O El Niño começou. O evento climático de aquecimento anormal das águas do Pacífico causa grandes transformações no clima global, entre elas, o prolongamento das estiagens na Amazônia. Na última vez que ocorreu, entre 2015 e 2016, o El Niño teve consequências devastadoras para a floresta, e especialistas alertam que o deste ano deve ser ainda mais forte. A conexão entre o fenômeno e a floresta é um exemplo drástico de como a conservação da Amazônia e o clima do planeta estão profundamente conectados.
O tema foi abordado pelo climatologista e membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) Carlos Afonso Nobre. A palestra ocorreu durante a 75ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que ocorre entre os dias 23 e 29 de julho na Universidade Federal do Paraná, em Curitiba.
Um duplo problema
Não é segredo que a Amazônia está perto de um ponto de não retorno. Enquanto o desmatamento disparou nos últimos quatro anos, o aquecimento do planeta contribui para estiagens mais longas que diminuem a resiliência do bioma. O que agrava o cenário é o fato de esses dois problemas estarem profundamente conectados.
A floresta armazena cerca de 200 milhões de toneladas de carbono que, se forem para a atmosfera, tornarão qualquer meta climática impraticável. Esse potencial de sequestro de carbono é um serviço ecossistêmico essencial e a razão pela qual o mundo acompanha com atenção a região. “A Amazônia é um dos elementos mais críticos do sistema climático do planeta”, apontou Carlos Nobre.
As secas no chamado arco do desmatamento, as bordas oriental e sul da floresta, já estão um mês mais longas do que o normal, o que tende a se agravar com o El Niño. O climatologista alertou que, quanto maiores as estiagens, menor o potencial do bioma se recuperar. “Se a seca chegar a seis meses, e já chegam a cinco, nenhuma floresta se mantém”, disse. “Acontece o que chamamos de savanização. Mas não uma savana rica como o Cerrado. A floresta tenderá a se tornar uma savana degradada e pobre”.
Amazon Green Deal
Carlos Nobre é um dos principais defensores do que chama de bioeconomia, isto é, uma transformação radical das bases sobre as quais o desenvolvimento da região se sustentaram nas últimas décadas. “A ocupação da floresta segue as patas do boi”, disse, “mas o solo da floresta não é propício para isso, estamos falando de uma pecuária de baixíssima produtividade”.
Esse uso insustentável se dá por conta da ideia ultrapassada de que é possível expandir a fronteira agrícola indefinidamente – e mudar essa forma de pensar talvez seja a tarefa mais difícil dos ambientalistas. “Desenvolver novas práticas e produtos que possam garantir o sustento das populações locais é o principal desafio. Dois exemplos são o açaí e o cacau”, afirmou. Ambos os cultivos se dão em sistemas agroflorestais, ou seja, são feitos em meio às árvores e mantendo a floresta em pé. A comercialização do açaí cresceu 15 mil por cento entre 2012 e 2022. O produto era considerado um PANC (Produto Alimentício Não-Convencional), mas caiu tanto no gosto do brasileiro que esse nome já soa obsoleto. O cacau, segundo Nobre, já foi responsável por aumentar em sete vezes a renda de produtores amazônicos que decidiram apostar no produto. “Conheço cooperativas de indígenas que produzem o cacau e que já estão pensando em como farão para produzir também o chocolate”, conta.
Mas exemplos práticos dessa bioeconomia ainda são raros. De acordo com um levantamento feito pela equipe de Nobre, em toda a Amazônia Legal não existem nem 60 pólos produtivos de produtos florestais sustentáveis, então o desafio atual é escalonar. “Gosto sempre de trazer o exemplo da Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (CAMTA), no Pará, que reúne mais de 1.800 agricultores, a maioria dos quais já atingiu rendas de classe C”, disse.
Apesar de incipiente, essa nova forma de pensar o desenvolvimento da Amazônia é absolutamente factível, mas precisa de investimento e suporte científico e tecnológico. Para isso, Nobre defende a criação de um instituto tecnológico pan-amazônico de ponta, nos melhores moldes nacionais e internacionais. “Se hoje temos a Embraer é porque tivemos o ITA. Precisamos de um ITA para a Amazônia, um MIT para a Amazônia, um AmIT”, brincou o Acadêmico.