A saúde é uma das áreas onde a ciência está mais intimamente ligada à promoção de bem-estar e qualidade de vida, dado que o conhecimento é gerado tendo em vista aprimorar o tratamento. Mas a saúde também é, cada vez mais, interdisciplinar, dialogando não apenas com outras áreas biológicas, mas com temas mais relacionados à sociedade em que vivemos. Foi por conta da transversalidade de seus estudos, integrando saúde bucal e desigualdade social, que o cientista Marcos Britto Corrêa se tornou membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências (ABC). 

A odontologia é vista como um curso muito prático, onde os profissionais tendem a olhar muito mais para a atuação em hospitais e clínicas. Foram esses ambientes que despertaram a curiosidade de Marcos, influenciando sua escolha de carreira. “Quando pequeno, ficava fascinado com a ida ao dentista. Achava legal aquele ambiente cheio de instrumentos, massinhas, tudo me despertava interesse. Então, na adolescência, a odontologia surgiu como uma possibilidade concreta”, contou. 

Exemplos para a vida acadêmica o jovem tinha em casa. O pai era professor de agronomia na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e, quando Marcos tinha 11 anos, precisou se mudar com a família para Madri para cursar doutorado. Foram quatro anos na capital espanhola e, ao retornar, sua mãe, arquiteta, também decidiu deixar o mercado de trabalho e ingressar como professora universitária.  

Outra grande influência foi Ângelo, seu avô, cujo gosto pelo saber passava para o neto: ambos ficavam horas procurando aprender sobre tudo nas enciclopédias. “Sempre tive uma grande curiosidade. Queria saber o porquê das coisas, tentar explicar ou descobrir o que acontecia. Lia os jornais diários que tinha em casa desde os sete anos de idade”, lembrou Marcos. 

Essa veia científica ele carregou quando entrou para o curso de Odontologia da UFPel e já no segundo semestre foi selecionado como bolsista em um grupo de pesquisa. Mas sua experiência na faculdade foi muito além da pesquisa. Nos cinco anos de graduação, ele se engajou em projetos de extensão, atividades extracurriculares e no movimento estudantil. “Isso é essencial para o estudante. Considero que a formação universitária se dá muito além das disciplinas e atividades curriculares. A universidade te dá a possibilidade de crescimento pessoal de forma muito mais ampla, conhecendo novas pessoas e novas formas de pensar”. 

O primeiro contato de Marcos com a ciência foi no laboratório, auxiliando pós-graduandos no estudo e desenvolvimento de novos materiais para uso clínico. Foi perto da metade do curso que ele conheceu os estudos que acompanhavam a saúde bucal em coortes de nascimento de Pelotas, e essa foi a área onde seguiria carreira. 

Estudos em coortes envolvem o acompanhamento de um grupo de indivíduos selecionados ao nascer, cuja saúde é monitorada ao longo da vida. Esse método é custoso e de muito longo prazo, mas traz revelações fundamentais sobre cuidado e prevenção. As coortes de nascimento de Pelotas são reconhecidas internacionalmente como as de maior tempo de acompanhamento nos países em desenvolvimento. Marcos não poderia estar num lugar melhor. “A partir desse momento me apaixonei pela epidemiologia, na qual foco minha atuação até hoje”, disse. 

Daí em diante, sob orientação do professor Flávio Demarco, Marcos seguiu durante graduação e pós-graduação estudando como fatores de risco – como acesso à saneamento, atendimento médico e prevenção – influenciam na evolução da saúde bucal. O foco em desigualdade social lhe permitiu aferir que questões como renda, escolaridade e raça podem ter impacto maior no resultado final de um tratamento do que diferenças entre as técnicas aplicadas.  

“Por exemplo, ser negro no Brasil aumenta o risco de desenvolvimento de doenças bucais, independentemente da classe social. Temos um conjunto de trabalhos que demonstram o papel do racismo estrutural na saúde bucal, inclusive mostrando que a decisão de tratamento por parte dos dentistas é diferente dependendo de se o paciente é branco ou negro”, alertou o pesquisador. 

Esses resultados têm consequências imediatas para a prática odontológica, chamando atenção para a necessidade de um olhar muito mais atento e abrangente para o paciente, considerando fatores que, na maior parte das vezes, não são levados em conta. “Nosso papel como pesquisador é o da denúncia, ou seja, mostrar uma realidade absolutamente injusta para que estratégias e políticas possam ser elaboradas”, avaliou. 

A possibilidade de colocar à prova o conhecimento atual é o que move a ciência de Marcos Britto, e ele reafirma a importância de os cientistas participarem nas tomadas de decisão por gestores públicos. A ciência é, como qualquer outra, uma atividade política, e por isso deveria ser mais exercitada desde cedo. “Deveríamos discutir metodologia científica básica, estatística básica, já na escola.  Isso ajudaria muito inclusive a combater a disseminação de informações falsas, que hoje circulam de maneira muito fácil em nossa sociedade”, refletiu. 

Hoje, Marcos Britto é professor na sua Alma mater, a UFPel. Olhando para trás, o pesquisador faz questão de lembrar dos professores que moldaram sua trajetória. “Ao longo de toda minha vida acadêmica tenho que destacar o meu orientador, o professor Flávio Demarco. Uma pessoa sensacional, um grande pesquisador que sempre me deu liberdade para criar. Acho que o papel do orientador é esse, permitir ao estudante voar com suas próprias asas”, diz com carinho. “Também destaco os professores Marcos e Dione Torriani e todos os pós-graduandos que acompanhei. Tive o privilégio de ter grandes mestres que se tornaram amigos”. 

Agora membro afiliado da ABC, Marcos Britto destaca o fato de ser da área de odontologia. “Embora a odontologia seja uma área com produção científica de altíssima qualidade, ainda há pouco envolvimento dos pesquisadores na defesa da ciência perante a sociedade. Poder representar a ciência odontológica nacional na ABC é uma grande responsabilidade”, avaliou. 

Mas nem só de ciência vive o cientista. Nas horas vagas, Marcos se dedica a cuidar dos filhos, Paloma e Emiliano, e está sempre ouvindo música brasileira e latino-americana. “Pelotas fica pertinho do Uruguai, então temos uma forma de viver bem similar. Gosto muito do litoral uruguaio, com suas praias lindas, ermas e com clima mais frio. São ótimos lugares para caminhar, parar e refletir. Outro aspecto cultural similar é o mate. Passo o dia com uma cuia por perto”.