A Amazônia é o bioma com maior biodiversidade do planeta. Um hectare de floresta tem mais espécies de árvores que toda a Europa e uma grande árvore pode abrigar mais espécies de formiga que toda a Inglaterra. Gerar conhecimento sobre essa diversidade é papel da ciência, mas é também um desafio, já que a região Norte é a que menos forma doutores no Brasil.

Para debater essa defasagem, a 75ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que acontece de 23 a 29 de julho na Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba, organizou uma mesa redonda com a ecóloga Ima Célia Guimarães Vieira, do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), e os botânicos Daniela Zappi, da Universidade de Brasília (UnB), e Michael John Hopkins, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

“Não existem patrimônios abstratos. Não podemos chamar a Amazônia de patrimônio brasileiro se não a conhecemos”, refletiu o coordenador da mesa, Ennio Candotti, diretor do Museu da Amazônia (Musa).

Vazios taxonômicos

Em 2010, cientistas brasileiros e estrangeiros se uniram no Projeto Reflora para lançar um herbário virtual sobre a flora e os fungos brasileiros. O objetivo era ter um repositório onde taxonomistas – os cientistas que se especializam em classificar as espécies – pudessem acessar e adicionar com facilidade ao conhecimento existente. O problema é que a Amazônia tem apenas 9% dos taxonomistas brasileiros, o que gera distorções. “Não dá pra acreditar que o Rio de Janeiro tenha o mesmo número de espécies que a Amazônia”, exemplificou o professor Michael Hopkins.

Essas distorções são um problema para a conservação e o Brasil corre o risco de perder muitas espécies sem nem chegar a conhecê-las. A dificuldade apresentada pelo ambiente amazônico também contribui para a baixa velocidade na geração de conhecimento, com a maior parte das coletas se concentrando perto das cidades e estradas. Isso gera verdadeiros vazios taxonômicos, que são mais graves devido à alta regionalização da maior parte das espécies de flora.

“As árvores da Amazônia são dominadas por cerca de 240 espécies muito recorrentes. Grande parte das estimadas 16 mil espécies tem menos de mil indivíduos limitados à regiões pequenas”, explicou a membra titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) Ima Célia Guimarães Vieira.

Comparação da quantidade de coletas para a quantidade de espécies ameaçadas conhecidas. Como conservar sem conhecer?

Crucial para enfrentar esses problemas, os mateiros e parabotânicos são cada vez mais raros. Esses profissionais geralmente não tem ensino formal em biologia, mas são donos de um conhecimento tradicional invaluável. Abrindo caminho pelas matas, eles colaboram com os cientistas na hora de coletar as amostras no topo das árvores e muitos conseguem identificar espécies novas e raras. “Gostaria de lembrar aqui de Paulo Apóstilo Assunção, parabotânico que colaborou por 30 anos com o Inpa, que perdemos para a pandemia durante a crise da falta de oxigênio em Manaus”, homenageou Hopkins.

A falta de profissionais atinge também os cientistas. De acordo com Ima Célia Vieira, pelo menos 20 linhas de pesquisa devem ser extintas com a aposentadoria próxima de pesquisadores sêniores.

“O Brasil está sentado sobre uma megadiversidade e não sabe o que fazer com isso”, resumiu Daniela Zappi.

Ciência e tecnologia para os povos amazônicos

Os herbários começaram a se consolidar na Amazônia na segunda metade do século XX com a criação de instituições como o Inpa e o Museu Emílio Goeldi. Os estudos mais aprofundados sobre o impacto da ação humana na floresta datam da década de 80 e a consolidação de redes robustas de pesquisadores se dá apenas na década de 90. Por tudo isso, estima-se que o conhecimento taxonômico sobre a região esteja atrasado em cerca de 60 anos com relação às outras regiões do país, como mostrou Michael Hopkins.

O Brasil atingiu a metade do conhecimento atual sobre a Amazônia 65 anos após o resto do país, mostra Michael Hopkins

Dois parques ecológicos se destacam na produção de ciência: a reserva Ducke e a reserva do Mocambo, nos arredores de Manaus e Belém, respectivamente. É preciso tomá-los como exemplo e expandir a pesquisa para outras zonas de conservação, mas, para isso, é necessário pessoal. “Os programas precisam durar décadas para serem efetivos, fazendo o acompanhamento árvore por árvore ao longo do tempo”, alertou Ima Vieira.

Para isso, é necessário fazer cada vez mais uso de tecnologias de ponta, como drones e satélites, que dependem de profissionais especializados. “Muitos pesquisadores vão para a região, mas logo retornam para suas origens. É preciso formar pessoal da região, com mais facilidade para se fixar”, disse Daniela Zappi. Entretanto, o investimento federal em recursos para a Amazônia ainda é baixo, o que só contribui para o abismo existente entre as regiões do país. “A Amazônia gera 8% do PIB nacional, mas ainda recebe um retorno de apenas metade disso quando se trata de investimentos em ciência e tecnologia”, finalizou Ima Vieira.

 

 

Da esquerda para a direita: Ima Célia Vieira, Ennio Candotti, Michael John Hopkins e Daniela Zappi (Foto: Jardel Rodrigues/SBPC)

 

Leia outras matérias da ABC na 75a Reunião Anual da SBPC sobre a Amazônia!