A sala de aula é um dos habitats naturais do cientista. Para além de pesquisador, esses profissionais precisam também ser bons professores para cumprir com tudo que a carreira exige. Afinal, não basta apenas gerar conhecimento, é preciso passá-lo adiante. Esse ambiente de aprendizado sempre foi algo muito natural na vida da bioquímica Ethel Antunes Wilhelm, membra afiliada da Academia Brasileira de Ciências (ABC).
A mãe foi a primeira das várias mulheres que a inspiraram a seguir o magistério. Professora do ensino fundamental, chegou a dar aulas para a filha na quarta série. Ao lado do marido, agricultor e caminhoneiro, ela criou Ethel e a irmã em Serrinha do Rosário, distrito do pequeno município de Rolador, RS, cuja população não chega a cinco mil habitantes.
A vocação da pequena Ethel já se manifestava quando aos sete anos ela decidiu criar uma salinha de aula no galpão de casa, onde convidava os amigos para assistir suas aulas. Já na escola de verdade, era uma excelente aluna e suas matérias preferidas eram português e, é claro, ciências. “Minha mãe sempre foi uma das minhas principais influências e desde pequena eu sempre fui muito curiosa e estudiosa”, conta.
Esse estímulo fez com que escolhesse cursar química na modalidade licenciatura, sempre atenta à possibilidade de dar aulas. Em 2004, Ethel ingressou na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a 300 quilômetros de casa, onde seria apresentada ao segundo pilar da carreira científica: a pesquisa. “O meu interesse em ciência foi surgindo ao longo da minha formação, mas foi no período do estágio de iniciação científica que ele se potencializou”.
Recém-chegada à faculdade, a jovem ainda não entendia bem o que exatamente era uma iniciação científica, mas sentiu-se motivada a tentar, já que era isso que todos os outros colegas estavam fazendo. Como costuma ocorrer, ela foi de porta em porta nos laboratórios procurando por uma oportunidade e a porta que se abriu foi justamente a da professora Cristina Wayne Nogueira, do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular. “Eu não tinha um objetivo definido, apenas sabia que queria fazer iniciação científica. Sou muito grata à Cristina, pois com ela aprendi que dedicação, comprometimento, ética e profissionalismo são fundamentais para qualquer pesquisador”, lembrou.
Foi nessa época que Ethel foi apresentada à área onde seguiria carreira, a bioquímica, que gera conhecimento e inovações para melhorar a vida daqueles que mais precisam. Acompanhando os testes farmacológicos, in vitro e em animais, a Acadêmica foi entendendo melhor como a ciência funciona e decidiu que ali seguiria carreira. Ao se formar em 2008, não teve dúvidas e logo ingressou no mestrado em bioquímica toxicológica da UFSM.
Essa nova fase começou de maneira difícil, pois foi quando Ethel perdeu o pai e a avó materna. O suporte que recebeu da mãe, da irmã e do namorado – com quem hoje é casada – fez com que ela conseguisse focar nos estudos. Sob orientação da professora Lucielli Savegnago e co-orientação de Cristina Nogueira, defendeu sua tese sobre os efeitos protetores da molécula 3-alquinil selenofeno contra danos oxidativos no fígado de ratos de laboratório. Além das orientadoras, ela faz questão de agradecer também o apoio que recebeu do colega de laboratório Cristiano Jesse, cujo entusiasmo pela ciência a marcou muito.
Ao concluir o mestrado, em março de 2009, logo ingressou no doutorado sob orientação de Cristina, renovando a parceria que vinha desde a graduação. Sua pesquisa no doutorado se aprofundava no tema de seu mestrado, estudando os efeitos da mesma molécula, só que então também no tratamento de convulsões. Foram três anos de muito trabalho e dedicação, que culminaram na sua titulação como doutora, em março de 2012, na mesma universidade onde, quase uma década antes, havia ingressado sem muita ideia do que fazia um cientista.
Logo após o doutorado, Ethel já começou a atuar como professora, seu sonho de infância, na UFSM e na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI). Em 2013, foi aprovada em concurso para professora na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), onde atua até hoje. Na UFPel, Ethel lidera o Laboratório de Pesquisa em Farmacologia Bioquímica (LaFarBio). Desde que completou a pós-graduação, investigando farmacologia e doenças neurológicas, ela aumentou o escopo de suas pesquisas e enveredou cada vez mais na compreensão dos mecanismos de dor, sobretudo em pacientes com câncer.
“Apesar dos avanços no tratamento quimioterápico, o câncer ainda é a segunda principal causa de morte no mundo. A dor é o sintoma mais comum e compreendê-la é essencial para enfrentar uma doença na qual o diagnóstico precoce faz toda a diferença”, explicou. “À medida em que o câncer avança, a dor geralmente aumenta e pode ser causada pela compressão do tumor nos ossos, nervos ou outros órgãos, bem como pelo próprio tratamento quimioterápico”.
Para enfrentar a dor, a Acadêmica avalia a utilização de compostos orgânicos de selênio como possíveis agentes terapêuticos. A eficácia desses compostos já foi verificada em testes animais, então existe a expectativa de que possam cumprir todas as etapas até chegar ao uso medicinal. “Esperamos que essas substâncias possam trazer alívio não apenas para pessoas com câncer, mas também para pacientes com outras condições dolorosas”, ressaltou.
A cientista também estuda como outras condições, como estresse, envelhecimento e obesidade, interagem e contribuem para o agravamento de dores. Em particular, tem focado na neuropatia periférica, doença que causa fortes dores nas extremidades do corpo. Para ela, essa capacidade da ciência de promover bem-estar e qualidade de vida é o que mais a encanta na profissão e a motiva a acordar cedo todos os dias.
Agora na ABC, ela se diz honrada de poder representar a ciência e, sobretudo, as mulheres cientistas. Vencedora do prêmio “Para Mulheres na Ciência 2018”, oferecido pela L’Oréal em parceria com a ABC e com a Unesco, a pesquisadora quer incentivar mais meninas a seguirem a carreira. “A ciência precisa de mulheres em posições de liderança e que sirvam de inspiração. A diversidade de pensamentos propicia crescimento, inovação e o avanço na pesquisa. Por isso, precisamos continuar buscando a equidade de gênero”, destacou.
“Agradeço a todas as mulheres cientistas que me inspiraram e que me motivam a cada dia. Ter amigas que te impulsionam, que te puxam para crescer junto, que acreditam em ti, isso faz toda a diferença. Muitas das oportunidades que tive foram propiciadas por outras mulheres. Eu almejo ser como elas e contribuir para que outras cresçam junto.”
Nas horas vagas – que são raras numa carreira tão exigente -, Ethel gosta de aproveitar em família. Em 2022, ela tornou-se mãe e hoje acompanha de perto cada fase da vida de seu filho Otávio. “Como gaúcha nata, adoro tomar um chimarrão com os pés na grama, junto àqueles que amo”.