia experimental e desafios para a translação clínica
A homocistinuria é uma doença genética rara, que ocorre por deficiência na enzima cistationina beta-sintase, levando ao acúmulo da molécula homocisteina. A Acadêmica Angela Wyse, professora titular de bioquímica da UFRGS e bolsista de Produtividade em Pesquisa 1A do CNPq, começou cedo sua trajetória no estudo dessa doença, quando em meados dos anos 2000, ela e seu primeiro aluno de doutorado – o ex-afiliado da ABC Emílio Streck – demonstraram a associação entre alterações na concentração de homocisteína e o surgimento de edemas no cérebro de animais.
Até esse momento, só se sabia da relação entre a molécula e as condições vasculares, mas o mecanismo era desconhecido. O artigo dos Acadêmicos foi o primeiro a mostrar alterações em nível de tecido, o que chamou a atenção do médico americano S. Harvey Mudd, considerado o “pai” da homocistinúria por ter descrito a doença. Ele contatou os pesquisadores brasileiros, relatando ter observado os mesmos edemas em seus pacientes e assim nasceu uma colaboração frutífera.
Estudos subsequentes revelaram que o organismo tem meios para combater altas concentrações de homocisteínas, mas queestes são afetados quando há falta de vitaminas B12, B9 e B6. Os pesquisadores testaram dois modelos para hiper-homocisteinemia. O primeiro, mais leve, provou ser um fator de risco para doenças cardiovasculares associado à má nutrição e sedentarismo; já um modelo mais severo, a chamada homocistinúria clássica, tem consequências para além das vasculares, incluindo alterações neurológicas que afetam memória e comportamento.
“E assim as ideias foram surgindo. O professor Mudd me enviou o e-mail e senti como se muitas portas estivessem se abrindo. Hoje sou a segunda pesquisadora que mais publica nessa linha. Nossa contribuição tem sido mostrar os efeitos do homocisteína tecidual e os mecanismos que levam às doenças”, resumiu Wyse, que já foi agraciada com o Prêmio Capes-Elsevier, o Prêmio Pesquisador Gaúcho – Fapergs 2018 e o Prêmio “Cientista do Ano de 2020”, na área de neurociência, pelo instituto norte-americano International Archievements Center.
Mas esse é apenas um dos fronts nos quais atua a Acadêmica, que é membro titular da Academia Mundial de Ciências (TWAS). Seu grupo de pesquisa também trabalha com outras doenças neurológicas, modulação neurobiológica de comportamento e memória, neuroeducação e a tão necessária divulgação científica. “Em especial, destaco nosso projeto de letramento científico em escolas públicas. É algo que faço com orgulho, pois as crianças estão sempre abertas à ciência e querem mesmo é a oportunidade de se tornarem cientistas”, avalia.
Santuza Teixeira: Desenvolvimento de vacinas no Brasil: Da pesquisa basica ao braço das pessoas
A trajetória das vacinas é uma história bicentenária de avanços improváveis. O primeiro imunizante foi produzido sob condições éticas, digamos, sub-ótimas. O médico inglês Edward Jenner inoculou em uma criança um extrato feito a partir de feridas das mãos de ordenhadoras, grupo de trabalhadoras que, notavelmente, era menos afetado pela varíola humana. Apesar do risco, percebeu-se que o menino ficou protegido contra a doença, uma das principais causas de morte no planeta à época.
Tudo isso aconteceu cem anos antes de Pasteur revelar a existência de agentes patológicos microscópicos. Mesmo sem saber do que se tratava, Jenner provou que a exposição a um agente patológico enfraquecido pode criar resistência contra formas mais fortes, e esse conceito norteia o desenvolvimento de vacinas até hoje. Desde então, as vacinas se tornaram a principal arma contra epidemias, erradicando doenças, como a própria varíola, e, mais recentemente, dando fim à pandemia de covid-19 em tempo recorde.
No caso da covid, o que possibilitou as vacinas foi o aprimoramento de uma tecnologia inovadora, na qual RNAs mensageiros (mRNA) são inoculados nas células e lá produzem proteínas virais que são reconhecidas pelo sistema imune. Isso só foi possível graças à pesquisa básica de Katalin Karikó e Drew Weissman, que descobriram como impedir que esses mRNA fossem rejeitados pelo organismo gerando um processo de inflamação. Os dois pesquisadores acabam de ganhar o Prêmio Nobel de Medicina pelo trabalho.
Mas, desde Jenner até hoje, os imunizantes sempre foram questionados, das formas mais fantasiosas possíveis. “Naquela época as pessoas achavam que virariam vacas; o que mudou foi que, na pandemia, alguns acharam que virariam jacaré”, comentou, bem-humorada, a membra titular da ABC Santuza Teixeira, que é professora titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), líder de grupo do INCT Vacinas e sub-coordenadora do Centro de Tecnologia de Vacinas (CTVacinas). É membro Titular da Academia Brasileira de Ciências, Fellow da The World Academy of Sciences (TWAS) e pesquisadora de produtividade nível 1B do CNPq.
A pesquisadora alertou que o desenvolvimento de imunizantes segue concentrado nos países ricos, enquanto o Brasil sofre com gargalos na translação entre a pesquisa e produção. “A etapa dos ensaios clínicos segue sendo um ‘vale da morte’ na produção de vacinas brasileiras. Temos muita gente pesquisando, uma indústria farmacêutica pujante e uma capacidade de escalonar as vacinas que vêm de fora. Nos falta a infraestrutura e a experiência com boas práticas de testagem em humanos, além de conhecimento das regulações nas próprias universidades. Falta também interação entre academia e setor privado”, avaliou.
Nesse sentido, a Acadêmica defendeu que o Centro Nacional de Ciência e Tecnologia de Vacinas (INCT – CT Vacinas), situado na UFMG, é um passo importante rumo a autonomia. É lá que vem sendo produzida a vacina nacional SpiN-Tec, parceria entre UFMG e Fiocruz. Ao combinar pedaços das proteínas Spin (S) e Nucleocapsídeo (S) do Sars-Cov-2 em bactérias modificadas, a tecnologia consegue uma produção de imunizantes com baixo custo que já se encaminha para a fase 1 de testes em humanos.
“Desde a prova de conceito em animais até a fase 1 se passaram apenas 30 meses, o que é excepcional. Claro que isso se deve também à urgência da pandemia, mas é uma prova de que é possível percorrer todo o caminho de desenvolvimento para obter-se um imunizante nacional”, finalizou a Acadêmica.
Assista à cerimônia completa:
Confira a galeria de fotos da diplomação!