A relação próxima com os professores e a amizade que criou com o diretor da escola de ensino fundamental foram decisivas para que Ulisses de Almeida rumasse para a ciência. A mãe, que era também professora. Estimulava o interesse presenteando o menino com livros sobre o tema que ele lia com gosto. Até hoje, lembra de um dos primeiros que leu, sobre o astrofísico Carl Sang. “Minha mãe me falava sobre o céu e me levava para ver as estrelas. Assisti a passagem do cometa Halley ainda pequeno e isso me marca muito até hoje.”

No colégio, no entanto, Ulisses não dava sinais de sua aptidão. Era apaixonado pelas matérias de humanidades e chegou a estudar sete línguas, chegando a ser fluente em cinco delas. Com a tecnologia, também não tinha tanta afinidade. “Fui ter meu primeiro computador em casa com 14 anos e o celular, consegui postergar até os 20.”

Mesmo montando um perfil fora do comum para alguém que se tornaria cientista, a paixão pelas estrelas e pelo céu foram confirmadas na escolha do curso universitário. Antes, aos 14 anos, Ulisses tinha recebido o conselho de procurar pela Escola Municipal de Astrofísica, junto ao Planetário do Parque do Ibirapuera, que oferecia cursos de extensão sobre Astronomia e Astrofísica. O contato precoce com a área não deixou dúvidas.

Ulisses preferiu optar pelo curso tradicional de física na Universidade de São Paulo (USP) e se especializar na astrofísica mais tarde. Lá, iniciou pesquisa ainda no segundo ano, sob a supervisão do professor Zulema Abraham, sobre radio-astronomia. Dessa época, ele se recorda de momentos instigantes, operando sozinho o radio-telescópio de Itapetinga, mantido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em Atibaia. “Era uma experiência desafiadora e um pouco solitária – como é a ciência muitas vezes – mas muito fascinante.”

O fim da graduação serviu de ponte para o restante de sua carreira acadêmica. Por recomendação de uma professora, Ulisses aplicou para um estágio de verão na Universidade de Durham, na Inglaterra. Lá, conheceu a professora Paula Chadwick, que veio a ser sua orientadora no doutorado. Após essa experiência, ainda concluiu um pós-doutorado no Instituto Max-Planck de Física de Munique.

O período de estudo no exterior agregou em mais um aspecto da vida de Ulisses. Este, um tanto quanto curioso. Lá, ele se converteu ao catolicismo, religião que, até hoje, pratica, compondo o time de cientistas que nega uma oposição necessária da ciência com a religião.

Atualmente, Ulisses é pesquisador adjunto do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e estuda a astronomia de raios-gama de muito-alta energia. Seu grupo usa o Telescópio Cherenkov Atmosférico para estudar a emissão de radiação com energias superiores aos 100 GeV pelas fontes celestes. Essa energia é gerada por fenômenos extremos, como supernovas e buracos negros e o grupo analisa as chamadas galáxias “ativas”, com buracos negros com massa de até um bilhão de sóis em seu centro. Esses buracos negros são capazes de fundir matéria do ambiente ao seu redor, formando gigantescos jatos de plasma relativístico e emitindo enormes quantidades de energia no processo. Essa energia pode ser equivalente ou superior à radiação produzida por todas as estrelas de uma galáxia. “São objetos ideais para estudarmos a física de fenômenos extremos, além de serem na compreensão da evolução das galáxias, da origem e produção dos raios-cósmicos e do Universo como um todo.”

Além de seu trabalho no CBPF, Ulisses faz parte do Cherenkov Telescope Array (CTA), projeto mundial que pretende construir a próxima geração de telescópios Cherenkov, que devem entrar em operação a partir de 2020. Parte do sistema da óptica ativa do telescópio foi projetada pelo grupo de Ulisses no CBPF. Além disso, ele integra o grupo que planeja e prepara os estudos de galáxias ativas que o observatório fará quando entrar em operação.

Ulisses lembra que, quando entrou em contato com a pesquisa em astrofísica de raios-gama a área ainda era muito inicial e ele teve a oportunidade de acompanhar seu crescimento no país. Hoje, afirma que se encontrou nesse processo e reforça que é a possibilidade de entender como os corpos e matérias se formam e funcionam que o cativam na ciência e na física, em especial. “O desejo de conhecer e entender a realidade sempre foi algo presente e importante, como um valor fundamental. Para mim, a física é a que mais me permite isso, pelo seu olhar sobre os processos fundamentais e mais elementares da natureza.”

O comprometimento com as questões científicas para Ulisses extrapola as barreiras do laboratório. O astrofísico se envolveu, recentemente, no projeto da Organização das nações Unidas (ONU) chamado Iniciativa Open Universe. O grupo pretende criar uma infraestrutura global de dados abertos e e-Science para astronomia, e tem como objetivo revolucionar o modo como dados astronômicos são usados e compartilhados globalmente para pesquisa, educação e difusão para o público em geral.

Além disso, Ulisses ainda integra o grupo italino Associazione Euresis, que trabalha em prol da divulgação científica. Hoje, ele faz parte de seu comitê gestor e promove eventos e encontros para debater sobre o tema, além de fomentar o jornal Associazione Euresis, que fundou junto com um amigo. O Acadêmico pretende atuar ainda mais na função de difundir a ciência como membro afiliado da ABC e ressalta: “ Vejo a honraria como um chamado a olhar para o futuro. Venho me planejando para usar esse título como uma ferramenta para contribuir ainda mais para a ciência e para a ciência no Brasil. Não quero, de maneira alguma, que este acontecimento seja uma experiência passiva”.