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Do hobbie à profissão (RJ)

Algumas crianças gostam de colecionar selos, outras, figurinhas de astros do futebol, mas Leandro Soter, aos 14 anos, colecionava bulas de remédio. “Ficava radiante sempre que os médicos da família receitavam algum medicamento novo cuja bula ainda não possuísse. Perdia tempo lendo-as inteira e minuciosamente e adorava aqueles nomes e termos, para mim então, incompreensíveis”. O hobbie, para muitos, estranho, era apenas o prelúdio de uma paixão pela pesquisa química que se desenrolaria em uma carreira de muito estudo e sucesso na academia.

Apegado à ciência desde criança, Leandro optou, ainda jovem, por iniciar suas pesquisas o mais cedo possível. Decidiu, depois de ter dois anos de ensino médio cursados, voltar ao primeiro para que pudesse estudar na escola técnica Federal de Química do Rio de Janeiro (ETFQ), hoje, Instituto Federal de Química (IFRJ). “Lá, a cada período que avançava, a discussão e troca de experiência diferentes professores foram responsáveis por cristalizar a carreira científica como aquela que gostaria de seguir. Nunca pensei em outra coisa que não a academia. ” A influência de um ensino básico aplicado permitiu que Leandro começasse a graduação conjugada com a iniciação científica desde o primeiro período.

No começo da graduação em farmácia, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Leandro identificou muito dos conceitos que já conhecia de sua experiência na ETFQ. Por isso, a segunda parte do curso foi a mais interessante, já que foi ali que ele começou a realmente conhecer novas áreas na química e se interessar pela química orgânica, que adotaria em suas pesquisas posteriores. Ele seguiu para um mestrado e posterior doutorado em química de produtos naturais, também na UFRJ. A pesquisa atual de Leandro se concentra na busca por produtos que usem biocatalisadores na síntese de ingredientes farmacêuticos ativos.

O pesquisador trabalha em conjunto com a indústria farmoquímica e diz buscar sempre produtos que possam ter uma aplicação, ainda que em escala de laboratório. Para Soter, “o mundo que temos hoje não seria possível sem ciência e, neste contexto, a química tem papel de destaque”. Ele afirma que o que lhe encanta na área é a possibilidade de analisar transformações de propriedades de matérias e descobrir como isso pode ser revertido em ações práticas que interferem na sociedade e no mundo.

Ao longo dos anos, o antigo hobbie de colecionar bulas de remédio ficou para trás e deu lugar ao estudo daqueles nomezinhos indecifráveis. Mas a leitura, em si, não foi abandonada. Hoje, Soter usa suas horas vagas, quando não está no laboratório para ler clássicos da literatura ou viajar. “Os destinos culturais e gastronômicas são os meus preferidos”, afirma.

Fisgado pela ciência (RJ)

Miguel Campista é um exemplo de cientista que foi fisgado pela pesquisa pelos pés. Como um de seus orientadores costumava dizer, “o bichinho o picou”. Embora não tenha planejado seguir os passos acadêmicos desde cedo, uma vez no mestrado, o engenheiro de telecomunicações se apaixonou pela academia e decidiu seguir na área.

Independente da carreira que viesse a seguir, a aptidão com os números já estava clara desde o começo. O menino era aluno nota 10 na escola, e manteve a média durante todo o período de ensino básico. Na faculdade, titubeou entre a física e a engenharia, mas optou pela segunda. “Desisti da física porque não achava que existiriam muitas oportunidades no mercado de trabalho nacional. Tinha medo de ter apenas como opção a carreira de professor e por isso mantive o plano de fazer engenharia. A vida é curiosa e acabou de qualquer forma me levando para o caminho da docência, conforme eu ia conhecendo melhor a profissão. ”

Finalizando a graduação na Universidade Federal Fluminense (UFF), começou seu difícil processo de decisão sobre qual caminho seguir. Certo de que devia aprimorar o currículo para entrar com força no mercado de trabalho, iniciou os estudos no mestrado em engenharia elétrica na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foi neste período que a pesquisa lhe ganhou. “Parece que já era o meu destino e não tinha como fugir”, brinca.

Concluído o mestrado e já conquistado pela docência, Miguel seguiu para o doutorado, ainda na UFRJ. A essa altura, o ambiente do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ) já servia de inspiração para Miguel. Lá, sua pesquisa era ligada à rede de computadores, estudo com uma gama ampla de possíveis aplicações, indo desde troca de mensagens telefônicas até o sensoriamento de sinais vitais de um paciente em leito de hospital ou rastreamento de sinais de tempestade em perímetros urbanos.

Para Miguel, são muitos os motivos que explicam sua paixão pela pesquisa e pela docência. O engenheiro destaca que a possibilidade de despertar interesse e curiosidade em seus alunos, a oportunidade de propor coisas novas e o processo de geração de conhecimento são o que lhe movem em seu dia-a-dia como pesquisador. “Isso tudo é uma enorme recompensa e acredito que extrapola a área de pesquisa. ” Ele define como uma grande recompensa também a nomeação como membro afiliado da ABC, para ele, uma surpresa e uma honra, já que se destacou “em meio a tantos cientistas ilustres”.

Os experimentos de Miguel extrapolam a barreira do laboratório e vão parar em casa. Lá, porém, é na cozinha que o engenheiro se aventura em tentativas e novidades. Apaixonado por músicas e séries, os hobbies perderam espaço há três anos para as batalhas entre robôs e dinossauros. Ele explica: “É como passo o tempo brincando com meu filho, o que é, hoje, meu maior prazer nas horas de lazer”.

Dois continentes ligados pela matemática (RJ)

Vivendo na pequena aldeia de Silverdale, a 15km de Lancaster, na Inglaterra, Robert Morris não poderia imaginar que seu futuro estaria a tantos quilômetros de distância, em uma das cidades mais conhecidas da costa brasileira. O matemático inglês se encontrou na pesquisa carioca e, há oito anos, é pesquisador do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA).

Robert é o caçula de três irmãos e filho de um casal de médicos. Na família, não foi o único a seguir na matemática. Sua irmã mais velha também optou pelo curso, também em Cambridge. A escolha não foi nenhuma grande dúvida. Desde pequeno, Robert se interessava pelo assunto na escola e sempre procurava por materiais extras e referências. “Com 14 anos descobri as olimpíadas de matemática e, desde então, passei mais tempo resolvendo problemas matemáticos do que lendo livros.”

Embora a decisão tenha sido fácil, os primeiros anos da graduação não foram os melhores para Robert. Já no terceiro ano, buscando por um conteúdo interessante na biblioteca, se deparou com um livro de G. H. Hardy “Apologia do matemático”. “Sentei no chão e li o livro inteiro. Pela página final, sabia que queria ser matemático. No dia seguinte, meu primeiro curso de Combinatória começou e meu caminho ficou claro.”
Neste período, Robert entrava em uma etapa da graduação decisiva para sua carreira. Segundo ele, na Inglaterra, não existe uma cultura de iniciação científica, porém o quarto ano em Cambridge funciona como uma espécie de mestrado para os estudantes. Por isso, o estudo de combinatória imperou em sua decisão de projeto de pesquisa.

Depois de se graduar em matemática, o caminho de Robert começou a ser trilhada mais ao sul do planeta. Viajou para a Escócia para apoiar uma olímpiada de matemática e lá conheceu a professora Béla Bollobás, que o convidou para um doutorado na Universidade de Memphis, nos Estados Unidos. “Em Memphis, eu tive a oportunidade de conhecer vários dos pesquisadores mais importantes da área e de viajar bastante, inclusive para o Rio, para uma conferência no Impa. Depois de duas semanas aqui, eu já sabia que este era o único lugar no mundo onde eu queria morar. ”
Radicado no Rio, Morris pesquisa combinatória. O estudo foca, em termos gerais, no uso da probabilidade para analisar sistemas numéricos finitos, como grafos, colorações e conjuntos de números inteiros. A área tem aplicação em outros campos matemáticos como a teoria dos números e em exemplos reais, como partículas interagentes, a própria Internet e o funcionamento do cérebro. “Um bom exemplo é o artigo no qual estou me dedicando atualmente, que fala da transição líquido-vidro na física da matéria condensada”.

Ao ouvir Morris falar de sua área de pesquisa, é possível perceber a paixão em suas palavras. Ele descreve o momento do entendimento de um determinado cálculo como “um sentimento poderoso e muito agradável”. “Você está tentando resolver uma questão que parece incompreensível e, de repente, uma ideia surge na sua cabeça e você entende todo o problema. A matemática é cheia destes problemas lindos e resolvê-los é o que mais gosto de fazer. ”

Além da paixão latente pela matemática, Morris é, também muito grato ao cenário da pesquisa carioca, e principalmente do Impa, pela recepção. “Os pesquisadores, alunos e funcionários do Impa me deram apoio durante vários anos e sempre me fizeram sentir tão bem-vindo no país e na comunidade matemática brasileira.”

Sobre a entrada no quadro de membros afiliados da ABC, Morris afirma que pretende apoiar e trabalhar pelo desenvolvimento da ciência brasileira e da matemática no país. O afiliado ainda aproveita para reforçar o suporte da família e brinca: “Preciso sempre agradecer pelo apoio e paciência com um matemático que trabalha demais e, muitas vezes, se vê perdido num mundo imaginário de contagem!”

Amor à primeira vista pela pesquisa (RJ)

O plano inicial era o de cursar medicina, assim como o seu pai. Mas o destino colocou as ciências biológicas no caminho de Thiago Motta Venancio e o amor foi à primeira vista. Professor associado na Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) desde 2010, o novo membro afiliado da ABC regional Rio de Janeiro conta que seus primeiros passos na pesquisa foram dados já no primeiro período da graduação, realizada também na Uenf.

“Fiz iniciação científica a partir do 1° período. Nunca houve plano B. Desde então eu só queria fazer pesquisa”, diz Thiago, que se define como um “apaixonado, quase obcecado”, pelas atividades de pesquisa.

No laboratório, Thiago começou explorando a área de bioquímica. Lá ele purificava e estudava proteínas. Entre o fim da graduação e o início do mestrado, realizados ambos na Uenf, ele adquiriu grande curiosidade pelas áreas de genômica e bioinformática. Foi quando decidiu esta linha de pesquisa para o doutorado, na Universidade de São Paulo (USP), e no pós-doutorado.

O jovem afiliado da ABC fez o pós-doc na National Center for Biotechnology Information (NCBI), instituição de ensino e pesquisa dos Estados Unidos. Lá, ele desenvolveu pesquisa em genômica e proteômica de sistemas biomoleculares (systems biology) sob uma perspectiva evolutiva.

Para Thiago, a experiência de estudar fora foi uma excelente oportunidade para que, finalmente, ele conseguisse unir as suas grandes paixões: a biologia e a computação. “Muitas pessoas foram importantes neste período e chega a ser injusto citar nomes. Contudo, não posso deixar de mencionar os professores José Xavier-Filho e Sergio Verjovski-Almeida, ambos membros da ABC, além do professor do NCBI Aravind”, destaca o professor da Uenf.

Membro do corpo editorial de cinco periódicos internacionais e revisor de revistas científicas, Thiago atualmente se dedica a desenvolver projetos onde são aplicadas metodologias computacionais para explorar grandes conjuntos de dados biológicos. Segundo ele, diversos organismos são estudados, de bactérias patogênicas até plantas.

“Essencialmente desenvolvemos pesquisa básica, que alicerça a pesquisa aplicada”, resume o professor, que se fascinou pela ciência ainda criança, por meio da leitura de obras do astrofísico Carl Edward Saga e o biólogo e escritor Clinton Richard Dawkins: ambos grandes divulgadores da ciência.

“O que me encanta na ciência é a capacidade de explorar o desconhecido, de descobrir algo novo e, na minha área em particular, de poder fazer tudo isso utilizando computadores para explorar dados previamente publicados de forma mais sistemática e aprofundada”, diz Thiago.

Para o jovem afiliado, ser escolhido membro de uma instituição centenária como a ABC é uma das maiores honras de sua carreira. “Pretendo me unir aos demais membros da ABC na missão de proteger a ciência brasileira e torná-la um projeto de Estado”, defende Thiago. “Há muito por fazer, especialmente nos anos difíceis que estamos atravessando”, diz ele, que acredita ter também uma missão regional e institucional: a de ampliar a representatividade do Norte Fluminense e da Uenf nos quadros de Acadêmicos da ABC.

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