A curiosidade sobre o céu noturno acompanha o ser humano desde a pré-história, o que faz a astronomia ser considerada a primeira ciência do mundo. A ciência moderna se propõe a raciocinar sobre os astros despida de misticismos e crenças, mas nem por isso eles se tornam menos misteriosos. No fim das contas, talvez o fascínio que a astrofísica Cristina Furlanetto sente quando olha para cima seja o mesmo que os antigos sentiam e, por causa dele, todos foram impelidos a buscar respostas sobre o espaço sideral. 

Mas essa realidade parecia distante na infância de Cristina. A membra afiliada da Academia Brasileira de Ciências cresceu em Garibaldi, na Serra Gaúcha, onde teve uma infância tranquila rodeada de amigos. Filha de comerciantes e neta de agricultores, ela sempre admirou os saberes práticos da família e, em troca, sempre foi estimulada a querer conhecer mais sobre tudo. “Eu tinha o sonho de ser cientista. Na minha imaginação de criança, eu queria usar jaleco e ser astronauta. Eu queria ter uma casa na árvore e fazer um laboratório dentro dela”, relembrou.  

Outro estímulo para o interesse em ciências foi a participação no Movimento Bandeirante, dos 10 aos 18 anos. As atividades de bandeirantismo eram realizadas em meio à natureza, o que aguçava a curiosidade da jovem. Na escola, suas matérias preferidas eram matemática e física e ela lembra até hoje do professor Leandro, que durante o ensino médio a estimulava a sempre questionar e pesquisar por conta própria. 

Foi nessa época, com 13 anos, que Cristina fez uma viagem de escola para Porto Alegre, onde visitou o Planetário da UFRGS e o Museu de Ciência e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Essa viagem foi muito importante para mostrar à afiliada que seu sonho era possível, o que comprova a importância que esses espaços de divulgação científica têm na formação das novas gerações. “Foi uma referência fundamental no meu processo de escolha, pois eu vi naquela universidade que existia um caminho para o meu sonho se tornar real. Mas isso não quer dizer que o processo não foi cheio de receio e de incertezas”, contou Furlanetto. 

E as incertezas eram muitas. 1500 quilômetros a separavam do único curso de astronomia do Brasil existente na época, na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mudar-se sozinha para a cidade grande e distante era inviável, então ela optou por cursar física na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mesmo sem muitas informações sobre o curso e a carreira. “Meus pais me diziam ‘será que vais conseguir se sustentar sendo física?’”, ela contou. “Mas conforme eu fui ganhando segurança sobre a minha escolha, eles passaram a me dar total apoio”. 

Na UFRGS, Cristina cumpria com a carga horária do curso, mas sempre com um olhar atento para a sua área dos sonhos. Ela puxava todas as atividades e matérias optativas em astronomia e cosmologia que a universidade oferecia. No terceiro período, conheceu o professor Leonardo Brunnet, da disciplina de Métodos Computacionais, com quem começou a fazer iniciação científica. “Mesmo não sendo na área de astrofísica, esse estágio foi fundamental para eu pegar o gosto pela pesquisa. Além disso, despertou em mim o interesse por programação e métodos numéricos, algo que perpassa minha carreira até hoje”, explicou. 

Mas foi só no fim da graduação que o caminho da Acadêmica e da astrofísica finalmente se entrelaçaram. No seu último semestre, físicos do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) estiveram na UFRGS para ministrar um minicurso. Conversando com eles, Cristina foi convencida a prestar a prova de mestrado pro CBPF, na qual foi aprovada. “Dessa vez, o Rio de Janeiro pareceu pertinho”, relembrou. 

E assim, com 22 anos Cristina mudou de estado para estudar o que sempre quis. Sob orientação do professor Martín Makler, ela mergulhou na astrofísica e defendeu sua tese intitulada “Implicações cosmológicas de um campo escalar com ação de Born-Infeld estendida”. Ao final desse período, Makler passou a estudar o fenômeno das lentes gravitacionais, que ocorre quando a luz de um objeto distante é desviada por um corpo massivo, como uma galáxia, tal qual uma lente de um telescópio. A Acadêmica logo se interessou pelo assunto. 

Mas a vida pessoal às vezes pede passagem e Cristina precisava voltar para o Sul. Nessa época, o grupo do laboratório de Makler fazia parte do projeto internacional Dark Energy Survey (DES), um esforço de colaboração entre centenas de cientistas para mapear o cosmos e encontrar padrões que pudessem revelar pistas sobre a tão misteriosa matéria escura. Outro grupo que fazia parte do DES era o do professor Basílio Santiago, da UFRGS, com quem a Acadêmica decidiu fazer doutorado. 

Assim, nesse período ela estudou os fenômenos de lentes gravitacionais que identificava nas imagens do DES, desenvolvendo métodos para aprimorar esse processo e descobrindo muito sobre galáxias e aglomerados de galáxias que ia encontrando pelo caminho. Em 2012, ela defendeu sua tese “Arcos gravitacionais em aglomerados de galáxias: detecção, caracterização e modelamento”, tornando-se doutora em Astrofísica. “Em toda minha trajetória acadêmica, meus orientadores foram referências muito importantes, pela maneira como transmitiram o conhecimento e pela dedicação à ciência. Eles me deram todo o suporte necessário”, agradeceu. 

Cristina lembrou também das mulheres cientistas com quem teve contato ao longo do caminho. “Tive oportunidade de conviver com mulheres incríveis no Instituto de Física da UFRGS, que me inspiram até hoje por sua paixão pela ciência. Destaco as professoras [e Acadêmicas] Miriani Pastoriza, Thaisa Storchi Bergmann e Marcia Barbosa.  A amizade com colegas também foi muito importante nesse período”. 

A Acadêmica fez quatro anos de pós-doutorado, no Observatório Nacional, na UFRGS e na Universidade de Nottingham, da Inglaterra, antes de ingressar como professora na UFRGS. Agora uma cientista profissional, ela mantém o entusiasmo de jovem ao falar de sua área, buscando entender como as grandes estruturas do universo se formam. Os fenômenos gravitacionais que ela estuda permitiram a ciência entender que existe algo além do que os nossos olhos conseguem ver no espaço sideral, a matéria escura, mistério que busca desvendar todos os dias. 

“Faz algumas décadas que a ciência descobriu que as galáxias parecem conter muito mais matéria do que seria explicado pelo material visível, estrelas, planetas, gás e poeira. Acredita-se que essa matéria invisível ou faltante represente mais de um quarto da massa total e da energia no Universo. Não sabemos ainda o que a matéria escura é, apenas identificamos seus efeitos. Minha pesquisa busca investigar como a matéria escura e a matéria luminosa estão distribuídas em diferentes escalas pelo Universo”, explicou a cientista. 

Agora na ABC, Cristina se diz honrada e espera representar as jovens cientistas do país na luta por mais valorização à pesquisa nacional. “Fazer ciência para mim é uma maneira de contemplar, de forma muito profunda, a beleza da natureza. Lidar com o desconhecido, olhar para algo que ninguém olhou antes, estar na fronteira do conhecimento são coisas que me fascinam e me movem”, descreveu. 

Mas a vida é muito mais do que apenas ciência. Cristina é apaixonada por música e diz que um dia sem música é um dia sem graça. O estilo contemplativo a acompanha também nas práticas de caminhada, trilhas e yoga, mas ela também curte estar rodeada pela família e pelos amigos que ama. “Ao contrário do estereótipo, não gosto muito de ficção científica, prefiro obras que retratam a complexidade e as ambiguidades do ser humano”.