Em 1918, um vírus letal matou 50 milhões de pessoas. A gripe espanhola surgiu num mundo com menos de 2 bilhões de pessoas e mesmo assim matou sete vezes mais que a covid-19, cujo número global de mortos hoje está na casa dos 7 milhões, numa população de 8 bilhões. O papel da ciência nesse resultado é óbvio, e através de duas tecnologias: as vacinas, que permitiram o fim da pandemia, e a internet, que permitiu manter um mínimo funcionamento da economia e sociedade mesmo que à distância.

Essa foi uma das reflexões do presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine Ribeiro, durante o debate “Ciência, Tecnologia e Inovação em Defesa da Vida”, na 75ª Reunião Anual da SBPC, que ocorre de 23 a 29 de julho na Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba. O filósofo esteve acompanhado da presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Bonciani Nader, do vice-presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Marco Aurélio Krieger e Pedro Wongtschowski, coordenador da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI).

Da esquerda para a direita: Pedro Wongtschowski, Marco Aurélio Krieger, Renato Janine Ribeiro e Helena Bonciani Nader (Foto: Jardel Rodrigues/SBPC)
A presidente da ABC, Helena Bonciani Nader

A gestão federal desastrosa da pandemia jogou contra a ciência, com alguns resultados trágicos. Além do país ter quatro vezes a média global de mortos, a campanha de descrédito contra os imunizantes fez com que a cobertura vacinal caísse, em um país que outrora já foi exemplo mundial em campanhas de imunização em massa. Mas, mesmo sob duros ataques, a resposta da ciência brasileira à crise foi positiva, avaliou Helena Nader. “A Fiocruz e o Butantan se mobilizaram, fizeram as parcerias internacionais, e conseguiram nos dar as vacinas”.

O que a ciência não conseguiu, segundo Nader, foi reverter as fake news. Ela ressalta que nem toda a comunidade científica combateu as inverdades. “Alguns cientistas e médicos inclusive apoiaram o uso da ivermectina e da cloroquina, mesmo com provas de que faziam mal à saúde humana”, destacou a biomédica.

Mas alguns dos problemas que atingiram o país na pandemia eram estruturais. A dependência externa para conseguir os ingredientes farmacêuticos ativos (IFAs) causou atrasos importantes, o que custou vidas. Essa experiência fez com que o novo governo traçasse como uma de suas primeiras metas o fortalecimento do complexo econômico-industrial da saúde, de forma a suprir pelo menos 70% de toda a demanda por insumos e fármacos no país.

O setor tem algumas vantagens que o tornam um bom alvo de investimentos para o Brasil priorizar. O país conta com expertise acumulada tanto nas universidades quanto nas empresas, além de institutos de ponta como a Fiocruz e o Butantan. Além disso, a demanda do SUS por medicamentos e insumos faz com que o Estado brasileiro tenha um poder muito grande de investimento e direcionamento da indústria para áreas prioritárias, e este deve ser utilizado. “Com isso podemos garantir volume e escala muito facilmente”, argumentou Wongtschowski, representante do setor.

“A indústria de química fina do Brasil foi destruída”, lembrou Nader. Recuperá-la é parte integral do enfrentamento às novas pandemias – que certamente virão. “Precisamos ter uma política de Estado, de modo que o investidor tenha garantias”.

Fazer isso não é apenas factível como já foi feito antes, lembrou Marco Aurélio Krieger. “A indústria farmacêutica brasileira já cresceu à níveis de Coréia e Japão por conta da política de genéricos e investimentos. Podemos fazer de novo”, disse esperançoso.